GESTÃO ESTRATÉGICA DA SAÚDE PÚBLICA: ANÁLISE DOS DESAFIOS ENFRENTADOS PARA O ATENDIMENTO ÀS DOENÇAS CARDIOVASCULARES, NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19

STRATEGIC MANAGEMENT OF PUBLIC HEALTH: ANALYSIS OF THE CHALLENGES FACED IN THE CARE OF CARDIOVASCULAR DISEASES, IN THE CONTEXT OF THE COVID-19 PANDEMIC

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7742136


Jorge Luiz Rocha1
José Rocha Moreira Junior2
Luiz Antonio Silva de Azevedo3


Resumo

O presente estudo trata da gestão estratégica da saúde pública do manejo de pacientes portadores de doenças cardiovasculares, no contexto da pandemia de Covid-19. A expansão do período pandêmico forçou a suspensão dos atendimentos clínicos e procedimentos preventivos oferecidos a esses usuários. No entanto, não cessou a responsabilidade do Estado em manter os cuidados dessa população. O objetivo foi identificar os principais desafios enfrentados e as ações estratégicas implementadas pelos gestores da saúde do município do Rio de Janeiro para manter o enfrentamento das doenças cardiovasculares e, assim, evitar a morbimortalidade prematura desses pacientes, em caso de infecção pela COVID-19. Quanto à metodologia trata-se de pesquisa exploratória descritiva, de natureza aplicada e abordagem qualitativa. Utilizou-se questionário à gestão de nível estratégico, via Central Rio1746; entrevista semiestruturada com os gestores operacionais e observação. Os resultados demonstraram uma desconexão entre o nível estratégico com as realidades na operação das decisões, enquanto gestores operacionais encaram os dilemas como apenas mais um dentre os muitos em sua rotina. Com base nas análises feitas, conclui-se que o trabalho dos gestores de unidades de saúde enfrenta desafios diários. A suspensão dos atendimentos, durante a pandemia diminuiu a circulação local, com estratégia para pacientes com doenças cardiovasculares em situação crítica. O estudo não esgota a necessidade de investigação sobre o tema.

Palavras-chave: Gestão Estratégica; Doenças Cardiovasculares; COVID-19; Saúde Pública.

Abstract

The present study deals with the strategic management of public health in the management of patients with cardiovascular diseases, in the context of the Covid-19 pandemic. The expansion of the pandemic period forced the suspension of clinical care and preventive procedures offered to these users. However, the State’s responsibility to maintain the care of this population has not ceased. The aim was to identify the main challenges faced and the strategic actions implemented by health managers in the city of Rio de Janeiro to continue to face cardiovascular diseases and, thus, avoid premature morbidity and mortality of these patients,

in case of infection by COVID-19. As for the methodology it is descriptive exploratory research, with an applied nature and a qualitative approach, with bibliographical and documental investigation and field study. A strategic level management questionnaire was used, by Central Rio1746; semi-structured interview with operational managers and observation. The results demonstrated a disconnect between the strategic level and the realities in the operation of decisions, while operational managers face the dilemmas as just one more among many in their routine. Based on the analyses, it is concluded that the work of health unit managers faces daily challenges. The suspension of care during the pandemic reduced local circulation, with a strategy for patients with cardiovascular diseases in a critical situation. The study does not exhaust the need for research on the subject.

Keyword: Strategic Management; Cardiovascular Diseases; COVID-19; Public Health.

1. Introdução

A alta incidência de mortalidade prematura4 no mundo causada por Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)5  provoca impactos socioeconômicos, comprometendo o desenvolvimento das nações, em especial os países pobres e em desenvolvimento (WORLD HEALTH ORGANIZATION, s/d). No Brasil, esses grupos de doenças crônicas corresponderam a 56,1% do total de óbitos registrados em 2019, sendo as do grupo cardiovasculares as que apresentam maior incidência (BRASIL, 2021).

A Organização das Nações Unidas (ONU) encara o enfrentamento a essas doenças como um desafio global. Assim, produziu o Plano de Ação Global de combate às DCNT, após uma Reunião de Alto Nível com a participação dos chefes de Estado dos países membros. Esse plano gerou, através da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agenda 20306, com a meta em reduzir em um terço esses óbitos (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021).

No Brasil foi elaborado o plano de ações de estratégicas, em 2011, que mostrou importantes resultados das ações preventivas multissetoriais, segundo o Ministério da Saúde (MS). Fundamentado em três eixos7 para coordenar as ações governamentais, sua execução ocorre principalmente nos municípios. Em 2021, essas políticas públicas nacionais para a promoção da saúde e para o enfrentamento às DCNT foram analisadas – permitindo constatar uma redução dos óbitos no período entre 2000 e 2019 – e, a partir dos resultados, as metas foram redefinidas no plano de ações Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANT). O objetivo de incluir os agravos não transmissíveis (violências e acidentes) se justifica pelo alto índice de morbimortalidades com causas violentas e acidentais. Por essa razão, o plano estratégico, ao ampliar as causas de óbitos prematuros, passa a ser chamado de Plano Dant (BRASIL, 2021).

Os fatores de risco para as DCNT, classificados como comportamentais e metabólico, são modificáveis e devem ser acompanhados e monitorados. Segundo Malta e Silva Jr. (2020), é preciso implementação de políticas públicas multissetoriais para a prevenção, o combate e o enfrentamento das consequências causadas pelas doenças crônicas.

O cenário de pandemia, que chegou ao Brasil em 2020, apresentou desafios aos gestores da saúde para manter os cuidados aos portadores de doenças crônicas, devido ao risco de contágio pelo novo coronavírus. Naquele momento, diante de uma conjuntura sem precedentes, os sistemas de resposta foram desafiados a enfrentar uma emergência sanitária com poucas informações para construir os processos decisórios (RODRIGUES, K. F.; CARPES, M. M.; RAFFAGNATO, 2020). 

A gestão pública precisou adotar medidas estratégicas para conter a propagação do coronavírus e, ao mesmo tempo, continuar o monitoramento dos portadores das doenças cardiovasculares (DCV). A gestão estratégica está relacionada com as competências do líder e de sua capacidade em gerenciar pessoas e recursos para alcançar os objetivos estabelecidos. No âmbito da saúde, nesta situação complexa e sem precedentes, os dilemas morais e técnicos dificultam a tomada de decisão e ações estratégicas (OLIVEIRA, 2007; PEREIRA, 2016).

Diante desta realidade, o presente artigo busca responder a seguinte questão central: Quais os principais desafios enfrentados e as ações estratégicas implementadas pelos gestores da saúde para prevenir o agravamento das doenças crônicas cardiovasculares e, simultaneamente, evitar que esses pacientes fossem infectados pelo coronavírus, no município do Rio de Janeiro?

Para responder o problema de pesquisa, estabelece-se como objetivo geral identificar os principais desafios enfrentados e as ações estratégicas implementadas pelos gestores da saúde do município do Rio de Janeiro para manter o enfrentamento das DCV e, assim, evitar a morbimortalidade prematura desses pacientes, em caso de infecção pela COVID-19.

A partir dessa delimitação temática apresentada, definem-se como objetivos específicos: apresentar o conceito das DANT, relacionando-o como plano estratégico de gestão da saúde pública; compreender os dilemas gerenciais impostos pela relação entre as DCV e a Covid-19; e analisar as medidas de enfrentamento adotadas para a prevenção da Covid-19 em portadores de DCV.

Quanto a metodologia, foi adotado os critérios de taxonomia de Vergara (1998, 2019), Gil (1999) e Birochi (2015). Sendo assim, trata-se de uma pesquisa exploratória descritiva, com abordagem qualitativa. Essa classificação se justifica ao investigar os temas sob a perspectiva da pandemia, que utilizará fontes secundárias para fundamentar os conceitos e a regulamentação dos temas que a pesquisa aborda. As fontes primárias serão obtidas em estudo de campo, através de entrevistas com gestores operacionais de unidades de saúde, da Área Programática (AP) 5.1; e da observação individual não-participante das mesmas.

A partir dos procedimentos de coleta de dados e posterior análise, espera-se identificar os desafios enfrentados pelos gestores, avaliar as ações estratégicas e sua operacionalização para discutir a eficácia dos resultados produzidos, bem como contribuir para o debate sobre a importância do papel do gestor local no cuidado com os usuários da atenção primária.

O estudo está estruturado a partir desta seção primeira, introdução, para a seguir apresentar a fundamentação científica na segunda seção, referencial teórico. Passará, então, pela terceira seção, metodologia, e suas subseções de classificação e procedimentos de coleta de dados. Com isso, será possível sobrevir a quarta seção, desenvolvimento, onde os resultados são discutidos a partir das análises dos dados coletados. Para finalizar, serão apresentadas na quinta seção conclusão e as considerações finais deste estudo, as discussões propostas pelos autores a partir da análise de dados; e, por fim, o registro das fontes bibliográficas, na sexta seção, referências.

2. Referencial Teórico

A adoção dos conceitos de estratégia na gestão pública tem início com modelo gerencialista, que ataca o Estado social e implementa princípios neoliberais na estrutura estatal, adotando procedimentos típicos de organizações privadas, como a gestão baseada em estratégias, meritocracia e avaliação de resultados (BRESSER-PEREIRA, 2017; DOMICIANO, 2020).

Nesse contexto de Estado gerencial ocorre a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), que vem incorporando, desde então, aspectos estratégicos na Saúde Pública, implementando planos de ações que focam em resultados e evoluem, conforme os avanços tecnológicos, para promoção da saúde pública (BRASIL, 1990, 2006, 2011, OLIVEIRA, 2019).

O plano de ação de enfrentamento às doenças crônicas de 2011, elaborado pelo MS dentro desse conceito estratégico, alcançou resultados estabelecidos originalmente, incluindo a redução da mortalidade prematura em pacientes portadores de DCV (BRASIL, 2021). O advento da pandemia da COVID-19 se apresentou como um novo risco aos portadores dessas comorbidades, visto que quando infectados pelo coronavírus, ocorre uma alta taxa de morbimortalidade nesses pacientes (ASKIN; TANRIVERDI; ASKIN, 2020; DEUS et al., 2021). Esse fenômeno desafia a capacidade dos gestores para tomar decisões que previnam os riscos evidenciados e ações executadas a partir delas precisam ser avaliadas.

2.1 Gestão Estratégica na Saúde Pública

A adoção do conceito de estratégia na gestão tem origem nos anos 1950, passa por evolução e aprimoramentos até atingir uma implementação mais solidificada nos anos 1980, num contexto de uma sociedade moderna idealizada, em que a administração estratégica ganha fundamentos racionais e hierarquização das ações planejadas (CANÇADO; VILLELA; SAUSEN, 2016).

A gestão estratégica consiste na capacidade de utilizar os recursos disponíveis de maneira a atingir o objetivo, minimizando os impactos negativos e maximizando as oportunidades. Requer análise de cenários e a capacidade de previsibilidade de acordo com os dados e informações que possa ser colhido, para poder avaliar os possíveis resultados das ações (JAGGI et al., 2018; OLIVEIRA, 2007; PEREIRA, 2016).

Durante a década de 1990, esse conceito passou a ser utilizado na esfera pública, incluindo a gestão da Saúde, com destaque no controle social, exercido pelos Conselhos de Saúde, trazidos pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Alguns aspectos estratégicos podem ser observados no SUS, como a regionalização, a descentralização, as redes de atendimento, a responsabilidade solidária entre os entes federativos, a participação e o controle social, através dos conselhos e das ouvidorias, entre outras características (CANÇADO; VILLELA; SAUSEN, 2016; SAUSEN et al., 2020; VIANA; IOZZI, 2019).

Para Gadelha (2011 apud FERREIRA et al., 2018, p. 71), “a insuficiência de critérios para o planejamento regional de saúde resulta em dificuldades no acesso […]”. Os autores Viana e Iozzi (2019) analisam criticamente a regionalização, apontando possíveis riscos ao objetivo do SUS ao dizerem que as redes de saúde adotaram “nova lógica de gestão e organização dos serviços de saúde, podendo facilitar a integração do ponto de vista territorial ou fragmentar ainda mais o sistema na região” (VIANA; IOZZI, 2019, p. 6). Já os autores Gleriano et al. (2020) corroboram os apontamentos ao tema ao afirmarem que as “tentativas de regionalização da assistência à saúde mostrou fragmentação do sistema” (GLERIANO et al., 2020, p. 3), acrescentando a descentralização e a evolução tecnológica, como fatores fragmentadores da lógica do SUS. Os autores sustentam que a lógica estratégica da descentralização para atingir seus objetivos não foi capaz de alcançar ainda toda sua potência (GLERIANO et al., 2020). 

A gestão estratégica da saúde, quando limitada a teoria e desconectada com a realidade, fica impossibilitada de perceber as correções necessárias para reorientar as ações, comprometendo o esforço dos gestores para atingir os objetivos (DERMINDO; GUERRA; GODINHO, 2020). No Brasil, as interferências políticas, os entraves burocráticos persistentes, o subfinanciamento e o mau uso dos recursos e problemas estruturais evidenciam uma desconexão com os conceitos do tema e um distanciamento das realidades características do país (GLERIANO et al., 2020). 

2.1.1 Competências necessárias do gestor da saúde pública

O cenário da pandemia causada pelo novo coronavírus exigiu dos gestores da saúde, no Brasil e no mundo, o desenvolvimento e aprimoramento das capacidades de decisão e promoção de ações para minimizar as consequências da crise sanitária em pacientes portadores de doenças crônicas.

Vieira et al. (2019) trazem a reflexão sobre a necessidade da profissionalização e o desenvolvimento de habilidades dos gestores. Os autores destacam que “no Brasil, a maioria dos cargos gerenciais nos serviços de saúde é ocupada por médicos e enfermeiros” (MALIK; TELES, 2001 apud VIEIRA et al., 2019, p. 12). Esses profissionais precisam de treinamento para desempenhar o papel de gestão, o que demonstra necessidade do desenvolvimento de habilidades e competências, considerando que o ambiente organizacional influencia no comportamento do gestor no processo de aprendizagem (PAZ; ODELIUS, 2020). Essas características gerenciais se tornam essenciais para auxiliar na produção dos resultados desejados, com atributos que permitam observar diferentes perspectivas e cenários que se apresentam, incluindo os imprevistos, no qual a quantidade de informações imprecisas para processo decisório é escassa e a previsibilidade é próxima a nula (CHONG, 2013; SOUZA, 2015; VIEIRA et al., 2019).

Os gestores públicos de saúde têm à sua disposição as ferramentas e a experiência que o SUS tem a lhe oferecer. Espera-se que possuam, além das competências técnicas, as competências comportamentais, a sensibilidade organizacional e o foco no interesse público. O gestor contemporâneo precisa estar atento à realidade, em especial no setor da saúde, onde não deve haver espaço para um gestor estritamente burocrático, que se recolhe em seu departamento e desconhece as demandas da sociedade que ele serve (FREITAS; ODELIUS, 2021; SOUZA, 2015; VIEIRA et al., 2019). 

O evento histórico da pandemia da Covid-19 desafiou líderes e gestores públicos de todo o mundo a atuarem num cenário conhecido apenas na literatura de História. A alta transmissibilidade do patógeno responsável pela doença elevou as estatísticas do acompanhamento epidemiológico, o que levanta uma reflexão sobre a necessidade do amplo diálogo entre o Estado, os cientistas das ciências naturais e os cientistas sociais, visto que os fatores que auxiliam a tomada de decisão não devem se restringir aos aspectos quantitativos (PLATERO; GOMES, 2020).

2.2 Enfrentamento às Doenças e Agravos Não Transmissíveis

As DCNT são a principal causa de morte no Brasil e no mundo, causando impactos sociais, no desenvolvimento do país, visto que as mesmas comprometem a qualidade de vida do paciente, que, quando acometidos das consequências causadas por elas, ficam impossibilitados de serem mão de obra útil e produtiva para o país. (BRASIL, 2011, 2021; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015, 2021).  Atualmente, no Brasil, o acrônimo DANT (Doenças e Agravos Não Transmissíveis) é o termo adequado e mais abrangente, adotado pelo MS, pois congrega as chamadas DCNT acrescidas dos acidentes e violências (BRASIL, 2021).

Essas doenças crônicas afetam os países de forma diversa e desproporcional, causando mais impactos na população de países pobres e subdesenvolvidos. No Brasil, possuem uma grande magnitude e constituem um problema de saúde pública importante, sendo responsável, em 2011, por 72% das causas de óbitos no país. Em 2019, foi constatada uma redução de 17,3%, representando 54,7% do total (BRASIL, 2011, 2021; MALTA et al., 2019; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015, 2021).

Os fatores de risco para as doenças crônicas são comportamentais e modificáveis; e os fatores de riscos metabólicos, como da pressão arterial sistêmica; sobrepeso/obesidade; hiperglicemia; e hiperlipidemia. Observa-se a possibilidade de tratamento, acompanhamento e monitoramento desses fatores de riscos, através das políticas de APS. O público mais vulnerável e vítimas fatais são, principalmente, os idosos, de acordo com os dados apresentados no DANT 2021-2030 e causam mortes que podem ser prevenidas com ações estatais (BRASIL, 2011, 2021; MALTA et al., 2019; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015, 2021).

2.2.1 Doenças Cardiovasculares e a COVID-19

Os portadores de DCV fazem parte do grupo que apresenta a maior taxa de morbimortalidade e determinam elevado custo financeiro para o país. As mortes prematuras comprometem o desenvolvimento, e afetarem a qualidade de vida dos pacientes portadores dessas comorbidades (BRASIL, 2021; STEVENS et al., 2018; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015, 2021).

A promoção estratégica da Saúde, através das ações da Atenção Primária, dá ao Estado a capacidade em reduzir a morbimortalidade, a partir de ações proativas, da implementação de políticas públicas para o enfrentamento dessas doenças e do monitoramento dos fatores de risco. Os programas adotados pelo Município do RJ objetivam evitar o aumento de complicações cardiovasculares, que são as principais causas de internação e óbitos no Estado e no Município do Rio de Janeiro (MAZALOTTI; QUEIROZ, 2019; RIO DE JANEIRO (RJ), 2017). 

O plano de enfrentamento às DCNT demonstra que o governo tem direcionado a atenção ao combate à DCV (MALTA et al., 2019; SILVA et al., 2020). A redução dos óbitos é constatada por Silva et al (2021) que destacam o aumento exponencial das mortes prematuras causadas pelas DCV. Segundo os autores, alguns desafios para os profissionais responsáveis pelo manejo desses pacientes é a má qualidade das consultas, a precariedade nos insumos medicamentos e falta de otimização dos programas de Atenção Básica. Por outro lado, Martins, Oliveira e Lourinho (2021) apontam a necessidade do atendimento individualizado, a partir das particularidades do paciente, o que não foi identificado no estudo.

A pandemia da COVID-19 obrigou os pacientes portadores das DCV aumentar os cuidados preventivos, pois esta compromete e limita as funções cardíacas e a capacidade física. Isso demonstra que esse grupo requer uma atenção especializada, pois são um quadro preocupante para a Saúde Pública (FRANCO et al., 2021; SENA et al., 2022). As consequências provocadas pela COVID-19 atingem não apenas os portadores de doenças crônicas, mas também deixa sequelas em pacientes previamente saudáveis (ALVES et al. 2021). Os autores demonstram a relação direta as Covid-19 com sequelas no sistema cardiovascular, seja como resultado final óbitos, sequelas permanentes ou temporárias.

Nesse cenário de crise sanitária, a intervenção estatal torna-se mais urgente, considerando o alto risco para portadores de DCV, em caso de contaminação pela Covid-19 (BRASIL, 2021; FERRARI, 2020; RIO DE JANEIRO (RJ), 2020, 2021; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021).  Mesenburg et al. (2021), destacam que o elevado número de portadores de doenças crônicas e a alta incidência e mortalidade por Covid-19, bem como a ausência de uma política nacional de enfrentamento, contribuem para que o Brasil ocupe os primeiros lugares no ranking mundial da mortalidade pela doença.

A observação das características das DCV demanda ações estratégicas pensadas na perspectiva do interesse público, sem menosprezar o indivíduo no momento do atendimento. Para Silva et al. (2021), a estrutura das unidades de saúde é um aspecto positivo da Atenção Básica. Da mesma forma, Martins, Oliveira e Lourinho (2021) apontam o atributo estrutural como favorável para o manejo dos pacientes. Entretanto, ambos os estudos identificam dificuldades nos processos, seja no treinamento e preparação das equipes, seja na gestão de insumos para Atenção Básica, no cuidado ao paciente DCV.

3. Procedimentos Metodológicos

O presente estudo é organizado de acordo com os critérios de taxonomia apresentados por Vergara (2019), que utiliza dois aspectos: os fins e os meios. Serão consideradas, de modo complementar, as classificações trazidas por Birochi (2015), que explicita sobre a natureza de uma pesquisa e suas considerações epistemológicas quanto à metodologia da pesquisa científica na administração; e de Gil (1999), que possibilita a ratificação das definições dos autores mencionados, quanto ao rigor do método científico.

3.1 Classificação da Pesquisa

Trata-se de uma pesquisa de natureza aplicada, abordagem qualitativa e, quanto aos objetivos, possui as características de pesquisa exploratória e descritiva. Utilizará técnicas metodológicas de pesquisa bibliográfica, documental e pesquisa de campo.

Quanto à natureza, é pesquisa aplicada, que, de acordo com Birochi (2015, p. 48), “está orientada para a investigação de problemas relacionados às práticas” de gestão, e se relaciona com o objeto desse estudo, que busca compreender as ações aplicadas de gestão e sua operacionalização. Em relação à abordagem qualitativa, a investigação ocupou-se em coletar dados e analisar os resultados sob seus aspectos qualitativos, sem considerar qualquer atributo de mensuração quantitativa (GIL, 1999).

Quanto aos objetivos, trata-se de um estudo exploratório descritivo, pois apesar de haverem estudos referentes às DANT e a gestão da saúde pública, verifica-se a ausência de investigação dos conceitos e a análise de sua aplicação, em especial em período pandêmico. O estudo possui atributos de uma pesquisa descritiva, que segundo por Gil (1999, p. 44) “se propõem estudar o nível de atendimento dos órgãos públicos de uma comunidade”, que buscam identificar a existência de relação entre variáveis.

3.2 Procedimentos para coleta de Dados

Os procedimentos para coleta de dados adotados foram a pesquisa bibliográfica e pesquisa documental, além do estudo de campo, onde foram utilizados os instrumentos de entrevista, e observação, e quanto aos procedimentos, utilizou-se da pesquisa será bibliográfica, pela necessidade de fundamentação teórica e metodológica, o que a torna essencial como instrumento de análise dos conceitos aplicados de estudo, refinar o entendimento sobre as ações estratégicas adotadas pelos gestores municipais da Saúde e compreender a relação da adoção das medidas e sua instrumentalização prática utilizando fontes secundárias. A pesquisa documental foi um procedimento fundamental, pois a publicação de documentos digitais das organizações públicas envolvidas na gestão estratégica do enfrentamento às DANT foi o meio de divulgação da regulação no contexto da pandemia. Assim utilizou-se os dados secundários que serviram de fundamentação conceitual-teórica e legal para condução da investigação (VERGARA, 2005, 2019). 

No estudo de campo, utilizou-se como instrumento a entrevista e observação da organização da unidade de saúde para manter as recomendações da SME-RJ. De acordo com Gil (1999), esse recurso de coleta de dados é adequado para obter informações acerca do que ocorreu e o que se pretende fazer acerca de fenômenos sociais.

Assim, orientada por Gil (1999) e Vergara (2019), a pesquisa buscou verificar a implementação das medidas estratégicas adotadas, através dos instrumentos de entrevista semiestruturada com a gestão das unidades de saúde, quando os sujeitos apresentaram-se como gestores operacionais da unidade de saúde; e informal, aplicada aos sujeitos responsáveis por operar medidas adotadas. 

Ainda com o intuito de buscar informações primárias, utilizar-se-á como instrumento de pesquisa questionários com questões abertas, por meio telemático, via Central Rio1746, aos gestores estratégicos que eventualmente se tenha acesso. Conhecer as características das classificações das entrevistas, suas vantagens e desvantagens, bem como suas limitações.

3.2.1 Planejamento de etapas para coletar os dados

A coleta de dados teve início a partir da pesquisa documental e, concomitantemente, a pesquisa bibliográfica, que buscará refinar a compreensão dos temas objeto do estudo. A justificativa para esse roteiro se dá pela necessidade de adquirir compreensão conceitual e o entendimento dos aspectos legais que envolvem os temas inerentes ao objeto. Essas informações servirão como sustentação teórico-científica para alicerçar o estudo. 

Após o entendimento conceitual, técnico e legal obtido na etapa inicial, foi necessário proceder a pesquisa de campo. Nessa etapa, foram utilizados como instrumentos, entrevista e observação, detalhados na subseção a seguir.

3.2.2 Detalhamento do processo de coleta de dados

Os dados foram coletados entre outubro de 2021 e novembro de 2022, com solicitação de informações sobre as medidas adotadas pela Secretaria Municipal de Saúde, bem como o posicionamento do Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, de modo a permitir a avaliação das decisões, via Lei de Acesso à Informação – (LAI) (BRASIL, 2011), referentes ao período anterior a 2020 até a data da conclusão do estudo. Desse modo, o estudo fundamentou-se em variadas fontes bibliográficas e documentais, classificadas como fontes secundárias (BIROCHI, 2015; VERGARA, 2019).

Realizou-se pesquisa de campo com acesso a unidades de Saúde Básica, localizadas na Área Programática 5.1 (AP 5.1). Essa área consiste numa divisão estratégica-administrativa, que atende as demandas regionais. Ressalta-se a importância da unidade Waldyr Franco, que possui localização geográfica relevante pela capacidade de atender pacientes de outras unidades não equipadas com os mesmos recursos, como, por exemplo, exames laboratoriais, tratamento para tuberculose, acolhimento de portadores de HIV, entre outros. Dada a sua relevância estratégica, optou-se por observar esta unidade específica (BRASIL, 1990; RIO DE JANEIRO (RJ), 2013, 2017).

Destaca-se a dificuldade enfrentada pela pesquisa para obter anuência para acessar as cinco unidades de saúde que se pretendeu visitar (CMS Manoel Guilherme da Silveira Filho; CMS Waldyr Franco; CMS Padre Miguel; Clínica da Família Olímpia Esteves; Clínica da Família Armando Palhares Aguinaga). Após diversas trocas de e-mails com a Diretoria Científica do Centro de Estudos da Coordenadoria Geral de Atenção Primária AP 5.1, os pesquisadores precisaram abrir um protocolo na Ouvidoria, uma vez que a autorização não foi respondida depois de quatro meses da entrega da documentação solicitada.

Os instrumentos utilizados no estudo de campo foram a entrevista semiestruturada, com o intuito de conhecer a perspectiva dos gestores de algumas das unidades de saúde da AP 5.1 sobre a implementação das decisões tomadas para manter o atendimento dos portadores de doenças cardiovasculares, durante o período delimitado no estudo. Durante às visitas utilizou-se de observação não participante, a fim de contextualizar as respostas da entrevista, considerando os aspectos de cada unidade de saúde.

Para compreender os desafios foi enviado questionário com questões abertas, por meio telemático, ao Conselho Municipal de Saúde (CMS), visto que desempenham papel de participação e controle social. Considerou-se relevante ter uma posição de nível estratégico da gestão da saúde municipal. Para isso, serão enviadas questões à Subsecretaria de Promoção da Saúde em Atenção Primária e Vigilância de Saúde (SUBPAV) acerca do tema, através da plataforma de governo eletrônico para o atendimento ao cidadão “Rio1746”.

Os dados coletados foram agrupados e categorizados separadamente, para, a seguir, relacioná-los com o referencial teórico e se estão de acordo com os objetivos do estudo, de forma que se permita realizar uma análise das palavras dentro do seu aspecto semântico contextual. 

O procedimento de tratamento e análise de dados foi orientado por meio da técnica de análise de conteúdo, sob aporte metodológico de Bardin (1977). O desenvolvimento da análise proposto pela autora consiste nas seguintes etapas: pré-análise; exploração do material; e tratamento de dados e interpretação.

Na primeira etapa, a pré-análise, após a leitura flutuante do conteúdo das respostas feitas pelos gestores (estratégico e operacional), pôde-se constatar o surgimento de intuições espontâneas, descritas pela autora, que permitiu formular hipóteses. A aplicação da análise de conteúdo, a partir da constituição do corpus, permitiu a seleção e a análise documental, que ofereceu informação; e no questionário respondido pelo CMS, que ofereceu pertinência. Estabeleceu-se a codificação, dispostos na Tabela 1, para que seja feita o devido recorte dos dados brutos, devido ao grande volume disponível, pois “permite atingir uma representação do conteúdo […] susceptível de esclarecer o analista acerca das características do texto […]” (BARDIN, 1977, p. 129).

Cumpre salientar que a regra da representatividade requer a continuidade da coleta de dados para obedecer ao rigor do método. A amostragem necessária para o devido tratamento quantitativo e as frequências necessárias para se fazer a inferência requer um número mínimo de informações para que apresente fidedignidade e validade.

Tabela 1 – Unidades de Registros Temáticos

CÓDIGO (TÉCNICA)JUSTIFICATIVA (TEORIA)
Desafios e DilemasEvidencia dificuldade de toda natureza na descrição feita pela fonte. Consideram-se os dados primários e os secundários.
AçõesMenção contextual que evidencie providência para enfrentar desafio de qualquer natureza. Análise do contexto e da semântica. Leva-se em conta o ambiente. Consideram-se dados primários e secundários.
PacientesMenções a todo e qualquer aspecto que se relaciona de alguma forma com os usuários.
ComorbidadesToda referência feita a doenças ou palavras relacionadas, como sintomas 
GestãoAlusões que evidenciam aspectos próprios da gestão
IndivíduoReferência a si mesmo, ainda que usada no plural, de acordo com o contexto. 

Fonte: Elaborado pelos autores (2023)

A segunda etapa visou a exploração do material, uma vez que, segundo Bardin (1977, p. 127), essa “fase de análise propriamente dita” requer o cumprimento da fase anterior. A terceira e última fase está apresentada na seção seguinte, onde foi realizado o tratamento dos dados de modo exaustivo para ser validado.

4. Apresentação e discussão dos resultados

Os dados documentais apresentados contêm medidas legais, orientadoras e diretivas, adotadas para o enfrentamento à Covid-19 e aos cuidados aos pacientes com DCV. Já os dados primários são resultado de entrevista realizada com três gestores de unidades básicas de saúde, da AP 5.1, na Zona Oeste, no Município do Rio de Janeiro, categorizados como respondentes (RE), com objetivo de verificar como foram operacionalizadas essas medidas determinadas pela Secretaria de Saúde. A observação permitiu a contextualização das respostas, uma vez que a estrutura dos edifícios e o arranjo adotado possibilita visualizar o cenário descrito pelos respondentes na entrevista.

A pesquisa obteve resposta solicitada à SUBPAV, com questionamentos específicos sobre o enfrentamento à DCV. Houve resistência de alguns gestores em se voluntariarem a responder as perguntas de entrevista planejada. Assim, das cinco unidades visitadas, logrou-se êxito em três delas. 

4.1 Decisões estratégicas e dificuldades em sua operacionalização  

O nível estratégico da gestão da Secretaria de Saúde e suas Subsecretarias, em 2020, primeiro ano da pandemia, estava configurada por uma equipe que ocupava cargos com indicação política, na forma da lei. Após as eleições municipais de 2020, houve a transição de governo e algumas mudanças na condução da gestão da pandemia. 

Por meio de nota técnica, a Resolução SMS nº 4383 de 28 de abril de 2020, a SMS e a SUBPAV orientaram às unidades de saúde a suspender todos os atendimentos ambulatoriais e laboratoriais e outras ações preventivas com pacientes portadores de doenças crônicas. A orientação permitia uma possibilidade de exceção, decorrente de avaliação para pacientes críticos. Para os pacientes em condições crônicas cardiovasculares estabeleceu-se a possibilidade de atendimento de acordo com o grau de severidade da doença crônica definido na norma. 

Na operacionalização dessa norma, os entrevistados expõem como lidaram com essa determinação:

Pergunta: “Durante a pandemia, como ficou a rotina de enfrentamento às doenças cardiovasculares?”

RE2: “[…] hummmm… pra ser sincero, no começo não acreditava que chegaria aonde que chegou, não. Mandou suspender tudo e a gente fez, mas aqui não tava como (na mesma situação) na Itália […]”

RE1: “Cumprimos a resolução. Os programas aqui não são como lá no Waldyr, não (Waldyr Franco, unidade de saúde estratégica de médio porte). Não tem antitabagismo, nem pra obesidade e nem essa lista de programas que você mostrou. Tem a entrega dos medicamentos, quando tem na farmácia […]”.

RE3: “O início ficou tudo muito confuso. Nem a Secretaria sabia o que fazer […] era outra equipe, sabe né? […]. Quando vim pra cá […], em 2021, já não tinha atendimento dos hipertensos e nem diabéticos… só dava remédio mesmo [….]. Muita confusão com a troca de governo na época”.

As decisões tomadas no nível estratégico passam pelas CAPs. A operacionalização das normas passa pela decisão do gestor da unidade, que implementa de acordo com a realidade local se apresenta e com os recursos que possui. Nesse sentido, os depoimentos encontram embasamento no entendimento de Silva et al. (2021), quando afirmam que detectou a falta de insumos como uma dificuldade para implementar programas de cuidado ao paciente DCV. Em outra perspectiva, Paz e Odelius (2021) apontam para a escala de competências identificadas no gestor público, destacando a complexidade própria do setor, diante da rigidez da legalidade.

As competências necessárias variam de acordo com o nível de complexidade (PAZ; ODELIUS, 2021). Percebe-se no depoimento dos REs certa descrença, com um fácil desenvolvimento do “nós” – mesmo utilizando o sujeito oculto – e o uso hesitante do “eu”. Os REs declararam ter recebido treinamento em gestão disponibilizado pela SMS.

O aspecto político provocou ruído em uma das unidades, o que comprometeu, segundo o depoimento do RE3, o atendimento dos pacientes portadores DCV e de outras comorbidades, que estão fora da delimitação do objeto da pesquisa. O relato permite inferir, a partir das afirmações críticas de Mesenburg et al. (2021), que a falta de coordenação nacional refletiu na ponta, no atendimento local, o que colocou o país em uma posição de liderança no número de óbitos, proporcionalmente.

4.2 Desafios persistentes, adaptados e normalizados

As dificuldades enfrentadas para oferecer Atenção Básica no SUS é conhecida e bem documentada como comprova Silva et al. (2021) em seu trabalho de revisão integrativa sobre o enfrentamento a DCV na Atenção Básica. Apoiada nos autores mencionados, apresentam-se os resultados referentes aos desafios que fazem parte da rotina da Saúde Básica.

Tabela 2 – Categorias de desafios enfrentados para o cuidado das DCV

Fonte: Elaborado pelos autores

Os problemas relatados pelos REs e observados nas unidades de saúde corroboram Silva et al. (2020). Os autores destacam problemas semelhantes em seu estudo, como a falta de saúde e o número insuficiente de profissionais treinados para o atendimento das DCV. Em relação a qualidade da comunicação (COM), o RE2 relata que percebe as interações formais entre os níveis de gestão como “[…] uma troca de ofícios engessada e fria […]”. Malta et al. (2016) indicam que existe falta de orientação adequada para execução dos protocolos de manuseio de pacientes DCV. A má qualidade na informação gera incertezas e compromete a credibilidade, causando desinteresse dos profissionais de saúde para se especializar (MALTA et al., 2016; SILVA et al., 2021). No entanto, contrariando as informações dadas pela SMS-RJ, via LAI, que informou que

[…] as unidades de APS foram reorganizadas para garantir uma porta de entrada prioritária para os sintomáticos respiratórios, a fim de reduzir os riscos de transmissão da COVID- 19 aos demais frequentadores desses serviços […].
Com relação aos profissionais da APS, foram disponibilizados equipamentos de proteção individual (EPI), além da realização de ações virtuais de educação permanente para os profissionais da rede de atenção à saúde sobre medidas de proteção e controle (SMS-RJ, 2021).

Fazer escolhas diante de cenários complexos é parte das tarefas do gestor público. No âmbito da saúde, alguns erros passaram a ser adaptados e tratados como parte dos protocolos. Na observação em fevereiro de 2021, pôde-se observar o uso adequado dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), no manejo do atendimento laboratorial. Entretanto, em maio de 2022, a profissional que conduzia a coleta de sangue não fazia troca de luvas a cada atendimento.

Práticas como essa passaram a ser normalizadas e toleradas pela gestão e pelo usuário. Isso indica que os profissionais “podem estar prestando uma assistência em desacordo com os protocolos ministeriais e programas instituídos para estes tipos de cuidados de promoção à saúde” (SILVA, 2021, p. 6).

Fazer escolhas diante de cenários complexos é parte das tarefas do gestor público. No âmbito da saúde, alguns erros passaram a ser adaptados e tratados como parte dos protocolos. Na observação em fevereiro de 2021, pôde-se observar o uso adequado dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), no manejo do atendimento laboratorial. Entretanto, em maio de 2022, a profissional que conduzia a coleta de sangue não fazia troca de luvas a cada atendimento.

Práticas como essa passaram a ser normalizadas e toleradas pela gestão e pelo usuário. Isso indica que os profissionais “podem estar prestando uma assistência em desacordo com os protocolos ministeriais e programas instituídos para estes tipos de cuidados de promoção à saúde” (SILVA, 2021, p. 6).

4.3 O dilema do cuidado ao paciente DCV no contexto da Covid-19

Como cuidar dos pacientes com DCV sem que os exponha ao risco de contágio do coronavírus?

Os profissionais de saúde demonstraram conhecimento de sua rotina laboral e fazem os atendimentos de acordo com o que estão habituados, conforme os protocolos adaptados. Cabe ao gestor local conhecer a importância das ações preventivas e o enfrentamento aos riscos modificáveis de comportamento (tabagismo, sedentarismo, obesidade, alimentação inadequada e abuso do álcool) (SILVA, 2021). 

Após a entrevista, foram apresentados aos respondentes dados da OMS e do MS sobre os óbitos que tem como causa as DANT, com destaque às DCV. A reação dos RE1 e RE2 foi de surpresa, apesar de gerir uma unidade de grande importância para rede de atendimento da AP 5.1. Para RE3 não é novidade, que, pelo seu tempo no serviço público, já testemunhou coisas absurdas por parte “dos políticos”.

RE2: “Nossa… é isso mesmo? (…) [pausa reflexiva]. Eu sabia que era muito, mas confesso que não sabia desse percentual, não. (…) [pausa reflexiva] … Essa redução foi publicada na pandemia?”.

RE1: “É assustador o número de paciente e morre porque não se cuida… (sic). Mas é animador saber que houve uma redução tão grande […]”.

RE3: “É muito maior do que se imagina. Não existe conscientização dos pacientes e mesmo da equipe. Muda governo, mas tem coisas que poderiam ser resolvidas e que não são. Sabe por quê? Falta de vontade […]. Cada vez que muda o prefeito, a gente já sabe que muita coisa vai mudar.” 

Até o momento, os gestores entrevistados demonstraram conhecer a importância da prevenção e o tratamento das DCV. O controle social desempenhado pelo Conselho Municipal de Saúde (CMS) limitou-se a acatar as recomendações do Conselho Nacional de Saúde (CNS), segundo informa via Ofício 0048/2021.

Pergunta: Considerando que as DCNT são as principais causas de morte no Brasil e no mundo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021, OMS,2020) e as mesmas são agravantes para contaminados com Covid, qual a recomendação deste douto Colegiado feita aos gestores da Saúde Municipal?

CMS: “Conforme informamos, este colegiado acatou as recomendações do Conselho Nacional de Saúde e acompanhou as ações estratégicas da Secretaria Municipal de Saúde deliberando em colocar como Ponto fixo a COVID 19 por se tratar e considerar este assunto de importante relevância para o controle social e demais cidadãos”.

Segundo Rodrigues, Carpes e Raffagnato (2020), o sistema de saúde brasileiro tem protocolos de respostas a ameaças biológicas com potencial de causar desastres na Saúde. A obrigação de conter a disseminação de epidemias é do Estado, em especial as de protocolos de cuidados desconhecidos, como no caso do coronavírus. Os autores apontam a necessidade de comunicação de qualidade multisetoriais, com responsabilidade e capacidade de conter as ameaças. Os autores identificaram a ausência de estratégia no tratamento da saúde, verificadas na atuação do Estado brasileiro na ativação relativa do sistema de preparação e resposta a potenciais desastres, no âmbito da Covid-19 (RODRIGUES; CARPES; RAFFAGNATO, 2020). 

As constatações dos autores estão de acordo com o que se pôde verificar na resposta da SMS-RJ, do CMS e dos REs. A estratégia na gestão da saúde e, em especial, no cuidado dos portadores de DCV, parecem demonstrar falhas na comunicação, o que compromete a execução das medidas. É recomendável que os profissionais sejam treinados para o manejo adequado de acordo com os protocolos dos programas de enfrentamento às DCV. A orientação e acompanhamento dessa atuação dependerá da cadeia de comando, os gestores tomadores de decisão de todos os níveis.

5. Considerações finais

O estudo teve como objetivo identificar os principais desafios enfrentados pelos gestores de saúde no município do Rio de Janeiro. Assim pôde-se verificar que existe um importante problema comunicacional entre os níveis da administração municipal da saúde. O Conselho Municipal de Saúde mostrou-se incapaz de exercer controle, limitando-se a ratificar e repetir as respostas da Secretaria.

O nível estratégico, mais especificamente a SUBPAV, demonstrou desconhecimento das dificuldades enfrentadas nas unidades operacionais, ficando a cargo dos gestores locais tomarem decisões, com os recursos que tem à disposição e que se diferenciam entre as unidades. Há ainda a interferência política na distribuição de postos de chefia, o que provoca alterações nos programas de enfrentamento às DANT e, em especial, às DCV.

Percebeu-se uma séria desconexão entre as notas técnicas e resoluções com a operacionalização das normas. A falta de insumos, de itens que fazem parte do programa de enfrentamento e escassez de trabalhadores. Destaca-se a boa conservação da estrutura das unidades visitadas. Diferente do que se esperava encontrar, os dilemas que os gestores enfrentam em suas rotinas não são percebidos com grandiosidade, por fazer parte da sua realidade diária. Poucos são os casos de pacientes DCV que chamam atenção dos servidores. Constatou-se que os gestores têm a sua disposição cursos preparatórios para gestão em diversas áreas. Porém, não se demonstrou interesse em profissionalização, salvo quando se tem incentivos dado pela Prefeitura. 

A particularidades das DCV são conhecidas e os servidores neles incluídos trabalham incansavelmente com seriedade, mesmo quando há carência de recursos e insumos. A gestão dessas unidades localizadas na AP 5.1 enfrenta diversos desafios diários para manter o tratamento dos pacientes que buscam atendimento. São desafios estruturais que atingem o próprio sistema de saúde, mesmo na capital do segundo Estado mais rico do país.

Ao longo do processo, a pesquisa enfrentou dificuldade para conseguir anuência para o acesso das unidades, além da recusa de dois gestores em se voluntariar como respondentes, por temores particulares. O estudo não esgota as possibilidades de aprofundamento sobre o tema, devido a sua relevância e as consequências variadas que impactam a sociedade.

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4Mortalidade prematura são óbitos que atingem indivíduos na faixa etária entre 30 e 69 anos de idade (BRASIL, 2021);

5As DCNT causam 71% das mortes no mundo (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021);

6A Agenda 2030 é uma ação global que estabelece 17 objetivos para desenvolvimento sustentável (ODS) de combate à fome, cuidado com o clima e proteção do meio ambiente;

 7Vigilância, informação, avaliação e monitoramento; promoção da saúde; cuidado integral (BRASIL, 2021);

1Graduando em Administração Pública. Universidade Federal Fluminense. 
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8909-4338.
Email para contato: jorgeluizrocha88@gmail.com

2Graduando em Administração Pública. Universidade Federal Fluminense.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9995-109X. Email para contato:  jr_junior@id.uff.br

 3Graduando em Administração Pública. Universidade Federal Fluminense.
ORCID: https://orcid.org/0009-0000-4858-420X. Email para contato: luizazevedo@id.uff.br.