GLAUCOMA CONGÊNITO: REVISÃO DE LITERATURA

CONGENITAL GLAUCOMA: LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10408338


Marcus Alves Caetano de Almeida¹
Mateus Guimarães Pascoal¹
Danillo Xavier Santos¹
Ekaterine Apostolos Dagios¹
Désirée Mata de Sousa²
João Vitor Falchetti³


Resumo: O Glaucoma Congênito (GC) é uma doença de base genética definida por uma neuropatia óptica causada pelo aumento da pressão intraocular (PIO). Pode ser classificada em forma primária ou secundária, representando a principal causa de cegueira irreversível no mundo em pacientes pediátricos. Classicamente, o quadro clínico envolve epífora, fotofobia e blefaroespasmo associados ou não ao buftalmo. A propedêutica envolve a realização do exame oftalmológico completo: biomicroscopia, tonometria, gonioscopia e fundoscopia. O tratamento é essencialmente cirúrgico e quanto mais precoce a sua realização melhor o prognóstico.

Palavras-chaves: Glaucoma Congênito, Pressão Intraocular, Cegueira na infância.

Abstract: Congenital Glaucoma is a genetic disease defined by an optic neuropathy caused by increased intraocular pressure. It can be classified in primary or secondary form, representing the main cause of irreversible blindness in the world in pediatric patients. Classically, the clinical picture involves epiphora, photophobia and blepharospasm associated or not to buftalm. The propaedeutics involves the complete ophthalmic examination: biomicroscopy, tonometry, gonioscopy and fundoscopy. The treatment of congenital glaucoma is essentially surgical and the earlier its realization, the better the prognosis.

Keywords: Congenital Glaucoma, Intraocular Pressure, Blindness.

1.   INTRODUÇÃO

A palavra “glaucoma” deriva do grego “glaukos”, que significa coloração “esverdeada”. Não se compreende muito bem o porquê da utilização desse termo na antiguidade, no entanto acredita-se estar referindo a um grupo de patologias oftalmológicas que levavam a cegueira ou aumento do globo ocular, cujo brilho ocular era referido nessa coloração ¹.

De fato, o reconhecimento do que hoje chamamos de glaucoma não era uma entidade conhecida naquela época pela dificuldade diagnóstica decorrentes de meios rudimentares para tal. Porém o registro mais antigo de uma doença de natureza glaucomatosa é identificado em uma placa de argila na antiga Mesopotâmia, em que nela está gravada a imagem de uma criança com os olhos aumentados de tamanho, termo chamado na oftalmologia de buftalmo, e fazendo referência provavelmente a um glaucoma congênito 2.

Com o passar dos séculos houve melhor compreensão do que se tratava aquela patologia, e mesmo com as dificuldades diagnósticas foram surgindo algumas analogias e observações. Hipócrates em 400 a.c relacionou a doença com o aumento dos olhos dos bebês, e em um dos seus aforismos referia-se tratar o “glaucoma” com sangrias, medidas rudimentares que atualmente se sabe que pode levar a redução da pressão intraocular, mesmo que de maneira transitória 1, 2.

Ainda em se tratando do contexto histórico, o termo catarata e glaucoma foi longamente indistinto, ocorrendo sua diferenciação em 1748, por Daviel em que foi verificado que uma forma primária de cirurgia extracapsular da catarata não curava o glaucoma. A partir do século XIX, com o rápido desenvolvimento técnico o conhecimento da doença se tornou mais pormenorizado, especialmente com a publicação do manual de histologia humana e comparativa em 1873, em que se descreveu pela primeira vez o sistema de drenagem angular incluindo estruturas anatômicas como o canal de Schlemm e a membrana de Descemet 1, 2.

O GC é uma doença com base genética que é caracterizado pelo aumento da pressão intraocular (PIO) com consequente progressão para uma neuropatia óptica. Ela pode ser categorizada em dois grupos: Glaucoma Congênito Primário (GCP) e Glaucoma Congênito Secundário (GCS). O primeiro grupo representa a maioria dos casos, é manifestado geralmente antes dos cinco anos de idade e não possui outras manifestações sistêmicas, sendo caracterizado apenas por uma trabecular disgenesia isolada, ou seja, ocorre uma malformação na malha trabecular impedindo a drenagem fisiológica do humor aquoso 3, 4.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou em 1997 a prevalência de 300.000 casos de GC no mundo, em que 200.000 representavam a forma primária da doença. Sua incidência em determinada população varia de acordo com a raça, etnia e grau de consanguinidade. Nos países ocidentais como os da Grã-Bretanha e EUA situa-se em 1:10.000 e 1:70.000 respectivamente, já na Arábia Saudita e Eslováquia encontra-se em torno de 1:2500 e 1:1250 3, 4.

O GCS ocorre por uma anomalia frequentemente genética com manifestações oculares ou sistêmicas. As principais doenças relacionadas a essa condição são: Síndrome de Axenfeld-Rieger, Aniridia e Anomalia de Peters. A primeira doença engloba um conjunto de alterações oculares e sistêmicas, apresenta uma ocorrência rara, registrada com uma frequência de 1:200.000 casos na população mundial. Ela apresenta um padrão de herança autossômica dominante e em todos os casos 50% dos afetados desenvolve a doença glaucomatosa. Caracteriza-se morfologicamente por um embriotoxon posterior marcado pela proeminência anterior da linha de Schwalbe desenvolvendo um anel periférico na córnea, processos irianos anteriorizados, hipoplasia do estroma e ainda pode existir aderências iridocorneais periféricas. Entre as anormalidades sistêmicas pode-se encontrar microdontia, maxila e nariz chatos, cardiopatia, surdez, entre outros 4.

A aniridia é uma doença autossômica dominante, com incidência mundial de 1: 64.000, afeta ambos os olhos e é caracterizada por sua alteração mais evidente, a hipoplasia da íris. Além disso apresenta uma câmara anterior rasa, corpo ciliar hipoplásico, catarata de caráter progressiva e desenvolvimento de glaucoma. Manifesta-se clinicamente por redução da acuidade visual e nistagmo. Frequentemente a doença pode estar associada a presença de tumor de Wilms, sendo mandatórios nesses casos sua investigação 5.

Por último, a anomalia de Peters é uma doença também rara, com incidência mundial ainda desconhecida e tem um padrão de herança autossômica recessiva. É caracterizada pela ausência central da membrana de Descemet concomitante ao seu endotélio corneano no local acometido. Geralmente estão presentes opacidades corneanas centrais ou paracentrais, aderências iridocorneais e catarata. O glaucoma se associa em 50% dos afetados. Na maioria dos casos a manifestação clínica principal é baixa de acuidade visual 4, 6.

O GC merece atenção adequada do profissional de saúde porque constitui a principal causa de cegueira irreversível em pacientes pediátricos, com prevalência estimada de 4% a 18 % em todo mundo. Portanto chama-se a atenção para um diagnóstico e tratamento precoces a fim de impedir complicações e obter um melhor prognóstico 3.

 2.   FISIOPATOGÊNESE

2.1 Glaucoma Congênito Primário

O desenvolvimento do GCP tem uma forte base genética, e embora os casos sejam esporádicos até 40% de sua incidência seguem padrões de heranças recessivas autossômicas. Estudos das famílias afetadas foram capazes de identificar quatro loci diferentes associados à doença: GLC3A em 2p21, GLC3B em 1p36, GLC3C e GLC3D em 14q24. Desses o mais importante e prevalente é o primeiro, o qual representa local de mutação do citocromo P450 1B1 ou CYP1B1, seguido do loci GLC3D, local de mutação do LTBP2 (em inglês – Latent Transforming Growth Factor Beta Binding Protein 2) 2, 4.

A CYP1B1 faz parte do grande grupo de enzimas do citocromo P450, em que realizam várias etapas do desenvolvimento metabólico e hormonal no organismo. Diferentemente das outras enzimas de seu grupo que tem alta expressão no fígado ela é expressa principalmente nos tecidos extra-hepáticos como no rim, pulmão, cólon e olho, e embora o mecanismo da mutação levando ao desenvolvimento do GCP seja desconhecido sabe-se que ela é ricamente expressa no corpo ciliar e malha trabecular, tecidos essenciais para a regulação da pressão no compartimento anterior do olho. Mutações no LTBP2 constitui causas raras do desenvolvimento do GCP, entretanto já se sabe que ele está envolvido na montagem de microfibrilas e elastina, que no olho são sinalizados em quantidade expressivas na malha trabecular e corpo ciliar2, 4.

Independente do mecanismo genético envolvido na etiologia do GCP, nota-se uma trabecular disgenesia isolada caracterizada por um ou mais das seguintes anormalidades: ângulo iridocorneal subdesenvolvido, ausência do recesso angular e/ou a íris inserida diretamente na malha trabecular, dessa forma bloqueando a drenagem efetiva do humor aquoso4.

2.2 Glaucoma Congênito Secundário

2.2.1 Síndrome de Axenfeld-Riegler

Estudos avançados identificaram dois genes responsáveis pelas anormalidades na síndrome: PITX2 (em inglês – Paired-like Homeodomain Transcription Factor 2) e FOXC1 (em inglês Forkhead-related Transcription Factor C1). O mecanismo pelo qual ocorre o desenvolvimento do GCS é ainda desconhecido, porém sabe-se que a presença do primeiro gene é essencial na evolução embriológica ocular, em que determina o desenvolvimento do pedículo óptico e da câmara anterior do olho. Não obstante o segundo gene contribui também durante o desenvolvimento das vias ópticas, sendo expresso embriologicamente na crista neural, determinando a formação da malha trabecular. Importante citar que o FOXC1 é expresso não só nas estruturas oculares, mas também nos principais tecidos afetados pela síndrome, como o septo atrial, responsável pelo desenvolvimento da cardiopatia congênita. Em suma, o defeito congênito surge em razão da diferenciação e migração anormal das células que formam as estruturas anteriores do globo ocular2, 4.

2.2.2 Aniridia

A aniridia é causada por uma mutação no gene PAX6 (em inglês – Paried Box Protein PAX6) marcada por uma deleção no cromossomo 11p13, tal condição leva a uma inativação de uma de suas cópias no desenvolvimento embrionário, podendo determinar o desenvolvimento anormal da córnea, íris, cristalino, ângulo de drenagem do olho e corpo ciliar. Os tecidos irianos rudimentares podem colapsar contra a córnea periférica e obstruir o fluxo do humor aquoso, levando ao aumento da pressão intraocular, dano ao nervo óptico e consequentemente ao desenvolvimento do glaucoma 2 ,5.

2.2.3 Anomalia de Peters

Vários genes já foram relacionados com o desenvolvimento da anomalia, entre eles o PAX6, PITX2, CYP1B1 e FOXC1. Todos eles estão presentes na embriogênese ocular e são essenciais para a formação adequada da câmara anterior do olho. A ocorrência de mutações determina malformações nesse compartimento como opacificações corneanas, estroma posterior, ausência da membrana de Descemet e aderências entre a córnea posterior e o cristalino e/ou íris. Com a ocorrência dessa disgenesia a drenagem do humor aquoso é comprometida e instala-se a doença glaucomatosa 2, 6.

3.   CLÍNICA OFTALMOLÓGICA

A tríade clássica dos sintomas presente no GC é caracterizada por epífora, fotofobia e blefarospasmo, o qual é atribuível ao edema epitelial da córnea induzido pela PIO elevada. Contudo, os sintomas mais comumente identificados de maneira precoce pelos pais ou oftalmologistas são anomalias da córnea, tais como seu alargamento devido ao aumento da PIO ou sua opacificação como resultado das rupturas da membrana de Descemet, comumente conhecida como estrias de Habb, podendo estar associado ou não a presença de edema estromal. Além disso, como é uma forma de anomalia no desenvolvimento do segmento anterior, o GC é frequentemente associado a uma opacidade da córnea como uma sequela da disgenesia dessa câmara. Nesses casos, a opacidade da córnea pode levar à ambliopia por privação sensorial, e o resultado visual pode ser ruim, apesar do controle ideal da PIO. Um estudo relatou que a opacidade da córnea junto com a anisometropia foi responsável pela perda de visão em 50% dos pacientes com glaucoma infantil. Portanto, a avaliação da opacidade da córnea e seu manejo são críticos para o diagnóstico precoce da doença e o desfecho favorável nesses pacientes2, 4.

O GCP deve ser suspeitado em lactentes ou crianças que apresentam características clínicas como: fotofobia, buftalmia, blefaroespasmo, epífora, edema e opacificação da córnea, podendo ser encontradas também o adelgaçamento da esclera anterior e atrofia da íris. Em relação ao segmento posterior, ele se apresenta estruturalmente normal, exceto para atrofia óptica progressiva. No que tange à câmara anterior, há ausência de alterações estruturais visíveis compatíveis com o diagnóstico de disgenesia do segmento anterior ou doença sistêmica associada4.

Em relação à Síndrome de Axenfeld-Rieger, no que se refere à oftalmologia, ela se apresenta como uma uma disgenesia do segmento anterior, apresentando embriotoxon posterior, cadeias de íris aderentes à linha de Schwalbe, hipoplasia da íris, atrofia da íris focal e ectrópio uveal. O acometimento é sempre bilateral, podendo ser claramente assimétrica. Em relação ao quadro extra-oftalmológico, pode ocorrer características dismórficas, anomalias dentárias, perda auditiva sensorioneural, malformações cardíacas, anormalidades endócrinas e ortopédicas2, 11.

Na Aniridia, o panorâma clínico oftalmológico é evidenciado na primeira infância, e pode cursar com hipoplasia da íris completa ou parcial com hipoplasia foveal associada, resultando em redução da acuidade visual e nistagmo. Frequentemente associada a outras anormalidades oculares, geralmente de início tardio, incluindo catarata, glaucoma e opacificação e vascularização da córnea5.

Dentre as doenças secundárias, a Anomalia de Peters é a mais comum opacidade corneana congênita secundária à malformação do segmento anterior do olho. As principais características clínicas são opacidade corneana central e sinéquias da íris e/ou do cristalino com a região do leucoma. A opacidade corneana é o achado mais evidente da doença e pode ocorrer em densidades e tamanhos variáveis. O leucoma, circundado por córnea transparente, é secundário ao edema do estroma posterior e à ausência ou ao afinamento da membrana de Descemet e do endotélio. Há também desorganização do epitélio e perda da camada de Bowman. Em casos avançados, o leucoma pode ser vascularizado e protuberante. A íris atrófica adere à face posterior do leucoma, podendo ocorrer sinéquias anteriores, com desorganização da câmara anterior. Embora a córnea periférica seja transparente, pode haver esclerização do limbo (pannus). Outras possíveis alterações oculares são microcórnea, microftalmo, córnea plana, esclerocórnea, coloboma iriano, disgenesia do ângulo e da íris, ptose e hipoplasia do nervo óptico ou foveal. Podem ocorrer também retardo mental, cardiopatia e nefropatia congênitos, lábio leporino, displasia craniofacial e malformações ósseas, compondo, na presença de pelo menos um destes achados sistêmicos, a síndrome Peters-plus 10, 11.

 4.   DIAGNÓSTICO

Como já relatado, o diagnóstico precoce do GC é crucial, porém frequentemente não é feito com facilidade nos estágios iniciais, justamente pela falta de assimetria ocular acentuada. Por isso, uma suspeita forte do quadro clínico oftalmológico é de extrema importância, associada a uma anamnese detalhada e exame clínico sem falhas, sob uso de anestesia. Assim, com a suspeita de GC por meio das manifestações clínicas apresentadas pelo paciente, deve-se prosseguir a investigação diagnóstica e início da conduta semiológica imediata, com a realização da biomicroscopia, que são exames que identificam alterações oculares inespecíficas, podendo ser de várias anomalias; e a tonometria, gonioscopia e fundoscopia, que são capazes de elucidar dados mais específicos para essa doença. O diagnóstico certeiro inclui uma neuropatia óptica ocasionada por uma alta PIO > 20 mmHg, assimetria do disco > 0,2 com sua escavação > 0,3, diâmetro da córnea alargado, estrias de Haab, edema da córnea e miopia progressiva2, 7.

5.   ABORDAGEM CLÍNICA DO GCP

5.1 Exame clínico

No exame clínico se faz necessária a análise do reflexo pupilar e a realização da refratometria, comprimento axial do globo ocular e ceratometria. Dessa maneira, a córnea deve ser investigada quanto à sua qualidade e verificar se há alguma anomalia, como edema, cicatriz e estrias de Haab. Assim, deve-se medir o diâmetro horizontal e vertical da córnea. O valor de referência para recém-nascidos é de 9,5 a 10,5 mm para o diâmetro horizontal. Para um lactente de um ano, esse valor passa a ser de 10 a 11,5 mm. Isto é, se o diâmetro horizontal em um recém-nascido for mais do que 12mm, deve-se suspeitar de um GCP2.

5.2 Biomicroscopia

A biomicroscopia configura um dos exames que devem ser realizados para a investigação de doenças oculares, sobretudo do GC, embora não seja muito específico para essa anomalia. Possui como principal função a avaliação de estruturas do segmento anterior, como a córnea, íris e cristalino e do fundo do olho, analisando estruturas do nervo óptico e da retina central, estes últimos, por meio de lentes especiais agregadas ao instrumento chamado Lâmpada de Fenda ou Biomicroscópio. Dessa maneira, investiga alguma anomalia existente nessas estruturas, e se identificado é necessário a realização de exames mais específicos para que o diagnóstico seja devidamente elucidado12.

5.3 Pressão intra-ocular (PIO)

Na propedêutica obrigatória para o estudo do GC, a PIO representa um parâmetro de extrema relevância e a tonometria de aplanação de Goldmann (TAG) é o exame padrão ouro. Durante a investigação com uso de anestesia, muitos agentes anestésicos são capazes de influenciar a PIO da criança. Grande parte desses agentes faz a depressão do sistema nervoso central e, consequentemente, diminuem a PIO, tornando a sua documentação, muitas vezes, imprecisa. Paradoxalmente, o anestésico cetamina é capaz e aumentar o tônus muscular dos músculos extra-oculares, aumentando a PIO. Outro anestésico também é capaz de realizar um aumento transitório da PIO, a succinilcolina, sobretudo quando atinge seu pico 20 a 30 segundos após a injeção, mesmo tendo sido documentado que seu efeito é constritor para musculatura extra-ocular. Assim sendo, a PIO do paciente deve ser devidamente cartografada na primeira apresentação e no seu acompanhamento subsequentes2.

5.4 Gonioscopia

A gonioscopia é um exame usado pelos oftalmologistas para ajudar no diagnóstico e no acompanhamento de algumas enfermidades oculares, especialmente o glaucoma. O ângulo ocular dos bebês saudáveis é distinto das dos adultos, uma vez que possuem uma malha trabecular mais hipopigmentada, malha uveal translúcida e a linha de Schwalbe menos distinta, favorecendo uma confusão na diferenciação da junção entre o corpo ciliar e o corpo escleral. Nos bebês com GCP, a íris se insere anteriormente ao trabeculado uveal, propiciando uma inserção mais côncava ou planificada. Além disso, os vasos sanguíneos anômalos presentes na íris são vistos como alças ramificadas do círculo arterial principal2.

5.5 Fundoscopia

No exame de fundo de olho, em um bebê com GCP, o disco óptico se encontra aumentado. A glaucomatosa aumenta circunferencialmente, haja vista que o canal escleral está esticado em todas as direções. Após a normalização da PIO, a escavação característica ocasionada pode voltar ao normal devido a grande mobilidade do tecido conjuntivo componente do nervo óptico e da elasticidade da lâmina crivosa durante o desenvolvimento da criança. Porém essa reversão nem sempre acontece, pois a doença pode ocasionar um adelgaçamento contínuo da camada de fibras nervosas da retina e do nervo óptico 8.

6.   ABORDAGEM CLÍNICA DO GCS

Toda a abordagem utilizada para a identificação e diagnóstico do GCP deve ser utilizada para um melhor esclarecimento do GCS. Como o GCS possui um embasamento genético bastante expressivo, o estudo molecular e genético de pacientes com suspeita dessa enfermidade é de extrema importância através da extração do DNA de células mononucleares das amostras de sangue para posterior análise molecular2,4.

Nos pacientes com síndrome de Axenfeld-Riegler, por exemplo, pode-se identificar os genes PITX2 e FOXC1, que estão relacionados aos cromossomos 4q23 e 6p25 respectivamente. Além disso, mudanças encontradas no nível da íris são de grande importância ao estabelecer o diagnóstico de SAR, que incluem hipoplasia, corectopia e policoria. Além disso, a linha de Schwalbe geralmente está localizada anteriormente, como uma linha esbranquiçada na córnea posterior próxima ao limbo, podendo ser avaliada por gonioscopia. Em adição, quando ao exame se identifica disgenesia do segmento anterior, a principal hipótese diagnóstica deve ser a síndrome de Axenfeld-Rieger. Caracteristicamente, nessa síndrome não há acometimento corneano, diferenciando de outras disgenesias do segmento anterior8.

Já na anomalia de Peters, além dos genes encontrados na síndrome de Axefeld – Riegler, através da análise genética, pode-se identificar outros dois característicos, como o PAX6 e CYP1B. Essa doença será caracterizada pela presença de opacidade corneal central de tamanho e densidades variáveis. Além disso, pode-se identificar ao exame clínico alterações oculares como microftalmia, estropia e leucoma central à biomicroscopia. Em algumas situações, a fundoscopia se torna impraticável devido à opacidade da córnea9.

Na aniridia, a PIO chega a estar aumentada em até ¾ dos pacientes. Pode-se identificar alterações anatômicas crescentes no ângulo ocular, com pouca ou, até mesmo, ausente cobertura da malha trabecular com a íris remanescente. Ao longo do seu desenvolvimento, o coto da íris é capaz de cobrir a malha trabecular, resultando no aumento da PIO. A realização da gonioscopia de rotina deve ser incentivada para averiguar o desencadear da invasão do tecido da íris na malha trabecular. A baixa da visão e presença de nistagmo serão causadas pela hipoplasia foveal, detectada pela oftalmoscopia direta, com a presença de hipopigmentação associada a uma passagem diminuída de vasos pela zona avascular da fóvea. Além do mais, muitas vezes o reflexo foveal estará comprometido ou ausente. Ao exame tomográfico, não é identificada depressão foveal 5

7.   TRATAMENTO

7.1 Tratamento Medicamentoso

No GCP, a anomalia do ângulo de drenagem anterior limita o tratamento medicamentoso no controle da PIO, sendo esta reduzida eficazmente em menos de 10% dos pacientes. A ineficiência, o alto número de pacientes sem resposta e a dificuldade dos pais para administrar o colírio em crianças colaboram para o uso limitado do tratamento medicamentoso do GCP. Dessa forma, o tratamento medicamentoso é de suporte e possui o objetivo de diminuir a opacidade da córnea antes da cirurgia, ou ainda no pós- cirúrgico como adjuvante na diminuição da PIO2.

7.2 Tratamento Cirúrgico

A cirurgia é a terapia padrão aceita para GCP. Existem muitas opções cirúrgicas para o GCP, as principais incluem cirurgia angular, cirurgia de drenagem e ciclofotocoagulação. O diâmetro da córnea reflete a gravidade da doença, podendo guiar a escolha da cirurgia. O diâmetro da córnea menor que 13 mm geralmente representa GCP leve. No caso, as opções cirúrgicas são goniotomia ou trabeculotomia. Já o diâmetro entre 13 e 16 mm representa GCP moderado e, por mais que cirurgias de ângulo possuem maior chance de falha, podem ser tentadas. Também estão inclusas a trabeculotomia-trabeculectomia combinada, a trabeculectomia tradicional ou o implante de drenagem de glaucoma. O diâmetro da córnea superior a 16 mm indica GCP grave e a ciclofotocoagulação, assim como nos adultos, funciona como o último recurso2.

A goniotomia e a trabeculotomia fazem parte das cirurgias angulares. A primeira reduz a PIO ao quebrar a malha trabecular anormal, assim permite que a íris caia posteriormente, aprofundando o recesso do ângulo. Casos selecionados que encaixem nessa indicação apresentam resultados promissores. O estudo de Gramer et al mostrou que em cerca de 72% de pacientes com GCP, a goniotomia conseguiu atingir a PIO adequada em 88% deles 2, 3 .

Na cirurgia pela técnica da trabeculotomia, insere o instrumento trabeculótomo no canal de Schlemm, e abre a malha trabecular para a região anterior, esta janela artificial permite a passagem do humor aquoso e abaixa a PIO. É um procedimento considerável nos casos em que a opacidade da córnea impede a visualização das estruturas da câmara anterior, é também a cirurgia mais fácil, no entanto, utilizada em casos mais graves. Um estudo na China mostrou PIO menor ou igual a 21 mmHg em 91% dos pacientes, um ano após o procedimento. A trabeculotomia de 360 ° é uma modificação da cirurgia que faz a abertura do ângulo em uma única sessão. Essa modificação alcança uma duração mais longa do controle de pressão. A complicação mais comum da trabeculotomia é o hifema 2, 3.

Em alguns casos, a trabeculotomia é combinada com trabeculectomia e é realizada como uma cirurgia de primeira linha em pacientes com GCP. Alguns estudos tentaram demonstrar a superioridade da trabeculotomia combinada com trabeculectomia sobre à trabeculotomia e à trabeculectomia de forma isolada. Gathe et al demonstraram sucesso maior do procedimento combinado aos 6 e 60 meses de acompanhamento. Um dos motivos para maior sucesso no procedimento combinado pode ser devido à dupla via de saída após a cirurgia 3.

No tratamento de segunda linha, as opções são ou uma segunda cirurgia de ângulo ou o prosseguimento para uma cirurgia de filtração, seja uma trabeculectomia, procedimento de filtração, no qual uma fístula é criada sob um retalho escleral na câmara anterior, fazendo com que o líquido seja drenado da câmara anterior para o espaço subconjuntival, ou um implante de drenagem, dispositivo que atua como uma derivação para a aquosa, para que ela drene da câmara anterior para uma área de drenagem posterior em torno de uma placa suturada à esclera. A trabeculectomia apresenta altos números de endoftalmite relacionada à bolha (inflamação intra-ocular), indo de 7% a 14%, e mostram a importância de seguimento vitalício. A drenagem também pode cursar com complicações, sendo elas da trompa (toque da córnea, exposição ao implante, bloqueio do tubo, luxação) ou distúrbios da motilidade 2.

Os procedimentos ciclos destrutivos são os de último recurso nos glaucomas pediátricos refratários, assim como em adultos. Podendo- se destruir o corpo ciliar através de ciclocrioterapia (temperaturas de congelamento), ciclofotocoagulação transcleral (laser) ou ciclofotocoagulação endoscópica (laser com endoscópio). As complicações incluem hipotonia, phthisis (encolhimento do globo ocular), uveíte, catarata e perda visual 3.

8.   CONCLUSÃO

O GC merece atenção adequada do sistema de saúde mundial, uma vez que constitui a principal causa de cegueira irreversível em pacientes pediátricos, com índices de prevalência para cegueira infantil estimados entre 4% a 18 % em todo mundo. Seu mecanismo fisiopatológico ainda não é totalmente conhecido, apesar de já se saber da forte dependência de uma base genética. Tendo em vista da sua prevalência e repercussões clínicas, é essencial o avanço nas pesquisas em busca de promover diagnóstico cada vez mais precoce e inovações terapêuticas à procura de melhores prognósticos.

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1Médico clínico graduado pela Universidade Católica de Brasília (UCB).
2Médico clínico graduado pela Universidade Evangélica de Goiás (UNIEVANGÉLICA).
3Médico Cirurgião geral graduado pela Universidade Federal de Goiás (UFG).