GINECOMASTIA EM PACIENTE COM MICROPROLACTINOMA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: UM RELATO DE CASO

GYNECOMASTIA IN A PATIENT WITH MICROPROLACTINOMA IN PRIMARY CARE: A CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8015798


Thais Gomes Moreiraa, Walquiria Gelinski Henickab


RESUMO

O desenvolvimento do tecido mamário em homens chamado de ginecomastia pode ter várias causas, com evolução transitória ou duradoura, ampliando assim as formas de tratamento. O diagnóstico de ginecomastia vai desde avaliação clínica e física até exames laboratoriais como a dosagem de prolactina que quando se encontra alterada levanta-se as hipóteses diagnosticas de hipotiroidismo, uso de determinados medicamentos, adenomas hipofisários, cirrose hepática, insuficiência renal, macroprolactinemia, acromegalia. O objetivo desse relato é demonstrar um caso de mastalgia em homem jovem com medo de neoplasia na atenção primária. Foi constatado ginecomastia unilateral em exame físico. Realizado exames laboratoriais e de imagem que possibilitou a descoberta de um microprolactinoma, apesar da ausência de clínica típica de adenoma hipofisário funcionante . O acesso em uma unidade básica de saúde permitiu com que o paciente fosse acolhido, orientado quanto aos diagnósticos possíveis, mantivesse a saúde mental preservada, diagnóstico estabelecido, referenciado a atenção secundária para avaliação especializada e terapêutica especifica.

Palavras chaves: prolactinoma ; ginecomastia; atenção primária;

SUMMARY

The development of breast tissue in men called gynecomastia can have several causes, with transient or lasting evolution, thus expanding the forms of treatment. The diagnosis of gynecomastia ranges from clinical and physical evaluation to laboratory tests such as prolactin dosage, which, when altered, raises the diagnostic hypotheses of hypothyroidism, use of certain medications, pituitary adenomas, liver cirrhosis, renal failure, macroprolactinemia, acromegaly. The objective of this report is to demonstrate a case of mastalgia in a young man with fear of neoplasia in primary care. Unilateral gynecomastia was found on physical examination. Laboratory and imaging tests were carried out, which allowed the discovery of a microprolactinoma, despite the absence of a typical clinical picture of a functioning pituitary adenoma. Access to a basic health unit allowed the patient to be welcomed, guided about possible diagnoses, maintain preserved mental health, established diagnosis, referred to secondary care for specialized evaluation and specific therapy.

Keywords: prolactinoma; gynecomastia; primary attention;

1 INTRODUÇÃO

A mastalgia ou “dor nas mamas”, é um sintoma comum em atendimentos na Atenção Primária à Saúde (APS), sendo frequente nas queixas femininas comparado às masculinas (NUNES, A.R., et al.). Contudo, é esperado que alguns homens recorram à consulta queixando-se de mastalgia e ginecomastia, necessitando de investigação, devido à APS ser a porta de entrada do usuário do SUS.

Nesse sentido, o acolhimento do indivíduo, já no primeiro momento da busca por atendimento, contribui para que o diagnóstico seja alcançado o mais precocemente, criando vínculo entre médico e paciente, trazendo conforto e direcionamento adequado para a investigação da queixa do paciente.

Em geral, as queixas relacionadas à mama, principalmente a mastalgia, ocorrem em até 69% das mulheres em alguma fase da vida, sendo mais frequente entre 30 e 50 anos. Entre as causas, a mastalgia cíclica, ou seja, relacionado ao processo do ciclo menstrual é muito comum, mas a mastalgia acíclica pode ser encontrada em até 1/3 das mulheres, e que são decorrentes de processos hormonais benignos da mama, que melhoram após a menopausa (ABCMED, 2019).

Já nos homens, a incidência de mastalgia é bem menor, e pode ocorrer por diversas causas, sendo uma delas a neoplasia de mama, com a proporção de 1 homem a cada 100 mulheres, mas os sintomas ocorrem em estágios mais avançados (UGUETTO, W., 2018).

1.1 Ginecomastia

A ginecomastia é o termo dado para o crescimento da mama masculina e pode ser do tipo transitório ou definitivo. Esse fenômeno se dá devido aparecimento de ramificações secundárias dos ductos mamários e hiperplasia estromal, podendo ser dividida em fisiológica e patológica.

As causas fisiológicas da ginecomastia tem períodos bem esclarecidos como: a) neonatal, que ocorre devido aos hormônios maternos e placentários; b) puberal, devido alteração da relação entre estrogênio e androgênio; e c) senil, causada por redução da concentração da testosterona total e livre, e ao aumento da globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG), alteração do hormônio luteinizante (LH) e níveis de estradiol mantidos (CANHAÇO, E. E. et al., 2015; MATOS, L.P. et al., 2021). Segundo CAMARGOS et al (2007), a maior parte da ginecomastia é do tipo bilateral, mas cerca de 20% ocorre de forma unilateral.

Já as causas patológicas se dividem em: a) medicamentosa como: isoniazida, digitálicos, cetoconazol, espironolactona, metronidazol, etomidato, cimetidina, risperidona, dentre outros; b) diminuição da produção ou ação da testosterona de causa congênita, como a Síndrome de Klinefelter, e adquiridas, como traumatismo e orquite viral; c) aumento da ação estrogênica devido aumento da produção como em casos de tumores ou aumento da aromatização periférica como doenças hepáticas, suprarrenais e tireoidianas (CANHAÇO, E. E. et al., 2015; MATOS, L.P. et al., 2021).

Dado às diversas causas, o desafio se dá em coletar em anamnese detalhada, pois o diagnóstico baseia-se na história clínica e exame físico minuciosos, para descartar falsas causas de ginecomastia, como às devido o excesso de tecido adiposo, além da necessidade de solicitar exames complementares, como função hepática (TGO, TGP) e renal (uréia e creatinina), dosagens hormonais como testosterona total e livre, gonadotrofina coriônica (hCG), estradiol, hormônio luteinizante (LH), hormônio estimulante da tiroide (TSH), tiroxina (T4); e exames de imagem, como a ultrassonografia de mama, radiografia de tórax, tomografia computadorizada ou ressonância magnética.

Diante o diagnóstico estabelecido, a escolha para o tratamento da ginecomastia varia conforme a causa, podendo ser indicado o uso de androgênios, inibidores da aromatase e antiestrogênicos. Conforme CANHAÇO et al (2015), casos em que a ginecomastia tem evolução por mais de 18 meses ou afeta psicologicamente o indivíduo, pode ser necessário tratamento cirúrgico. Assim, a técnica cirúrgica mais comum para tratamento da ginecomastia é a mastectomia subcutânea, onde é realizado abordagem peri ou transareolar para acesso e ressecção direta do tecido glandular, podendo ou não utilizar a lipoaspiração concomitantemente (MEDEIROS, MMM. 2012).

1.2 Hiperprolactinemia

A prolactina é um hormônio sintetizado na adeno-hipófise e sua função é estimular a lactação. Já a hiperprolactinemia é definida como o excesso do hormônio prolactina, que pode levar a sintomas como diminuição da libido, alteração menstrual, infertilidade, galactorréia, diminuição da densidade mineral óssea. Entre suas causas, estão: a) fisiológicas como gestação, amamentação, estresse, estímulo da região mamilar; b) farmacológicas como alguns antipsicóticos, antidepressivos tricíclicos, anti-hipertensivos, medicamentos de ação gastrointestinal e inibidores seletivos da recaptação de serotonina; c) patológicas como os prolactinomas (por exemplo o adenoma hipofisário funcionante), hipotiroidismo, adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes, cirrose hepática, insuficiência renal, macroprolactinemia (prolactina de alto peso molecular) e acromegalia (MINISTERIO DA SAÚDE, 2020; CORRÊA, B.M.P et al, 2021).

Os prolactinomas são os subtipos de tumores hipofisários mais comuns e podem se dividir em dois tipos, os microadenomas, quando se apresentam menores que 10 milímetros de diâmetro, ou macroadenomas, quando têm mais de 10 milímetros. CORRÊA et al (2021) afirma que os prolactinomas são mais comuns em mulheres do que homens em uma proporção de 10:1 na forma de microprolactinoma, enquanto nos homens, a forma mais comum é o macroprolactinoma. Assim, sua divisão se dá pelo tamanho, ou seja, os microprolactinomas apresentam valores de até 100ng/ml, e os macroprolactinomas apresentam valores maiores que 250ng/ml.

O diagnóstico pode ser realizado através de tomografia computadorizada e ressonância magnética, sendo esta cujas alterações encontradas descrevem os adenomas por apresentar-se hipointensos em T1 e com sinal variável em T2, o que permite um diagnóstico mesmo sem o uso de contraste, como explica EDUARDO et al (2018).

O tratamento desses tumores tem como objetivo buscar a diminuição do adenoma e a regulação hormonal, sendo instituído como padrão-ouro a terapia medicamentosa com agonistas dopaminérgicos, como a cabergolina e bromocriptina, sendo essa última com mais efeitos colaterais. Outras opções terapêuticas são a cirurgia, considerado tratamento de segunda linha, cuja principal abordagem é a resseção transesfenoidal,, e que geralmente está indicada para os macroprolactinomas, e por último, a radioterapia, para tumores agressivos ou malignos e que não respondem à terapia medicamentosa ou à cirurgia (PALIATO, M. et al, 2018; CORRÊA, B.M.P et al, 2021).

2 MÉTODO

O estudo clínico tipo relato de caso, retrospectivo e descritivo, foi realizado com base no prontuário médico e autorização do paciente, experiência médica além da revisão  bibliográfica através de artigos e protocolos do Ministério da Saúde . 

3 RELATO DE CASO

SFC, 39 anos, masculino, procedente de Goiânia/GO, previamente hígido, nega hábitos como o etilismo e tabagismo, e sem uso de medicação contínua, comparece em consulta na Atenção Primária à Saúde (APS) em janeiro de 2023, com queixa de mastalgia à esquerda associado a nodulação em mamilo ipsilateral há aproximadamente 2 meses. Não havia relatos de galactorréia, disfunção sexual, diminuição da libido. Ao exame físico, apresentava mamas simétricas em tamanho e volume, sendo a mama esquerda com massa palpável, localizada em quadrante superior lateral (QSL), de consistência fibroelástica e não aderida à planos profundos, sem sinais flogísticos, e descarga papilar ausente.

Diante do quadro descrito, optou-se em iniciar a investigação por meio de solicitação de exames laboratoriais, tais quais: TSH e T4 livre, função hepática e renal, FSH e LH, todos com resultados dentro da normalidade para o gênero e idade, testosterona total de 90ng/dl, testosterona livre de 2,77ng/dl e prolactina de 98,8ng/ml. A glicemia de jejum foi de 107mg/dL, a hemoglobina glicosilada de 5,7% e, IMC dentro da normalidade. Na ultrassonografia de mama esquerda, foi evidenciado tecido hipoecóico na região retroareolar sugestiva de proliferação de tecido fibroductal, sugerindo ginecomastia de padrão dendritoco e classificado como categoria 2. A ultrassonografia de mama direita não foi encontrado alterações. O paciente não relatou sintomas neurológios, como cefaleia, vertigem e alteração de campo visual. Em seguida, foi solicitado uma Ressonância Nuclear Magnética (RNM) de hipófise que revelou formação nodular no terço posterior da cavidade selar à esquerda medindo 6,8 x 5,3 x 5 mm (LL x AP x CC), correspondendo a microadenoma, além de haste pituitária desviada para direita.

Figura 1 e 2: corte coronal de RNM de hipófise demonstrando formação nodular arredondada com hipersinal medindo 6,8 x 5,3 x 5 mm (LL x AP x CC), localizada no terço posterior da cavidade selar à esquerda. Haste pituitária com desvio à direita. Fonte: imagem fornecida pelo paciente e extraída do prontuário.

Dessa forma, o exame de imagem foi primordial na elucidação diagnóstica, e o paciente foi encaminhado para avaliação da endocrinologia para tratamento com agonista dopaminérgico e avaliar necessidade de reposição de testosterona, além da avaliação pela equipe de mastologia, onde será discutido a necessidade de intervenção cirúrgica específica para lesão nodular da mama esquerda. O paciente segue sendo supervisionado pela APS, orientado a realizar a prática de atividade física regular, dieta balanceada para melhora da resistência à insulina e, consequentemente, à redução dos níveis de glicemia de jejum, solicitação de densitometria óssea, além do suporte psicológico. Por fim, trazer o paciente para este acompanhamento com a equipe da APS, garante a coordenação do cuidado, além de oferecer o suporte à sua saúde em todas as suas necessidades, fortalecendo o vínculo entre equipe e paciente, e fornecendo uma assistência integral à saúde.

4 CONCLUSÃO

A importância deste trabalho se deve à sua relevância, uma vez que não se tem comumente um paciente masculino com ginecomastia unilateral, o qual teve seu diagnóstico de microprolactinoma, realizado em uma APS. Além da estatística ser menor em homens, assim como a procura pelo serviço em Atenção Primária ser demasiadamente maior entre o público feminino em geral e, sobretudo, com queixas relacionadas a alterações da mama, como mastalgia, ginecomastia, entre outros, este caso mostra um paciente do sexo masculino que não era tabagista ou etilista, não fazia uso de nenhuma medicação contínua, assim como outras drogas, e teve seus exames laboratoriais de função tireóidea, renal e hepática com resultados normais, associado ao aumento da glicemia e prolactina, o que levou a suspeita em seguir com uma melhor investigação da causa. Por conseguinte, através da ressonância nuclear magnética de hipófise, obteve o diagnóstico de microprolactinoma.

Contudo, este estudo mostra também o quão valioso é o acolhimento na APS, acesso primário ao paciente, associado à integralidade e coordenação do cuidado, que é ferramenta fundamental na resolubilidade e acompanhamento do caso. Dessa forma, apesar de haver uma maior preocupação com queixas relacionadas às mamas nas mulheres, assim como o maior número de casos de afecções e neoplasia da mama ser no sexo feminino, este estudo vem para despertar um olhar mais atento ao público masculino. Isso porque com o diagnóstico e tratamento precoce, é possível minimizar impactos ou modificar repercussões mais graves na vida do paciente, como manifestações crescimento e invasão tumoral, tumores secundários, alterações neurológicas, hipogonadismo, osteoporose, hipopituitarismo (CORRÊA, B.M.P et al, 2021).

Dessa forma, mesmo não sendo comum no cotidiano do médico e Equipe de APS, devemos sempre considerar a queixa apresentada em consulta, e lembrar que, embora raro, é possível em uma consulta na Atenção Básica, estar diante de patologias infrequentes e que, quando identificadas precocemente, pode-se proporcionar uma melhor qualidade e perspectiva de vida para aquela pessoa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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a Universidade Federal da Grande Dourados. R. João Rosa Góes, 1761 – Vila Progresso, Dourados – MS, 79825-070, médica generalista, gomesmoreirathais@gmail.com.

b Universidade Federal da Grande Dourados. R. João Rosa Góes, 1761 – Vila Progresso, Dourados – MS, 79825-070, médica generalista, walquiriahenicka@hotmail.com.