STRENGTHENING THE PELVIC FLOOR IN THE IMMEDIATE POST-OPERATIVE HYSTERECTOMY
REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10120013
Franque Martins de Sousa
Indiana Clis da Cruz Pereira Silva
Maria José Nobre do Nascimento
Rafaela de Souza Oliveira
Raquel de Medeiros Fernandes Dos Santos
Ana Luiza Ferreira Donatti
RESUMO
A histerectomia é uma cirurgia ginecológica comum, realizada em mulheres para tratar uma variedade de condições médicas. No entanto, essa intervenção pode ter impactos significativos no sistema urinário e no assoalho pélvico das pacientes, potencialmente resultando em complicações como incontinência urinária, prolapso de órgãos pélvicos e disfunções sexuais. Este trabalho teve como objetivo abordar a importância do fortalecimento do assoalho pélvico no pós-operatório imediato. A metodologia utilizada foi a revisão sistemática da literatura. A busca dos artigos foi realizada nas bases de dados SciELO, Web of Science e LILACS. Foram incluídos estudos clínicos randomizados publicados na língua portuguesa publicados nos últimos 10 anos (2013 – 2023) que abordassem o tema a atuação da fisioterapia no pós operatório imediato de histerectomia. Os critérios de exclusão foram revisões sistemáticas, estudos que não abordem essa temática e estudos que utilizassem outras abordagens terapêuticas que não seja a fisioterapia, além de artigos não indexados ou indisponíveis na íntegra nas bases de dados. A qualidade metodológica dos estudos foi avaliada pela escala PEDro. Foram selecionados 9 artigos que abordavam as disfunções do assoalho pélvico e as estratégias fisioterapêuticas que podem ser utilizadas para beneficiar a qualidade de vida das pacientes pós o procedimento de histerectomia. Com esse estudo foi possível concluir que o fortalecimento do assoalho pélvico desempenha um papel crucial na promoção da recuperação eficaz e na prevenção de complicações no pós-operatório de histerectomia. Investir na saúde pélvica das pacientes não apenas aborda preocupações físicas, mas também capacita as mulheres a recuperarem sua qualidade de vida após a cirurgia, permitindo uma transição suave para uma fase de bem-estar renovado.
Descritores: histerectomia; distúrbios do assoalho pélvico; prevenção; recursos fisioterapêuticos.
ABSTRACT
Hysterectomy is a common gynecological surgery performed on women to treat a variety of medical conditions. However, this intervention can have significant impacts on patients’ urinary system and pelvic floor, potentially resulting in complications such as urinary incontinence, pelvic organ prolapse and sexual dysfunction. This work aimed to address the importance of strengthening the pelvic floor in the immediate postoperative period. The methodology used was a systematic literature review. The search for articles was carried out in the SciELO, Web of Science and LILACS databases. Randomized clinical studies published in the Portuguese language published in the last 10 years (2013 – 2023) that addressed the topic of the role of physiotherapy in the immediate postoperative period of hysterectomy were included. The exclusion criteria were systematic reviews, studies that do not address this topic and studies that used therapeutic approaches other than physiotherapy, in addition to articles not indexed or unavailable in full in the databases. The methodological quality of the studies was assessed using the PEDro scale. Nine articles were selected that addressed pelvic floor dysfunctions and physiotherapeutic strategies that can be used to benefit the quality of life of patients after the hysterectomy procedure. This study concluded that strengthening the pelvic floor plays a crucial role in promoting effective recovery and preventing complications after hysterectomy. Investing in patients’ pelvic health not only addresses physical concerns, but also empowers women to regain their quality of life after surgery, allowing for a smooth transition into a phase of renewed well-being.
Descriptors: hysterectomy; pelvic floor disorders; prevention; physiotherapeutic resources
1 INTRODUÇÃO
A histerectomia é uma das cirurgias ginecológicas mais comuns realizadas em mulheres em todo o mundo, sendo indicada para uma variedade de condições médicas, incluindo doenças benignas e malignas. Ela envolve a remoção, parcial ou total, do útero. Apesar dos avanços na técnica cirúrgica e na recuperação pós-operatória, as mulheres submetidas à histerectomia muitas vezes enfrentam desafios significativos durante o período de recuperação imediata. Entre esses desafios, destaca-se seu impacto na função dos músculos do assoalho pélvico (MAP)1.
O assoalho pélvico é composto por um grupo de músculos e ligamentos conectados a estruturas ósseas que desempenham um papel vital no suporte dos órgãos pélvicos, incluindo a bexiga, o útero e o reto, bem como na manutenção da continência urinária e fecal. Durante a o procedimento de histerectomia, o assoalho pélvico pode ser comprometido, acarretando alterações na sua função, gerando complicações no pós-operatório, como incontinência urinária e prolapso de órgãos pélvicos. Por isso, é de suma importância abordar sobre o fortalecimento do assoalho pélvico como parte integrante do cuidado pós-operatório em pacientes submetidas à histerectomia2.
Ao abordar essa questão crítica da saúde feminina, pretende-se fornecer uma compreensão sobre essa temática que possa contribuir para uma assistência mais adequada às mulheres submetidas à histerectomia, melhorando sua qualidade de vida e minimizando as complicações associadas ao enfraquecimento do assoalho pélvico.
O objetivo deste estudo foi avaliar a importância do fortalecimento do assoalho pélvico no pós-operatório imediato de histerectomia. Além de pontuar as intervenções terapêuticas disponíveis, destacado os potenciais benefícios do fortalecimento do assoalho pélvico na qualidade de vida das pacientes.
2 MÉTODO
Foi realizada uma revisão sistemática da literatura (RSL) de acordo com as recomendações e critérios descritos no Reporting Items for Systematic Reviews and MetaAnalyses (PRISMA).
2.1 BUSCA E IDENTIFICAÇÃO DE ARTIGOS
A busca dos artigos foi realizada nas bases de dados SciELO, Web of Science e LILACS, envolvendo o cruzamento de dados de palavras-chave selecionadas segundo a classificação dos descritores da saúde (DeCS). A busca em todas as bases de dados foi feita de forma avançada e não foi realizada busca manual nas bases de dados utilizadas. Foram utilizados como descritores: histerectomia; distúrbios do assoalho pélvico; recursos fisioterapêuticos, a partir da combinação dos operadores OR e AND, conforme as características de cada base de dado. As buscas foram realizadas no período de agosto a setembro de 2023.
2.2 SELEÇÃO DE EVIDÊNCIAS
Para atingir o objetivo do estudo, foi elaborada uma pergunta com base na estratégia (Patient Intervetion Comparison Outcome) PICO: Como é possível otimizar a recuperação pósoperatória de mulheres submetidas à histerectomia, por meio do fortalecimento do assoalho pélvico? Primeiramente foram lidos os títulos e os resumos dos artigos apresentados pelas plataformas de busca, os estudos que abordavam a temática dessa pesquisa foram selecionados para a leitura na íntegra. A partir desta leitura os artigos foram avaliados de acordo com os critérios de exclusão e inclusão pré-estabelecidos, sendo selecionados aqueles contemplavam os critérios de inclusão.
2.3 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO
Foi utilizado como critério de inclusão estudos clínicos randomizados, publicados na língua portuguesa, nos últimos 10 anos (2013 – 2023) e que abordassem o tema sobre a atuação da fisioterapia no pós-operatório imediato de histerectomia. Os critérios de exclusão foram revisões sistemáticas, estudos que não abordem essa temática e estudos que utilizem outras abordagens terapêuticas que não seja a fisioterapia, além de artigos não indexados ou indisponíveis na íntegra nas bases de dados. Após a seleção dos estudos, os dados relevantes foram extraídos de cada estudo e plotados em ema tabela (Tabela 2).
2.4 SUMARIZAÇÃO DOS DADOS
Dos artigos selecionados, foram extraídos os seguintes dados: autores e ano de publicação, características da amostra, intervenção, comparação e por fim, os desfechos pertinentes dos estudos avaliados.
2.5 AVALIAÇÃO DA QUALIDADE METODOLÓGICA
A qualidade e risco de viés dos estudos selecionados foram avaliados de forma independente, utilizando a escala PEDro (Tabela 1).
3. RESULTADOS
A busca inicial identificou 4.148 estudos que abordavam sobre a atuação da fisioterapia nos distúrbios pélvicos pós-histerectomia. Primeiramente, foi realizada uma leitura dos títulos e resumos, sendo excluídos oito artigos por duplicação e 3.800 estudos por não contemplarem os critérios de inclusão. Dos artigos restantes (n= 340), foi realizado uma leitura completa dos textos, e observado que 47 estudos foram considerados não elegíveis (n=293) baseado na avaliação da escala PEDro. Destes estudos, 284 foram excluídos pelo protocolo não estar de acordo ou os dados completos não foram mostrados. Ao final nove artigos foram selecionados para esse estudo de revisão sistemática conforme o fluxograma da Figura1.
Figura 1. Fluxograma de análise e seleção dos Estudos. Fonte: Elaborado e analisado pelos autores 2023.
A tabela abaixo demonstra a pontuação na escala PEDro para os estudos selecionados. Está escala inclui os seguintes itens a serem avaliados: critérios de elegibilidade, randomização, ocultação da alocação, semelhança nos dados iniciais, cegamento de assuntos, cegamento de avaliadores, seguimento adequado, a análise de intenção de tratamento e a análise estatística entre os grupos avaliados (Tabela 1).
Tabela 1 – Pontuação na escala PEDro para os estudos selecionados.
Critérios Escala PEDro | |||||||||||
Estudos | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | Total |
Silva et al, 20203 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 5 |
Carvalho et al, 20218 | 1 | 0 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 7 |
Simão et al, 20199 | 1 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 | 1 | 1 | 0 | 1 | 5 |
Melo, 201913 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0 | 7 |
Souza et al, 201911 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0 | 7 |
Silva et al, 201915 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0 | 6 |
Menezes et al, 201714 | 1 | 0 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0 | 5 |
Lopes et al, 201712 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 7 |
Freire et al, 20161 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 8 |
(2) = Alocação randomizada; (3) = Atribuição mascarada; (4) = Similaridade no início do tratamento; (5) = assuntos cegos; (6) = Fisioterapeutas cegos; (7) = avaliadores cegos; (8) = acompanhamento apropriado; (9) = análise por intuito de tratar; (10)= correlações intergrupos; (11) = uso de medidas de precisão e variabilidade. Fonte: Elaborado pelos autores 2023.
A tabela abaixo demonstra os principais dados extraídos dos nove artigos selecionados para esse estudo (Tabela 2).
Autor/ano | Amostra | Intervenção | Resultados | Conclusão |
Carvalho et al, 20218 | 167 mulheres com queixas de disfunção pélvica pós realização de histerectomia | Usos de questionário de avaliação de qualidade de vida e escala de Oxford modificada para classificar a força da musculatura do assoalho pélvico avaliada pela palpação digital vaginal. | Foi observado que as mulheres apresentavam força muscular pélvica alterada tinham mais de 50 anos (50%), estavam na menopausa e tinha realizado histerectomia. | A maioria das mulheres que apresentavam disfunção pélvica apresentavam um impacto muito grave (76,6%) na qualidade de vida relacionada à incontinência urinária. |
Silva et al, 20203 | Uma paciente de 89 anos que apresentava enterocele tardia pós histerectomia | Uso de opções para pacientes com contraindicações a cirurgia, como a realização de treinamento do MAP e o uso de pessários para promover a melhor sustentação das estruturas pélvicas. | Paciente em questão apresentava como fatores de risco para o surgimento de prolapso de órgão pélvico sua idade de 89 anos, hipoestrogenismo e histerectomia prévia. | Cada terapêutica (cirúrgica ou conservadora) deve ser individualizada, a fim de proporcionar a paciente a melhor opção de tratamento às características de sua patologia, assim como para atender aos seus anseios individuais. |
Simão et al, 20199 | 27 mulheres de 18 a 68 anos de idade, histerectomizadas, no máximo há dez anos. | As participantes responderam um questionário de dados sociodemográfico e de avaliação da força muscular pélvica. | Este estudo, levou-se em consideração os sintomas urinários, a média de idade e o quanto as perdas interferem em sua qualidade de vida. Foi observado que as mulheres negras foram mais acometidas pela incontinência urinária. | Constatou-se que a idade nem sempre é um fator determinante para o surgimento da incontinência urinária pós histerectomia. |
Melo, 201913 | 413 pacientes pós histerectomia atendidas na fisioterapia pélvica de um hospital público. | Fortalecimento do assoalho pélvico através do treinamento da MAP domiciliar. | 27,4% das mulheres avaliadas tinham força grau 3 na escala de Oxford Modificada e a maioria apresentavam incontinência urinária. | A fisioterapia pélvica foi considera o padrão ouro para o tratamento dessas mulheres nessa fase da vida. |
Souza et al, 201911 | 12 mulheres com incontinência urinária por esforço (IUE) pós histerectomia | Verificar os efeitos do biofeedback, da bandagem funcional elástica (BFE) e da associação de ambas as técnicas na qualidade de vida de mulheres com IUE. | As participantes foram avaliadas antes, depois e um mês após o término do tratamento através dos seguintes instrumentos: ICIQ- SF) e I-QOL | Foi observado melhora da IUE nas mulheres que realizaram as intervenções combinadas do biofeedback pressórico e BFE. |
Silva et al, 201915 | 227 pacientes com disfunção do assoalho pélvico pós realização de histerectomia. | As principais técnicas respiratórias e motoras no pós-operatório foram a reeducação diafragmática, reexpansiva e a cinesioterapia aplicados 1 vez por semana no período pós operatório. 5 sessões no total. | Foi observado que as mulheres que realizaram técnicas respiratórias e motoras no pós-operatório apresentaram um menor número de complicações respiratórias e motoras. | Essa pesquisa evidenciou dados relevantes que poderão auxiliar o profissional fisioterapeuta no desenvolvimento de melhorias e aprimoramento no registro em prontuários e no tratamento fisioterapêutico destas pacientes. |
Menezes et al, 201714 | 12 pacientes com disfunções do assoalho pélvico consequente a histerectomia para o tratamento de câncer do colo do útero | Avaliação da presença de dispareunia, grau de força da musculatura pélvica, presença de disfunção miccional e existência de estenose vaginal. | Entre as pacientes com dispareunia, 75% das pacientes relataram dor durante a relação sexual. No que diz respeito à força dos músculos do assoalho foi verificado que 41,7% das mulheres apresenta vam AFA 2. Quanto à presença de disfunção miccional, nenhuma das pacientes relatou alguma disfunção. | Entre as participantes deste estudo, todas apresentaram alguma disfunção do assoalho pélvico após a histerectomia para o tratamento de câncer do colo do útero. |
Lopes et al, 201712 | 99 pacientes submetidas a reabilitação do assoalho pélvico pós histerectomia | Realização de reeducação diafragmática e treinamento do MAP. Três séries, diárias, de no máximo 10 contrações lentas e rápidas, realizadas nas posições em pé, sentada e deitada. Duração de 12 semanas. | As mulheres que realizaram ambas as intervenções apresentaram uma melhora da força muscular. | As atividades de reabilitação do assoalho pélvico constituem-se áreas de importante atuação do enfermeiro e iniciativas como a relatada contribuem para a formação profissional e prática baseada em evidência. |
Freire et al, 20161 | 70 mulheres submetidas à histerectomia que apresentam disfunção do assoalho pélvico associado a realização do procedimento. | Avaliação fisioterapêutica funcional dos MAP, por meio da inspeção e palpação. | Através da avaliação fisioterapêutica foi observado que a histerectomia afetou a função dos músculos do MAP. | Foi verificada que a maioria das mulheres histerectomizadas apresentaram uma função insatisfatória dos MAP e que a fisioterapia pélvica é uma importante estratégia terapêutica nesses casos. |
Tabela 2 – Estudos selecionados para a revisão sistemática. Fonte: Elaborado pelos autores 2023.
4 DISCUSSÃO
4.1 Disfunções do assoalho pélvico associadas à histerectomia
O assoalho pélvico é uma complexa estrutura anatômica que desempenha um papel fundamental no suporte dos órgãos pélvicos e na manutenção de funções importantes, como continência urinária, fecal e sexual. Ele é composto por várias camadas de músculos, tecidos conjuntivos e fáscias que se estendem na parte inferior da pélvis. A integridade e o funcionamento adequado do assoalho pélvico são essenciais para a saúde e o bem-estar das mulheres. Quando o assoalho pélvico enfraquece devido a fatores como gravidez, parto, envelhecimento, cirurgia ou outros eventos, podem ocorrer problemas como incontinência urinária, prolapso de órgãos pélvicos e disfunções sexuais. O prolapso genital é a ptose de uma região da parede vaginal que pode ser a anterior, posterior ou o ápice, esta última sendo relacionada a descida uterina, ou da cúpula vaginal após histerectomia. Segundo Silva3 a enterocele é comumente associada a este tipo de procedimento cirúrgico. Portanto, o fortalecimento e a manutenção da saúde do assoalho pélvico são de extrema importância para a qualidade de vida feminina4.
No Brasil, a cada ano, cerca de 300 mil mulheres recebem indicação de histerectomia e no ano de 2005 foram realizadas cerca de 107.000 histerectomias pelo Sistema Único de Saúde. Dentre as indicações mais comuns para a realização da histerectomia estão as doenças benignas. Pode-se destacar a falha do tratamento clínico ou da ablação endometrial em pacientes com sangramento uterino anormal; miomas uterinos associados à dor ou com sangramento uterino anormal e úteros de volume até 500 cm.4
A histerectomia é uma cirurgia ginecológica comum que envolve a remoção do útero, e, em alguns casos, pode incluir a remoção de estruturas adjacentes, como as trompas de Falópio e os ovários. Embora a histerectomia seja frequentemente realizada para tratar diversas condições médicas, como miomas uterinos, endometriose, câncer uterino ou sangramento uterino anormal, a cirurgia em si pode ter implicações no sistema urinário das pacientes. A histerectomia pode aumentar o risco de incontinência urinária, especialmente se o assoalho pélvico for enfraquecido ou danificado durante a cirurgia. Isso pode resultar em dificuldades em controlar a micção, levando a episódios de perda involuntária de urina5.
A remoção do útero pode alterar a anatomia da pelve e afetar o suporte dos órgãos pélvicos, incluindo a bexiga. Isso pode aumentar o risco de prolapso de órgãos pélvicos, no qual a bexiga pode deslocar-se e causar sintomas como sensação de pressão na pelve e dificuldade em esvaziar completamente a bexiga. A cirurgia da histerectomia também pode aumentar temporariamente o risco de infecções do trato urinário devido à introdução de cateteres urinários durante a operação. Os cateteres podem predispor as pacientes a infecções, mas geralmente são removidos após um curto período de tempo para minimizar esse risco6.
No estudo de Freire et al 1 as voluntárias submetidas à histerectomia foram submetidas à avaliação fisioterapêutica funcional dos MAP, por meio da inspeção e palpação. Esse estudo observou que a maioria realizou histerectomia total (90%), por via vaginal (53,6%), por diagnóstico de miomatose uterina (82,4%) e apresentava de 15 a 19 meses de pós-operatório. Na inspeção, a maioria (71,4%) não apresentou contração reflexa durante a tosse. Na palpação, a maioria apresentou reflexos anal (84,3%) e clitoriano (97,14%), não apresentou alteração no tônus muscular (60%) e realizou apneia e contração de músculos acessórios (40-59%) durante a contração dos MAP. Logo esse estudo concluiu que as mulheres histerectomizadas apresentaram uma função insatisfatória dos MAP.
O estudo de Carvalho et al8 avaliou a força muscular do assoalho pélvico de mulheres com disfunção pélvica. A maioria foi classificada com impacto muito grave (76,6%) na qualidade de vida relacionada à incontinência, 24,6% das mulheres apresentaram contração muscular não sustentada. Associações significativas foram identificadas entre força muscular pélvica e idade, menopausa e histerectomia.
O estudo de Simão et al9 buscou avaliar os sintomas urinários em mulheres que foram submetidas a histerectomia. A amostra foi composta por 27 voluntárias de 18 a 68 anos de idade, histerectomizadas, no máximo há dez anos, que responderam ao ICIQ – SF e um questionário pessoal. Esse estudo observou que o tipo cirúrgico que se correlacionou com os sintomas, foi a histerectomia total, correspondendo a 18,52% das voluntárias que apresentaram sintomas urinários, sendo está considerada a forma mais lesiva, correlacionando-se com os distúrbios urinários. Esses autores afirmam que a histerectomia é uma intervenção necessária para solucionar diversos distúrbios ginecológicos, porém é um fator importante quando relacionado as IU, por ser lesiva, sendo importante a orientação adequada para as mulheres no pós operatório, diminuindo os sintomas urinários e melhorando qualidade de vida.
Os fatores de risco associados ao aparecimento das DAP citados na literatura são: idade avançada, índice de massa corporal (IMC) elevado, mulheres multíparas, tipos de partos, peso do recém-nascido, intervenções cirúrgicas de caráter ginecológico, deficiência hormonal, menopausa, uso de medicamentos e fatores genéticos10. Nesse sentido, Souza11 afirma que a idade é um dos fatores de risco mais importantes para o surgimento da IU pós – histerectomia, já que há um envelhecimento natural das fibras musculares, resultando em uma hipotrofia e favorecendo o processo de incontinência. Outro fator de risco é a ocorrência de câncer de colo do útero. O estudo de Menezes et al6 avaliou as disfunções do assoalho pélvico consequente ao tratamento de câncer do colo do útero. Esse estudo verificou que 75% das pacientes relataram dor durante a relação sexual pós histerectomia,
Outra disfunção comum pós histerectomia é a constipação intestinal. O estudo de Lopes12 aponta a constipação crônica como um fator importante e independente no desenvolvimento de disfunções do assoalho pélvico. A constipação intestinal tem sido estudada como fator de risco para a incontinência urinária por aumentar a pressão intra-abdominal, afetando a função urológica. Segundo Souza11 , o estiramento do reto pode comprimir a bexiga, contribuindo para a retenção urinária e consequentemente a infecção do trato urinário. Além disso a força realizada durante a evacuação pode lesar a musculatura pélvica e, por meio da distensão, traumatizar e causar isquemia muscular.
O estudo de Melo13 buscou descrever o perfil das pacientes avaliadas no ambulatório de fisioterapia pélvica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, em relação a qualidade de vida e disfunções do assoalho pélvico. Esse estudo observou que 43,6% das pacientes tinham prolapso de órgãos pélvicos, 27,4% pacientes apresentavam grau 3 de força na escala de Oxford modificada, 58,1% prontuários apresentaram como queixa principal a IUM, 58,8% das pacientes haviam sido encaminhadas para o tratamento de exercícios e orientações em grupo e
40% dos prontuários apresentaram escore do ICIQ-SF classificado como severo.
4.2 Intervenções fisioterapêuticas e a qualidade de vida de pacientes submetidas à histerectomia
Simão et al9 afirmam que IU causada pela histerectomia pode afetar adversamente a qualidade de vida das pacientes, levando a implicações importantes em muitas esferas como a psicológica, social, física, econômica, do relacionamento pessoal e sexual. Dessa maneira os profissionais de saúde devem ser corretamente qualificados para prestar a assistência adequada a essas pacientes de forma humanizada. Segundo Melo13 et al a fisioterapia pélvica é considerada padrão ouro no tratamento da IU associada a histerectomia, possuindo um baixo custo quando comparado ao tratamento cirúrgico, por ser um tratamento conservador e não invasivo, apresentando menos riscos e contraindicações para as pacientes.
Com relação à fisioterapia, o estudo de Silva et al15 demonstrou que 59% dos indivíduos receberam atendimento fisioterapêutico na fisioterapia uroginecológica sob internação hospitalar, realizou a intervenção uma vez/dia (95,6%), média de 5,4 sessões de fisioterapia/internação. Cerca de 84,5% dos pacientes não apresentaram complicações. As principais técnicas respiratórias e motoras foram, a reeducação diafragmática (90,0%) e as reexpansivas (93,3%), os exercícios circulatórios (97%) e a cinesioterapia (96%) respectivamente, sem o uso de recursos materiais na terapia (57,4%).
Estudos anteriores já demonstraram que esses tipos de exercícios podem melhorar força dos MAP pois são capazes de fortalecer as fibras fásicas (tipo II) e tônicas (tipo I), e assim, ao realizar contrações de curta duração, são ativadas fibras tipo II, e realizando contrações de maior duração, são ativadas fibras tipo I. Este aumento de força e resistência, em conjunto, são capazes de aumentar a resistência uretral, além de reforçar os elementos de sustentação dos órgãos pélvicos16,17. Dessa maneira é possível afirmar que o fortalecimento do assoalho pélvico emerge como um elemento fundamental na atenção à saúde da mulher após a histerectomia. Investir na saúde pélvica das pacientes não só promove sua recuperação física, mas também empodera as mulheres a retomarem o controle de suas vidas, permitindo uma transição suave e uma melhor qualidade de vida.
O estudo de Lopes et al12 demonstrou que a eletroestimulação nos músculos do assoalho pélvico, de superfície ou intravaginal, obteve bons resultados quando comparada a nenhum tipo de tratamento, pois melhorou os índices da qualidade de vida das pacientes com disfunções do assoalho pélvico pós-histerectomia. Esse estudo afirma também que os cones vaginais podem ser uma alternativa para a mulher que não contrai adequadamente os músculos do assoalho pélvico, mesmo realizando os exercícios de fortalecimento. Esse estudo também avaliou um programa composto de contrações musculares com aumento progressivo de sustentação, seguidas de relaxamento e também verificou resultados satisfatórios nessas pacientes.
Outro recurso fisioterapêutico utilizado no tratamento da IU é a bandagem funcional elástica (BFE) ou Kinesio Tape, que tem como objetivo a sustentação externa de músculos, articulações e ligamentos, favorecendo a funcionalidade fisiológica dos tecidos. A aplicação da BFE pode ser feita por diferentes formas, entre elas destaca-se a que produz tensão elástica, resultando em ativação dos receptores cutâneo, beneficiando a qualidade de vida das mulheres com IH pós histerectomia11.
Um ponto comum entre os estudos analisados é a análise dos fatores de risco associados à realização do procedimento, buscando entender como a histerectomia pode afetar essas áreas da saúde feminina. Um achado recorrente na maioria desses estudos é que a idade, especialmente acima dos 50 anos, está associada a um maior risco de desenvolvimento de disfunções da força muscular do assoalho pélvico após a histerectomia. Isso pode ser devido a mudanças naturais no corpo com o envelhecimento, que podem afetar a função muscular e o suporte dos órgãos pélvicos. Entre as diferenças observadas nos estudos, uma das principais é a idade das mulheres avaliadas. Alguns estudos incluem mulheres com idades variando de 18 a 65 anos, em média. Essa diferença pode afetar os resultados, uma vez que as mulheres mais jovens podem ter diferentes níveis de recuperação e impactos em comparação com as mais velhas.
Um ponto de destaque em todos esses estudos é a importância da fisioterapia pélvica, com foco principalmente na cinesioterapia, como o padrão ouro para a intervenção terapêutica em mulheres que passaram por uma histerectomia. A fisioterapia pélvica visa fortalecer os músculos do assoalho pélvico, melhorar o controle da bexiga e aliviar os sintomas de disfunção sexual. Ela desempenha um papel crucial na reabilitação e na melhoria da qualidade de vida dessas mulheres.
Os pontos fortes dos estudos incluem a avaliação dos fatores sociodemográficos, que permite compreender melhor como fatores como raça, educação, estado civil, entre outros, podem influenciar os resultados. No entanto, os pontos fracos incluem a ausência de detalhamento do protocolo de intervenção fisioterapêutica realizada. Ter informações detalhadas sobre como a fisioterapia foi conduzida pode ser crucial para entender a eficácia do tratamento e sua relação com os resultados observados.
Com a análise desses estudos foi possível observar que o fortalecimento do assoalho pélvico desempenha um papel crucial na promoção da recuperação eficaz e na prevenção de complicações no pós-operatório de histerectomia. Investir na saúde pélvica das pacientes não apenas aborda preocupações físicas, mas também capacita as mulheres a recuperarem sua qualidade de vida após a cirurgia, permitindo uma transição suave para uma fase de bem-estar renovado.
5 CONCLUSÃO
A histerectomia é uma intervenção cirúrgica vital para o tratamento de uma série de condições ginecológicas, oferecendo alívio e melhoria na qualidade de vida das mulheres. No entanto, como discutido ao longo deste trabalho, a cirurgia pode ter impactos significativos no sistema urinário e no assoalho pélvico das pacientes, potencialmente levando a complicações como incontinência urinária, prolapso de órgãos pélvicos e disfunções sexuais.
À medida que avançamos na compreensão dos desafios enfrentados pelas mulheres após a histerectomia, fica claro que a atenção ao fortalecimento do assoalho pélvico no período imediato pós-operatório é crucial. Abordar essa questão não só pode prevenir problemas urinários e disfunções do assoalho pélvico, mas também melhorar a qualidade de vida geral das pacientes.
Dessa maneira este estudo destacou a importância de estratégias de reabilitação, exercícios específicos e a orientação de fisioterapeutas pélvicos na promoção de uma recuperação eficaz após a histerectomia. Ao adotar abordagens integradas que consideram a saúde do assoalho pélvico como parte integral do cuidado pós-operatório, os profissionais da fisioterapia podem proporcionar às pacientes uma transição mais suave para uma vida após a cirurgia. No entanto, é fundamental reconhecer que cada paciente é única, e as necessidades individuais variam. Portanto, a personalização do plano de cuidados pós-operatórios e a comunicação aberta entre pacientes e profissionais de saúde são essenciais para abordar as preocupações específicas e garantir uma recuperação bem-sucedida.
REFERÊNCIAS
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