GARANTISMO E EFICIÊNCIA NO PROCESSO PENAL: A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO 

GUARANTEE AND EFFICIENCY IN THE CRIMINAL PROCESS: THE PROVISIONAL EXECUTION OF THE DEPRIVATION OF LIBERTY SENTENCE BEFORE THE FINAL AND UNAPPEALABLE DECISION

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7901263


Marcela da Silva Pereira


RESUMO 

Consiste num trabalho de reflexão e apresentação do sistema processual penal atual  brasileiro, com o intuito de desmistificar os institutos que aparentemente é através de um  preconceito são vistos de maneira distorcida e separados, de modo até, por vezes,  contrários; isso através de uma construção do raciocínio processual penal, como ele teria  se originado, se desenvolvido e como atualmente é visto e posto; apresentar as dúvidas,  questões e cuidados existentes e que ainda existem a respeito do processo. 

Palavras-chave: Eficiência; Garantismo; Devido Processo Legal; Razoável Duração do  Processo; Teoria Geral do Garantismo; Processo; Processo Penal; Código de Processo  Penal. 

ABSTRACT 

It consists of a work of reflection and presentation of the Brazilian criminal procedure  system, with the intention of demystifying the institutes that seemingly and through a  prejudice are seen in a distorted way and separated, sometimes even contrary; this through  a construction of criminal procedural reasoning, as it would have originated, if developed  and as it is currently seen and put; present the doubts, issues and care that still exist about  the process. 

Key words: Efficiency; Garantismo; Due Process Legal; Reasonable Duration of the  Process; General Theory of Garantism; Process; Criminal proceedings; Code of Criminal  Procedure.

INTRODUÇÃO 

O Direito Processual Penal diferentemente do Direito Penal, que  incumbe em definir os crimes e atribuir pena pela infração praticada, regulamenta o modo  de demonstração da verdade sobre o fato típico e da responsabilidade criminal do  averiguado; regulamenta também, o método de resolução de conflito entre o interesse de  punir e a liberdade individual pela decisão judicial. 

Consiste no ramo do direito que informa quando, por que e de que  forma uma pessoa pode ser presa. É instrumento concreto, método de compor a lide penal  que possui peculiaridades cruciais quer para o mundo jurídico quer para a sociedade. 

Como define Walfredo Cunha Campos1: “O Direito Processual  Penal é um complexo de princípios e normas que constituem o instrumento técnico  necessário à aplicação do Direito Penal, regulamentando o exercício da jurisdição pelo  Estado-juiz, por meio de processo, os institutos da ação e da defesa, além da investigação  criminal pela polícia judiciária, através de procedimentos investigatórios diversos”. 

Define ainda, Renato Brasileiro2: “(…) importância do processo, pois este funciona como o instrumento do qual se vale o Estado para a imposição de  sanção penal ao possível autor do fato delituoso”. 

Praticado o crime, surge para o Estado o poder de punir o autor da  ação (jus puniendi), no entanto isso não será feito por livre arbítrio, discricionariedade do  Poder Público, devendo observância ao princípio do devido processo legal, com  instauração prévia de processo, assegurando o contraditório e a ampla defesa ao  averiguado, podendo este exercer sua pretensão à liberdade em contrapartida da pretensão  punitiva estatal.  

Dessa forma, o processo penal será o instrumento para a solução da  controvérsia entre o poder de punir estatal (jus puniendi) e a pretensão do indivíduo de  preservar sua liberdade (jus libertatis). 

O grande dilema do Processo Penal, durante anos, sempre foi  conciliar suas duas faces, aparentemente contraditórias: de um lado respeito e proteção  aos direitos fundamentais e do outro, a busca por um sistema criminal operante e  eficiente3, combatendo impunidades. Processo Penal equilibrado sem extremos do  hipergarantismo e de movimentos como o Direito Penal do Inimigo ou Direito Penal da  Lei e da Ordem. 

Duas facetas constitucionalmente previstas e garantidas, com  hierarquias idênticas, previstas no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, em seu caput4: direito à liberdade e direito à segurança. 

Diante desse dilema, no decorrer da história, diversos povos  buscaram formas de sistematizar as funções basilares do processo penal, determinando  como e quem exerceria a acusação, defesa e o julgamento, em processos com natureza  principalmente condenatória, em que o processo penal era utilizado como instrumento de  impor uma sanção ao autor da infração. Tais formas resultaram em três possíveis sistemas  processuais penais: acusatório, inquisitivo e misto. 

O sistema inquisitivo tem como característica a reunião das  funções de julgar, acusar e defender em um mesmo órgão, sem que houvesse, com isso,  ampla defesa e contraditório; um único órgão acusa, defende e julga o processo. 

Outras características desse sistema que podemos mencionar são:  sigilo dos atos processuais, possibilidade do juiz de agir, inclusive dando início ao  processo, que será sentenciado, julgado por ele mesmo, comprometendo obviamente a  imparcialidade. Não há que se falar em contraditório, geralmente o acusado permanecia  encarcerado preventivamente e incomunicável. 

Além disso, o juiz inquisidor é dotado de ampla iniciativa  probatória, podendo produzir provas a seu livre arbítrio e de ofício, tanto no curso das investigações como durante o processo. A atividade probatória tem como objetivo a completa e ampla reconstituição dos fatos, acreditando-se na possibilidade da descoberta da verdade absoluta. 

O acusado, nesse sistema, é considerado mero objeto do processo  e não como sujeito de direitos, inclusive, admite-se o uso da tortura, na busca da verdade  material, para obtenção de uma confissão. Em regra, o processo é escrito e sigiloso. 

O processo inquisitório é incompatível com os direitos e garantias  individuais, sendo violados diversos princípios e garantias penais e processuais.

Conforme preconiza Giacomolli 5: “verifica-se um ‘donismo’  processual sem precedentes, endo e extraprocessuais: o processo é meu, o promotor é  meu, o estagiário é meu, o servidor é meu, o carro é meu, eu sou eu, eu e eu. Então, eu  posso investigar, eu posso acusar, eu posso julgar, recorrer e executar a sanção. Nesse  modelo confundem-se as funções dos agentes do Estado-julgador com os do Estado acusador e com os do Estado-investigador”. 

O sistema acusatório, por sua vez, tem as funções de acusar,  defender e julgar exercidas por órgãos distintos, legítimo actum trium personarum.  Caracteriza-se pela igualdade entre as partes e observância ao contraditório e a ampla  defesa, a presunção de não culpabilidade do acusado, que em regra, permaneceu solto  durante o processo, a publicidade dos atos e a inércia do juiz, que apenas poderá agir se  provocado pelas partes interessadas, com o objetivo de preservar sua imparcialidade e  consequentemente a imparcialidade da decisão. 

O juiz não poderá agir de ofício, chamado de ne procedat  personarum, assumindo posição de passividade quanto a reconstituição dos fatos, sendo-lhe conferido poderes instrutórios, mas de iniciativa restrita ao curso do processo, em  caráter excepcional, como atividade subsidiária da atuação das partes. 

Esse sistema foi adotado pelo ordenamento processual penal  vigente no Brasil, tendo as funções bem divididas: a função de acusar exercida pela figura  do membro do Ministério Público, no caso das ações penais públicas ou ainda pelo ofendido nas ações privadas, a função de defender exercida pelo advogado do acusado,  por vezes pela Defensoria Pública e, por fim, a de julgar exercida por um juiz de direito;  essas funções são exercidas por órgãos distintos, autônomos e independentes entre si,  sendo assegurada a igualdade das partes (paridade de armas) e a publicidade, em regra,  dos atos processuais realizados durante o feito.  

O acusado nesse sistema é considerado sujeito de direitos e não  mero objeto do processo, sendo-lhe assegurado seus direitos, não buscando uma verdade  absoluta, mas uma verdade de acordo com os elementos colhidos durante o processo – busca-se um processo com maior eficiência e menor violação dos direitos daquele que  está sendo investigado. 

Cabe ressaltar que nosso sistema acusatório, quanto a produção de  provas, não é puro, isto porque prevê a possibilidade do juiz determinar de ofício, sem  provocação das partes, providências para que se possa alcançar a verdade real dos fatos  (lembre-se não se trata de verdade absoluta, mas real dos fatos, mais próxima e ao mesmo  tempo fiel às provas colhidas), assim previsto no artigo 156 do Código de Processo Penal6 (vigente). 

Outro exemplo de situação, dentro do processo, em que o juiz  poderá agir de ofício, na decretação de medidas cautelares (sequestro de bens, prisão  preventiva, etc.) – Essas situações não substituem as partes ou subtrai suas funções  usurpando tanto a função de acusar como de defender, mas subsidiariamente o juiz tomará  decisões de ofício, previstas previamente, visando melhor apuração dos fatos e  protegendo os interesses e direitos da sociedade ou até mesmo das partes.  

Em comparação aos dois modelos, acusatório e inquisitório,  Ferrajoli7 em seu livro destaca que “aos dois modelos são associáveis sistemas diferentes  de garantias, sejam orgânicas ou procedimentais: se o sistema acusatório favorece  modelos de juiz popular e procedimentos que valorizam o contraditório como método de  busca da verdade, o sistema inquisitório tende a privilegiar estruturas judiciárias burocratizadas e procedimentos fundados nos poderes instrutórios do juiz, compensados  talvez pelos vínculos das provas legais e pela pluralidade dos graus de juízo (instâncias)”.  

O terceiro sistema, misto ou francês, possui duas fases, a primeira, de apuração preliminar das provas de autoria e materialidade, tipicamente inquisitorial,  presidida pelo magistrado, não sendo assegurados ao acusado a ampla defesa e o  contraditório, instrução escrita e secreta. 

A segunda fase, eminentemente acusatória, as funções de acusar, defender e julgar encontram-se devidamente separadas, exercidas por órgãos distintos,  sendo garantida a ampla defesa e o contraditório ao acusado, bem como a publicidade e oralidade. 

A primeira legislação processual penal, Código de Processo Criminal, foi aprovado em 29 de novembro de 1832, dando autonomia judiciária aos  municípios, em que o poder era concentrado nas mãos dos juízes de paz, eleitos pela  população local. O Código de Processo de 1832 foi alterado duas vezes: a lei nº 261, de  1841, alterou o código com a finalidade de aumentar os poderes de polícia e a lei nº 2.033,  de 1871, conferiu poderes aos Chefes de Polícia e aos Delegados de Polícia. 

Com o advento da Constituição Republicana de 1891, restou consagrada a dualidade de processos com o movimento de preparação dos códigos de  processo civil e penal. 

A Constituição Federal de 1934 concentrou na União a  competência exclusiva para legislar em matéria processual, mantendo-se a regra nas  constituições subsequentes, inclusive presente na atual Carta Magna, artigo 22, I. 

O atual Código de Processo Penal foi instituído pelo Decreto nº 3.869, de 03 de outubro de 1941, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942. 

Quando o Código de Processo Penal Brasileiro de 1841 entrou em vigor o entendimento predominante era que o sistema nele aplicado era o sistema misto  ou francês: fase inicial, caracterizada pelo inquérito policial entendia-se prevalecer o sistema inquisitorial; na fase posterior, iniciado o processo era possível defendia-se a  predominância do sistema acusatório8

No entanto, promulgada a Constituição da República Brasileira em  1988, que previu expressamente em seu texto a separação das funções de acusar, defender  e julgar, atribuindo-as a órgãos distintos, assegurando, ainda, ao acusado o contraditório  e a ampla defesa, princípios estes, inclusive expressamente previstos na Carta Magna,  além da previsão do princípio da presunção de não culpabilidade; diante desse cenário  passou a defender que o sistema característico do processo penal empregado no Brasil era  o acusatório.  

Importante ainda salientar que, como nosso sistema processual  penal não é um sistema acusatório puro, tendo em vista que o Código de Processo Penal  teve inspiração no modelo fascista italiano, deve-se atenção e o devido cuidado ao  interpretar (fazer a releitura) a legislação infraconstitucional diante da realidade exposta  pela “nova” ordem constitucional, de forma que, o sistema processual penal brasileiro  não se resume às regras previstas no Código de Processo Penal, mas sim dele com devido  cuidado a ordem constitucional posterior, estabelecida em 1988.  

CAPÍTULO I – Evolução do pensamento do Código de Processo Penal 

O processo penal brasileiro apresentou durante esses anos algumas  fases ou polos metodológicos em seu processo evolutivo: a primeira fase, sincretista,  praxista, imanentista, ou procedimentalista, o processo era considerado como simples  meio de exercício dos direitos. A ação confundia-se com o próprio Direito subjetivo  material que, uma vez lesado, poderia obter em juízo a reparação da lesão. O Direito  processual não era visto como um ramo autônomo do Direito, bem como não se tinha  consciência dos elementos para sua autonomia científica. 

A segunda fase, autonomista, conceitual, ou processualismo,  caracteriza-se pelas grandes construções científicas do Direito processual, grandes teorias  processuais, especialmente sobre a natureza jurídica da ação e do processo, as condições  da ação e os pressupostos processuais.  

A terceira fase, por sua vez, instrumentista, compreende uma fase  crítica. Após as inovações, ideias e teorias inovadoras, analisa-se o processo por uma  perspectiva externa, levando-se em consideração seus resultados práticos. 

Atualmente, sustenta-se uma nova fase, assim defendida pelo  professor Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, o formalismo-valorativo, que consiste em  visualizar o processo como o centro da teoria geral, equacionando direito e processo e  processo e Constituição. 

Carlos Álvaro de Oliveira9, com ênfase para o Processo Civil,  dispõe que: “(…) o processo é visto, para além da técnica, como fenômeno cultural,  produto do homem e não da natureza. Nele os valores constitucionais, principalmente o  da efetividade e o da segurança, dão lugar a direitos fundamentais, com características de  normas principais. A técnica passa a segundo plano, consistindo em mero meio de atingir  o valor. O fim último do processo já não é mais apenas a realização do direito material,  mas a concretização da justiça material, segundo as peculiaridades do caso. A lógica é  argumentativa, problemática, da racionalidade prática. O juiz, mais do que ativo, deve ser  cooperativo, como exigido por um modelo de democracia participativa e a nova lógica  que informa a discussão judicial, ideias essas inseridas em um novo conceito, o  de cidadania processual”. 

Essa fase também é denominada, no âmbito do processo civil,  como neoprocessualismo e neoinstitucionalismo, tendo como ideias principais a  argumentação, a efetividade do processo e a segurança jurídica, experimentando o  processo um viés constitucionalizado, como conquista da própria cidadania. 

Com essa perspectiva, de maneira simétrica, é possível se obter  um processo penal através do diálogo cooperativo, sério e voltado à realização da vontade  coletiva, em que alcançar a justiça seja mais importante e tenha maior valor do que o  próprio formalismo exagerado e a técnica processual. Proteção da sociedade, sem que  isso implique no sacrifício injustificado da liberdade – processo penal como instrumento  utilizado pelo Magistrado, sob sua análise e conclusão, visando a concretização da justiça, de modo célere e informal, em respeito aos princípios fundamentais do contraditório e da  efetividade jurisdicional. 

O Brasil enquanto colônia lusitana adotou por muitos anos o sistema jurídico de Portugal das Ordenações, tendo a ideia de justiça interligada e  confundida com o direito canônico, tendo inclusive penas cruéis. Além disso, nesse  período ainda permitia um sistema investigatório com permissão da tortura, utilizava-se  de métodos torturantes quando diante de provas contra pessoa que insistia em negar sua  culpa, também utilizada para extrair a confissão da pessoa que insistia em negar sua culpa  e a confissão, por sua vez, mostrava-se suficiente para basilar a condenação, repetida em  juízo, em lugar diverso daquele em que as torturas tivessem sido praticadas e quando as  dor estivesse passado. 

Apenas com a chegada da família real ao Brasil (após 1808) passou-se a editar normas “brasileiras”, as quais constituíam os alvarás e decretos,  concedendo perdão e comutando as penas. 

Somente após a Independência do Brasil (1822), houve a possibilidade do Brasil obter ordenamento penal e processual penal próprio. A  consciência nacional inspirada pelas dificuldades sociais e econômicas e por ideais  humanistas revolucionários vindo da Europa e da América do Norte. 

Defendia-se a liberdade como controle desmedido do Estado sobre as condutas individuais. Frei Caneca (condenado à morte por fuzilamento por participar  na Confederação do Equador em 1824) e Cipriano Barata (jornalista defendeu a emancipação brasileira e real autonomia após independência) acreditaram na concepção  de liberdade que entendia a lei como o único limitador das ações individuais, do agir  humano. 

A Constituição Brasileira de 1824 outorgada por D.Pedro I previu em seu texto direitos civis e políticos, que apesar de seu viés liberal quanto aos direitos  individuais, previa expressamente as possibilidades de restrição à liberdade. Apresentava,  também, em seu texto o princípio da legalidade: “nenhum cidadão pode ser obrigado a  fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei” (art.179, 1º) e ainda: “que  nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública”. Esse texto constitucional destinava se aos poucos brancos e mestiços que eram eleitores. Os escravos e os alforriados como  não eram considerados cidadãos permaneciam excluídos das novas disposições. 

O texto constitucional de 1824 aboliu açoites, torturas, marcas de ferro quente e outras penas cruéis, sendo mantida a pena de morte. Recomendou que as  cadeias deveriam ser limpas, seguras e arejadas. A escravidão era matéria encarregada  pelo direito civil por se tratar de propriedade patrimonial, já que os escravos não eram  considerados cidadãos. 

As Ordenações Filipinas permaneceram vigentes, no que não contrariasse os ideais constitucionais até vir a ser editado o Código Processo Criminal em  1832, cuja elaboração constava expressamente determinada pelo texto constitucional. 

Diante do tenebroso cenário em que se encontrava o sistema penal brasileiro – prisões em situações desumanas, os crimes não estavam previamente  definidos, com suas penas fixadas pela livre escolha do magistrado, podendo, inclusive,  às normas proibitivas de condutas serem editadas por autoridades administrativas ou  judiciais – em 1930 editou-se o Código Criminal e em 1932 o Código de Processo  Criminal de Primeira Instância (primeiro código de processo penal brasileiro).  

O Código de Processo Criminal de Primeira Instância, com viés liberal, oferecia garantias de defesa aos acusados, atribuiu funções importantes aos juízes,  previa além dos juízes de direito, juízes de paz que exerciam atribuições policiais e eram  eleitos. 

Na mesma esteira que o Código Criminal, o Código de Processo Criminal distinguia os procedimentos a serem utilizados para os crimes públicos e para  os particulares; os crimes públicos seguindo por ação penal promovida pelo promotor  público ou por qualquer cidadão (quando cabível a ação penal popular10), entre eles  estavam incluídos os crimes políticos, enquanto os crimes particulares ofereciam a vítima  a possibilidade de promover a ação penal – o homicídio era considerado crime particular  por ofender a segurança individual. 

O Código de Processo Criminal foi alterado em 1841, editada a Lei 261: a reforma subtraiu dos juízes de paz as atribuições de investigar e transferiu aos chefes de Polícia e seus delegados. O aparato policial repressivo foi medida que se  fortaleceu de maneira reacionária e centralizadora. 

Insatisfeitos, liberais reivindicam tal reforma, resultando em nova alteração legislativa com o advento da lei 2.033, em 1871 que criou o instrumento  com “nomen iuris” inquérito policial, nomenclatura ainda utilizada nos dias atuais para  documentar as investigações de crime e de autoria realizadas pela Polícia. A atividade de  investigação realizada pela autoridade policial no inquérito policial consiste em auxílio à autoridade judiciária ou ao promotor posteriormente, sendo produzida a prova  fundamentadora da propositura da ação penal. Com isso, acreditava-se que seria possível  a separação entre as funções da polícia e da judicatura. 

No ápice da Segunda Guerra Mundial (1839-1945), com o advento  da Constituição de 1937, unificando-se a legislação processual penal com a Carta de 1934, surgiu o Código de Processo Penal, Decreto Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, criado  por Getúlio Vargas durante o período do Estado Novo no Brasil e tinha como princípio a  culpabilidade, priorizando-se a segurança pública. 

Sua redação original reforçava os poderes dos agentes policiais e a ampliação da liberdade probatória do juiz. O interrogatório consistia em meio de prova e  não como meio de defesa; ao dar sua versão dos fatos, esta servia como prova contra ele  e se o acusado permanecesse em silêncio era considerado culpado. A redação original,  entretanto, trouxe características de preceitos fascistas. 

A Constituição Federal de 1988, que redemocratizou o país, atribuiu ao Ministério Público a exclusiva titularidade da ação penal pública, instrumento  utilizado pelo “parquet” para postular ao Estado aplicação de sanção em virtude da  violação do preceito primário do crime, ou seja, diante do cometimento de infração penal.  A ação penal tem como finalidade a aplicação da lei, ou seja, é o direito de provocar o  poder judiciário para a aplicação do direito posto. 

O novo texto constitucional (1988), instituiu um sistema de amplas garantias individuais, enquanto que o Código de Processo Penal pautava-se pelo princípio  da culpabilidade e da periculosidade do agente, a começar pela afirmação da situação  jurídica de quem ainda não tiver reconhecida a sua responsabilidade penal por sentença  condenatória transitado em julgado: “ninguém será considerado culpado até o trânsito  em julgado da sentença penal condenatória”(art.5º, LIVV, CF).

A nova ordem passou a exigir um novo olhar ao procedimento penal, de que este não fosse mais tratado como mero instrumento da aplicação da lei  penal, mas que além disso, se transformasse em instrumento de garantia do indivíduo  perante o Estado. 

Esse devido processo penal constitucional, visa a uma justiça penal  pautada na igualdade efetiva entre os litigantes. Ao Estado deve interessar tanto a  absolvição do inocente quanto a condenação do culpado, bem ao Ministério Público,  considerado como instituição independente, titular da ação penal pública, deverá defender  a ordem jurídica e não simplesmente ter uma função acusatória, atuando com  imparcialidade, nos interesses da coletividade, da sociedade. 

CAPÍTULO II – Garantismo, em que consiste? 

Para melhor entendermos a evolução do pensamento processualista penal, em relação ao direito de punir do Estado, a investigação, acusação e a busca pelo  justo, punir o culpado na medida da sua culpabilidade, evitando-se a impunidade,  estudaremos neste trabalho duas ideias norteadoras, entre elas, o Modelo Garantista. 

O garantismo penal, no Brasil, assumiu uma roupagem de teoria baseada na defesa da impunidade e manobras de abrandamento na punição. Essa ideia,  no entanto, é precipitada e não encontra qualquer respaldo na teoria sustentada e estudada  por Luigi Ferrajoli. O garantismo penal não deverá ser visto como única solução, ou  ainda, como a melhor, mas também não seria prudente ignorá-lo, desprezá-lo. 

O modelo garantista clássico, em sua grande parte, consiste no fruto da tradição jurídica do iluminismo, tendo como princípios norteadores a legalidade  estrita, a materialidade e a lesividade dos delitos, a responsabilidade pessoal, o  contraditório entre as partes e a presunção de inocência. 

No século XVIII existiram muitos pensamentos, com características distintas, como as doutrinas dos direitos naturais, das teorias  contratualistas, da filosofia racionalista e empirista, das doutrinas políticas da separação  dos poderes, do positivismo jurídico, bem como das concepções utilitárias do direito e da  pena. No entanto essas concepções não apresentaram propostas exclusivamente liberais,  sustentando métodos penais autoritários e antigarantistas, como as da prevenção especial ou as da defesa social, com objetivo de garantir máxima segurança. Como exemplo, temos  a Escola Clássica italiana de Cesare de Beccaria e Francesco Carrara. 

Na democracia observa-se necessária a implantação de regras prévias e claras quanto a violação da liberdade dos indivíduos e seus direitos  fundamentais. A liberdade, principalmente, sempre ocupou posição centralidade, sendo  possível sua restrição, violação somente em hipóteses pontuais, previamente previstas,  não podendo, ainda, ser por mera deliberação da autoridade, sendo exigida sua  fundamentação. 

Nesse contexto, o garantismo veio como ideia de reconstrução das regras no âmbito penal, inclusive, Ferrajoli considera direitos e garantias  fundamentais como “a lei do mais fraco”, por não haver paridade de condições entre os  envolvidos. Mediante regras prévias e claras, é possível controlar em parte esse desnível  no funcionamento do sistema penal, para que este não alcance apenas um dos lados,  deixando, inclusive aqueles mais fracos e vulneráveis sem sua atenção. Para isso, é necessário limitar os envolvidos, para que se obtenha um resultado democrático, o que,  do contrário, será desequilibrado, pendente a lei do mais forte. 

Ferrajoli11 tinha como pretensão construir uma “teoria geral do Garantismo”, abordando em sua obra Direito e Razão uma linha de raciocínio. Na base  de seu pensamento, o autor identifica três aspectos de uma crise profunda e crescente  existente no Direito atual.  

A primeira crise é a chamada “crise da legalidade”, consistente no valor vinculante das regras elaboradas pelos titulares dos poderes públicos,  as quais expressam ausência ou ineficácia dos instrumentos de controle, tendo como  resultado imediato a ilegalidade do poder. Como exemplo dessa situação, encontrada em  diversos Estados pelo mundo, podemos mencionar a existência de uma espécie de Estado  paralelo que funciona baseado na corrupção estendendo por todas as áreas (política,  economia, administração pública etc.). 

A segunda crise se instala diante da modificação do papel do Estado e suas estruturas perante a sociedade. Antes o Estado Liberal restringia-se a  uma atuação negativa, devendo proteger a individualidade e a liberdade do indivíduo. No  Estado de Direito Social exige-se uma atuação positiva, atuante do Estado, resultando um  excesso de legislação, provocado pelos mais diversos setores sociais com leis cada vez  mais específicas, parecendo meros atos administrativos. Há dificuldade para a consolidação de um sistema de garantias de modo eficiente como as ideias expostas com  o liberalismo. 

A terceira crise, se dá no cenário em que questões internas como questões militares, envolvendo política monetária e políticas sociais ultrapassam  suas fronteiras, dependendo tanto de questões internas como de externas, às vezes até  mais das externas, havendo um enfraquecimento do Estado Nacional com o deslocamento  da soberania. Em consequência, há também um enfraquecimento do constitucionalismo,  devida a falta de suporte teórico em Direito Internacional para disciplinar a inserção  desses novos espaços decisórios externos no sistema das fontes de Direito.  

No raciocínio de Ferrajoli, o problema se encontra em uma crise de legalidade que essas três crises apresentam, quanto à vinculação de todos às  normas legais, podendo ainda, colocar em colapso a própria Democracia, sua ausência  ocasiona a ilegalidade do poder e até formas neoabsolutistas de exercício do poder público sem limites e controles, governado por interesses fortes e ocultos, dentro de nossos  regulamentos. 

Luigi Ferrajoli, em seu livro Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal prevê dez axiomas, os quais se estabelecem como espécie de arquitetura do direito penal democrático, são como vetores de racionalidade para a  construção da justificação do direito penal, servindo ainda para sua própria limitação,  tendo em vista que para o autor os espaços de poder punitivo que não se fundamentam no  território de racionalidade extrapolam os limites democráticos de intervenção penal. O devido processo legal, contraditório, ampla defesa, princípio acusatório são partes dessa  estrutura que sustenta o funcionamento do sistema penal, em que o garantismo demonstra  como deverão funcionar e o que representam as normas preestabelecidas em relação a  uma compreensão democrática do regime das liberdades.

Os dez axiomas apresentados por Ferrajoli12 são: 1) o princípio da  retributividade ou da consequencialidade em relação ao delito consubstanciado na regra  nulla poena sine crimine, que determina que não deve haver pena sem crime anterior que  a justifique; 2) o princípio da legalidade, nos sentidos lato e estrito, expresso na regra  nullum crime sine lege, isto é, não há crime sem lei anterior que o defina; 3) o princípio  da necessidade ou economia do direito penal, manifestado pelo comando nulla lex  (poenalis) sine necessitate e indicativo de que o direito penal constitui a ultima ratio do  ordenamento jurídico; 4) o princípio da lesividade ou da ofensividade do evento (nulla  necessitas sine injuria), condicionando a atuação do direito penal à existência de lesão ou  perigo de lesão a um bem juridicamente tutelado; 5) o princípio da materialidade ou  exterioridade da ação (nulla injuria sine actione), que exige a existência de ação ou  omissão penalmente relevantes para a repressão da conduta; 6) o princípio da  culpabilidade ou da responsabilidade pessoal (nulla actio sine culpa), ou seja, não há  responsabilização sem comprovação de culpa ou dolo; 7) o princípio da judiscionariedade  no sentido lato e no sentido estrito (nulla actio sine judicio), designando que não há  aplicação de pena senão pela autoridade competente; 8) o princípio acusatório ou da  separação entre juiz e acusação (nullum judicio sine acusatione), apresentando-se como  expressão do princípio da obrigatoriedade da ação penal; 9) o princípio do ônus da prova  ou da verificação (nulla accusatione sine probatione), isto é, a acusação tem o ônus de  provar a responsabilidade do acusado que goza do estado de inocência até que o contrário  seja provado; e 10) o princípio do contraditório ou da defesa ou da falseabilidade (nulla  probatio sine defensione) indicativo do direito que o réu tem de ter ciência da acusação e  de sobre ela se manifestar por todos os meios de prova admitidos em direito. 

O princípio da jurisdicionalidade no sentido lato e no sentido  estrito, princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação, princípio do ônus da  prova ou da verificação e princípio do contraditório ou da defesa ou da falseabilidade  referem-se ao processo, mais especificamente sobre como e quando julgar. 

O princípio da jurisdicionalidade consiste na obrigatoriedade de  sujeição à jurisdição; em seu sentido lato pressupõe a ideia de juízo como exigência do  direito material, de modo que não haverá pena, crime, lei penal, ofensa, ação e culpa sem  que exista um processo. Por sua vez, em sentido estrito, conjuga acusação, prova e defesa ao processo, a sua existência, não sendo possível existir um processo sem esses  elementos, demonstrando a importância de um direito processual penal. Nesse contexto, é possível equiparar o princípio da jurisdicionalidade ao princípio do devido processo legal. 

O segundo princípio acima citado, princípio acusatório ou da  separação entre juiz e acusação, remete-se a necessidade de separação das funções dentro  do processo, funções postulatórias e judicantes, para que se possa preservar a  imparcialidade da decisão final, não concentrando ambas funções de julgar e acusar em  um indivíduo, o que traduz um dos pilares do devido processo legal, a garantia do juiz  natural. 

Por fim, o princípio do ônus da prova ou da verificação e o  princípio do contraditório ou da defesa ou da falseabilidade, intrinsecamente ligados,  sendo por meio do processo a possibilidade do acusado exercer seu direito de defesa  contra a acusação apresentada em seu desfavor. 

A teoria garantista propõe, ainda, basicamente, uma revisão da teoria da validade, apontando a diferença existente entre validade material e validade  formal; a superação da perspectiva meramente formal da democracia, sujeição do juiz aos  aspectos formais e substanciais da lei e o desenvolvimento de uma visão crítica do Direito. 

Ferrajoli apresenta três acepções para o termo garantismo: a  primeira acepção tem ele como um modelo normativo de direito com base no princípio  da estrita legalidade e inovador ao criar um sistema negativo de proteção do Direito, com  o objetivo de obstar o excesso de poder do Estado. A segunda define o garantismo como  teoria explicativa dos conceitos de validade, vigência e efetividade da norma jurídica, a  partir de seus aspectos formais e materiais, frisando a separação entre o “ser” e o “dever  ser”. A terceira, por sua vez, é o garantismo como filosofia política que distingue direito e  moral, validade e justiça, o ponto de vista externo e ético-político e o ponto de vista  interno ou jurídico na valoração do ordenamento. 

Dessa forma, podemos compreender a teoria geral do garantismo  como uma teoria fundamentada na proteção da dignidade da pessoa humana e de seus  direitos e garantias fundamentais através de instrumentos capazes de limitar o poder  estatal. Apresenta-se como consectário da teoria garantista penal que defendia uma  posição central da pessoa e um caráter instrumental do Estado, propondo modelo de Estado de Direito em que seria possível medir o grau de legitimidade do Estado. Intimamente ligado ao conceito de dignidade da pessoa humana e demais direitos e  garantias fundamentais, bem como a ideia de democracia, o garantismo pretende a proteção desses institutos com a sujeição formal e material das práticas jurídicas (desde  a elaboração da norma até sua aplicação e sanção) aos preceitos da Magna Carta,  caracterizando-se um Estado de Direito Constitucional, com absoluta compatibilidade  entre normas infraconstitucionais e os preceitos constitucionais, com base no respeito à  dignidade da pessoa humana. 

Os reflexos do Garantismo se fazem presentes na atividade jurisdicional e na hermenêutica. Na atividade jurisdicional é perceptível a mudança do  papel exercido pelo juiz dentro do sistema, sendo a jurisdição função que dará ao cidadão  a garantia que norma incompatível com o sistema, tanto materialmente, como  formalmente, não produzirá efeitos; como consequência, evidenciará a ilegitimidade do  poder responsável por colocá-la no sistema, isto porque, nessa nova sistemática, o juiz  não estará mais vinculado apenas à lei, devendo obediência cega e estritamente a ela,  deverá vincular-se à Constituição, característica própria do Estado Constitucional de  Direito, tendo em vista as normas constitucionais espelham os valores fundamentais da  sociedade expostos sob o título de direitos fundamentais.  

A mudança fundamental que se dá é a alteração da concepção do Estado de Direito com a passagem para um Estado Constitucional de Direito, assim como o Garantismo não mais entendido equivocadamente como simples proteção dos direitos  de liberdade em relação ao Estado; assim entendida, remetia-se a uma função jurisdicional  típica do liberalismo baseada na separação dos poderes. A concepção moderna de  Garantismo representa uma forma de identificar a Democracia constitucional própria do  Estado Constitucional de Direito. 

CAPÍTULO III – Eficiência no Processo Penal 

O princípio da eficiência, consagrado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo, caput, dispõe que: “A administração pública direta e indireta de  qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios  obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e  eficiência e, também, ao seguinte (…)”.

Esse princípio abrange a atividade da Administração Pública direta  e indireta de qualquer dos poderes federativos, devendo estes poderes exercer suas  atividades com observância aos princípios acima mencionados, atendendo a finalidade da  Administração Pública, qual seja, o interesse da coletividade, tendo transparência e  concretude em seus atos administrativos.  

Diante dos anseios da coletividade, da população, diversas  mudanças tanto na legislação constitucional, como na legislação supraconstitucional e infraconstitucional foram realizadas, buscando-se alcançar a eficiência na prestação dos  serviços públicos. Como exemplo temos o princípio da duração razoável do processo,  como direito fundamental (art. 5º, LXXVIII, da CF), no âmbito do Poder Judiciário,  servindo de parâmetro para uma resolução da questão judicializada em tempo oportuno, sendo importante frisar que o prazo em um processo poderá fadá-lo ao seu insucesso, ineficiência ou até mesmo medida além da necessária ao caso, sendo injusta; é um fator  determinante às partes, uma vez que direitos, garantias, o bem juridicamente tutelado  corre o risco de perecer ou se tornar irrelevante. 

Para um processo adequadamente instruído e desenrolado, o  princípio da eficiência torna-se um importante alicerce, sendo indispensável ao Estado  Democrático e Social, uma vez que este é executor e fomentador da prestação de serviços,  visando os interesses essenciais da coletividade. 

Os agentes públicos deverão agir com transparência, de forma  eficaz, evitando burocracias (o que deu margem a um modelo gerencial), sempre  buscando prestar seus serviços com maior qualidade possível, com atenção e prevenção  dos desperdícios de recursos e tempo, em busca de maior rendimento, com maior  eficiência na gestão da coisa pública. Dessa forma, percebe-se que a eficiência é, ao  mesmo tempo, princípio e finalidade, bem como requisito de eficácia dos atos administrativos.  

A origem do princípio da eficiência, no Brasil, se deu na reforma  administrativa, iniciada em 1995 no primeiro governo do Presidente Fernando Henrique  Cardoso, com tendências evidentemente neoliberais. Buscou-se nesse governo a  descentralização estatal, com parcerias firmadas com a iniciativa privada, originando as  PPP – Parcerias Público-Privadas, criação das agências reguladoras; houve maior atenção  a competência e a eficiência da Administração Pública, através da “Administração 

Pública Gerencial”, que tinha como foco os servidores públicos e os resultados por eles  apresentados, avaliados através da produtividade, recebiam premiações pelo desempenho  sob a forma de gratificações inseridas na remuneração.  

Dessa forma, é possível dizer que a eficiência da Administração  Pública será alcançada quando atendidos os interesses da coletividade, os interesses  públicos, sendo as atividades públicas realizadas atendendo-se os critérios de  economicidade e utilidade pública, sempre em atenção ao princípio da legalidade.  

Conforme entende José Afonso da Silva13: “eficiência não é um  conceito jurídico, mas econômico; não qualifica normas; qualifica atividades. Numa ideia  muito geral, eficiência significa fazer acontecer com racionalidade, o que implica medir  os custos que a satisfação das necessidades públicas importam em relação ao grau de  utilidade alcançado. Assim, o princípio da eficiência introduzido no art. 37 da  Constituição orienta a atividade administrativa no sentido de conseguir os melhores  resultados com os meios escassos de que se dispõe e a menor custo. Portanto, o princípio da eficiência administrativa tem como conteúdo a relação meios e resultados”. 

Nesse sentido, eficiência do serviço público, atendendo as  necessidades da sociedade, através do desempenho de atividades regulares e qualificadas,  configura-se garantia da execução e proteção do princípio, bem como de estarem  devidamente adequados os atos estatais à legislação vigente, visando a melhor e mais  eficaz solução ao administrado. 

Para que se alcance a eficiência no serviço público necessário será necessário o empenho pessoal e esforço máximo dos agentes públicos, garantindo a execução de  suas atribuições da melhor maneira. Não obstante, também se percebe necessário que a  Administração Pública, em suas diversas funções, seja bem consolidada em estrutura,  organização e disciplina, podendo produzir atos processuais com economia, dos quais  será exigido o menor desperdício de dinheiro público, com rendimento funcional,  perfeição e presteza na execução dos serviços públicos, o que revelará eficiência na  gestão, nos atos.  

Importante salientar que o princípio da eficiência não significa  rapidez no alcance da finalidade, mas para verificação do atendimento do mandamento constitucional, esse princípio deve ser analisado conjuntamente com o princípio da  razoabilidade, certificando-se que os meios empregados justificam seus fins, se há  adequação. Assim, ao buscar a eficiência não poderá com isso anular ou ignorar outros  mandamentos constitucionais, não poderá o princípio da eficiência diminuir o alcance  hermenêutico e jurídico de outras normas de igual ou inferior valor. Em respeito ao  princípio da eficiência, deve-se respeito aos demais princípios, de igual hierarquia,  também previstos no texto constitucional, como o princípio da dignidade da pessoa  humana (artigo 1º, III, da CF), finalidade básica da Administração Pública no Estado Democrático de Direito. 

Antônio Scarance Fernandes14 entende que a concepção de  eficiência no processo penal dependerá da finalidade que seja atribuída, dessa forma, se  a finalidade do processo for pela obtenção de um resultado justo, legitimando-se pela  adequação processual, será eficiente aquele que respeitar o devido processo legal,  assegurando às partes o exercício de seus direitos, com proteção das garantias  constitucionalmente previstas; se a finalidade for assegurar a defesa do acusado, deverão  ser assegurados os meios ao acusado para o exercício desse direito, tendo um processo  penal eficiente; ou se ainda, a finalidade consistir em permitir aos órgãos de persecução  penal a apuração da verdade e a punição dos agentes – exercício do jus puniendi, será  devidamente eficiente o processo que através de seus meios, adequados, de acordo com  o sistema constitucional, alcançou a verdade e a apuração da autoria e materialidade. 

Nesse sentido, importante desfazer dos preconceitos existentes  quanto ao processo penal: o primeiro, já comentado no capítulo anterior, garantismo como  sinônimo de impunidade; consiste em falácia ao achar que o garantismo apenas pretende  proteger as liberdades individuais, os direitos fundamentais, sendo maior peso a apenas  um lado, o que seria causa de impunidades. Dessa mesma forma, a segunda falácia  consiste em identificar um processo penal como eficaz aquele rápido e que sempre pune,  rígido, sem olhar o indivíduo como pessoa de direitos. 

Desmistificando esse segundo pensamento, será eficiente o  processo penal que possibilitar idênticas oportunidades à acusação e à defesa para  defenderem seus interesses, direitos e posições jurídicas, em respeito a paridade das armas, de modo que os julgamentos sejam legitimados devido ao uso de procedimentos  adequados. O importante papel de balança na consecução do devido processo penal,  conferindo equilíbrio,será sempre o juiz, que ficará responsável pela fiscalização bilateral  dos demais sujeitos processuais primários ou principais (acusação e defesa).  

O devido processo penal, em um prisma de Estado Democrático e  Social de Direito e Estado de Direito Constitucional, será efetivo, ao buscar a paz social  com a preservação da dignidade da pessoa humana, princípio este máximo é vetor  axiológico-hermenêutico, tanto do direito processual penal, como de todo o ordenamento  e ciência jurídica. Assim, conclui-se que, no processo penal, eficácia, efetividade e  eficiência possuem íntima e ligação, sendo inclusive confundidas, uma vez que com o  devido processo legal deve-se buscar a proteção da dignidade da pessoa humana, visando  sua efetividade; ao passo que em obediência ao devido processo legal, o processo terá sua  eficácia garantida. 

Sendo assim, sinônimo de processo penal efetivo, eficaz e eficiente  não é apenas celeridade, visando solução rápida do problema, em desrespeito aos demais  preceitos constitucionais e às garantias do acusado (e da acusação). Muito embora a  duração razoável do processo e a eficiência tenham uma íntima relação, à eficiência  deverá atentar-se para não comprometer conquistas constitucionais inerentes aos direitos  individuais aplicáveis ao processo penal com suas medidas, seus meios, sob pena de  abalar os fundamentos do devido processo penal.  

Para melhor entendermos, o devido processo legal está previsto no  artigo 5º, LIV da Constituição Federal de 1988 15 e consiste em garantia individual  imposta ao Estado que para perseguir o sujeito, com a finalidade que a infração à lei seja  punida, deverá seguir fielmente o procedimento previsto pela própria lei, sem que possa  modificá-lo ou abreviá-lo (chamado de due processo of law). 

Dessa forma, apenas após um processo penal em que foram  garantidos os direitos e garantias individuais do acusado o Estado-juiz poderá impor a ele  a sanção previamente cominada em lei, privando-lhe a liberdade ou retirando seus bens  patrimoniais. 

Além do respeito aos aspectos formais do processo, importante  também, para devida observância ao devido processo penal, seu aspecto substancial, ou  seja, o procedimento deverá ser justo, garantindo de maneira efetiva o exercício pelo  acusado do contraditório e da ampla defesa (chamado de substantive due process of law). 

Com o substantive due process of law assegura-se que não será  editada norma processual desarrazoada, que piore a situação do acusado, capaz de comprometer o contraditório e a ampla defesa, criando obstáculos insuperáveis à defesa  tanto técnica como a autodefesa. Assim, podemos concluir que o processo penal eficiente  e devido processo penal são ideias sinônimas, uma vez que seus conceitos possuem  elementos comuns a eles. 

Outro princípio que também integra a ideia de processo penal  eficiente é o princípio da duração razoável do processo; um processo incessante, perpétuo, sem limite temporal pode trazer insegurança jurídica, insegurança social, podendo ainda, ser injusto dada sua demora, sendo desnecessária até mesmo a sanção final, devido o  constrangimento e a dor causado por sua demora. 

Por outro lado, um processo que tem como obrigação ser rápido  demais, poderá colocar em risco a qualidade de seu trabalho, podendo ser tanto injusto,  devido aos critérios superficiais estabelecidos, como poderá trazer impunidade, diante de  critérios mais rígidos, não haver tempo hábil para uma conclusão e investigação com  devida qualidade. Nesse contexto, o Direito Processual Penal necessita de tempo para a  efetivação da instrumentalidade, concretude dos direitos e garantias da sociedade, mas deverá ser breve, de forma que não transforme o processo em pena. 

A Constituição Federal de 1988, com a promulgação da Emenda  Constitucional nº 45 de 2004, acrescentou ao artigo 5º deste códex, o inciso LXXVIII o  qual dispõe que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável  duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Essa  determinação constitucional é fruto de um direito internacional público, da pós Segunda  Guerra Mundial e ainda, pode ser entendido como derivação ao Princípio do Estado de  Direito. 

Nesse dispositivo temos a duração razoável do processo e a  celeridade na tramitação do processo, duas ideias que remetem ao conceito de processo  eficiente e de devido processo legal. No entanto, a pergunta que paira é: para um processo ser eficiente, com os meios que garantam sua celeridade e realizado em razoável duração,  quanto tempo e como deve ser entendido isso? 

Para início de conversa, podemos destacar um grande problema existente em todos os ordenamentos, não só pátrio como do mundo todo: a aceleração do  tempo. À medida que o tempo passa, a sociedade simultaneamente busca por respostas  imediatas, a sociedade não quer esperar pelo processo e quer a visibilidade de uma  imediata punição, fazendo surgir, como Aury Lopes Jr.16 denomina em sua obra, “Estado  de Urgência”, sendo consequência natural da incerteza epistemológica. O processo, por  sua vez, não acompanha esse ritmo fugaz das informações, indagações e novidades com  respostas simultâneas. 

Por esse motivo, o Direito Penal e Processual Penal deverão ter tratamento de “última ratio”, devendo ser o último instrumento de punição ao indivíduo,  demorando o tempo ideal, razoável para a investigação do ocorrido, implicação de  responsabilidade ao verdadeiro ocasionador da ofensa ao bem jurídico, de maneira que  isso demore tanto a ponto de configurar-se pena, diante do constrangimento e prejuízo  que lhe causou a demora; da mesma forma poderá ser às vítimas e suas famílias,  configurando impunidade e injustiça. 

Conforme defendem Aury Lopes Jr. e Henrique Badaró17: “(…) no processo penal, o tempo é o verdadeiro significante da punição, não só na pena privativa  de liberdade, mas também na prisão cautelar e, principalmente, no simples fato de estar  sendo processado”. O processo deve ser concluído em tempo hábil, razoável, evitando-se  maior sofrimento tanto à aquele submetido ao processo com sua liberdade e privacidade  em constante violação, efeito imediato daquele que é processo, bem como àqueles que esperam uma resposta do ordenamento, do poder estatal diante da violação de um bem jurídico pertencente – para ambos os lados há intenso sofrimento. 

Com atenção, destacamos que o Código de Processo Penal de 1941 reflete, na maioria dos seus artigos, a realidade da época, ou seja, incumbia-se ao Direito  Penal e Processual Penal a responsabilidade de combater a criminalidade de forma, célere, eficaz e segura, não dando importância e relevância às garantias individuais, tendo em vista que o parâmetro usado era o “homem médio” o qual não se imagina em situação de conflito com o Estado. 

Percebe-se que nessa época a concepção de eficiência, de um  processo eficiente, era diversa daquela proposta pela Constituição em 1988. A concepção  de eficiência do Código de Processo Penal, à época da sua edição, continha três aspectos  básicos: eficácia, economia ou otimização e qualidade (satisfatoriedade) na prestação  dos serviços públicos. Promulgada a Constituição Federal de 1988, está prevista a  “celeridade”, remetendo a ideia de eficiência ou ao menos parte dessa concepção,  podendo ser interpretada no sentido de uma prestação jurisdicional devida, sem prejuízos às garantias previstas pelo texto constitucional e realizada com presteza. 

A Emenda Constitucional nº 45 de 2004, além trazer ao  ordenamento o direito de ser julgado, em um prazo razoável, trouxe também a sanção  administrativa para o magistrado que retardar o curso do processo e der causa à demora.  No artigo 93, inciso II, alínea “e”, da Constituição Federal de 1988 prevê que: “não será  promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal,  não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão”. Prevista,  também, sanção aos juízes e promotores de justiça responsáveis pelo retardamento do  processo no Código de Processo penal nos artigos 801 e 802; de forma que é possível  verificar que os agentes públicos têm a responsabilidade de realizar um trabalho, exercer  suas funções públicas, no caso o processo, a investigação, o desenrolar de um fato ilícito  com futuro apontamento de autoria e comprovação da materialidade, de maneira que  melhor atenda aos interesses da coletividade, condizente com o Estado Democrático de  Direito, em que um processo eficiente não é mais sinônimo de celeridade, rapidez e  punição a todo custo, mas de celeridade conjugada com respeito à pessoa humana, aos  seus preceitos constitucionais mínimos, sendo esta pessoa vítima ou até mesmo o próprio  acusado, a balança não deve tombar apenas para um lado. 

CAPÍTULO IV – Eficiência e Garantismo na prática atual. 

Atualmente é evidente a busca pela eficiência na prestação dos  serviços públicos, em especial quanto à atuação do Poder Judiciário, na busca pela Justiça,  sem o desamparo dos direitos individuais. Com a edição da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, medidas foram tomadas com o objetivo de tornar a prestação jurisdicional mais  célere e eficiente. 

Entre as medidas podemos elencar, a título de exemplificação: previsão da atividade jurisdicional como ininterrupta com a vedação de férias coletivas  nos juízos e tribunais de segundo grau que funcionarão nos dias em que não houver  expediente forense em regime de plantão permanente (art. 93, XII, da CF), promoção dos  Magistrados por merecimento à aferição de sua produtividade e presteza no exercício da  jurisdição, magistrados que não respeitarem os prazos processuais, causando injustificado  atraso na conclusão do processo, não serão promovidos (art. 93, II, c, da CF),  possibilidade de edição de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal (art. 103-A  da CF), previsão de que os processos judiciais e administrativos deverão ter uma razoável  duração (art. 5º, LXXVIII, da CF), entre outras. 

Sobre a questão, existem posições extremadas e conciliadoras.  

Uma primeira corrente defende que as garantias do acusado devem ter total primazia em  relação à atividade persecutória estatal, configurando o que tem sido denominado de  garantismo hiperbólico monocular18

Em sentido contrário, entendem pela possibilidade e até necessidade em sacrificar essas garantias em prol da segurança da sociedade, representada  pela celeridade e eficiência do processo penal.  

Os conciliadores, por sua vez, entendem e defendem ser possível resolver tal questão através do caminho da conciliação, sendo plenamente possível a  compatibilização entre os ideais de proteção das garantias do acusado e o  desenvolvimento célere e eficiente do processo, conjugando, dessa forma, as duas  correntes acima.  

Evidente e, como tudo na vida, os extremismos, o excesso nunca foi algo que trouxe bons frutos, seja em qualquer questão da vida, da sociedade, em tudo.  Dessa forma, dúvidas não há quanto a necessidade de se alcançar um equilíbrio entre  esses dois ideais, seja pelo fato de que seria inconcebível a retomada de um processo do tipo inquisitivo, em que o acusado era mero objeto do processo, não era visto como sujeito  de direitos, tendo como seu único direito o de ser processado, tendo em vista que o  pensamento que prevalecia nesse sistema era que a justiça que tarda, como justiça, não  pode ser reconhecida.  

Diante desses argumentos questiona-se quais os reais reflexos que o exercício das garantias fundamentais do acusado tem sobre a eficiência e a celeridade  do processo penal? Qual influência o exercício do direito à defesa técnica efetiva, como  imperativo de um modelo de processo penal garantístico, exerce na consecução de um  processo penal célere e eficiente? 

A Lei nº 10.792/2003 instituiu verdadeiro reforço ao direito à defesa, com o fortalecimento do contraditório, de maneira específica e, de modo mais  genérico, a ampla defesa. Dentre os institutos disciplinados pela lei estão a execução  penal, o interrogatório e o direito à defesa efetiva.  

Quanto à execução penal, alterações importantes foram: a necessidade de prévia manifestação do Ministério Público e da defesa, sobre o  requerimento de inclusão do preso em regime disciplinar diferenciado (artigo 54, § 2º);  exigência de manifestação do membro do Ministério Público e da defesa antes da decisão  judicial relativa à progressão de regime prisional, livramento condicional, indulto e  comutação de pena.  

Em relação ao interrogatório judicial, maior alvo das reformas  trazidas pela referida lei, possível notar uma preocupação com o aumento da proteção dos  direitos e garantias fundamentais do acusado: direito à defesa técnica (artigo 185 caput,  do Código de Processo Penal), direito à entrevista reservada (artigo 185, § 2º, do Código  de Processo Penal), direito ao silêncio (artigo 186 do Código de Processo Penal), entre  outras medidas; houve ainda, o estímulo ao contraditório entre as partes (direito de  repergunta das partes, disposto no artigo 188 do Código de Processo Penal; e, ainda,  reforçando um processo penal mais garantista, com maior proteção aos direitos  individuais (trazidas pela lei nº 10.792/200) do que o original (de 1941), previu a  exigibilidade de defesa técnica efetiva nos termos do parágrafo único, artigo 261 do  Código de Processo Penal. 

Conforme é possível observar, as medidas trazidas pela lei nº 10.792/2003 destinam-se ao reforço das garantias fundamentais do acusado, o que trouxe inúmeras discussões acerca do perigo em estar dando primazia aos direitos e garantias  fundamentais do acusado em detrimento da eficiência e da celeridade do processo penal. 

No HC 94.016-1/SP (STF, Relator Celso de Mello), em que se questionava a possibilidade de qualquer dos litisconsortes penais passivos formular  perguntas, em sede de interrogatório judicial, aos demais corréus, sobretudo quando as  defesas de tais acusados se mostrarem colidentes. O acórdão analisou, ainda, a  aplicabilidade da Súmula nº 691 do Supremo Tribunal Federal19

No curso do interrogatório judicial, o juiz de primeira instância proibiu a realização de reperguntas ao réu interrogado por parte dos defensores dos  demais corréus. A defesa dos corréus, diante dessa decisão, entendendo estarem sofrendo  cerceamento de defesa, impetraram habeas corpus com pedido de liminar perante o  Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedindo pela suspensão do processo até o final do  julgamento do referido “writ”. A liminar foi indeferida com o fundamento de não ser o réu reconhecido como testemunha, o que não o obriga a responder sequer às perguntas  formuladas pelo magistrado, inclusive suscitou o Relator pela aplicação da Súmula nº  691 do Supremo Tribunal Federal.  

Manifestando-se sobre a questão, em sede de habeas corpus, o  Supremo Tribunal Federal entendeu pela não aplicação da Súmula nº 691, alegando ser  afastado o enunciado em hipóteses que a decisão questionada apresenta divergência com  a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou ainda, em situações  configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade.  

Concernente à alegação de cerceamento de defesa, o Supremo Tribunal Federal20, nessa ocasião, acolheu o pedido da defesa fundamentando sua decisão com os seguintes argumentos: a relevância de se qualificar o interrogatório judicial como  um expressivo meio de defesa do acusado conduz ao reconhecimento de que a  possibilidade de o réu coparticipar, ativamente, do interrogatório judicial dos demais  litisconsortes penais passivos traduz projeção concretizadora da própria garantia  constitucional da plenitude de defesa, cuja integridade há de ser preservada por juízes e  

Em complemento a esse pensamento, o Supremo Tribunal  Federal21 entendeu ainda, pela anulação do processo, a partir dos interrogatórios judiciais  dos demais corréus, “determinando a realização de novos interrogatórios, assegurada,  desde já, ao paciente em questão, mediante regular e prévia intimação de seu advogado”,  “a oportunidade de participação no interrogatório dos demais corréus”. 

Nesse contexto, é inevitável pensar na eficiência e na celeridade do  processo penal em desconformidade com a proteção dos direitos fundamentais do  acusado. A decisão do Supremo Tribunal Federal mostrou-se acertada ao considerar  cerceamento de defesa a proibição de participação ativa dos advogados de corréus em  interrogatório judicial. Tanto a Lei nº 10.792/2003 prevê, expressamente, essa  possibilidade, como também, realizada uma interpretação conforme a Constituição seria  possível concluir no sentido de que a defesa técnica efetiva é essencial em todas as fases  do processo.  

No entanto, importante destacar que a solução tomada se mostrou desarrazoada. A anulação de todo o processo em razão de ter ocorrido vício em um ato  processual não parece ser a decisão mais adequada, sobretudo quando se toma como  parâmetro o equilíbrio entre a tutela dos direitos e garantias fundamentais do acusado e a  eficiência e efetividade do processo. Constatado o vício, questiona-se se a medida mais  razoável não teria sido a repetição do ato viciado, abrindo-se nova oportunidade para  sanar o vício, com o aproveitamento de todos os atos praticados regularmente. Importante  lembrar que pelo princípio da causalidade ou sequencialidade, a nulidade de um ato  poderá implicar também a nulidade dos atos que o sucedem, desde exista uma relação de  acessoriedade, dependência de um ato ao outro. Para a aplicação desse princípio, importante se revela verificar se o ato atingido pela nulidade estendeu seus vícios aos atos  subsequentes, devendo o juiz ou até mesmo o tribunal que declarou pela ineficácia do ato  nulo determinar expressamente os demais atos que deverão ser renovados ou retificados,  delimitando a extensão dos efeitos da decretação da nulidade.  

No caso em comento, não foi aplicada tal prudência; o Supremo  Tribunal Federal, apenas estendeu os efeitos da nulidade levada a efeito no interrogatório judicial para o restante do processo, sem ao menos elencar os efeitos desse vício para os  demais atos processuais. Decisões precipitadas, com fundamentação insuficiente ou até  mesmo inexistente, sem ainda a devida prudência a prática, o efetivo desenrolar do  instrumento, levando em consideração apenas uma das garantias constitucionais, trazem  atualmente na sociedade a falsa percepção que o exercício dos direitos e garantias  fundamentais do acusado, em especial o exercício do direito à defesa técnica efetiva, é o  maior responsável pela demora no curso do processo penal.  

Importante ressaltar que, a exemplo desse julgado queremos demonstrar a possibilidade da compatibilidade entre eficiência e garantismo no processo  penal vigente, uma vez que, como no caso exposto, deverá o magistrado proteger os  direitos e garantias constitucionais, fundamentais do indivíduo, inclusive proporcionando  a ele possibilidade de se defender da acusação que lhe é direcionada, observada a ampla  defesa e o contraditório; concomitantemente deverá o magistrado ser guardião da ordem  e da paz social, sempre em busca da justiça e evitando a impunidade. É importante que o  magistrado tenha claro que não se trata apenas de perseguição ao infrator, mostrando que  o sistema é efetivo, como no Direito Penal do Inimigo, pautado apenas na confiança do  cidadão na norma e também não deverá ser hipergarantismo, de modo a enfraquecer o  instrumento de persecução penal, a ponto de gerar o sentimento de impunidade e  ineficiência pela sociedade, o que causaria o desejo de justiça com as próprias mãos. 

Além dessa problemática, importante ressaltar que a razoável duração de um processo no Brasil está intrinsecamente associada à realidade do nosso  sistema judicial, caracterizado por pilhas de processos, aumentadas diariamente não só  pela ausência de efetividade, como também pelas más condições de trabalho típicas,  sobretudo, das menores e mais afastadas comarcas brasileiras, tudo isso ainda, devido a  tradicional burocracia e da falência dos serviços públicos no Brasil, não sendo apenas um  princípio, ainda que constitucional, suficiente para sanar todas as mazelas existentes em  nosso Poder Judiciário. 

Essa questão, do equilíbrio entre um processo célere e a proteção  das garantias do acusado, é muito discutida pelo Supremo Tribunal Federal, outra situação  que podemos mencionar, o tribunal superior concluiu em julgamento de questão de ordem  em recurso extraordinário, que se discutia o alcance da suspensão processual prevista pelo art. 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil/201522 e os seus efeitos sobre os processos  penais cuja matéria tenha sido objeto de repercussão geral reconhecida pela Corte.  Questionava-se a possibilidade de suspensão do prazo prescricional da pretensão punitiva  de crimes ou contravenções penais objeto das ações penais, enquanto não julgado o  recurso extraordinário paradigma. 

Alegou que a interpretação conforme a Constituição Federal do  artigo 116, inciso I, do Código Penal 23 se funda nos preceitos da unidade e da  concordância prática das normas constitucionais. Percebe-se que a legislação ao prever a  suspensão dos processos sem instituir, simultaneamente, também a suspensão dos prazos  prescricionais, pode, com isso, criar o risco de fundar um sistema processual que  enfraquece a eficácia normativa e a aplicabilidade imediata de princípios constitucionais. 

Além disso, o sobrestamento de processo criminal, sem a  possibilidade de suspensão do prazo prescricional, por falta de previsão legal, impede o  exercício da pretensão punitiva pelo membro do Ministério Público, o que poderá gerar  certo desequilíbrio entre as partes, ferindo a prerrogativa institucional desse membro, bem  como o postulado da paridade de armas, violando os princípios do contraditório e do  devido processo legal. 

Afirmou, ainda, que o princípio da proporcionalidade opera tanto  na esfera de proteção contra excessos estatais quanto na proibição de proteção deficiente. Dessa forma, o sobrestamento de processos penais determinado em razão da adoção da  sistemática da repercussão geral não abrangerá inquéritos policiais ou procedimentos  investigatórios conduzidos pelo Ministério Público. O § 5º do artigo 1.035 do CPC prevê  apenas a possibilidade de suspensão dos processos pendentes que versarem sobre a  questão debatida e tramitarem no território nacional, não ostentando os mencionados  expedientes de investigação a natureza jurídica de processo, mas sim de procedimento. 

Inclusive salientou que o sobrestamento de processos penais  determinado em razão da adoção da sistemática da repercussão geral não deverá abranger ações penais em que haja réu preso provisoriamente, isto porque mostra-se inadmissível,  sob pena de ampliação injustificada do período de restrição do direito de liberdade do  acusado, que a segregação processual perdura enquanto estiver suspenso o curso da  marcha processual e do prazo prescricional concernente às infrações penais cogitadas. 

Outra medida apontada como possível, em qualquer caso de  sobrestamento de ação penal determinado com fundamento no artigo 1.035, § 5º, do  Código de Processo Civil, o juízo originário, em aplicação analógica do disposto no artigo 92, “caput”, do Código de Processo Penal24, poderá autorizar, no curso da suspensão, a  produção de provas de natureza urgente. 

Nesse entendimento, foram vencidos os votos dos ministros Edson  Fachin e Marco Aurélio. O ministro Edson Fachin rejeitou a questão de ordem por  entender ser necessária lei em sentido formal para que o fenômeno da suspensão seja  reconhecido como causa interruptiva da prescrição. 

Por sua vez, o ministro Marco Aurélio entendeu pela inconstitucionalidade do artigo 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil por afrontar o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal25 (acesso à justiça). Além disso, reputou não  ser o referido dispositivo aplicável ao processo-crime por serem incompatíveis, devendo  levar em conta o disposto no artigo 3º do Código de Processo Penal26

Outro exemplo de como nossos tribunais tem entendido em relação  a proteção das garantias fundamentais do acusado em equilíbrio com a eficácia de um  processo penal, em 2018 a 2ª turma do STF acolheu o pedido feito em Habeas Corpus coletivo, HC 143641 / SP, impetrado em favor de todas as presas provisórias do país que  sejam gestantes ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, garantindo com essa  decisão, a Corte, a conversão da prisão provisória em domiciliar. 

Como argumentos o Relator, o Ministro Ricardo Lewandowski  alegou que o Estado brasileiro não é capaz de garantir estrutura mínima de cuidado pré-natal e para maternidade às mulheres que sequer estão presas, “nós estamos transferindo a pena da mãe para a criança, inocente. Me lembro da sentença de Tiradentes, as penas passaram a seus descendentes“. 

O Ministro ainda narrou uma série de situações que as mulheres presas provisoriamente cotidianamente enfrentam, como partos em solitária sem  nenhuma assistência médica ou parturiente algemada, a completa ausência de cuidado  pré-natal, com transmissão de doenças aos filhos, falta de escolta para levar a gestante  a consultas médicas, abusos no ambiente hospitalar: “A manutenção de crianças em celas. Brasileirinhos em celas! Tudo de forma absolutamente incompatíveis com os avanços civilizatórios que se espera tenham sido concretizados no século XXI“. 

Em outros trechos do voto do ministro: “Há um descumprimento sistemático de regras constitucionais, convencionais e legais referentes aos direitos das presas e de seus filhos. Por isso, não restam dúvidas de que “cabe ao Tribunal exercer função típica de racionalizar a concretização da ordem jurídico-penal de modo a minimizar o quadro de violações a direitos humanos que vem se evidenciando, na linha do que já se decidiu na ADPF 347, bem assim em respeito aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no plano internacional relativos à proteção dos direitos humanos e às recomendações que foram feitas ao País.” 

Conforme o ministro, para evitar a arbitrariedade judicial e a sistemática de supressão de direitos, a melhor saída consiste em conceder a ordem,  estabelecendo alguns parâmetros a serem observados, não havendo maiores  dificuldades, pelos juízes. 

Nesse sentido, Lewandowski concedeu a ordem para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, sem prejuízo da aplicação  concomitantemente das medidas diversas da prisão, previstas no artigo 319 do Código  de Processo Penal, de modo que, todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou  mães de crianças (conceito do artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente) sob  sua guarda, relacionadas neste processo pelo Departamento Penitenciário Nacional e  outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionais, que deverão ser justificadas, devidamente fundamentadas pelos juízes entenderem por denegar o benefício, caso  contrário deverá ser comunicada à Suprema Corte. 

Explicou ainda que não se trata de “salvo-conduto perpétuo”; a ordem foi assim concedida, de ofício, estendendo a todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional. O ministro José Antônio Dias Toffoli, na ocasião desse julgamento, acompanhou o relator pela concessão da ordem, concedendo, inclusive, a ordem de ofício para as demais situações no território nacional. 

O ministro Gilmar Mendes também seguiu o relator, sugerindo que fosse incluído o benefício às mães que têm sob seus cuidados filhos maiores de 12  anos com alguma deficiência. 

Celso de Mello categoricamente afirmou que o voto do relator entrará para os anais da história da Corte: “É um voto brilhante e histórico porque vai representar um marco significativo na evolução do tratamento que esta Corte tem dispensado aos direitos fundamentais das pessoas. Este processo trata de um gravíssimo drama humano.” 

Vencido o voto do ministro Edson Fachin, defendeu não ser possível reconhecer o  pedido do Habeas Corpus, pois “a forma de avaliar o melhor interesse não é uma  medida que comporta avaliação geral e abstrata. Apenas caso a caso o melhor interesse  da criança pode ser avaliado”, e reconhecendo apenas a ordem quanto a adequada  interpretação condicionante a substituição da prisão preventiva por domiciliar  analisando caso a caso. 

Outra hipótese ainda, de relevância elencar, o julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade 43 e 44 em que o Supremo Tribunal Federal  admitiu a execução provisória da pena, tendo como um dos pedidos da ação a  modulação dos efeitos da decisão para que fosse permitida essa forma de execução. 

Para os requerentes, o fato do Supremo modificar a orientação anteriormente adotada – vedada prisão decorrente de condenação não transitada em julgado – o que entendiam retroagir o entendimento aos fatos cometidos antes de  proferida a decisão, o que infringiria os princípios da segurança jurídica, da boa-fé e  da confiança dos jurisdicionados, além do desrespeito com o preceito constitucional da  irretroatividade da lei penal, o que neste ponto a jurisprudência penal mais grave deve  obediência à limitação temporal imposta pela lei penal.  

A pretensão não foi atendida pelo tribunal, considerando-se que não se trata de norma penal, mas sim de norma processual penal, de forma que sujeita  a incidência imediata de acordo com o princípio elencado no artigo 2º do Código de  Processo Penal27 tempus regit actum. 

Ademais, não entendeu se tratar de decisão contrária ao princípio da segurança jurídica, nem à boa-fé, ou ainda a confiança dos jurisdicionados, por se  tratar de julgamento em que o tribunal modificar o entendimento a respeito de direito  material, sobre atos praticados pelos jurisdicionados, passando a considerar ilícito o  que antes havia concluído ser lícito. Fora julgada a admissibilidade de, finda as  instâncias ordinárias, poderia iniciar, imediatamente, o cumprimento da pena. 

Considerar que a retroatividade da decisão caracterizaria quebra da segurança jurídica ou contrariedade da boa-fé conduz a três possíveis absurdos: o  primeiro, de não poder ser modificada a perspectiva de alguém que cometesse um  crime apostando que poderia permanecer impune indefinidamente; o segundo, de  considerar titular de boa-fé um criminoso que aposta na ineficiência do sistema penal;  e, por fim, o terceiro, de considerar que a segurança jurídica pode se prestar a guarnecer  manobras como essa. 

O Ministro Luís Roberto Barroso frisou ainda que “a modulação dos efeitos temporais de uma decisão do STF pressupõe a ponderação entre o  dispositivo constitucional violado e os valores segurança jurídica, proteção da  confiança legítima e da boa-fé do administrado. Não há como sustentar, contudo, que  a segurança jurídica dos réus foi violada porque, se tivessem sabido que seriam presos  após decisão de segundo grau, não teriam cometido seus ilícitos ou teriam se defendido  no processo de forma diversa. Tampouco se pode afirmar que a afronta a esses princípios estaria no fato de que o réu tinha depositado sua confiança na inefetividade  do sistema penal à época em que escolheu se apropriar do dinheiro público, matar,  roubar ou e que, portanto, tem direito a que tal sistema permaneça inefetivo”. 

Esses foram alguns casos, dentre muitos outros, em que o Poder Judiciário tem que ponderar valores para se obter um processo justo, com celeridade e  proteção à pessoa; processo que traga segurança e paz social na mesma medida que  traz segurança jurídica, segurança à sociedade tanto que seus direitos e garantias não  serão violados nem pelo próprio sistema processual, nem por seus semelhantes. 

Possível ainda perceber que a Suprema Corte não possui entendimento consolidado e evidentemente apenas para um lado, mais eficiência, no  sentido de celeridade ou mais garantistas, no sentido de proteção dos direitos  fundamentais, mas sim, busca pelo equilíbrio na maioria das vezes, tentando a todo  tempo acompanhar as mudanças sociais não tomando devido cuidado para que as  conquistas de muitos anos não sejam perdidas por suas decisões e de seus colegas. 

A título de curiosidade, de acordo com o Ministério da Justiça, os  principais problemas enfrentados pelo Poder Judiciário brasileiro são os números  excessivos de processos (só em 2012, segundo o relatório Justiça em Números do  Conselho Nacional de Justiça – CNJ, havia 92 milhões de processos tramitando em  território nacional, o que daria, aproximadamente, um processo por dois habitantes), a  morosidade do sistema e a falta de acesso à Justiça, sobretudo pelas camadas mais baixas  da população. O Atlas de Acesso à Justiça, organizado pelo Ministério da Justiça,  demonstrou que em 2014 havia no Brasil 17 mil magistrados, 12,5 mil integrantes do  Ministério Público, 774 mil advogados, 700 mil servidores do Judiciário e apenas 6 mil  defensores públicos.  

Durante audiência pública para debater a eficiência do primeiro  grau de jurisdição, organizada pelo CNJ, foi possível concluir tal situação, revelando uma  imensa disparidade de números, mormente quando se trata da Defensoria Pública, órgão  destinado à defesa dos direitos daqueles que não dispõem de recursos financeiros para  custear os serviços de um advogado. 

No âmbito do processo penal, a tão almejada celeridade por muitas  vezes se depara em uma situação extremamente paradoxal, em que o réu, pessoa pobre, marginalizada e excluída da sociedade, percebe-se que o processo tem um desenrolar  tecnicamente rápido, para punir o indivíduo que com uma arma em punho subtraiu algum  bem material, patrimonial. No entanto, deparamos com situações em que poderosos empresários, políticos corruptos, configurando-se com réus, acusados de superfaturar  obras e desviar milhões dos cofres públicos, na maioria das vezes percebemos que o  processo se arrasta com os passos lentos típicos dos acordos de interesses, reforçados por  uma infindável avalanche de recursos nos Tribunais e muitas vezes alcançadas regalias  que sequer foram aplicadas em momento anterior aos menos desfavorecidos.  

Vale lembrar que no sistema judicial brasileiro um processo demora, em média, 10 anos, o que definitivamente não é um tempo razoável. Porém, o  que se percebe é que no Brasil, na maioria das vezes, o processo é findo rapidamente  dependendo da existência do interesse de alguém, seja para condenar ou para absolver. 

CAPÍTULO V – Execução Provisória da Pena 

No julgamento do habeas corpus 84.078/MG, o Supremo Tribunal  Federal entendeu pela impossibilidade da execução da pena antes do trânsito em julgado  da sentença condenatória, admitindo o encarceramento apenas se verificada a necessidade  de que isso ocorresse em razão de prisão cautelar (prisão preventiva). Nessa decisão,  entendeu o tribunal que, para além do princípio da presunção de inocência, “A ampla  defesa, não se pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais,  inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso, a execução da sentença após o  julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa,  caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do  acusado, de elidir essa pretensão”. 

Na ocasião do habeas corpus 126.292/SP a Suprema Corte mudou  seu posicionamento, que veio a ser ratificado, posteriormente, em 2016 no julgamento  das Ações Diretas de Constitucionalidade 43 e 44. 

No Habeas Corpus 126.292, modificando orientação antes firmada, o STF considerou possível o início da execução da pena após o recurso de segundo grau.  Com esse novo entendimento, considerou-se que a prisão após a apreciação de recurso  pela segunda instância não desobedece a postulados constitucionais, nem mesmo ao da presunção de inocência, isto porque, nessa fase processual, o agente teve plena  oportunidade de se defender por meio do devido processo legal desde a primeira instância. 

Sendo julgada a apelação e estabelecida a condenação (situação  que gera inclusive a suspensão dos direitos políticos em virtude das disposições da Lei  Complementar nº 135/2010), encontra-se exaurida a possibilidade de discutir matérias de fato e a prova, tendo inclusive a inversão da presunção.  

Não é possível, após o pronunciamento do órgão colegiado, que o  princípio da presunção de inocência seja utilizado como instrumento para obstar  indefinidamente a execução penal. Ressalta-se, ainda, que eventual vício ou entendimento  equivocado na decisão de segunda instância poderá ser perfeitamente corrigido por meio  de medidas cautelares e até mesmo pelo próprio habeas corpus, expedientes aptos a fazer  cessar eventual constrangimento ilegal. 

O tema voltou à pauta do tribunal por meio das ADC 43 e 44, nas  quais se pretendia a declaração de constitucionalidade do art. 283 do CPP, segundo o qual  “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e  fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença  condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em  virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Pretendia-se, com isso, evitar os  efeitos da decisão tomada no habeas corpus já citado, ou seja, que a prisão se tornasse  possível após o julgamento de recursos em segunda instância. 

O voto condutor da maioria foi do ministro Edson Fachin, que sustentou que a Constituição Federal não tem o condão de outorgar uma terceira ou quarta  chance para a revisão de uma decisão com a qual o réu não se conforma e considera  injusta. Para o ministro, o acesso individual às instâncias extraordinárias visa propiciar  ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça o papel de  uniformizadores da interpretação das normas constitucionais e do direito  infraconstitucional.

O STF ainda, conferiu ao artigo 283 do Código de Processo Penal28 interpretação conforme para afastar a que entendia que o dispositivo legal obstaria o início  da execução da pena, assim que esgotadas as instâncias ordinárias. 

Outro argumento contra a execução provisória era de que sem o trânsito em julgado a execução da pena infringir o disposto no artigo 5º, LVII, da  Constituição Federal de 198829, contrariando postulados de direito penal garantista. A Corte entendeu ainda, nessa ocasião que, a presunção de inocência tem sentido dinâmico, modificando-se conforme se avança a marcha  processual. Dessa forma, se no início do processo a presunção pende efetivamente para a  inocência, uma vez proferido julgamento em recurso de segunda instância essa presunção  passa a ser de não culpa, pois, nessa altura, encerrou-se a análise de questões fáticas e  probatórias. Dessa forma, se considerado pelo tribunal (TJ/TRF) que tenham sido bem  provados o fato e suas circunstâncias, os recursos constitucionais não abordarão esses  aspectos, pois estarão subordinados aos limites que lhe são impostos constitucional e  legalmente. 

Além disso, deve-se refletir a respeito do conceito de trânsito em julgado no processo penal, que o Código de Processo Penal não estabelece expressamente  seu conteúdo e que não poderia ser tomado de empréstimo pelo Código de Processo Civil,  por não parecer compatível. 

O conceito de trânsito em julgado no processo penal não está relacionado ao esgotamento de todos os recursos, mas ao esgotamento da análise fática e  probatória, como também podemos observar em outros países igualmente democráticos  e que possuem cortes constitucionais, sendo seus recursos dotados de efeitos rescisórios  e nos quais é inconcebível que um condenado em segunda instância aguarde o  pronunciamento de cortes superiores para então começar a cumprir sua pena.  

Obstar a execução imediata da pena, fazendo obrigatório o esgotamento dos recursos ordinários e os constitucionais impõe diversos efeitos deletérios, entre eles, a incentivo a seletividade penal, pois, diante da realidade social  vivida no Brasil, é perceptível que não são todos que dispõem de condições financeiras  para suportar os custos de um processo até tribunais superiores; haveria incentivo a  proliferação de recursos especiais e extraordinários com intuito meramente protelatório,  que afundariam os tribunais superiores e que na maior parte das vezes não surtiam nenhum efeito a não ser mesmo adiar a execução da pena; agravamento do descrédito que  a sociedade nutre pelo sistema penal, pois veem-se réus autores de crimes muitas vezes  gravíssimos permanecerem soltos por anos e anos, estendendo demasiadamente o lapso  entre a prática do crime e o cumprimento da pena. 

Não há, portanto, ofensa a princípios garantistas, que, aliás, não  veiculam apenas proibições de intervenção excessiva, mas expressam também postulados  de proteção para que se evite a insuficiência da tutela de bens jurídicos, exatamente o que  se verifica no adiamento indefinido do cumprimento da pena por agentes que sofreram  condenação cujo mérito não poderá mais ser modificado. Noutras palavras: garantismo  não pode ser sinônimo de excessos, nem ocasionando a impunidade, nem insegurança  social. 

Mesmo diante de tal decisão e tais argumentos, o TJ/PR, em duas  recentes decisões, no habeas corpus 1.645.500 e habeas corpus 1.661.123, não seguiu o  recente entendimento do Supremo Tribunal Federal e relativizou a possibilidade de  execução provisória da pena após decisão de 2º grau.  

Nos casos analisados por esse tribunal paranaense, a sentença  condenatória previa expressamente a condição do trânsito em julgado para o início do  cumprimento da pena; dessa forma, na hipótese da sentença condenatória determinar a  expedição de mandado de prisão e guia de recolhimento para a execução da pena após o  trânsito em julgado do processo e que, sendo possível recurso aos Tribunais Superiores,  será inviável a execução provisória, sob pena de constrangimento ilegal. 

Em 2011, no Recurso Extraordinário com Agravo 964.246, em  plenário virtual, por maioria, os ministros reafirmaram a jurisprudência no sentido de que  é possível a execução provisória do acórdão penal condenatório proferido em grau  recursal, mesmo que estejam pendentes recursos aos tribunais superiores.

Como a decisão ocorreu em recurso com repercussão geral  reconhecida, a tese definida pelo Supremo passaria a ser aplicada nos processos em curso nas demais instâncias. Nesse julgamento, com relatoria de Teori Zavascki, ficaram  vencidos os ministros José Antônio Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio  e Celso de Mello. A ministra Rosa Weber não se manifestou. 

O Ministro Teori defendeu que, a execução da pena na pendência  de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto  da não-culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de  todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes,  bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. 

No entanto, apesar da orientação para as demais instâncias, a própria Corte passou a conceder habeas corpus contra a execução antecipada da pena.  Ocorre que, o entendimento dos ministros se modificou, no sentido que, Teori Zavascki,  que entendia pela prisão após condenação em segunda instância, foi substituído pelo ministro Alexandre de Moraes, que votou no mesmo sentido. Entretanto, o ministro Gilmar  Mendes apresentou novo entendimento acerca do tema. 

Atualmente, em caso emblemático o Supremo Tribunal Federal  rejeitou por 6 votos a 5 o pedido de habeas corpus preventivo da defesa autorizando a prisão do  ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; nesse julgamento ponderou-se a efetividade (quanto ao  número excessivo de recursos e manobras utilizadas pela defesa, podendo ocorrer a prescrição  como o que ocorre costumeiramente em casos de condenados que podem arcar com os custos de  um sistema processual penal recursal – princípio da igualdade e da celeridade) e o garantismo  (princípio da presunção de inocência).  

O relator do caso, ministro Edson Fachin, foi o primeiro a votar. Em  seu voto entendeu pela denegação da ordem do habeas corpus preventivo solicitado pela  defesa de Lula que pedia pela impossibilidade, até o esgotamento dos recursos em todas  as instâncias da Justiça, da prisão do ex-presidente, condenado em janeiro a 12 anos e 1  mês de reclusão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de segunda  instância. 

Fachin argumentou ainda, dizendo que o Supremo Tribunal Federal  deveria avaliar se a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que, em março, negou um primeiro pedido do petista para evitar a prisão, configurava ato com ilegalidade ou abuso  de poder. Entendeu que não, já que a decisão se baseou no entendimento, até o momento  majoritário no próprio Supremo, que permite a execução da pena de prisão após a  condenação em segunda instância: “O STJ, ao chancelar a determinação emanada do  TRF-4 se limitou a proferir decisão compatível com a jurisprudência desta Suprema Corte  e. por expressa imposição legal, deve manter-se íntegra e estável e coerente”. 

O ministro ainda não descartou a possibilidade de eventual mudança no atual entendimento do Supremo, adotado desde 2016, que entende pela  possibilidade da prisão após a condenação em segunda instância; entretanto, até que essa  mudança venha a ocorrer, o atual entendimento deve ser respeitado: “Ressalto que, em  meu ver, até tal ocorrência, não é cabível reputar como ilegal ou abusivo um  pronunciamento jurisdicional que se coadune com o entendimento até então prevalente” 

Por sua vez, o ministro Gilmar Mendes, votou favoravelmente ao pedido de habeas corpus preventivo, defendendo que a pena deverá ser cumprida após a  confirmação da condenação em “terceira instância”, ou seja, no Superior Tribunal de  Justiça e não após decisão de segunda instância. 

Em 2016, em julgamento sobre o tema, Gilmar Mendes votou entendendo pela possibilidade da prisão após decisão de segunda instância. Explicou ter  mudado seu entendimento tendo em vista tal posição ter sido adotada de forma automática  independentemente da natureza do crime, de sua gravidade ou do quantum da pena a ser  cumprida, acrescentou ainda que: “Sempre dissemos que a prisão seria possibilidade  jurídica, não obrigação”. 

A título de exemplo, o ministro citou alguns casos de pessoas presas  após a segunda instância, mas que posteriormente foram soltos por absolvição ou  prescrição do processo nas instâncias superiores. “Os réus cumpriram penas  indevidamente e foram presas ilegalmente”. 

Gilmar Mendes, acrescentou ainda que o atual entendimento resultou “numa brutal injustiça, num sistema que por si é injusto”, “As prisões automáticas, elas empoderam um estamento que já está por demais empoderado, o estamento dos delegados, dos promotores, dos juízes”. 

Em entendimento contrário ao pedido da defesa de Lula, o ministro Alexandre de Moraes acompanhou o voto de Edson Fachin, argumentando não ver  ilegalidade ou abuso na decisão do Superior Tribunal de Justiça que entendeu pela prisão  após a condenação de segunda instância, em respeito e baseando-se no entendimento do  próprio Supremo Tribunal Federal. 

Assim disse o Ministro: “Esse ato foi baseado integralmente no posicionamento atual, majoritário, desta Suprema Corte. Mais que isso, nesses quase 30 anos de Constituição, há um posicionamento tradicional desta Corte”. 

Acrescentou que a declaração é referência ao fato de que a prisão  após segunda instância foi permitida pela Corte Suprema durante 23 anos desde a  promulgação da Constituição Federal de 1988, vindo a ser proibida no período que  compreende os anos de 2009 e 2016. Ainda segundo o ministro, dos 34 ministros que  passaram pelo Supremo Tribunal Federal desde 1988, 24 (71%) foram favoráveis à prisão  após segunda instância. 

Informou ainda em seu voto que, nos sete anos em que o Supremo  Tribunal Federal impediu a execução provisória da pena, não houve aumento exponencial  no sistema prisional no país, pelo fato de 41% do total de quase 710 mil presos serem  provisórios, encarcerados antes de uma condenação. 

Nas palavras do ministro: “Não houve perda em relação ao sistema  penitenciário, mas houve vantagens, houve uma grande alteração no sistema de combate  à corrupção” – isto devido à falta de punição dos condenados, em razão da demora no  processo até o trânsito em julgado, o que leva muitos casos à prescrição, com a  consequente extinção da punibilidade. 

Rechaçou ainda o argumento quanto à insegurança de uma decisão  de primeiro e segundo grau; o que, não se pode presumir que os juízes de primeira e  segunda instância cometeram erros, a fim de impedir a execução da pena após a  condenação. Ressaltou que é nesses tribunais que se conclui a análise sobre as provas e  fatos no processo, tendo, inclusive, esses magistrados o contato direito com o corpo  probatório. 

O voto do Ministro Luís Roberto Barroso, favorável pela  possibilidade da execução da pena após decisão de segundo grau, criticou a demora no  processo penal do Brasil, que leva muitos casos à prescrição e, com isso, à impunidade:  “Se tornou muitíssimo mais fácil prender um menino com 100 gramas de maconha do  que prender um agente público ou um agente privado que desviou 10, 20, 50 milhões. 

Esta é a realidade do sistema penal brasileiro: ele é feito para prender menino pobre e não  consegue prender essas pessoas que desviam por corrupção e outros delitos milhões de  dinheiros, que matam as pessoas”.  

Também negou sua intenção em adotar uma posição punitivista,  mas defendeu o devido processo legal, afirmando não se tratar de algo eterno, que não  tem fim e o garantismo não significa impunidade, que ninguém nunca será punido, não  importando o que tenha feito. 

Ainda trouxe um dado muito importante em seu voto, informando  que, entre 2009 e 2016, de 25.707 recursos contra condenações apresentados ao Supremo  Tribunal Federal, somente 9 (0,035%) resultaram em absolvição do condenado. No  Superior Tribunal de Justiça, de 68.944 recursos contra condenações, somente 1,64%  resultaram em absolvição ou saída do regime fechado. 

Por fim, Rosa Weber, reforçou o argumento do Ministro Edson Fachin, dizendo que não teria como considerar ilegal a decisão do Superior Tribunal de  Justiça, que negou um primeiro pedido de Lula para evitar a prisão, por ter seguido  entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal, sobre a possibilidade de iniciar o  cumprimento da pena após condenação em segunda instância: “Não tenho como reputar ilegal, abusivo ou teratológico acórdão que, forte nessa compreensão do STF, rejeita a ordem de HC, independentemente da minha posição pessoal quanto ao tema de fundo”. Defendeu, ainda, em seu voto a importância da coerência das  decisões judiciais e do respeito às deliberações coletivas de um tribunal colegiado; o entendimento de uma Corte constitucional não pode passar por “rupturas bruscas”. Em 2016, por maioria de 6 votos a 5, o plenário do Supremo  Tribunal Federal permitiu a prisão após condenação em segunda instância. Desde então,  explicou Rosa Weber que, muito embora tenha ficado vencida por votar contra, Rosa  Weber tem decidido individualmente em favor da execução provisória, em respeito à  decisão do colegiado: “A colegialidade como método decisório, pelo qual o decidir se dá  em conjunto, impõe aos integrantes do grupo procedimento decisório distinto daquele a  que submetido o juiz singular. Por funcionar como colegiado, a decisão não se detém no  raciocínio de um único juiz. […] Vozes individuais vão cedendo em favor de uma voz  institucional”. 

O ministro Luiz Fux, também entendeu em desfavor do pedido da  defesa. Justificou seu voto dizendo que o princípio da presunção de inocência perde sua  força quando se prova a culpa da pessoa numa condenação na Justiça: “A presunção de inocência, ela cessa a partir do momento em que, através de decisão judicial, se considera o paciente culpado. Um acordão condenatório, que não é ilegal, que não é injusto, assenta de forma inequívoca a culpa do réu”. 

Também seguiu a posição do relator, Edson Fachin, de que a  decisão do Superior Tribunal de Justiça que negou o pedido de liberdade de Lula, e  contestado pela defesa, não incorreu em qualquer ilegalidade: “Ilegalidade não se revelou  e injustiça também não, porque seguiu o entendimento do STF. A jurisprudência do  tribunal tem que ser íntegra, estável. Não mudou o direito, não houve nada de novo”. 

De acordo com o ministro, a regra constitucional que dispõe que  ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal  condenatória não se refere à prisão: “Esse dispositivo, ele não tem nada a ver com a prisão,  absolutamente nada a ver com a prisão. Na Constituição Federal, ela trata dos direitos e  garantias da prisão. Esse dispositivo não tem a menor vinculação com a execução  provisória de segunda instância”. 

Asseverou em seu voto que a interpretação literal dessa parte da  Constituição pode levar à insatisfação das pessoas com o sistema de Justiça: “Levadas às  últimas consequências, essa regra e essa interpretação literal, ela só tem um resultado:  levar o Judiciário a níveis alarmantes de insatisfação perante os destinatários das nossas  decisões”. 

Em relação à decisão tomada pela Corte em 2016 que permitiu que  a prisão após segunda instância tenha “legitimidade democrática”, por corresponder à  aprovação da sociedade: “O Supremo fixou tese jurídica de que presunção de inocência  não inibe a execução provisória da pena. Essa interpretação passou a ser aplicada em todo  o território nacional, como também passou a usufruir de legitimidade democrática das  decisões judiciais”. 

Ainda completou alegando que quando temos em pauta questões  morais, razões de ordem pública, torna-se necessário saber o que a sociedade pensa a  respeito – a ideia do magistrado sempre em comunicação com a sociedade, por também  ser parte desta. 

O ministro José Antônio Dias Toffoli, adotando a mesma solução  proposta por Gilmar Mendes, sendo favorável ao pedido da defesa, entende que a prisão  somente poderá ser permitida após confirmação da condenação pelo Superior Tribunal de  Justiça.

Dessa forma, a pena apenas poderia ser cumprida após o trânsito em julgado, o que, para o ministro, compreende o esgotamento de todos os recursos  possíveis nas quatro instâncias da Justiça. 

Reconheceu, entretanto, que como essa fase pode demorar muito para chegar e que os recursos a própria Corte não são possíveis para todos os condenados,  a execução deveria aguardar a decisão do Superior Tribunal de Justiça: “O STJ não é somente aquele que uniformiza a legislação federal, mas a jurisprudência dos tribunais de justiça e dos tribunais regionais federais”. 

Exemplificou, ainda, hipótese em que a pena poderia ser cumprida  de imediato somente: em condenação proferida por tribunal de júri (em que um grupo de  pessoas escolhidas dentre a população decide considerar, diante dos fatos e provas, alguém culpado). 

O ministro defendeu que o caso em comento não deveria, necessariamente, seguir o entendimento firmado em 2016: “Entendo que não há  vinculação deste plenário nem a efeito vinculante nem a repercussão geral. O tema vindo  ao plenário maior, entendo pela possibilidade de se reabrir o imbróglio e enfrentarmos a  questão de fundo”. 

Nesse mesmo sentido, votou o Ministro Ricardo Lewandowski, entendendo contra a prisão até o esgotamento de todos os recursos possíveis na Justiça. Concentrou sua manifestação na defesa do princípio da presunção de inocência e  argumentou que esse princípio se encerra somente após o chamado trânsito em julgado:  “Significa essa expressão que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado  de sentença penal condenatória. Quer dizer que a pessoa se mantém livre, salvo naquelas  situações extraordinárias, em que o magistrado de forma fundamentada decrete a prisão”. Sustentou o ministro que a prisão é sempre uma exceção e a liberdade, a regra, não sendo possível, seja a qualquer pretexto, mitigar essa  relevantíssima garantia instituída em favor não só de uma pessoa, não só do paciente, mas  de todas as pessoas, sob pena é irreparável retrocesso institucional. Outro voto favorável à defesa, o ministro Marco Aurélio Mello também defendeu que a prisão só pode ocorrer ao final do processo, com base na regra  constitucional que prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado:  “Não abre esse preceito campo a controvérsias semânticas. Não posso ver na cláusula um  sentido ambíguo” ou ainda algo que só tenha no Brasil – uma “jabuticaba”.

Eventual demora no julgamento final não justifica, para o ministro, a relativização da presunção de inocência; a Justiça deverá se tornar mais rápida para  julgar os casos, de modo que o Estado se aparelha para entregar a prestação jurisdicional  a tempo e modo, mas não se pode articular com uma deficiência para simplesmente dizer se que, aí, é possível inverter-se a ordem natural do processo-crime. A deficiência pelo Estado, revelando certo emperramento da máquina judiciária, quanto a entrega final da  prestação jurisdicional, não pode levar ao menosprezo que se contém em termos de  garantia na Constituição Federal. 

Ademais, atentou para o risco que se expõe ao permitir a prisão após condenação e em segunda instância vir esse indivíduo ser solto mediante uma  absolvição: “Ninguém devolve à pessoa, ao homem, a liberdade perdida”. Outro ministro que votou favoravelmente ao pedido da defesa foi Celso de Mello, pretendendo evitar a prisão até o trânsito em julgado da condenação. Defendeu seu entendimento sob a tese que a execução da pena somente poderia ocorrer  após o trânsito em julgado da condenação, tendo em vista que a presunção de inocência impede que, antes do trânsito em julgado, seja antecipado o juízo de culpabilidade pelo Estado. 

Quando a existência de grande quantidade de recursos possíveis para postergar o final do processo, o ministro não discorda, no entanto, entende que sua redução compete ao Poder Legislativo. 

Ressaltou a diferença da prisão cautelar e a prisão definitiva, por cumprimento de pena, uma vez que, antes da condenação, ao Judiciário é possível  decretar prisões provisórias, possível em caso de risco de novos crimes, fuga ou prejuízo  às investigações; perfeitamente possível a convivência entre a prisão cautelar e a garantia  do estado de inocência. A prisão cautelar não tem por fundamento juízo de culpabilidade.  A prisão cautelar não busca infligir punição, não tem qualquer ideia de sanção. Constitui  instrumento em benefício da instrução penal. 

Por fim, a Presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia votou contrária ao pedido da defesa, entendendo pela possibilidade de cumprimento da  pena após decisão de segundo grau. Lembrou que desde 2009 já defendia a possibilidade  de prisão após condenação em segunda instância e não mudou seu entendimento. Conforme entendimento da ministra, não há ruptura ou afronta ao princípio da não culpabilidade penal diante do início de cumprimento da pena, determinada após o término da fase de provas, que se extingue exatamente após o duplo grau de jurisdição. 

Inclusive permanecem em vigor todas as possibilidades de rever a  pena por meio dos recursos possíveis de serem apresentados às instâncias superiores, o  Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. 

Dessa forma, a última orientação da Suprema Corte é pela  possibilidade do cumprimento da pena após decisão de segundo grau, devendo dar  celeridade ao processo, sem que isso prejudique as garantias fundamentais do indivíduo,  o que concretamente, estatisticamente (como mencionado no voto do ministro Alexandre  de Moraes) não tem fundamento em prejuízos concretos possíveis de serem experimentados diante de tal entendimento pelo acusado; apenas se vê uma maior  efetividade a lei sem hipergarantismos. 

CONCLUSÃO 

A grande e complicada tarefa dos seres humanos sempre foi a  convivência em sociedade, como poder lidar com o próximo, com seu jeito,  temperamento, caráter, diferenças sem que um interfira no mínimo existencial do outro. 

Diversas teorias foram elaboradas, assim como o Estado se formou,  se concretizou, teorias e mais teorias visando sempre a melhor forma de se relacionar e  entender ao próximo. 

Leis, regras, autoridades, estruturas, ciências foram descobertas,  elaboradas, o tempo passa, as dificuldades aumentam e o homem tem sempre que inovar,  tentar acompanhar essa dinamicidade. 

Com o direito do Estado de punir o autor de conduta ilícita não foi  diferente. Durante anos e anos buscou-se a melhor forma de dar efetividade às normas  editadas, de forma que não fossem “meras folhas de papel” como já dizia Lassale, nenhum  governante quer se deparar com normas sem efetividade, sem credibilidade, da mesma  forma que não quer esse sentimento perante seus órgãos. 

A História nos ensina que num primeiro momento visava-se maior  efetividade às atividades estatais em detrimento das garantias e direitos do indivíduo,  utilizando-se de instrumento violador dessas premissas, onde o acusado era visto apenas como objeto do processo, tenho como seu único direito ser processado, podendo,  inclusive ser utilizada a força, a tortura para se obter confissões. 

Esse período é caracterizado também por suas penas cruéis, de  morte, enforcamento, crucificação, com expresso intuito de servir como “exemplo” aos  demais cidadãos. A estrutura não era organizada, havendo a primazia da arbitrariedade e  livre arbítrio das decisões, com poder concentrado nas mãos de uma única pessoa. 

Outro sistema também presente em nossas histórias, preocupado  com o indivíduo, suas garantias e combater os abusos estatais, tinha o acusado como  sujeito de direitos, sendo garantido a ele a ampla defesa e o contraditório durante o  processo. As penas não mais cruéis e proporcionais, observando-se a razoabilidade. 

Com estrutura mais bem organizada, era possível obter decisões  imparciais, uma vez que é assegurada a neutralidade do julgador. 

Ainda, menciona-se um terceiro sistema composto de duas fases: a  primeira menos garantista, sem contraditório e ampla defesa e a segunda com observância  a esses preceitos. 

No sistema processual brasileiro, em sua origem, a mentalidade do  legislador era voltada a eficiência do processo, como célere, rápido e eficaz, de acordo  com os ditames e pensamentos da época, no entanto, com a promulgação da Constituição  Federal de 1988, esse pensamento mudou. 

A Constituição de 1988 trouxe em seu texto a ideia de um Estado  Democrático de Direito, em que não apenas protege o indivíduo dos abusos estatais, mas  acima de tudo, exige dessa autoridade uma ação, uma atuação ativa, protegendo e  colocando em prática os direitos por ela elencados como fundamentais. 

Além disso, a Emenda Constitucional 45 de 2004 consolidou a  ideia de um processo penal equilibrado entre garantidor de direitos fundamentais e um  processo penal eficaz, célere, inclusive prevendo como princípios fundamentais a  celeridade, a duração razoável do processo e a eficiência. 

Ao analisar os dispositivos processuais penais, a interpretação  destes conforme a Constituição e as teorias do garantismo e da eficiência no processo  penal, chegaremos à clara conclusão de que tudo se complementa, nada se subtrai.

O maior erro dos homens é a utopia da verdade absoluta, achar que  apenas se encontra a verdade, o melhor sentido das coisas através de extremismos, devendo tudo ter dois lados dos quais apenas um é o certo. Tanto aqueles que defendem  por um processo eficiente, como os que defendem um processo garantista, buscam a  mesma coisa: justiça. 

Ampla Defesa, Contraditório, Eficiência, Duração Razoável do  Processo, Não-Culpabilidade, entre outros preceitos constitucionalmente previstos não  foram assim criados para beneficiar um “lado”, serve para todos, inclusive para a  sociedade num todo. 

A partir do momento que a humanidade parar de pensar em lados,  extremismos e verdades absolutas, pensarem com amor ao próximo, empatia e tolerância,  o bom senso sempre será a palavra de ordem e a justiça, um conceito não tão vago. O  equilíbrio é a chave de tudo! 

1CAMPOS, Walfredo Cunha.Curso Completo de Processo Penal. Salvador: JusPODIVM, 2018.
2LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Volume único. 6ª Edição; Salvador: Juspodivm. p.37.
3Conforme os ensinamentos de Antônio Scarance Fernandes, eficiência “de forma ampla, sendo  afastada, contudo, a ideia de eficiência medida pelo número de condenações. Será eficiente o  procedimento que, em tempo razoável, permita atingir um resultado justo, seja possibilitando aos  órgãos da persecução penal agir para fazer atuar o direito punitivo, seja assegurando ao acusado  as garantias do processo legal” (Sigilo no Processo Penal: eficiência e garantismo. Coordenação  Antônio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida, Maurício Zanoide de Moraes. São  Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008; p.10). 
4Art.5º, CF/88: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à  liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes(…)
5Giacomolli,Nereu José. O Devido Processo Penal. 3ª Ed. 2016, São Paulo: Atlas, 2016. p. 90.
6Art. 156, CPP. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz  de ofício (…) 
7FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos  Tribunais, 2002; p.452-453.
8Nesse sentido: LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Volume único. 6ª  Edição; Salvador: Juspodivm, 2018. p. 41.
9OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo  excessivo. In Repro nº 137, São Paulo: RT, 2006.
10Quando o crime era público, qualquer cidadão, que não fosse vítima, poderia promover a ação  penal, assim chamada, à época, de ação penal popular; a qual não mais existe nos dias atuais. Vale destacar que, atualmente o crime de responsabilidade cometido pelo Presidente da  república ou por ministro (art. 14 da Lei 1.079/50) que deverá ser feito perante a Câmara dos Deputados, consiste em única hipótese de ação penal que poderá ser proposta por qualquer cidadão.
11FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos  Tribunais, 2002.
12FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos  Tribunais, 2002; p. 74-75.
13SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros,  2007; pag.65).
14FERNANDES, Antonio Scarance. O equilíbrio entre a eficiência e o garantismo e o crime  organizado. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, a. 16, n. 70, p. 229-268. jan./fev.  2008; pag. 24).
15Art.5º, LIV, CF: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo  legal;
16LOPES JR., Aury. (Des)Velando o Risco e o Tempo no Processo Penal. In: GAUER, Ruth  Maria Chittó (org). A qualidade do tempo: para além das aparências históricas, p. 165.
17LOPES JR., Aury; BADARÓ, Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável.
18FISCHER, Douglas. O que é garantismo penal (integral)? In: CALABRICH, Bruno; FISCHER,  Douglas; PELELLA, Eduardo (Org.). Garantismo penal integral: questões penais e processuais,  criminalidade moderna e a aplicação do modelo garantista no Brasil. Salvador: JusPodivm, 2010,  p. 34.
19Sumula 691, STF: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas  corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior,  indefere a liminar. 
20Disponível no site do STF, 2011.Tribunais, sob pena de arbitrária denegação, pelo Poder Judiciário, dessa importantíssima  franquia constitucional.
21Disponível no site do STF, 2011.
22art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso  extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos  termos deste artigo. § 5o Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal  Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes,  individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.
23art. 116 – Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I – enquanto  não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do  crime;
24Art. 92, CPP. Se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de  controvérsia, que o juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curso da ação  penal ficará suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença passada  em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição das testemunhas e de outras provas de  natureza urgente. 
25Art. 5º, XXXV, CF – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a  direito; 
26Art. 3º, CPP.A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem  como o suplemento dos princípios gerais de direito.
27Art. 2o, CPP. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos  realizados sob a vigência da lei anterior.
28Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e  fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória  transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão  temporária ou prisão preventiva. 
29Art. 5º, LVII, CF – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença  penal condenatória;

BIBLIOGRAFIA 

1. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. O formalismo-valorativo no confronto com  o formalismo excessivo. In Repro nº 137, São Paulo: RT, 2006. 

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11. DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de Processo Penal. 2ª Edição. São Paulo: RT  – Revista dos Tribunais, 2016. 

12. BEDÊ JUNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. Princípios do Processo Penal: entre  o garantismo e a efetividade da sanção. 1. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,  2009.  

13. PRITTWITZ, Cornelius. O direito penal entre o direito penal do risco e direito  penal do inimigo: tendências atuais em direito penal e política criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais – RBCCRIM, ano 012, n. 47, São Paulo: Revista  dos Tribunais, mar.-abr.2004.  

14. VAZ, Denise Provasi; DEZEM, Guilherme Madeira; ZILLI, Marcos Alexandre  Coelho; LOPES, Mariangela Tomé. Eficiência e garantismo no processo penal:  estudos em homenagem a Antonio Scarance Fernandes. [S.l: s.n.], 2017.  

15. CUNHA, Rogerio Sanches. Manual de Direito Penal (Parte Geral). 6ª Edição;  Salvador: Juspodivm, 2018.