FRATURA MANDIBULAR POR PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO: CLASSIFICAÇÃO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

MANDIBULAR FRACTURE BY GUN PROJECTILE: CLASSIFICATION, DIAGNOSIS AND TREATMENT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10248261230


Luciana Carolina Rodrigues Barros1
Arthur Gama Freire2
Priscila Gomes de Carvalho Vasquez3
Walas Cazassa Vieira4
Alyne Vasconcelos de Oliveira5
Leticia Vitória Brito Ferreira6
Rafaela Sandro Stuque7
Amanda Correia Araújo8 
Emilly Silva dos Santos9
Carlos Daniel Salles Laurencio10
Luiz Iago Alves Siqueira Cardozo11
Lara Resende de Almeida Cunha12


RESUMO 

Por ser uma parte exposta do corpo, a região maxilofacial é um local comum para lesões por projéteis, sendo a mandíbula o osso mais frequentemente lesado. Lesões na mandíbula são difíceis de classificar. Dessa forma, o presente estudo possui como objetivo revisar a literatura acerca do padrão de fraturas mandibulares, abordando seus classificação, diagnóstico e tratamento, a fim de guiar o profissional na escolha do protocolo a ser tomado em cada caso. Para a construção deste artigo foi realizado um levantamento bibliográfico nas bases de dados SciVerse Scopus, Scientific Eletronic Library Online (Scielo), U.S. National Library of Medicine (PUBMED) e ScienceDirect, com auxílio do gerenciador de referências Mendeley. Ainda não há consenso na literatura sobre a melhor forma de tratamento para as fraturas mandibulares causadas por arma de fogo. Esse tipo de ferimento por arma de fogo permanece controverso e um tanto escasso. Poucos estudos foram encontrados na literatura para esta revisão sistemática. Apesar disso, sabe-se da importância do tratamento multidisciplinar a fim de que seja possível identificar outros locais de acometimento. Exames complementares devem ser solicitados para melhor entendimento das fraturas e danos causados ao paciente.

Palavras-chave: Ferimentos de bala. Fraturas mandibulares. Fixação de fraturas. Balas. 

SUMMARY

Because it is an exposed part of the body, the maxillofacial region is a common site for projectile injuries, with the mandible being the most frequently injured bone. Jaw injuries are difficult to classify. Thus, the present study aims to review the literature on the pattern of mandibular fractures, addressing their classification, diagnosis and treatment, in order to guide the professional in choosing the protocol to be followed in each case. For the construction of this article, a bibliographical survey was carried out in the databases SciVerse Scopus, Scientific Electronic Library Online (Scielo), U.S. National Library of Medicine (PUBMED) and ScienceDirect, with the help of the Mendeley reference manager. There is still no consensus in the literature on the best form of treatment for mandibular fractures caused by firearms. This type of gunshot wound remains controversial and somewhat scarce. Few studies were found in the literature for this systematic review. Despite this, the importance of multidisciplinary treatment is known so that it is possible to identify other sites of involvement. Complementary exams should be requested for a better understanding of the fractures and damage caused to the patient.

Keywords: Gunshot wounds. Mandibular fractures. Fracture fixations. Bullets. 

1. INTRODUÇÃO 

Lesões por armas de fogo são consideradas uma grande problemática que está crescendo mundialmente (STEFANOPOULOS et al., 2014). Tais lesões podem causar danos e rupturas aos tecidos, apresentando um grande desafio para os cirurgiões. Quando a região maxilofacial é atingida há um padrão complexo de trauma, sendo manifestações recorrentes a perda óssea e a avulsão de tecidos moles (RAY, 2013; RUDD, 2018; STEFANOPOULOS et al., 2015). 

As lesões podem ser classificadas como penetrantes, perfurantes ou, ainda, avulsionados, a depender da transferência, alta ou baixa, do míssil e das estruturas anatômicas do paciente envolvidas (RAY, 2013; RUDD, 2018; STEFANOPOULOS et al., 2015).

Lesões penetrantes e perfurantes, principalmente resultantes de projéteis de baixa velocidade, são tratadas da mesma forma que trauma contuso, variando de redução incruenta a redução aberta e fixação interna com desbridamento cirúrgico mínimo e fechamento primário da ferida (RANA et al., 2014). O tratamento das lesões avulsivas decorrentes de projéteis de alta velocidade tem sido controverso, podendo ser realizada reconstrução precoce e tardia, uma vez que essa reconstrução torna-se complexa devido à necrose tecidual associada a esse tipo de lesão (NEWLANDS; SAMUDRALA; KATZENMEYER, 2003; SIDDIQUI et al., 2020)

No que diz respeito a lesões por mísseis, sabe-se que as armas de fogo, como revólveres e rifles, explosivos são os mais utilizados. O uso indiscriminado de tais objetos é responsável pelo aumento da mortalidade e morbidade, com incidência crescente nas últimas décadas (NEWLANDS; SAMUDRALA; KATZENMEYER, 2003; WALKER; FRAME, 1984). 

Embora a região da cabeça e pescoço constitua cerca de 12% da superfície corporal, estudos estimam que cerca de 6 a 29% das lesões de guerra de diferentes zonas de conflito envolvem a região maxilofacial. 

Por ser uma parte exposta do corpo, a região maxilofacial é um local comum para lesões por projéteis, sendo a mandíbula o osso mais frequentemente lesado. Lesões na mandíbula são difíceis de classificar. A cominuição óssea associada às lesões por projéteis mandibulares ocorre com pouca relação com o calibre do projétil ou sua velocidade.

Dessa forma, o presente estudo possui como objetivo revisar a literatura acerca do padrão de fraturas mandibulares, abordando seus classificação, diagnóstico e tratamento, a fim de guiar o profissional na escolha do protocolo a ser tomado em cada caso. 

2. METODOLOGIA 

Refere-se a uma revisão integrativa de literatura, de caráter qualitativo. A revisão de literatura permite a busca aprofundada dentro de diversos autores e referenciais sobre um tema específico, nesse caso, fratura mandibular por projétil de arma de fogo: classificação, diagnóstico e tratamento (PEREIRA et al., 2018). 

Sendo assim, para a construção do presente artigo, foi estabelecido um roteiro metodológico baseado em seis fases, a fim de nortear a estrutura de uma revisão integrativa, sendo elas: elaboração da pergunta norteadora, organização dos critérios de inclusão e exclusão e a busca na literatura, caracterização dos dados que serão extraídos em cada estudo, análise dos estudos incluídos na pesquisa, interpretação dos resultados e apresentação da revisão. 

Foi utilizada a estratégia PICOS para a elaboração da pergunta norteadora, sendo o PICOS (Patient/population/disease; Exposure or issue of interest, Comparison Intervention or issue of interest Outcome), a População (P): Pacientes com fratura maxilar; Intervenção (I): Cirurgia reabilitadora; Comparador (C): Não se aplica; Desfecho (O): Não se aplica; Desenho do estudo (S) = Estudos prospectivos e retrospectivos, randomizados e não randomizados que relatam a classificação, diagnóstico e tratamento de fraturas mandibulares causadas por projétil de arma de fogo. Diante disso, construiu-se a questão norteadora: “quais são os principais aspectos da abordagem cirúrgica da fratura da mandíbula por projétil de arma de fogo, sua classificação e diagnóstico?” (Tabela 1).

Tabela 1 – Elementos da estratégia PICOS, Brasil, 2022.

ComponentesDefinição
P – populaçãoPacientes com fratura maxilar
I – Intervenção Cirurgia reabilitadora
C – ComparadorNão se aplica
O – DesfechoNão se aplica
S – Desenho do estudoEstudos prospectivos e retrospectivos, randomizados e não randomizados que relatam a classificação, diagnóstico e tratamento de fraturas mandibulares causadas por projétil de arma de fogo. 

Fonte: Autoria própria, 2023.

Buscas avançadas foram realizadas em estratégias detalhadas e individualizadas em quatro bases de dados: SciVerse Scopus (https://www-scopus.ez43.periodicos.capes.gov.br/), Scientific Eletronic Library Online – Scielo (https://scielo.org/), U.S. National Library of Medicine (PUBMED) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/) e ScienceDirect (https://www-webofknowledge.ez43.periodicos.capes.gov.br/), com auxílio do gerenciador de referência Mendeley. Os artigos foram coletados no mês de dezembro de 2022 e contemplados entre os anos de 2000 a 2022.  

A estratégia de pesquisa desenvolvida para identificar os artigos incluídos e avaliados para este estudo baseou-se em uma combinação apropriada de termos MeSH (www.nlm.nih.gov/mesh/meshhome.html), nos idiomas português e inglês. 

Considerou-se como critério de inclusão os artigos completos disponíveis na íntegra nas bases de dados citadas, nos idiomas inglês e português e relacionados com o objetivo deste estudo. Os critérios de exclusão foram artigos incompletos, duplicados, resenhas, estudos in vitro e resumos.

A estratégia de pesquisa baseou-se na leitura dos títulos para encontrar estudos que investigassem a temática da pesquisa. Caso atingisse esse primeiro objetivo, posteriormente, os resumos eram lidos e, persistindo na inclusão, era feita a leitura do artigo completo.  Na sequência metodológica foi realizada a busca e leitura na íntegra dos artigos pré-selecionados, os quais foram analisados para inclusão da amostra. 

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 

Com base na revisão de literatura feita nas bases de dados eletrônicas citadas, foram identificados 877 artigos científicos, dos quais 280 estavam duplicados com dois ou mais índices. Após a leitura e análise do título e resumos dos demais artigos, outros 520 foram excluídos. Assim, 87 artigos foram lidos na íntegra e, com base nos critérios de inclusão e exclusão, apenas 11 artigos foram selecionados para compor este estudo. O fluxograma com detalhamento de todas as etapas de seleção está na figura 1.

Figura 1 – Fluxograma de identificação e seleção dos estudos.

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Fonte: os autores, 2023. 

As fraturas mandibulares por arma de fogo podem ser um verdadeiro desafio para o cirurgião bucomaxilofacial , mesmo o mais experiente. Os variados tipos de padrão de trauma, energia cinética do projétil, tipo de lesão de tecidos moles e duros e a falta de padronização do tratamento tornam o manejo dessas lesões ainda mais complexo e pode envolver um grande número de complicações. 

Em estudo realizado por Bede; Ismael; Al-Assaf (2017) demonstrou que as fraturas cominutivas foram o tipo de fratura mais comum, afetando cerca de 50% dos pacientes, com incidência semelhante nos dois grupos. Fratura cominutiva é definida como a presença de múltiplas linhas de fratura resultando em muitos pedaços pequenos dentro de uma mesma área da mandíbula.

Essas fraturas resultam de um impacto significativo em uma área localizada da mandíbula, causada por uma colisão em alta velocidade ou por um projétil de alta velocidade (FINN, 1996). Quando um míssil, seja bala ou estilhaço, penetra no corpo, produz lesão tecidual direta devido à rápida distensão e ruptura dos tecidos (LI; LI, 2011).

Devido à sua dureza, o osso não consegue absorver a energia do impacto da bala, levando à fratura, e o aumento da pressão hidráulica resulta na pulverização da estrutura óssea. Em contraste, o efeito da lesão por explosão na mandíbula depende de múltiplos fatores, dos quais os fragmentos (estilhaços) constituem apenas um fator (ALPERT; TIWANA; KUSHNER, 2009; LI; LI, 2011).

O profissional, ao receber um paciente acometido por projétil de arma de fogo, deve-se realizar uma avaliação multidisciplinar para diagnosticar lesões neurológicas, traumas na coluna cervical e lesões vias aéreas. A manutenção da via aérea é essencial nesse tipo de trauma, e a maioria dos pacientes necessita de suportes como a traqueostomia (ALPERT; TIWANA; KUSHNER, 2009; BEDE; AHMED, 2011). 

Além disso, para entender o comprometimento dos tecidos moles faciais, esqueleto facial e dente, o profissional deve solicitar exames de imagem complementares, tais como tomografia computadorizada e exames de imagem vascular. Finalmente, o tratamento das lesões deve ser feito de acordo com o tipo – avulsivo, penetrante ou perfurante. Essa sequência de tratamento pode ser observada no algoritmo citado neste estudo, sendo extremamente útil para a tomada de decisão durante o trauma mandibular por arma de fogo (NEWLANDS; SAMUDRALA; KATZENMEYER, 2003; WALKER; FRAME, 1984).

Ainda não há consenso na literatura sobre a melhor forma de tratamento, porém, a tendência atual é que os resultados com a IRF sejam melhores que os da IMF, além de apresentarem menos complicações. Lesões avulsivas geralmente resultam na cominuição e deslocamento de ossos e danos extensos em tecidos moles ou lesões avulsivas em tecidos moles/duros associados com ruptura e perda de continuidade excessiva de tecidos moles e duros (NEWLANDS; SAMUDRALA; KATZENMEYER, 2003; WALKER; FRAME, 1984).

A utilização de fixadores externos é um protocolo alternativo para o tratamento de lesões que acometem a mandíbula avulsivas. Apesar disso, sua utilização ainda é incomum, pois possuem indicação restrita. Lesões em que há fraturas cominutivas extensas e perda tecidual grave, como nos ferimentos por arma de fogo, são indicações bem aceitas para fixação externa (ALPERT; TIWANA; KUSHNER, 2009; BEDE; AHMED, 2011).

Faz parte do nosso protocolo de tratamento das fraturas mandibulares por arma de fogo que a reconstrução, se necessária, utilizará enxertos ósseos para possibilitar a reestruturação do esqueleto mandibular, bem como possibilitar a reabilitação oral com implantes dentários e próteses fixas. No entanto, nenhum dos estudos avaliados nesta revisão sistemática realizou reconstrução mandibular com enxertos ósseos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda não há consenso na literatura sobre a melhor forma de tratamento para as fraturas mandibulares causadas por arma de fogo. Esse tipo de ferimento por arma de fogo permanece controverso e um tanto escasso. Poucos estudos foram encontrados na literatura para esta revisão sistemática. 

Apesar disso, sabe-se da importância do tratamento multidisciplinar a fim de que seja possível identificar outros locais de acometimento. Exames complementares devem ser solicitados para melhor entendimento das fraturas e danos causados ao paciente. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ALPERT, B.; TIWANA, P. S.; KUSHNER, G. M. Management of Comminuted Fractures of the Mandible. Oral and Maxillofacial Surgery Clinics of North America, v. 21, n. 2, p. 185–192, 2009. 

BEDE, S. Y. H.; AHMED, F. T. Management of Retained Foreign Bodies in Missile Injuries of the Maxillofacial Region. Journal of Craniofacial Surgery, v. 22, n. 4, 2011. 

BEDE, S. Y. H.; ISMAEL, W. K.; AL-ASSAF, D. Characteristics of mandibular injuries caused by bullets and improvised explosive devices: a comparative study. International Journal of Oral and Maxillofacial Surgery, v. 46, n. 10, p. 1271–1275, 2017. 

FINN, R. A. Treatment of comminuted mandibular fractures by closed reduction. Journal of Oral and Maxillofacial Surgery, v. 54, n. 3, p. 320–327, 1996. 

LI, Z.; LI, Z.-B. Clinical characteristics and treatment of multiple site comminuted mandible fractures. Journal of Cranio-Maxillofacial Surgery, v. 39, n. 4, p. 296–299, 2011. 

NEWLANDS, S. D.; SAMUDRALA, S.; KATZENMEYER, W. K. Surgical Treatment of Gunshot Injuries to the Mandible. Otolaryngology–Head and Neck Surgery, v. 129, n. 3, p. 239–244, 1 set. 2003. 

PEREIRA, A. et al. Método Qualitativo, Quantitativo ou Quali-Quanti. [s.l: s.n.]. 

RANA, M. et al. Management of comminuted but continuous mandible defects after gunshot injuries. Injury, v. 45, n. 1, p. 206–211, 2014. 

RAY, J. M. The treatment of maxillofacial trauma in austere conditions. Atlas of the Oral and Maxillofacial Surgery Clinics of North America, v. 21, n. 1, p. 9–14, 2013. 

RUDD, G. W. EXPERIENCE IN THE TREATMENT OF MISSILE INJURIES OF THE MAXILLOFACIAL REGION IN IRAQ. Reconstructing Iraq, n. December 1985, p. 232–303, 2018. 

SIDDIQUI, S. et al. Efficacy of open reduction and internal fixation in achieving bony union of comminuted mandibular fractures caused by civilian gunshot injuries. The Surgeon, v. 18, n. 4, p. 214–218, 2020. 

STEFANOPOULOS, P. K. et al. Wound ballistics of firearm-related injuries—Part 1: Missile characteristics and mechanisms of soft tissue wounding. International Journal of Oral and Maxillofacial Surgery, v. 43, n. 12, p. 1445–1458, 2014. 

STEFANOPOULOS, P. K. et al. Wound ballistics of firearm-related injuries—Part 2: Mechanisms of skeletal injury and characteristics of maxillofacial ballistic trauma. International Journal of Oral and Maxillofacial Surgery, v. 44, n. 1, p. 67–78, 2015. 

WALKER, R. V; FRAME, J. W. Civilian maxillo-facial gunshot injuries. International Journal of Oral Surgery, v. 13, n. 4, p. 263–277, 1984. 


1https://orcid.org/0000-0002-0619-5342
2https://orcid.org/0009-0002-6082-0484
3https://orcid.org/0000-0001-7805-7099
4https://orcid.org/0000-0003-2538-4437
5https://orcid.org/0000-0001-8481-0956
6https://orcid.org/0009-0008-8959-2888
7https://orcid.org/0000-0003-4769-5586
8https://orcid.org/0009-0004-3401-3691
9https://orcid.org/0009-0003-3444-1306
10https://orcid.org/0009-0009-7732-8278
11https://orcid.org/0000-0001-5001-7183
12https://orcid.org/0009-0004-9883-0025