FORMA, FUNÇÃO, ESTRUTURA E PROCESSO APLICADO AO AVANÇO DA SOJA NA PAISAGEM RURAL NO MUNICÍPIO DE ITAPUÃ DO OESTE EM RONDÔNIA (1985-2020)

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10157995


Sheila Noele da Silva Moreira1,
Alexis de Souza Bastos2


RESUMO: Ao longo da rodovia BR-364, são visíveis as mudanças na paisagem decorrentes da colonização agrícola ocorrida no estado de Rondônia, a qual, com o tempo e o intenso processo de ocupação e uso do solo, causou a conversão da vegetação nativa em lavouras cafeeiras, extensas áreas de pastagens e presença de agroindústrias frigoríficas, laticínios, postos de combustíveis, soja e silos, nesta ordem cronológica. Com base nessas observações, esta dissertação teve por objetivo analisar as mudanças na paisagem rural no município de Itapuã do Oeste, no estado de Rondônia, no período de 1985 a 2020. O escopo da investigação tem a paisagem como categoria geográfica de análise. Empregou-se o método forma, função, estrutura e processo, analisado a partir de dados secundários, com base em levantamento bibliográfico, mapas orbitais e mapas temáticos do município em questão, como material de apoio à análise. O objetivo foi analisar as mudanças na paisagem rural no município de Itapuã do Oeste, no estado de Rondônia, no período de 1985 a 2020, no que tange o surgimento e avanço das grandes extensões de monocultura de soja. Os resultados da análise realizada demonstraram que, no decorrer dos últimos 35 anos, a forma e a função da terra, em Itapuã do Oeste, se transformaram: o que, outrora, era floresta foi convertido em agricultura de subsistência, que passa por um novo processo de reconversão do espaço voltado à produção de commodities em atendimento ao mercado mundial. Em termos de infraestrutura, o município conta com as estruturas necessárias para dar suporte às transformações no decurso da sua história, de maneira regionalizada, contando com as estruturas locais e dos municípios vizinhos.

Palavras-chave: Paisagem; Soja; forma; função; estrutura; processo; Rondônia

ABSTRACT: Along the BR-364 highway, changes in the landscape resulting from agricultural colonization in the state of Rondônia are visible. Over time, due to the intense process of land occupation and use, there has been a conversion of native vegetation into coffee plantations, extensive pasture areas, and the establishment of refrigerated agribusinesses, dairy farms, gas stations, soybean fields, and silos, in this chronological order. Based on these observations, this dissertation aimed to analyze changes in the rural landscape in the municipality of Itapuã do Oeste, in the state of Rondônia, from 1985 to 2020. The scope of the investigation considers the landscape as a geographic category of analysis. The form, function, structure, and process method were employed, analyzed from secondary data, including a bibliographical survey, orbital maps, and thematic maps of the municipality, serving as supporting material for the analysis. The objective was to examine changes in the rural landscape in the municipality of Itapuã do Oeste, Rondônia, from 1985 to 2020, with a specific focus on the emergence and advancement of large areas dedicated to soybean monoculture. The results of the analysis conducted demonstrated that over the last 35 years, the form and function of the land in Itapuã do Oeste have undergone transformation. What was once a forest has been converted into subsistence agriculture, and it is currently undergoing a new process of spatial reconversion aimed at producing commodities to serve the global market. In terms of infrastructure, the municipality has the necessary structures to support transformations throughout its history, in a regionalized manner, relying on local structures and those of neighboring municipalities

Keywords: Landscape; Soy; Form; Function; Structure; Process; Rondônia

INTRODUÇÃO 

Percorrendo a rodovia BR-364, nos limites do estado de Rondônia, são visíveis as mudanças na paisagem. Entenda-se ‘paisagem’ definida, de maneira empírica, como aquilo que se vê, o horizonte. Essas mudanças passam despercebidas por alguns e causam curiosidade a outros, principalmente aos mais atentos. Quem são os responsáveis? São reflexo das políticas públicas ou do capital do agronegócio? Esses são alguns questionamentos possíveis de serem feitos.  

Tais mudanças são decorrentes da colonização agrícola ocorrida nessa região do território rondoniense. Ao longo do tempo, essa colonização e o intenso processo de ocupação e uso do solo causaram a conversão da vegetação nativa em lavouras cafeeiras, extensas áreas de pastagens e a presença de agroindústrias frigoríficas, laticínios, postos de combustíveis e no momento soja e silos.

Este trabalho pretende jogar luz a essas mudanças e, para isso, definiu-se como área de estudo o município de Itapuã do Oeste, em Rondônia, que servirá de base de análise para se entender o como e o porquê tais mudanças ocorrem, podendo, posteriormente, o método ser aplicado em outros espaços, territórios, lugares, regiões e paisagens. A categoria geográfica trabalhada é a paisagem e o recorte temporal compreende 35 anos, sendo de 1985 a 2020. 

As mudanças e alterações foram analisadas pela metodologia forma, função, estrutura e processo, conforme Santos (2012), que leva em consideração a série histórica do uso e ocupação do solo e as políticas públicas que incidiram sobre o estado. Essa metodologia fornece as ferramentas para analisar a transformação da paisagem pela perspectiva de que, sempre que há mudanças, as formas assumem novas funções, as estruturas mudam seu modo de funcionamento ao longo do tempo (processo) e a paisagem é o resultado de tudo isso. 

Desse modo, a metodologia nos ajuda a compreender o espaço. O diferencial dessa metodologia é que possibilita uma visão ampla sobre a paisagem, que é resultado cumulativo das ações do tempo e da sociedade (SANTOS, 2012). 

O objetivo foi analisar as mudanças na paisagem rural no município de Itapuã do Oeste, no estado de Rondônia, no período de 1985 a 2020, no que tange o surgimento e avanço das grandes extensões de monocultura de soja. 

CONCEITO DE PAISAGEM

Para embasar e compreender os aspectos teóricos deste trabalho, é preciso entrelaçar conceitos que servem para a análise do recorte temporal e territorial.

O conceito de paisagem é facilmente encontrado em diversas ciências e campos de conhecimento, como as Artes, Biologia, Arquitetura e Sociologia. Cada área/campo abarca uma definição que pode complementar o pensar geográfico, haja vista que o conceito de paisagem é multidisciplinar e, muitas vezes, torna-se importante ferramenta de análise espacial, geralmente associado a imagens, formas, linhas, texturas, estruturas e arranjos em um determinado espaço (TESSER OBREGON, 2000; DANTAS et al., 2015).

A paisagem compõe uma das categorias de análise da Geografia. Assim, o conceito utilizado neste estudo se define a partir da Geografia. Vale destacar que se trata de um termo polissêmico, que varia de acordo com as diversas abordagens geográficas. O conceito é encontrado tanto na Geografia Física como na Geografia Cultural (DE BRITTO; FERREIRA, 2011).

A paisagem é construída pelo observador que a interpreta conforme seus conhecimentos prévios, interesses, técnicas e habilidades. São as percepções (BATISTA, 2014).

Neste estudo, aplicou-se o conceito de paisagem endossado por Bertrand (1971; 2004), Dardel (2011) e Santos (1988; 1991). Em conformidade com Bertrand (1971; 2004), a paisagem é uma porção do espaço, resultado da combinação dinâmica de elementos físicos, biológicos e antrópicos, pois ela não é apenas natural, mas sim resultado e/ou reflexo das interações das ações humanas em perpétua evolução. 

Compreende-se que a paisagem não é dissociada da presença do homem, pelo contrário, o homem é parte da paisagem e esta não se refere apenas ao que é visível, mas também à inserção do homem no mundo; trata-se de um polissistema em que a natureza, as ações do homem, os movimentos socioeconômicos e culturais influenciam em sua formação e transformação (DARDEL, 2011).

Para Santos (1988; 1991), a paisagem é um conjunto de formas que expressa as relações homem e natureza. A paisagem não é total e sim fragmentada; é formada pelos fatos do passado e do presente, fruto de processos que podem ser estruturais e funcionais: as mudanças estruturais se dão pela alteração das formas, enquanto as alterações funcionais advém da mudança de intencionalidade. 

Em comum, os três autores citados destacam a importância da interação natureza-homem-tempo, o que vem ao encontro da metodologia de análise escolhida.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO 

A história de Itapuã do Oeste data de muitos anos antes do recorte temporal desta pesquisa. Nos anos 1960 já havia circulação de pessoal, principalmente garimpeiros, às margens da rodovia BR-364, devido a descoberta de minério na região. Na época, havia a empresa denominada Mineração Santa Bárbara, que fazia extração manual de cassiterita, e que, posteriormente, teve sua exploração repassada para uma empresa internacional, a Brascan Brasil Ltda (ALMEIDA SILVA et al., 2009).

Nos anos 1980 essa área foi utilizada para distribuição de terras no POLONOROESTE3, cujo objetivo principal era o aumento da produtividade agrícola do estado; na ocasião, aquela localidade era denominada Povoado de Jamari, onde foram assentadas 2.934 famílias. A Figura 1 apresenta o mapa de localização do município de Itapuã: 

Figura 1. Mapa de localização do município de Itapuã do Oeste

Fonte: IBGE, 2021. Elaborado por Carlos Roberto Coelho.

O município se encontra na microrregião de Porto Velho e na mesorregião do Madeira-Guaporé, ocupando uma área de 4.081,60km²; sua localização geográfica é Latitude (S) 09º12’08” e Longitude (W) 63º10’48”. É limítrofe com os municípios de Cujubim, Candeias do Jamari e Alto Paraíso. Em seus limites, Itapuã do Oeste possui duas unidades de conservação, a Floresta Nacional do Jamari e a Estação Ecológica de Samuel. 

O bioma é amazônico, com predominância de Floresta Ombrófila Aberta Submontana. A hidrografia compõe a bacia do rio Jamari, a qual corresponde a 12,25% da superfície do estado, sendo a 4º maior bacia hidrográfica de Rondônia (ALMEIDA SILVA et al., 2009; IBGE, 2017). 

De acordo com a classificação de Koppen, o clima é tipo Aw, tropical chuvoso, com estações bem definidas, temperatura média anual entre 24 e 26ºC (SEDAM, 2002). Os índices pluviométricos variam de 2.100 a 2.600mm/ano (SEDAM, 2002). 

O solo prevalecente é o Latossolo Amarelo Distrófico, que apresenta baixa fertilidade, baixa disponibilidade de fósforo, alta acidez, presença de alumínio trocável, baixa CTC, baixo teor de matéria orgânica e baixa saturação de bases (SCHLINDWEIN et al., 2012). O relevo é levemente ondulado, com alguns agrupamentos de morros (GOMES et al., 2011).

Atualmente, Itapuã do Oeste conta com uma população de 8.541 pessoas, segundo o censo 2022, com densidade demográfica de 2,09 hab/km² (IBGE, 2023). 

O município de Itapuã do Oeste tem sua economia baseada em atividades agrícolas, além da mineração e exploração florestal. Segundo o Censo Agropecuário de 2017, Itapuã conta com 764 estabelecimentos agropecuários, o que totaliza uma área de exploração de 84.682 hectares. Destaca-se que 58% destes estabelecimentos não recebem assistência técnica, 87% não realizam adubação e 79% não têm acesso a financiamento (IBGE, 2017). 

SOJA E SUA PRESENÇA NO ESTADO DE RONDÔNIA

Em relação às culturas temporárias em Rondônia, atualmente a soja se destaca. A concentração da sojicultura é vista em maior parte na região sul do estado, nos municípios de Vilhena, Corumbiara, Colorado, Cerejeiras e Pimenteiras do Oeste, mas houve expansão para a parte norte (Ariquemes, Itapuã do Oeste e Porto Velho) que começou por volta de 2010 a 2014, aproveitando a proximidade geográfica com o porto graneleiro em Porto Velho (BATISTA, 2014; COSTA et al., 2017). 

A produção de soja evita áreas recentemente desmatadas devido à presença abundante de restos de troncos e raízes, o que representa um obstáculo significativo para a implementação eficiente da mecanização agrícola necessária. Portanto, a cultura da soja prefere ocupar áreas já consolidadas, geralmente provenientes de pastagens, resultando no deslocamento destas para novas regiões (BRANDÃO et al., 2005). 

A quantidade de hectares destinados a soja no Estado segue em crescente constante bem como o aumento da produção, conforme apresentam, respectivamente, as Figuras 2 e 3, a seguir:

Figura 2.Área plantada em hectares de soja em Rondônia (1985 a 2020)

Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal; SIDRA (2021). Organizado pela autora.

Figura 3.Quantidade de soja produzida em Rondônia (1985 a 2020)

  Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal; SIDRA (2021). Organizado pela autora.

METODOLOGIA 

Foram analisadas as variáveis do método forma, função, estrutura e processo, aplicadas ao município de Itapuã do Oeste, conforme ilustra a Tabela 1: 

Tabela 1. Eixo teórico-metodológico

FormaFormato dos lotes; tamanho das áreas; malha rodoviária; áreas produtivas; desmatamento
FunçãoModo de uso e ocupação do solo, destino e finalidade da produção
EstruturaComércio de insumos; acesso a crédito; mercado; cadeia produtiva; locais de consumo e/ou beneficiamento.
ProcessoColonização e desenvolvimento (1985 a 2020)
Organizado pela autora, com base em Santos (1991;2012).

Essas variáveis correspondem ao que define Santos (2012):

Forma: é o aspecto visível, dimensão, formato, localização espacial; refere-se a um padrão que, analisado individualmente, nos traz uma descrição de objetos ou fenômenos; 

Função: é a atividade ou tarefa que se espera da forma; é a intencionalidade no espaço; 

Estrutura: origina-se da inter-relação de todas as partes; é o modo de organização que sustenta as formas e funções e vice-versa; 

Processo: é ação contínua, o tempo, a mudança em si, guiada pela intencionalidade.

O Quadro 1 demonstra a aplicação do método a atividade de produção de grãos na área rural do município de Itapuã do Oeste.

Quadro 1.Resumo da aplicação do método Forma, Função, Estrutura e Processo a produção de grãos em Itapuã do Oeste

FormaGrandes extensões de área (maiores que 4 módulos fiscais); Áreas retangulares e planas; Toda a extensão da propriedade explorada;
FunçãoProdução de commodities; Especulação fundiária;
EstruturaMão de obra assalariada; Estabelecimentos de venda de insumos; Estabelecimentos de venda de maquinário; Silos; Postos de combustíveis; Portos;
ProcessoAtividade que emprega muita tecnologia e mão de obra especializada e está em constante transformação em busca de aumento dos lucros.
Fonte: Elaborado pela autora (2023).

ANÁLISE DAS MUDANÇAS DA PAISAGEM DE ITAPUÃ DO OESTE (1985)

É necessário percorrer as trajetórias do espaço geográfico de Itapuã do Oeste para compreender suas dinâmicas de transformação, as quais têm repercussões na vida dos seus moradores. Entender como as formas, estruturas, processos e funções ocorreram e ainda se encontram em ação abre perspectivas de análises que perpassam o próprio recorte espacial desta pesquisa, em virtude de que o município se insere dentro da lógica da globalização econômica. 

Como ponto de partida para a análise das transformações no município de Itapuã do Oeste, no que tange à paisagem, tomou-se por base o mapa de uso e ocupação do solo no ano de 1985. Esse mapa demonstra que a área já apresentava presença humana consolidada. Cabe lembrar que o município surgiu junto ao POLONOROESTE, no ano de 1981, mas a presença de seringueiros e garimpeiros data de muitos anos antes, quando a localidade se chamava Jamari. 

Observa-se que a área urbana ocupa 1,56 km² ou 0,03% da área do município; e a área rural ocupa 82,79 km² ou 2% do território. Os agricultores recebiam seus lotes e iniciava as benfeitorias, o que consistia em derrubar a floresta, garantindo-lhes a posse do imóvel. 

A prática de derrubar florestas é oriunda dos programas e projetos de colonização do Estado de Rondônia desde antes da criação oficial do estado enquanto entidade federativa. Porém, mesmo com o propósito e compromissos ambientais intuídos pelo POLONOROESTE, a ‘lenda’ de que “se derrubasse todo o lote você receberia outro” permaneceu sendo propagada entre os agricultores e, por outro lado, não há relatos de o governo desmentir tal falácia. 

Os lotes distribuídos no POLONOROESTE eram de 50 hectares, menores que nos programas anteriores, pois a intenção era assentar o maior número de famílias e resolver o problema de reordenamento territorial, consequência da chegada de muitos imigrantes devido às propagandas e incentivos nacionais, muitos ficaram sem terra; alguns imigrantes já assentados desistiram de seus lotes em razão de dificuldade de acesso, incidência de muitas doenças tropicais, solos muitas vezes pobres, falta de assistência técnica e falta de serviços básicos de saúde. 

A Figura 4, a seguir, apresenta o mapa do uso do solo Itapuã do Oeste em 1985:

Figura 4.Mapa do uso do solo Itapuã do Oeste (1985)

Fonte: MAPBIOMAS (2021). Elaborado por Carlos Roberto Coelho.

Destaca-se, ainda, a valorização da terra e o início da especulação imobiliária na região, onde outros imigrantes adquiriram lotes já desmatados. Isso serviu para incentivar e/ou obrigar os agricultores a procurarem outras oportunidades de assentamento, de modo a aumentar a pressão sobre as áreas de unidades de conservação e terras indígenas.  

Os lotes tinham frente para uma estrada, chamada “linha”; as linhas levavam a uma estrada principal, que geralmente acessavam a área urbana. Os lotes eram retangulares e tinham a frente menor; os lotes de 50ha, por exemplo, tinham as dimensões de 250 x 2.000m. Essa disposição permitia que todos tivessem acesso à estrada, para facilitar o escoamento da produção e a circulação de pessoas. Na parte da frente dos lotes também se concentravam a exploração do solo e a construção da casa, deixando a reserva legal, quando havia, na parte do fundo.

É necessário destacar que, no ano de 1984, foi criada a Floresta Nacional do Jamari, na subzona 3.1 do ZSEE4, o que gerou um impacto positivo na paisagem do município, pois garantiu uma grande extensão de floresta em pé. A Flona conta com uma área de 2.231 km², igual a 54,6% da área total do município.

A área da Flona ficou de fora da distribuição de terras pelo POLONOROESTE, pois já havia a exploração de minério de cassiterita há aproximadamente 20 anos e que, a essa altura, já era explorada pela iniciativa privada. Além dos serviços ecossistêmicos prestados pela área, conservação da fauna e flora, sua maior função, à época, era proteger o subsolo, rico em cassiterita. 

Como já dito, Itapuã do Oeste se encontra na bacia hidrográfica do rio Jamari, o qual “corta” o município de um extremo a outro e junto a outros pequenos cursos d’água, ocupam 32,49 km² do território. Isso chamou a atenção para a construção da barragem da hidrelétrica de Samuel em 1988, que não está nos limites da municipalidade, mas exerceu forte influência em sua paisagem rural.

No período de 1985, as principais atividades econômicas eram baseadas no extrativismo mineral e vegetal; a agropecuária começou a se desenvolver com lavouras permanentes, sendo a principal o café, e temporárias, como arroz, feijão e milho, além da pecuária extensiva. Não há dados disponíveis sobre as áreas de produção e quantidades produzidas nesse período. 

Desse modo, em 1985, tem-se que: 

Forma: as propriedades rurais eram lotes de 50ha, em formato retangular, 250×2.000m. Uma parte delas era distribuída ao longo do eixo da BR-364 e as demais na outra margem do rio Jamari, o que deu origem a linhas vicinais, ortogonalmente à estrada principal, de modo a configurar uma infraestrutura espacial conhecida como “espinha de peixe”. 

Função: essas propriedades tiveram duas funções distintas: a) no que se refere ao estado, foram distribuídas para reorganizar os imigrantes que chegavam a Rondônia e já se aglomeravam nas pequenas cidades, de modo a pressionar o estado a tomar providências; b) com relação ao agricultor, eram a segurança e a garantia de um futuro melhor para a família, pois a propriedade serviria de moradia, fonte de alimento e renda. 

Estruturas: Itapuã do Oeste já contava com uma estrutura de cidade dentro da Flona do Jamari, implantada pela empresa concessionária da exploração mineral, mas que não se estendia à população externa à UC. Itapuã do Oeste não teve um Núcleo Urbano de Apoio Rural (NUAR); portanto, os pontos de apoio mais próximos eram Porto Velho e Ariquemes.

Processo: ficou claro que muitos acontecimentos ocorreram no espaço de Itapuã do Oeste anteriormente ao ano de 1985. Nesse território, no primeiro momento, as intencionalidades se voltaram para atender às demandas de exportação, com a borracha e o minério, encaminhando-se para o processo de distribuição de terras para o reordenamento territorial. 

USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DE ITAPUÃ DO OESTE EM 1995

A etapa seguinte de análise considera o interstício de dez anos. 

Com base em imagens, pode-se dizer que, em dez anos (1985 a 1995) no município de Itapuã do Oeste houve um aumento de 281% de área destinada à zona rural. É possível notar o quanto a frente de colonização adentrou para áreas mais distantes da BR-364. Com isso, o município perdeu cobertura florestal, cerca de 312 km², floresta derrubada para a abertura de áreas produtivas, especialmente pastagem.

Nesse período, Itapuã do Oeste contava com um rebanho bovino de 10.000 cabeças, sendo mais de 90% destinados à corte. No ano de 2000, 97,54% das áreas eram ocupadas por pastagem, o que representa 46.025 hectares (IBGE, 2000). No pouco espaço restante, havia atividades agrícolas de lavoura temporária. 

O município tinha como produção agrícola o arroz, o feijão e o milho; é possível observar também o início do cultivo da soja, de maneira bem tímida, por volta do ano de 2002.

A Figura 5 a seguir, demonstra as áreas em ha plantadas de culturas temporárias em Itapuã do Oeste no período de 1995 a 2004:

Figura 5.Áreas em ha plantadas de culturas temporárias em Itapuã do Oeste (1995 a 2004).

  Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal – SIDRA (2021). Organizado pela autora.

Em síntese em 1995, tem-se que:

Forma: houve pouca alteração nas formas dos lotes. O que passou a ser visível foi a retirada da floresta para inserção das atividades econômicas agrícolas. 63,6% da área do município é definida como área urbana (3,44 km²), as unidades de conservação ocupam 2.418,34 km² e os recursos hídricos cobrem 177,07 km².

Função: já assentados, os agricultores mantiveram o uso da terra para produção de alimentos para a família e animais, com a venda do excedente; o município passou a integrar o circuito produtivo do estado, de modo a contribuir e ajudar na consolidação da economia rural. 

Estrutura: nesse período, a zona rural melhorou sua estrutura de estradas, a Usina de Samuel foi instalada e começou a distribuir energia para a região; em 1992, Itapuã passou a ser município, contando com as estruturas políticas mínimas para funcionamento. Porém, Porto Velho e Ariquemes continuam sendo as cidades de apoio para serviços públicos mais complexos e atividades econômicas (compra e venda). 

Processo: de 1985 a 1995, pode-se dizer que houve a integralização do município à dinâmica econômica do estado, a intencionalidade desse processo; desde o início, os moradores replicavam as tendências dos municípios vizinhos, sem levar em consideração as características do solo e as boas práticas agronômicas e ambientais. 

ITAPUÃ DO OESTE EM 2005

No município em foco, entre 1995 e 2005, a pecuária cresceu 711% e representou 0,7% do rebanho do estado. Em consequência, temos 84% menos cobertura florestal para este mesmo período, em consequência do aumento das áreas produtivas, mineração e pequeno crescimento da área urbana. 

O ponto de partida de análise é o ano de 2005, considerando-se o mapa de uso e ocupação do município de Itapuã do Oeste, representado na Figura 6, a seguir: 

Figura 6.Mapa do uso do solo de Itapuã do Oeste (2005)

Comparando-se o período de 1995 e 2005, a área rural praticamente dobrou. Isso é bem perceptível, visto que a esse crescimento está associada a conversão da floresta em área produtiva, em virtude do estímulo da política governamental de ocupação e colonização da Amazônia implantada no final da década de 1970, mediante uma série de programas e projetos com esses fins.

A produção de arroz ainda se destaca, pois, além da função já exercida de “amansar” a terra, o solo de Itapuã do Oeste é propício para a cultura de arroz, por ser constituído de solo arenoso e de relevo plano. Mas o grande destaque é para a soja, que, de maneira significativa, surgiu pela primeira vez com 200 hectares de plantio em 2005, número que foi ampliado para 1.255 hectares em 2014, ou seja, com crescimento superior a 500%, conforme figura 7.

Figura 7.Área de produção das principais culturas temporárias de Itapuã do Oeste entre 2005 e 2014

     Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal – SIDRA (2021). Organizado pela autora.

O avanço na produção agropecuária no município de Itapuã do Oeste é resultante das políticas estaduais e nacionais do período de desenvolvimento, em que houve grandes investimentos na malha viária de Rondônia, principalmente na BR-364 e no modal hidroviário, bem como instalação de empresas multinacionais do agronegócio no terminal graneleiro de Porto Velho. Destacam-se ainda, os programas de desenvolvimento social, que levaram energia elétrica para o campo e acesso a crédito financeiro diferenciado para agricultores familiares como, por exemplo, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).

Assim, no período analisado, observa-se: 

Forma: os lotes mantêm o formato pré-determinado nos programas de colonização em sua forma de ocupação, ou seja, avançando sobre a floresta, em continuidade ao curso das linhas abertas outrora. Há o início da especulação fundiária e o surgimento de minifúndios.

Função: a terra é utilizada, agora, por pequenos e médios agricultores, com foco na pecuária. Aqui, mais uma vez, há duas funções: a) para os pequenos agricultores, a função de subsistência, com o cultivo diversificado entre as culturas temporárias, o café e a pastagem, vislumbrando na pecuária uma oportunidade de uma vida melhor; b) para os pecuaristas, a atividade confere rentabilidade e status social, sendo que a função da terra é apenas econômica, para suprir o mercado nacional. 

Estrutura: nesse período, o município conta com certa estrutura, como escritório da EMATER, pequenos postos de combustíveis, alguns comércios voltados às atividades rurais, como casas agropecuárias. No entanto, as referências ainda são Porto Velho e Ariquemes, pois, mesmo com o rebanho e produção de grãos existente, não há estruturas de frigoríficos nem armazéns de beneficiamento de grãos. 

Processo: De 1985 a 2014, Itapuã do Oeste passou pelos períodos de surgimento, crescimento, estruturação e integração à economia e dinâmica do Estado. O município tem seguido a intencionalidade de sua criação, que foi de reordenamento territorial e produção agropecuária. 

USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DE ITAPUÃ DO OESTE NO ANO DE 2015

A análise tem como referência o ano de 2015, em que se verifica a expansão da soja (Figura 8) como umas principais atividades econômicas relativas ao uso e ocupação do solo.

Figura 8. Área de plantio de soja em Itapuã do Oeste

Foto: Vanessa Vasconcelos, 2022.

A Figura 9 traz o mapa do uso do solo Itapuã do Oeste referente ao ano de 2015: 

Figura 9.Mapa do uso do solo Itapuã do Oeste (2015)

Fonte: MAPBIOMAS (2021). Elaborado por Carlos Roberto Coelho.

Os mapas anteriores apontam que, no período de 2005 a 2015, Itapuã do Oeste aumentou em 18% a área rural.

Pode-se imaginar que o aumento da área rural significa que a paisagem pouco mudou, porém não foi o que ocorreu. Esse momento de desenvolvimento do estado de Rondônia está diretamente ligado aos programas do governo federal que, desde o final da década de 1990, investiram principalmente em infraestrutura e melhoria para o escoamento da produção agrícola, o que oportunizou a consolidação do agronegócio, o qual não se restringiu apenas à pecuária bovina, mas também inseriu a monocultura de grãos, especialmente a soja.

Com a melhoria do sistema modal hidroviário e a instalação de grandes empresas responsáveis pelo transporte, armazenamento e exportação dos grãos, especialmente a soja, Rondônia passou a ser um estado mais competitivo nacionalmente, devido à redução dos valores de frete. Esse fator promoveu uma expansão das áreas de soja, que se desloca do Cone Sul de Rondônia e alcança Itapuã do Oeste e outros municípios da região. 

Em Itapuã do Oeste, nesse período, o cultivo da soja já havia se estabelecido como uma alternativa produtiva, com 1.260 hectares em 2015 e ampliado nos anos seguintes, conforme demonstra a Figura 10:

Figura 10. Área em hectares de produção e soja no município de Itapuã do Oeste entre 2015 e 2019

    Fonte: IBGE, 2022. Organizado pela autora.

Há diversas razões para a cultura da soja se estabelecer no município, entre as quais podem ser citadas:

  • solo adequado, sendo predominantemente Latossolo Amarelo Distrófico, bem intemperizado, profundo, com drenagem de alta a moderada, ácido e com baixa saturação por bases;
  • relevo propício, pois trata-se de uma região com pouca declividade, o que facilita a utilização dos maquinários que a cultura exige;
  • clima favorável para a cultura;
  • proximidade aos portos do município de Porto Velho, o que deixa a produção mais competitiva;
  • terras agricultáveis, muitas pastagens, com valores de aquisição de valor baixo se comparadas com outras regiões produtoras rurais;
  • possibilidades de arrendamento de propriedades.

Tais condições possibilitam compreender os índices de produção demonstrados na Figura 11: 

Figura 11. Produção de soja em toneladas produzidas no município de Itapuã do Oeste (2015 a 2019)

 Fonte: IBGE, 2022. Org. Moreira (2022).

No gráfico acima, destaca-se o ano de 2019, com 2,8 t/ha de soja, porém sua produtividade é inferior à média do estado, que é de 3,4 ton/ha, de acordo com a CONAB (2022).

Como é de conhecimento, os Latossolos são solos de baixa fertilidade e necessitam de correção e adubação, o que não é um problema para os produtores de soja, pois trata-se de uma cultura com emprego de alta tecnologia e aporte de insumos. 

Na realidade, a cadeia produtiva tem essa característica que opera a seu favor, pois aquisição de terras de regiões de solos de baixa fertilidade geralmente é menos dispendiosa, favorecendo o surgimento de grandes latifúndios. Constata-se que, nessa atividade, o agricultor familiar não tem quaisquer chances de competir, em virtude de não possuir recursos para investir no solo, não receber assistência técnica, além de não ter acesso fácil a financiamentos; com tais condições, resta-lhe apenas a opção de produzir quase que exclusivamente para sua subsistência ou vender/arrendar a propriedade. 

Com o avanço da sojicultura, estruturas surgem na paisagem, como postos de combustíveis, lojas de maquinários e implementos agrícolas, oficinas mecânicas e outras. Tais estruturas estão presentes ao longo do eixo da BR-364, nos municípios vizinhos a Itapuã do Oeste; mas, talvez as mais emblemáticas estruturas que integram essa cadeia produtiva sejam os silos utilizados para armazenar os grãos, como ilustrado na Figura 12:

Figura 12.Silos próximo ao município de Itapuã do Oeste, na BR 364

  Fonte: Vanessa Vasconcelos, 2022.

 Mesmo com o avanço da soja em Itapuã do Oeste, a pecuária continua a crescer. Esse crescimento se deve ao fato de a cadeia da pecuária ser sólida; além disso, a atividade apresenta poucos riscos e não demanda muitos investimentos e mão de obra. 

Ao se verificar as culturas temporárias do município, é perceptível que o cultivo do feijão desapareceu das estatísticas; em contrapartida, o milho encontra-se em ascensão; o arroz apresenta grandes oscilações. 

O ganho de áreas de plantio de milho e arroz se deve ao fato de que ambos podem ser plantados na entressafra da soja, muitas vezes não com finalidade comercial, mas para alternar culturas e romper ciclos de pragas e doenças, além de servir como fonte de matéria orgânica para o solo. 

Diante do exposto, para esse período podem ser destacadas: 

Forma: com o avanço da soja, começa-se a avistar propriedades de grandes extensões, já sem a forma retangular anterior, pois não há a incorporação de outras propriedades inteiras ou partes dela; fato é que são extensões de terras a perder de vista. Essas propriedades se localizam às bordas da BR-364 e na outra margem do rio Jamari, principalmente após a construção da ponte que liga as duas margens.  

Função: fica cada vez mais evidente a função econômica que a terra passa a ter. As propriedades de subsistência, com cultivo diversificado, existem, porém, sentem o aumento da pressão sobre elas, com o avanço da pecuária e do cultivo da soja, que detêm o capital financeiro. 

Estrutura: mesmo com o crescimento da sojicultura, junto aos grãos complementares (arroz e milho) e a pecuária consolidada, as estruturas (comércios lojas, oficinas, postos de combustíveis, escritórios de assistência técnica, frigoríficos etc.) não se fixam no município. O que há dessas estruturas são pequenos estabelecimentos locais; não há grandes redes de comércio de atacado, comuns nessas áreas, de modo que a relação ocorre nos municípios de Ariquemes e Porto Velho, os quais se desenvolvem e fortalecem suas estruturas como pólos aglutinadores econômicos e financeiros.

Processo: o município de Itapuã do Oeste se volta para a produção agrícola, tudo para os interesses externos, pautados em demandas mundiais e de monoculturas de exportação.

A SITUAÇÃO DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO EM ITAPUÃ DO OESTE EM 2020

Para finalizar a análise histórico-geográfica, o ano de 2020 é a referência para o entendimento do uso e ocupação do solo, cujo mapa está apresentado na Figura 13. 

Figura 13. Mapa do uso do solo Itapuã do Oeste (2020)

  Fonte: MAPBIOMAS (2021). Elaborado por Carlos Roberto Coelho.

Ao longo de 35 anos a área rural de Itapuã do Oeste cresceu 890%, (comparativo da Figura 4 com a Figura 13). Considerando-se que pouco mais de 50% do território desse município é ocupado por unidades de conservação, esse crescimento da área rural demonstra o quanto o solo é explorado e é importante para o desenvolvimento das atividades agropecuárias, as quais são molas propulsoras de sua economia. 

Aqui, cabe destacar que, ao longo desses 35 anos, houve incorporações de áreas, de modo a torná-las maiores, o que implica em dizer que essas pessoas saíram de seus lotes e podem ter migrado para centros urbanos ou seguido para novas frentes agrícolas, motivadas pela inserção de commodities, o que contribuiu para potencializar o aumento do valor da terra. 

Assim, o agricultor viu a oportunidade de vender seus hectares em Itapuã do Oeste a um valor alto e adquirir maior quantidade de terra em municípios jovens ou em outras áreas de expansão, onde o valor do hectare é menor do que aquele praticado em Rondônia, de modo que o ciclo se repete. Com isso, ocorre a conversão de florestas em áreas de produção agrícola e pecuária. Empiricamente, isso pode ser constatado em áreas especialmente do sul do Amazonas e noroeste do Mato Grosso.  

A concentração de terras em área rural descaracteriza totalmente a finalidade social pensada nos projetos de colonização, todavia integra a dinâmica da paisagem, notadamente nas mudanças nas formas e nas funções, sendo este um ótimo exemplo. 

Na produção agropecuária, observam-se os marcos temporais de 1985, 1995, 2005, 2015 e 2020, como evolução das atividades. A pecuária, com crescimento contínuo, apresentava em 2020 um rebanho de 91.600 cabeças. Como já mencionado, essa atividade propicia segurança e pouco investimento, sem contar que é mais fácil para se conseguir financiamento bancário, tanto para os pequenos quanto para os grandes pecuaristas, e demanda pouca mão de obra. 

No município de Itapuã do Oeste, as culturas do arroz e do milho são utilizadas para alternar o plantio de soja, devido às propriedades do solo. O cultivo do arroz se desenvolve muito bem e é a melhor opção para os produtores. 

Ressalta-se que os agricultores familiares também realizam o plantio de arroz e milho em pequenas áreas, para consumo da família e alimentação dos animais; nas grandes propriedades, muitas vezes esses plantios não são comercializados, tampouco praticado em toda sua extensão. A função principal é de interromper ciclos de pragas e doenças, manter o solo coberto e produzir matéria orgânica para o plantio direto, especialmente da soja.

Nessa esteira, ao longo desses 35 anos, houve um avanço exponencial da soja em Itapuã do Oeste: sua área de plantio, entre 2005 e 2020, cresceu mais de 1.000%, o que representou 0,70%, em 2020, da área total dos plantios do estado de Rondônia e há grandes perspectivas para seu crescimento em decorrência da demanda do mercado externo. 

A Figura 14 traz um gráfico representativo da área (ha) de plantio de soja no município de Itapuã do Oeste, no período de 1985 a 2020:

Figura 14. Área (ha) de plantio de soja no município de Itapuã do Oeste (1985 a 2020).

  Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal. SIDRA (2021). Organizado pela autora.

Em termos de produtividade, o crescimento foi proporcional ao aumento de área, ou seja, aproximadamente de 1.000%, como se vê na Figura 15, abaixo. Todavia, a média de 2020 de 2,73 t/ha registrada no município é bem inferior à de Rondônia que é 3,43 t/ha.

Figura 15. Produtividade em toneladas de soja colhidas no município de Itapuã do Oeste (1985 a 2020)

  Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal. SIDRA (2021). Organizado pela autora.

De modo sintético, no ano de 2020, o município de Itapuã do Oeste apresenta:  

Forma: constatou-se que os lotes estão maiores; as formas retangulares já não são únicas; há propriedades que, visivelmente, já incorporaram outras e, assim, o município ganhou configurações comuns aos minifúndios e latifúndios. 

Função: é visível que a função de subsistência e a presença de pequenos agricultores ainda existe; porém, o cultivo da soja está consolidado; o solo passa a atender ao capital proveniente do agronegócio e às demandas externas; a terra assumiu a posição especulativa, o que é também muito comum no município. 

Estrutura: Itapuã do Oeste permanece com poucas estruturas de atendimento à produção agrícola e à pecuária, porém utiliza-se daquelas encontradas em outros municípios vizinhos. Desse modo, consubstancia a perda de recursos financeiros pela não geração de postos de trabalho, renda e impostos, por não ter a produção verticalizada e/ou industrializada no próprio município. 

Processo: o ano de 2020 é reflexo de todo o processo descrito como resultado das intervenções e intencionalidades direcionadas ao estado de Rondônia, ciente de que esses processos e transformações são esperados, uma vez que a paisagem é dinâmica, assim como a sociedade que compõe o município de Itapuã do Oeste. 

Assim, a realidade de Itapuã do Oeste apresenta grande potencial; no entanto, é imprescindível que políticas públicas mais robustas sejam implantadas ou implementadas, a fim de permitir a geração de trabalho e renda, bem como melhorar os indicadores socioeconômicos. A verticalização, a agroindustrialização poderiam ser algumas dessas políticas que permitiriam o “desenvolvimento” do município, além de seus trunfos ambientais (floresta, rio, dentre outros) para as práticas e diversificações de seu meio rural.

CONCLUSÃO 

Pela análise sobre as mudanças da forma e função da terra (uso e ocupação) em Itapuã do Oeste, constatou-se que, ao longo de 35 anos, o município teve alteração nas formas, isto é, os pequenos lotes retangulares passaram a compor minifúndios e latifúndios com configurações variadas. Como consequência dessas mudanças, a função da terra também mudou: onde outrora a floresta fora convertida para o uso de culturas de subsistência, na atualidade passa por um novo processo – a reconversão do espaço voltado à produção de commodities, em atendimento ao mercado mundial.

Com relação à transformação das estruturas nos limites de Itapuã do Oeste, percebe-se que há poucos suportes para a economia rural; desde o surgimento do povoado de Jamari, com a exploração extrativista de borracha e minério, as estruturas que atendiam às atividades se concentravam nos municípios vizinhos e assim é até os dias atuais. 

Assim, pode-se afirmar que as estruturas que alimentam e movimentam as atividades econômicas deste município existem, porém encontram-se no seu entorno, principalmente em Ariquemes e Porto Velho, por meio dos silos, grandes postos de combustíveis, comércio agrícola, bancos, dentre outros empreendimentos que permitem a construção e a reconstrução do espaço geográfico regional.

A análise integrada da forma, função e estrutura ao longo do processo, no período de 1985 a 2020, demonstra que Itapuã do Oeste, desde o seu surgimento, atende a demandas externas e, com isso, assume a caracterização de município “mundializado”, visto que sua produção (borracha, minério, carne bovina e soja), atende à cadeia de comercialização de commodities

Nas balanças comerciais de Rondônia e do país, Itapuã do Oeste pode até não representar percentual participativo significativo; porém, em nível de estudo e observação da ação dos processos sobre o espaço e as transformações sentidas na paisagem é um bom município para análise, em razão de que cada uma dessas transformações é bem delimitadas e fica bem explícita aos olhares mais atentos.  

É oportuno salientar que as transformações identificadas na paisagem do município de Itapuã do Oeste são perceptíveis em outros locais, vez que a dinâmica de ocupação é semelhante, por se tratar de expansão da fronteira econômica mediada pelo sistema capitalista. 

Desse modo, no palco do espaço geográfico, como lócus privilegiado, à medida que se desloca, a fronteira agrícola transporta consigo suas formas, funções, estruturas e processos (intencionalidade). Entender essa dinâmica oferece suporte ao desenvolvimento de políticas públicas, bem como traz luz à reflexão sobre o papel exercido (ou não) das políticas públicas existentes e seus reflexos na paisagem rural.

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3Programa de Desenvolvimento Integrado para o Noroeste do Brasil (POLONOROESTE), estabelecido pelo Decreto n° 86.029, de 27 de maio de 1981.  O objetivo principal era ligar a região ao restante do país, através da pavimentação da rodovia BR-364, e criar infraestruturas que facilitariam o escoamento da produção agrícola e mineral, garantindo que o estado atingisse seu potencial máximo produtivo sem aumentar a pressão sobre a floresta.

4Aproximação do Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Rondônia (ZSEE), via Decreto Estadual nº 3.782, de 14 de junho de 1988, com escala de 1:1.000.000.


1Eng. Agrônoma, Mestranda em Geografia pelo Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Rondônia, eng.sheilanoele@gmail.com .

2Doutor em Geografia, professor do pelo Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Rondônia  alexis@rioterra.org.br.