GASTRECTOMIA VERTICAL ASSOCIADA A TRAÇÃO ESOFÁGICA COMO TRATAMENTO ANTIRREFLUXO EM PACIENTES COM DOENÇA DE REFLUXO GASTROESOFÁGICO E OBESIDADE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411081137


Antonio Viana de Souza Neto¹
Antelmo Sasso Fin²
Gibran Cessin Anacleto Sassine³
Flávia Sasso Fin4


RESUMO

A doença do reflxuxo gastroesofágico (DRGE) e a obesidade são morbidades prevalentes e frequentemente associadas. Atualmente, a cirurgia bariátrica é o tratamento mais eficaz para DRGE em obesos, sendo o Bypass gástrico em Y de Roux (BG) a técnica classicamente indicada, uma vez que há dados controversos de que gastroplastia vertical (GV) pode provocar ou piorar os sintomas de DRGE. Entretanto, vem sendo descritas medidas antirrefluxo associadas a GV com resultados favoráveis à melhora da DRGE nestes pacientes. O presente estudo tem como objetivo descrever uma variante técnica para tratamento da DRGE em pacientes com obesidade como alternativa para a realização do BG. Foram analisados retrospectivamente prontuários de 55 pacientes submetidos a GV com tração esofágica por via laparoscópica realizadas por uma mesma equipe cirúrgica. Dados clínicos e o uso de inibidores de bomba de prótons (IBP) foram avaliados no seguimento. Os resultados evidenciaram resolução completa dos sintomas na maioria dos pacientes e melhora significativa em outra grande parcela. A conclusão é que tal variante técnica apresentada foi segura e eficaz para o tratamento da DRGE associada a obesidade, proporcionando perda de peso adequada e melhora significativa e até mesmo resolução completa dos sintomas de refluxo.

Palavras-chave: Gastroplastia vertical; Medidas antirrefluxo; Obesidade; DRGE.

Introdução:

A doença do refluxo gastroesofágico e a obesidade apresentam grande prevalência no mundo com aumento progressivo da incidência, existindo ainda uma forte associação entre as duas condições, com a DRGE ocorrendo em cerca de 50% dos obesos. A principal causa para tal correlação é o relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior combinado com aumento da pressão intra-abdominal. A cirurgia bariátrica é o tratamento mais eficaz para a DRGE em pacientes obesos, sendo o Bypass gástrico em Y de Roux (BG) a técnica classicamente indicada (2, 12).

Historicamente, no início do tratamento cirúrgico para obesidade, a gastrectomia vertical (GV) era vista apenas como parte da derivação biliopancreática com switch duodenal(³). Em 2003, sugeriu-se pela primeira vez que a GV poderia ser o tratamento inicial para obesidade, conduta esta hoje amplamente aceita e validada pelas diversas sociedades atuantes na área e órgãos reguladores, após inúmeras evidências confirmarem ao longo dos últimos anos tanto a sua segurança quanto a sua eficácia. Este fato é refletido nos números crescentes da realização da GV em todo o mundo. Entre 2008 e 2011, GV foi a única técnica com aumento em números absolutos: foi de 18.098 para 94.689, ou seja, um aumento de 523%, enquanto todos os outros procedimentos diminuíram em números absolutos(¹). De forma adicional, atualmente é bem estabelecido que a GV atu não só de forma restritiva, como acreditava-se anteriormente, mas também como procedimento metabólico devido a modificações físicas e neuroendócrinas (³). 

Entre os motivos da ascensão da realização da GV, encontra-se: perda de peso semelhante ao BG (taxas entre 56 – 62%), resolução significativa de comorbidades associadas, facilidade para revisão ou conversão, tempo operatório curto, baixa mortalidade e morbidade, pouco impacto em deficiências nutricionais, ausência da necessidade de suplementação contínua de nutrientes no pós-operatório e recusa do paciente pela técnica BG (11).

Diante disso, é possível traçar um paralelo entre o fato histórico acima citado, em que houve a aceitação de uma técnica menos invasiva como primeira linha de tratamento, com a forma como tem sido conduzido o tratamento atual da DRGE associada a obesidade. Atualmente, a técnica classicamente indicada tem sido o BG. Isto ocorre devido a relatos de que a GV poderia causar ou piorar a DRGE por diversos mecanismos, sendo o primário deles o aumento de pressão intragástrica, ocasionando o surgimento de hérnias hiatais ou lesões físicas e/ou funcionais do esfíncter esofágico inferior. Entretanto, tais fatos são controversos, uma vez que há dificuldade em mensurar de forma objetiva tais efeitos, associado ao fato de que os dados publicados são contraditórios, os critérios para diagnósticos nem sempre são claros e os exames utilizados no pré-operatório variam entre os estudos. Uma revisão recente da literatura descobriu que quatro estudos relataram um aumento nos sintomas de refluxo após GV, e sete estudos relataram uma redução nos sintomas (12), evidenciando a controvérsia sobre o assunto.

Frente a este cenário, progressivamente tem sido estudada e indicada a GV como alternativa ao BG, associando-se de forma conjunta procedimentos antirrefluxos no intra-operatório, sendo algum deles já descritos: remoção de coxins adiposos periesofágicos, hiatoplastia e tração esofágica. Tais modificações são viáveis, uma vez que os tempos cirúrgicas da técnica operatória da GV não estão totalmente padronizadas (5).

Há tendência do seu uso ser cada vez mais frequente, uma vez que já provou ser efetiva na melhora dos sintomas e na perda de peso, com baixa morbimortalidade e bons resultados pós-operatórios.

OBJETIVO: 

Apresentar variante técnica para o tratamento da obesidade associada a DRGE como uma resposta a necessidade de tratar adequadamente pacientes com ambas morbidades associadas e que não desejam ser submetidos as desvantagens do BG, demonstrando seu impacto nos sintomas de refluxo e perda de peso.

MÉTODOS:

Foram analisados retrospectivamente os prontuários de pacientes submetidos a GV com tração esofágica por via videolaparoscópica por uma mesma equipe cirúrgica entre maio de 2019 e fevereiro de 2020, extraindo-se dados pré-operatórios e em consulta de seguimento realizada entre 12 a 15 meses após a data da cirurgia.

Critérios de inclusão:

  • Presença de DRGE (dor retroesternal ou refluxo ácido mais de duas vezes por semana, se necessitassem de tratamento antiácido por mais de 2 semanas ou se a endoscopia pré-operatória evidenciasse esofagite).
  • IMC > 35 com comorbidades ou IMC > 40
  • Realização de endoscopia digestiva alta (EDA), pH-metria e manometria no préoperatório
  • Recusa do paciente em realizar BG

Critérios de exclusão:

  • IMC < 35 sem comorbidades 
  • Sem sintomas de DRGE pré-operatórios (38)

No total 94 pacientes foram submetidos a gastroplastia vertical com tração esofágica por via videolaparoscópica neste período por esta equipe. Destes, 38 não apresentavam sintomas para DRGE e 02 pacientes possuíam IMC < 35 e sem comorbidades, sendo que 01 deles compartilhavam os dois critérios de exclusão, restando dessa forma 55 pacientes incluídos para análise no estudo.

A análise de dados no seguimento de 12 a 15 meses após a data da cirurgia utilizou a manifestação clínica e não exigiu exames de imagem de controle, uma vez que o estudo é observacional retrospectivo e que a grande maioria dos pacientes não apresentavam sintomas.

Os pacientes foram questionados especificamente sobre a presença dos sintomas para DRGE no pré-operatório e na consulta de seguimento, assim como o uso ou não de inibidor de bomba de prótons (IBP).

Descrição do procedimento:

Foram utilizados quatro portais para realizar a GV videolaparoscópica, sendo um trocarte de 10mm posicionado acima e lateral ao umbigo, um trocarte de 5mm no epigástro, um trocarte de 5mm no hipocôndrio direito e um de 12 mm hipocôndrio esquerdo. Uma sonda do tipo Fouchet 32FR é introduzida até alcançar o antro distal como forma de guiar e calibrar a gastrectomia. Realiza-se desvascularização da curvatura maior gástrica utilizando um dispositivo ultrassônico, iniciando 3 a 5 cm proximal ao piloro e continuando de forma ascendente até que o fundo esteja completamente dissecado do pilar diafragmático. Com pinça ultrassônica é realizada a dissecção da parte flácida entre fígado e esôfago com liberação do ligamento frenoesofágico e dissecção da gordura periesofágica e perigástrica para identificação do vago anterior. Após, utiliza-se a janela do vago para realizar abertura e exposição do pilar diafragmático deste mesmo lado. O vago é rebatido em sentido superior e os pilares são dissecados. Realizado então liberação completa do esôfago, resultado em cerca de 5-7 cm de esôfago intra-abdominal. Em seguida, realiza-se o fechamento do pilar diafragmático com fio multifilamentar inabsorvível com ponto em X. Inicia-se o grampeamento a partir de 5cm proximal ao piloro em sentido ascendente, garantindo que a sonda permaneça adjacente à pequena curvatura gástrica. Há cuidado adicional para evitar o estreitamento entre o primeiro e segundo grampeamento na junção entre as partes verticais e horizontais do estômago e atenção para retirar a maior quantidade possível de fundo gástrico, evitando sempre o grampeamento em segmento esofágico. Outro cuidado inclui manter a mesma distância entre a curvatura menor e toda a linha de grampeamento para evitar torção gástrica. A gastrectomia é então concluída. Realiza-se sobressutura serosserosa da linha de grampos com fio monofilamentar inabsorvível. Em seguida, a sonda é retraída e realiza-se insuflação do estômago com azul de metileno para avaliar se há vazamento nas linhas de grampeamento e se há adequada passagem para o intestino delgado. Em seguida, realiza-se sutura do estômago (segmento gástrico 5 cm abaixo da transição esofagogástrica) ao retroperitôneo, em topografia medial ao ângulo de Treitz, ocasionando assim uma tração podálica esofágica. Ainda, como medida antirrefluxo adicional, realiza-se sutura do esôfago ao pilar diafragmático esquerdo e a membrana frenoesofágica. Após revisão da hemostasia, o estômago é retirado pelo trocarte do hipocôndrio esquerdo. Os trocartes são removidos sob visão direta. Não utiliza-se drenos. Realizado sutura de pele dos portais. 

RESULTADOS:

Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, os prontuários de 55 pacientes foram analisados neste estudo. Não houve casos de morte, fístula ou conversão para cirurgia aberta. Todos os 55 pacientes foram avaliados entre 12 e 15 meses a partir da data da cirurgia. Na amostra, 18 pacientes (32,73%) eram do sexo masculino e 37 pacientes (67,27%) do sexo feminino. A média de idade foi de 40,29 anos. O IMC médio pré-operatório foi de 40 Kg/m², sendo o IMC mínimo de 35,2 Kg/m² e o máximo de 50 Kg/m². A média de redução de peso foi de 62,31%. Em relação aos resultados relacionados a DRGE, 38 pacientes (69,09%) negaram qualquer sintoma relacionado a DRGE, 07 pacientes (12,7%) apresentaram sintomas leves intermitentes sem necessidade de IBP, 09 pacientes (16,36%) apresentaram sintomas com necessidade de uso esporádico de IBP, 01 paciente (1,81%) apresentou manutenção dos sintomas em relação ao pré-operatório e nenhum paciente apresentou piora dos sintomas em relação a avaliação pré-operatória. 02 pacientes (3,6%) apresentaram disfagia no pósoperatório recente, com resolução completa sem necessidade de intervenção.

De acordo com os resultados acima, observa-se que o percentual de perda do excesso de peso corporal não foi inferior a GV usual. Não houve aumento da morbidade, porém notou-se redução significativa dos sintomas da DRGE e do uso de inibidores de bomba prótons para tratar a condição, com até mesmo a resolução completa dos sintomas na grande maioria dos pacientes.

DISCUSSÃO:

Os resultados evidenciaram uma resolução dos sintomas de DRGE nos pacientes submetidos a GV com tração esofágica em 69,09% dos pacientes, com melhora significativa da DRGE em grande parcela e uma incidência muito baixa na manutenção ou piora dos sintomas.

Estudos anteriores já identificaram problemas técnicos que favorecem o surgimento ou piora da DRGE após a GV, entre eles o estreitamento na junção das porções vertical e horizontal do estômago, um fundo gástrico dilatado e a persistência da hérnia hiatal sem correção. Após remover o fundo gástrico em maior proporção, correção rotineira da hérnia hiatal e evitando a torção do estômago por meio da sua fixação, observa-se diminuição/resolução dos sintomas e na necessidade de exames pósoperatórios (12). Tais fatos já foram descritos em estudos anteriores e corroborados também nesta análise.

Do ponto de vista fisiológico, fatores ainda não completamente elucidados também podem influenciar a melhora da DRGE, como a perda de peso inerente ao procedimento, a redução das células oxínticas com a consequente redução da produção de ácido, a diminuição do volume alimentar ingerido e aceleração do esvaziamento gástrico. Todos esses fatores associados podem contrabalancear o efeito de aumento de pressão intragástrica classicamente conhecido, obtendo assim em resultado que favoreça a melhora ou resolução dos sintomas para DRGE.

CONCLUSÃO:

Diante dos resultados acima expostos, conclui-se que a gastrectomia vertical com tração esofágica é um método seguro para tratamento da DRGE associada a obesidade, apresentando não somente uma perda de peso adequada, como também resolução e até mesmo resolução dos sintomas da DRGE, especialmente se medidas antirrefluxo forem adotadas ao procedimento.

Ressalta-se que a DRGE é uma condição que, mesmo tratada cirurgicamente, depende da adequada adesão do paciente ao tratamento clínico e mudanças do estilo de vida para que seja alcançado resultados satisfatórios a longo prazo, assim como para evitar o reganho de peso.

O acréscimo de procedimentos antirrefluxo (hiatoplastia, remoção dos coxins de gordura, tração esofágica) à gastrectomia vertical tradicional não aumentou as morbidades e nem piorou a perda de peso, mas reduziu significativamente a ocorrência de sintomas de refluxo gastresofágico, assim como o uso de IBP. 

Dessa forma, a GV associada a tração esofágica e outras medidas antirrefluxo adicionais mostra-se com uma segura e eficaz alternativa para os pacientes obesos com DRGE que não desejam realizar o BG.

REFERÊNCIAS:

1 Buchwald H, Oien DM. Metabolic/bariatric surgery worldwide 2011. Obes Surg. 2013;23(4):427-36.

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3 Santoro S, Velhote MC, Mechenas AS, Malzoni CE, Strassmann V. Laparoscopic adaptive gastro-omentectomy as an early procedure to treat and prevent the progress of obesity: evolutionaryand physiological support. Rev Bras Videocir. 2003;1(3):96-102.

4 Santoro S, Lacombe A, Aquino CGG, Malzoni CE. Gastrectomia vertical com medidas antirrefluxo. Einstein (São Paulo).2014;12(3):287–94.

5 Chiu S, Birch DW, Shi X, Sharma AM, Karmali S. Effect of sleeve gastrectomy on gastroesophageal reflux disease: a systematic review. Surg Obes Relat Dis. 2011;7(4):510. 

6 Petersen WV, Meile T, Küper MA, Zdichavsky M, Königsrainer A, Schneider JH. Functional importance of laparoscopic sleeve gastrectomy for the lower esophageal sphincter in patients with morbid obesity. Obes Surg. 2012;22(3):360-6.

7 Boza C, Salinas J, Salgado N, Pérez G, Raddatz A, Funke R, et al. Laparoscopic sleeve gastrectomy as a stand-alone procedure for morbid obesity: report of 1,000 cases and 3-year follow-up. Obes Surg. 2012;22(6):866- 71.

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9 Hawasli A, Reyes M, Hare B, Meguid A, Harriott A, Almahmeed T, et al. Can morbidly obese patients with reflux be offered laparoscopic sleeve gastrectomy? A case report of 40 patients. Am J Surg. 2016;211(3):571–6.

10 Hendricks L, Alvarenga E, Dhanabalsamy N, Lo Menzo E, Szomstein S, Rosenthal R. Impact of sleeve gastrectomy on gastroesophageal reflux disease in a morbidly obese population undergoing bariatric surgery. Surg Obes Relat Dis. 2016;12(3):511–7.

11 Singla V, Aggarwal S, Garg H, Kashyap L, Shende DR, Agarwal S. Outcomes in Super Obese Patients Undergoing Laparoscopic Sleeve Gastrectomy. J Laparoendosc Adv Surg Tech A. 2018;28(3):256–62.

12 Daes J, Jimenez ME, Said N, Daza JC, Dennis R. Laparoscopic sleeve gastrectomy: symptoms of gastroesophageal reflux can be reduced by changes in surgical technique. Obes Surg. 2012;22(12):1874-9


1Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina de Campos – Campos dos Goytacazes/RJ. Residência Médica em Cirurgia Geral pelo Hospital São José do Avaí – Itaperuna/RJ. E-mail: antonio_viananeto@hotmail.com.