FOCUS: UMA FERRAMENTA MULTIPROFISSIONAL INTEGRADA DE COMUNICAÇÃO PARA VISITAS MULTIDISCIPLINARES NO SISTEMA MV DE PRONTUÁRIO ELETRÔNICO DE PACIENTES EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DE UM HOSPITAL DO NORDESTE BRASILEIRO

FOCUS: An integrated multiprofessional communication tool for multidisciplinary hospitalar visits in the MV System for electronic patient record at an Intensive Care Unit of a hospital from brazilian Northeastern region

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411021910


Patrícia Lopes1
Francisco Julimar Correia de Menezes2
Isabela Franco Freire3
Dieison Roberto Vieira Rabêlo4


INTRODUÇÃO:

A equipe assistencial hospitalar é extremamente diversificada e heterogênea, o que torna desafiador a comunicação efetiva em um ambiente tão plural. Segundo a Joint Commission International, a efetividade da comunicação nas instituições de saúde reduz a ocorrência de erros e resulta na melhoria da segurança do paciente.

A comunicação efetiva, seja ela verbal e/ou não verbal, constitui-se como uma das metas internacionais mais importantes para prevenir falhas ou eventos adversos evitáveis, sendo também um instrumento terapêutico fundamental no cuidado ao paciente (SANTOS et al., 2017). Essa comunicação, segundo Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) deve envolver uma linguagem clara, técnicas de comunicação, em vista de promover uma cultura de segurança nas instituições de saúde (BIASIBETTI et al., 2019).

Uma das melhores maneiras para realizar uma comunicação segura e efetiva nas transferências do cuidado é com uso de ferramentas padronizadas, em que se padronize avaliação sistemática de algumas condições, tais como: situação em que o paciente se encontra; antecedentes clínicos; avaliação do profissional sobre o paciente e recomendações do profissional para continuidade do cuidado. Essa padronização de comunicação é uma dos instrumentos mais utilizados para estruturar a troca de informações entre profissionais envolvidos na assistência ao enfermo, resultando em melhorias na comunicação e na segurança do paciente durante as transferências do cuidado (WHO et al., 2007; Patient Safety Movement, 2019).

A presente pesquisa descreve o desenvolvimento de uma ferramenta de comunicação, inovadora e integrada, denominada FOCUS (Formulário de Comunicação da Visita Multiprofissional), projetada para otimizar a troca de informações entre os profissionais de saúde durante a visita multiprofissional em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Unimed Fortaleza ( HUF) integrado à rede de assistência suplementar.

METODOLOGIA:

O FOCUS tem como objetivo reunir, em um mesmo aplicativo, as informações cruciais provenientes de diversos outros formulários do sistema de prontuário eletrônico do HUF, incluindo evoluções médicas, metas terapêuticas, anamneses,     documentos    de    enfermagem,    documentos    de  terapias assistenciais e outros registros clínicos e hospitalares relevantes.

               O   FOCUS   é   uma   ferramenta   de   comunicação   que   agrega as informações pertinentes ao tratamento do paciente, direcionadas pela meta(s) definida(s) no projeto terapêutico segundo o médico diarista da UTI do HUF. Cada profissional da equipe multidisciplinar envolvido no tratamento contribui com seu conhecimento, a fim de proporcionar ao paciente os melhores resultados em seu diagnóstico, tratamento e recuperação.

O registro assistencial de cada profissional deve conter as informações referentes a: atuação frente a meta terapêutica estabelecida ou justificativa se não for possível o cumprimento dela; informações pertinentes do paciente aos demais profissionais (mudanças de condutas, procedimentos necessários, pendências, pontos de atenção no tratamento individualizado); dados específicos de atuação técnica assistencial de cada área no tratamento individualizado; e atualização automática (no aplicativo,com data e hora) a cada nova evolução do profissional envolvido.

Através da interação entre equipe assistencial e equipe de tecnologia da informação do HUF, surgiu a demanda por algo interno, de confecção própria e que não fosse um documento extra, mas, sim, uma agregação dos dados principais necessários na condução do paciente em terapia intensiva a cada 24 horas.

A ferramenta FOCUS foi desenvolvida na plataforma do Sistema de Prontuário Eletrônico Padrão (MVPEP) empregado na rede Unimed Fortaleza, a partir de interfaces entre campos de busca que permitem acesso a dados pré-determinados presentes em diferentes campos dos formulários existentes no MVPEP.

Essa abordagem racional permite que os profissionais de saúde acessem informações de forma ágil e eficiente, eliminando a necessidade de consultar múltiplos registros e reduzindo potenciais erros decorrentes de informações desatualizadas ou incompletas.

A segurança e confidencialidade dos dados foram devidamente observadas e contempladas com medidas de proteção, a fim de garantir que apenas profissionais autorizados envolvidos na equipe assistencial tenham acesso às informações dos pacientes.

As linguagens e os programas utilizados para a realização desta plataforma foram o Editor de Documentos da MV Sistemas, SQL e PLSql Oracle.

Mapeamento de campos do FOCUS

Em relação à hipótese diagnóstica, mostra CID (código internacional de doenças) principal informado no atendimento do paciente, no momento da internação a partir do código do prontuário, objetivando a identificação do diagnóstico definido na internação do paciente, orientando a equipe quanto ao quadro clínico inicial.

Sobre alergias, demonstra de maneira agrupada as substâncias informadas como alergênicas para aquele paciente, consulta padronizada em função de banco e retorna a partir do código do prontuário do paciente.O objetivo consiste em permitir o conhecimento por toda a equipe multidisciplinar para orientação quanto ao uso restrito de determinadas substâncias.

Além disso, considera os campos de motivos que justificam a permanência do paciente a partir das evoluções de posto e de UTI, a fim de promover esclarecimento para a causa da permanência do paciente internado, ventilação mecânica, instabilidade hemodinâmica, infecção em tratamento, e de que forma a equipe multidisciplinar poderá atuar para a alta do paciente.

Antecedentes patológicos também são considerados de maneira histórica, oriundas dentro do hospital observadas a partir do documento de admissão médica de setor aberto e UTI, utilizando função de banco padrão. Essa utilidade busca identificar a existência de doenças prévias, de patologias que necessitam de condução durante a internação ou que interfiram no quadro atual e apoiar a reconciliação medicamentosa.

As recomendações médicas também são contempladas por meio de três documentos distintos: evolução médica geral, evolução médica da UTI e evolução do Time de Resposta Rápida (TRR). Esse artifício utiliza a função agregadora de dados, criada especificamente para este fim.

O objetivo da evolução do médico diarista consiste em identificar a meta do médico intensivista diarista para as próximas 24 horas (definida no projeto terapêutico), com visualização de toda a equipe assistencial, descrevendo quais os pontos importantes na conduta do paciente. Desse modo, o diarista define qual a meta a ser executada pela equipe assistencial nas próximas 24 horas, com o foco na expertise de cada profissional envolvido.

A evolução do plantonista na UTI necessita cumprir o que foi estabelecido na meta das 24 horas, de acordo com o projeto terapêutico.

Dessa forma, envolve descrever o cumprimento da meta estabelecida ou relatar motivos pelos quais houve impedimento de se efetivar o plano; descrever quaisquer alterações clínicas ocorridas durante o plantão para registro acessível por toda a equipe multidisciplinar; direcionar novas condutas de forma clara, quando necessário; e elencar pendências do paciente (exames, pareceres e procedimentos, por exemplo).

O Time de Resposta Rápida (TRR) possui a tarefa de identificar os pacientes que necessitaram de atendimento, devido à instabilidade clínica. Deve-se alertar toda a equipe envolvida no cuidado, a fim de sinalizar o ocorrido.

Além disso, o sistema considera uma seção específica para as pendências do documento de evolução médica geral e da enfermagem, com as principais pendências relacionadas àquele paciente. Esse artifício utiliza a função agregadora de dados, criada especificamente para este fim. Busca-se chamar atenção para tópicos pendentes na condução do paciente, como exames, procedimentos e pareceres que interferem na terapêutica,de forma que seja visível a toda a equipe.

A Farmácia Clínica dispõe de informações acerca de sua participação no projeto terapêutico, descrevendo aspectos relevantes da conduta, tais quais: reconciliação medicamentosa; medicamentos não padronizados; presença de medicamentos LAZA; ajustes de dose e/ou escalonamento de antibióticos frente a resultados de culturas; medicamentos de alta vigilância devido à dosagem      e/ou      à            manipulação;      interações      observadas   de medicamento/medicamento, medicamento/alimento; reações adversas; alergias; e pendências.

Nesse sentido, a seção sobre medicações não padronizadas mostra de forma agrupada os medicamentos não padrão prescritos na instituição e que tenham sido prescritos em até 24 horas. Esse artifício também utiliza a função agregadora de dados, criada especificamente para este fim. É importante identificar tais medicações para fins de reconciliação medicamentosa da farmácia clínica e dosagens, diluições e horários adequados e aquisições das mesmas.

A seção de avaliação fisioterapêutica visa cumprir a meta terapêutica do último documento de avaliação da fisioterapia preenchido. A intenção é reiterar a participação da fisioterapia no projeto terapêutico a toda a equipe assistencial, descrevendo quais os pontos importantes na conduta do paciente, que podem incluir a meta do diarista e avaliação do plantonista; relatos de sucesso ou falha na tentativa de extubação da ventilação mecânica, evolução do desmame diário do dispositivo em uso para suplementação de O2; parâmetros alcançados ou mudanças realizadas de pressão e modalidade de ventilação na ventilação mecânica; característica das secreção pulmonar se presente; mobilização alcançada no seu plantão; exercícios utilizados e eletroestimulação; escore MRC de entrada e saída da UTI; e acompanhamento durante internação.

A nutrição mostra a última evolução nutricional preenchida por meio de função de banco agregadora de dados. A necessidade desse tópico é definir o papel da nutrição diante de: relato de acordo com a meta do diarista; descrição de peso; meta nutricional atingida com percentual de meta calórica e proteica; tempo em jejum; escore de risco nutricional; e déficits nutricionais a serem atingidos.

O intuito da evolução da fonoaudiologia é semelhante, objetivando demonstrar pontos relevantes do cuidado do paciente. Dentre eles, pode-se citar: relato de cumprimento da meta do diarista; desmame de dispositivos como sonda nasoenteral; consistência e quantidade da dieta; terapêuticas de apoio necessária como eletroestimulação, bandagens e medidas xerostômicas; e classificação de risco de broncoaspiração.

A odontologia continua no mesmo tipo de função agregadora de dados com intuito semelhante à nutrição e à fisioterapia. Busca-se registrar a meta do diarista, o exame oral à beira leito, a periodicidade da higiene oral, a presença de     focos     orais     de     infecção     ou     trauma,     se     há     sinais  de sialorréia/babação/ressecamento oral, e a retirada de dispositivos fixos (aparelho ortodôntico) e móveis (próteses).

A enfermagem segue o mesmo protocolo, com a meta de cumprir o direcionamento do diarista, descrever lesões de pele ou de pressão, rever desmame de dispositivos e drogas (quando orientado pelo médico da equipe), e descrever tempo e motivo do jejum, drenos e acompanhamentos de ferida operatória e débito urinário.

Além disso, há uma seção específica para a estomaterapia, também utilizando função agregadora de dados. Deve-se descrever características da lesão tratada e os cuidados que serão empregados no projeto terapêutico, os tipos de curativos e períodos de trocas e a necessidade de suporte nutricional maior.

O programa contém um item de “Recomendação/Observações/Pontos de atenção com familiar/cuidador”, que traz as observações gerais de 2 documentos, sendo o primeiro a evolução geral de enfermagem e a evolução de enfermagem da UTI. Essa seção mostra pendências referentes ao paciente e/ou familiares, medicações externas em uso, além de cuidados e restrições familiares.

Os pacientes colocados em isolamento ou precaução de contato também recebem uma seção designada a orientar e auxiliar a equipe após análise da cultura pela SCIH (Serviço de Controle de Infecção Hospitalar).

               Tendo   em   vista   a   importância   de   um   tópico   exclusivo   para a antibioticoterapia, o programa contém a área destinada a informar a data de início e de término de cada fármaco. A intenção é identificar aqueles já utilizados, informar e auxiliar em decisões de escalonamento e fornecer um histórico acessível a toda a equipe.

Além da seção das drogas, há a seção destinada a reservar o resultado das culturas dos últimos 20 dias de internação. O laudo é enviado do laboratório imediatamente para o FOCUS, fornecendo resultados de maneira célere e eficiente para informar a equipe e promover tratamento.

Há, ainda, uma seção para os dispositivos invasivos utilizados pelo paciente atual ou previamente. O objetivo inclui identificar os acessos realizados, juntamente com a descrição cirúrgica do procedimento efetuado; definir data de inserção e tempo de uso; definir data de retirada; e permitir que toda a equipe assistencial esteja ciente do tempo de uso de cada, com participação ativa no desmame e retirada.

O sistema, ainda, busca as informações de sinais vitais aferidas pela enfermagem, dentre elas: pressão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória, temperatura e saturação.

Existe, também, a função de retornar as lesões de pele informadas para aquele paciente a partir dos documentos de Protocolos de Lesão de Pele neonatal, pediátrico e adulto, utilizando função de banco.

A hemovigilância também é considerada. O FOCUS verifica se existe um documento de acompanhamento transfusional e considera paciente em hemovigilância. Caso exista essa necessidade, ele registra o início da infusão automaticamente dos hemoderivados. Permanece ativo por 24 horas, facilitando a visualização a toda equipe para que sinais ou sintomas de reação transfusional possam ser sinalizados por quaisquer dos colaboradores assistenciais. Dessa forma, permite que toda a equipe assistencial esteja ciente e possa acionar o protocolo de reação transfusional, se evidenciado.

O programa também identifica se o paciente encontra-se em tratamento dialítico e a clínica responsável, demonstrando informações na evolução geral de enfermagem geral e da UTI.

Existe o campo do protocolo de prevenção de suicídio do documento de admissão da enfermagem, utilizando função de banco. Busca identificar se o paciente realizou a avaliação de risco e qual resultado, para que alterações clínicas sejam identificadas e compartilhadas com toda a equipe assistencial

Cuidados Paliativos também são considerados, identificando os pacientes nesse regime e contendo a orientação da equipe paliativista. A equipe assistencial com esta informação compartilhada pode atuar conjuntamente em condutas que exijam uma discussão do grupo como um todo: extubação em paliação, apoio psicológico à família e orientação a todos os plantonistas.

DISCUSSÃO

A implementação do FOCUS oferece benefícios significativos para a equipe multiprofissional e, principalmente, para o paciente. Através dessa abordagem integrada, os profissionais de saúde podem obter uma visão holística e abrangente do cuidado prestado ao paciente, o que promove decisões mais bem fundamentadas e um plano de tratamento mais coeso e alinhado entre os membros da equipe.

        Além    disso,    a    ferramenta    FOCUS    promove    uma comunicação interprofissional mais eficaz, fortalecendo a colaboração entre médicos, enfermeiros, terapeutas e demais especialistas envolvidos no tratamento do paciente. Isso leva a uma maior coordenação de esforços e ações, resultando em um atendimento mais integrado e personalizado.

Importante atentar para o fato que o FOCUS não constitui nem substitui a visita multidisciplinar presencial que ocorrerá de forma rotineira, porém não diária, nas unidades do Hospital da Unimed, entendendo que essa ferramenta de comunicação permite acesso de todos os envolvidos durante as evoluções diárias de cada profissional, fato importante nos pacientes em unidade de terapia intensiva, hemodinamicamente mais instáveis.

CONCLUSÃO

A ferramenta FOCUS representa um avanço significativo no cenário da comunicação multiprofissional em hospitais. Sua abordagem integrada e inteligente oferece uma visão única do cuidado ao paciente, simplificando processos, melhorando a tomada de decisões e proporcionando maior eficiência e qualidade no atendimento. Recomenda-se futuras pesquisas para avaliar a eficácia e o impacto do FOCUS em outros contextos de saúde, a fim de promover a sua adoção em outras instituições médicas e otimizar ainda mais os resultados clínicos.


1 cardiologista e intensivista, diretora do Hospital
Unimed Fortaleza

2 mestre em Saúde Coletiva pela Universidade de Fortaleza, cirurgião geral e do aparelho digestivo, coordenador médico do centro de estudos da UNIMED Fortaleza, professor do curso de Medicina da Universidade de Fortaleza Ceará, Brasil, Orcid ID: 0000-0001-9021-4675;

3 acadêmica do 4º ano do curso de graduação
em Medicina da Universidade de Fortaleza, Ceará, Brasil

4 MBA em Gestão, Inovação e Serviços em Saúde, Gerente de Sistemas da UNIMED Fortaleza Ceará, Brasil;