FLUTE AND MEDIA MUSIC: PRELIMINARY REFLECTIONS ON A MUSIC TEACHING-LEARNING PROPOSAL FOR SCHOOLS.
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10963257
Luis Gustavo Rodrigues Saldanha¹
RESUMO
Este artigo apresenta as primeiras reflexões epistemológicas sobre a nossa prática de ensino, na qual utilizamos um material didático por nós elaborados há alguns anos ensinando música e, mais recentemente, aplicado nas turmas de ensino fundamental com que trabalhamos no município de Mãe do Rio, estado do Pará, região amazônica do Brasil. A metodologia aplicada consiste em elaborar atividades musicais a partir do repertório utilizado nas aulas de flauta doce baseados nas músicas ouvidas pelos alunos no seu dia-a-dia. Constatamos com essa prática a facilidade dos alunos em compreenderem questões complexas da música que envolve questões teóricas e práticas, como ritmo e melodia e a prática no instrumento musical. Esta pesquisa refletiu, portanto, a possibilidade realizar a prática educativa musical utilizando a flauta doce em conjunto com as experiências musicais dos alunos no seu dia a dia e a elaboração de repertório e atividades musicais para o trabalho coletivo com flauta doce, utilizando as músicas ouvidas pelos alunos em seus aparelhos midiáticos.
Palavras-chave: Música Midiática, Flauta Doce, Metodologia de Ensino.
ABSTRACT
This paper presents the first epistemological reflections about our teaching practice, in which we use a didactic material that we elaborated some years ago teaching music and, more recently, applied in the elementary school classes we work with in the city of Mãe do Rio, Pará state, Amazon region of Brazil. The methodology applied consists in developing musical activities based on the repertoire used in the flute classes and based on the music heard by the students in their daily lives. With this practice, we noticed the students’ ease in understanding complex issues of music that involve theoretical and practical issues, such as rhythm and melody, and practice on the musical instrument. This research reflected, therefore, the possibility to carry out musical educational practice using the recorder in conjunction with the students’ musical experiences in their daily lives and the elaboration of repertoire and musical activities for collective work with the recorder, using the music heard by the students on their media devices.
Keywords: Media Music, Sweet Flute, Teaching Methodology
INTRODUÇÃO
A Mídia, ao invés de ser tomada pelos professores como uma ameaça
ao “gosto musical construído passivamente”, poderia ser pensada como
uma aliada, no sentido de compreendermos os motivos que levam os
jovens a buscá-la como ponto de referência.
Jusamara Souza²
Em uma época em que as transformações globais, a produção industrial em escala planetária e o avanço da tecnologia, provocadas pelo processo de globalização, regem as novas formas sociais e culturais, devemos observar e analisar tal processo não só pelos seus feitos econômicos, tecnológicos e políticos, mas também, ideológicos. Em razão do processo de globalização da cultura e da informação, a linguagem e os meios técnicos de distribuição e a noção de música como associação de som e imagem, tem, se modificado com a mesma velocidade desse processo. (SOUZA 2000, p. 45). Considerando estes fatos, torna-se importante a elaboração de métodos e atividades que ajudem os educadores musicais a nortearem sua atuação dentro da sala de aula, lhes proporcionando possibilidades no que se refere ao conteúdo a ser trabalhado.
Busquei para este artigo, a compreensão de fenômenos observados na minha experiência pessoal no ensino de artes/música nas escolas de Ensino Fundamental no município de Mãe do Rio no interior do Pará. Observei durante a jornada que, nas atividades aonde eu utilizava as músicas que estavam em voga nos meios de comunicação de massa, e as músicas preferidas pelos alunos, serviam de arcabouço para se extrair o máximo de conhecimento musical possível. Observei também, que este método de ensino-aprendizagem servia como um canal facilitador de aprendizagem prática de flauta doce e na compreensão de conteúdos musicais intrínsecos nestas músicas. Esta experiência me levou a elaborar uma série de atividades através dos quais eu pudesse utilizar esses conhecimentos intuitivos dos alunos como recurso nas aulas de música.
Com intuito de investigar este fenômeno partindo da experiência descrita acima, me propus trazer reflexões buscando a compreensão sobre a influência das músicas midiáticas neste processo de ensino e aprendizagem da flauta doce e da leitura e escrita tradicional da música, partindo, para uma construção mais objetiva e efetiva de atividades musicais que pudessem apresentar alternativas para quem queira se valer de mais uma ferramenta neste processo de ensino-aprendizagem de música.
Souza (2000) defende essa idéia, dizendo que a construção de uma teoria para a Educação Musical e um entendimento para metodologia do ensino aprendizagem de música baseada nas teorias do cotidiano é importante. A autora afirma, ainda, que o trabalho musical baseado na vivência dos alunos é interessante, uma vez que induz à reflexão sobre sua história de vida resgatando sua identidade cultural. Essas abordagens em torno da música e o cotidiano colocam em pauta a relação entre a teoria e a prática, bem como o valor do conhecimento musical. A aula de música passa, então, a priorizar os alunos em suas situações, problemas e interesses e não apenas nas questões teóricas e práticas da música. Nesse caso, o processo de ensino passa a ser decidido in loco, e em cada situação específica de acordo com a cotidianidade dos alunos, procurando conscientizar os diversos conteúdos musicais de acordo com o conhecimento prévio que está intrínseco no aluno, intuitivamente, por meio da escuta constante de determinada música.
Para melhor compreensão da pesquisa, é importante que haja um claro entendimento do que seu ponto essencial: o ensino da música e a sua relação com as mídias, o seu produto analisado, e as músicas produzidas por elas.
O QUE É MÍDIA?
Os sons invadem o ambiente e nosso cérebro seleciona aquilo que
queremos ouvir. Através da tecnologia moderna (computadores,
aparelhos eletrônicos de som, rádio) podemos escolher as músicas de
nossa preferência.
BEYER; KEBACH
Segundo Amaral; Martins (2011), o termo mídia, de origem latina, é usado para se referir a um vasto e complexo sistema de comunicação. Esse termo, no sentido, literal da palavra é o plural da palavra “meio” que corresponde em latim a “media” e “médium” respectivamente. É importante lembrar que o termo mídia já está empregado no sentido plural, tornando-se dispensável usar o termo no plural “mídias”.
O termo – mídia é originário do latim médium. Conceito utilizado no campo da física, médium caracteriza o meio que proporciona a transmissão e a percepção de determinadas formas ou elementos. É possível escutar uma música porque o som é transmitido pelo ar. Assim, o ar é o médium que permite ao músico transmitir o som de uma harpa ou de um saxofone e aos ouvintes escutarem a música. O plural de medium é media que significa meios (AMARAL; MARTINS, 2011, p. 07).
E ainda,
Mídias são meios, e meios, como o próprio nome diz, são simplesmente meios, isto é, suportes materiais, canais físicos, nos quais as linguagens se corporificam e através dos quais transitam. Por isso mesmo, o veículo, meio ou mídia de comunicação é o componente mais superficial, no sentido de ser aquele que primeiro aparece no processo comunicativo (SANTAELLA, 2003, p. 25).
Com base nessas referências, conceituamos e exemplificamos os diversos tipos de mídia. Como mídia eletrônica, temos a televisão, o rádio, o telefone celular, o computador, o videogame, entre outros. Percebemos a presença desses objetos cada vez mais constantes no nosso dia a dia e através delas nós nos mantemos conectados com os noticiários mais recentes ou, simplesmente, nos manter interagindo com o que acontece com um grupo de amigos.
Grande parte da informação que atinge atualmente a população mundial é transmitida pelas mídias eletrônicas que, no último século, proliferaram até assumirem o poderio absoluto dos meios de comunicação. Esse advento tecnológico provocou, sobretudo, a convergência desses veículos que alimentados pela existência de redes e satélites passaram a interagir, fundindo textos, imagens e sons (ARAÚJO, 2011, p. 17).
O mesmo autor afirma que o termo mídia pode também ser empregado no sentido de imprensa, grande imprensa, jornalismo, meio de comunicação, veículo, e também, segundo o dicionário Aurélio (2001), mídia é a designação genérica dos meios, veículos e canais de comunicação, como, por exemplo: jornal, revista, rádio, televisão, outdoor etc.
Não podemos deixar de destacar a televisão, como um veículo midiático de grande importância e influência sobre o cotidiano das pessoas. Considerada por muitos autores como um dispositivo midiático ou dispositivo audiovisual, segundo Machado (2003), a televisão transmite noticiários locais, regionais e mundiais que divulgam diversos temas da sociedade em que vivemos e promovem os cantores que estão em evidência no cenário musical. “A televisão é o mais importante veículo de comunicação de massa do Brasil nestes últimos 58 anos. Ela se tornou uma espécie de ícone da sociedade brasileira no século XX, caracterizando uma hegemonia audiovisual” (ARAÚJO, 2011, p. 26).
Para Silva (2009), as pessoas, especialmente os adolescentes, consomem o que está em evidência na mídia, portanto, podemos entender que o gosto musical desses adolescentes tem sido influenciado em grande parte por este meio (televisão). “Os adolescentes dedicam grande parte do seu tempo à música e se envolvem predominantemente com aquelas que circulam nos meios de comunicação.” (SILVA, 2009, p. 40).
Convergência digital
Discorrendo rapidamente sobre convergência digital. Esta convergência é a tendência em unificar os vários produtos e serviços em um só aparato tecnológico, com o objetivo de facilitar a vida do usuário, que pode, assim, fazer diversas tarefas em um só aparelho, como, por exemplo, filmar, fotografar, compartilhar arquivos, trocar mensagens, agendar contatos, navegar na internet, entre outras atividades. Em se tratando de convergência digital, destacamos o aparelho celular, como sendo o melhor exemplo dessa tecnologia e por ser também o dispositivo midiático que mais presente no cotidiano de muitos adolescentes, os quais utilizam para diversas tarefas, dentre elas ouvirem música.
Atualmente é comum ver por ai crianças adolescentes e jovens utilizando diversos tipos de dispositivos midiáticos, que aliados à tecnologia possuem inúmeras e diversas maneiras de utilização, onde os mesmos possibilitam e facilitam o acesso mais rápido e prático da música (ARAÚJO, 2011, p. 18).
Araújo (2011) afirma ainda, que esses exemplos reforçam a ideia da presença da mídia em todos os setores da sociedade, uma vez que faz parte do cotidiano nos diversos e diferentes espaços da vida social, seja para comunicação, propagação, interação, lazer ou entretenimento.
O QUE É A MÚSICA MIDIÁTICA?
A indústria cultural transformou a música popular, tornou-se professora
de música em escolas de sua cidade e registrou os processos de barbárie
tecnológica em que se transformou a Educação Musical, pressionada
pela imposição autoritária do sistema econômico produtor de
mercadorias.
Dulce C. A. Whitaker³
Em relação à música midiática, Filho & Júnior (2006) a definem como música popular massiva e/ou música pop e define essa música da seguinte forma:
É necessário esclarecer, então, o que compreendemos por música popular massiva. De início, consideramos importante ressaltar que os estudos brasileiros e franceses observam uma distinção entre cultura popular (de feições folclóricas ou nativistas) e cultura pop (popular midiática) que nem sempre é acompanhada pelos estudos culturais de língua inglesa. Mas apesar de relevante, a distinção entre a cultura popular, aquela produzida e difundida de maneira independente dos grandes conglomerados multimidiáticos e cultura pop, que englobaria a cultura midiática surgida no século XX, acarreta algumas dificuldades, tendo em vista que também é popular o ato de comentar, ouvir e valorar o universo pop. Mas vale ressaltar que a cultura pop também é relacionada, em terras brasileiras, aos fenômenos que colocam em destaque a comunicação gerada pelos conglomerados multimidiáticos no pós-guerra. Assim é possível se referir à Música Popular Brasileira como uma manifestação ligada tanto às composições urbanas que utilizam as raízes musicais brasileiras, como às manifestações musicais de feições estritamente regionais. Mas, na hora de se referir ao Rock, com feições locais, produzido no país, em geral se utiliza a referência Pop Rock, ao passo que, entre os roqueiros, o termo pop é em geral reservado às manifestações musicais que seguem formatos já testados e que obtiveram sucesso. É possível perceber que essas classificações obedecem a um emaranhado de posicionamentos e visões de mundo e que, para compreender melhor essas fronteiras e seus desdobramentos, se faz necessário um entendimento do surgimento dos dispositivos tecnológicos e culturais de reprodução musical surgidas a partir do século vinte (FILHO; JÚNIOR, 2006 p. 2).
Filho & Júnior (2006) reiteram que em termos midiáticos essa música popular massiva se configura a partir do desenvolvimento dos aparelhos de reprodução e gravação musical, (mídia) e que envolve as lógicas de mercado da indústria fonográfica, os suportes de circulação das canções e os diferentes modos de execução, audição e circulações audiovisuais relacionados a essa estrutura. Acrescentam que o aumento do consumo de música por uma parcela da população não necessariamente ligada ao meio artístico ou estudantes de música está diretamente associado ao aparecimento dos primeiros aparelhos de reprodução sonora: o gramofone, o fonógrafo, o rádio e os toca-discos e que, por outro lado, a popularização de expressões musicais, como o Rock a partir da década de cinquenta, está ligada não só a indústria fonográfica, mas também, a televisão e ao cinema.
Os autores afirmam que a expressão música popular massiva refere-se, de modo geral, a um repertório compartilhado mundialmente, através dos dispositivos midiáticos e está ligada intimamente à produção, à circulação e ao consumo das músicas conectadas à indústria fonográfica, permitindo, com isso, a compreensão de que apesar de popular, a música massiva, em sentido estrito, compreende as condições de produção e reconhecimento inscritas nas indústrias culturais.
Em relação ao que deve ser considerada música pop, sob a óptica midiática, Filho e Júnior (2006) a definem como aquela ligada à cadeia musical midiática em que os aspectos comerciais são os melhores evidenciados, cujo ponto de partida é o esforço para atingir o maior número de ouvintes. Esta música desenvolve-se, portanto, através da divulgação via cinema, rádio, TV, computador, por exemplos.
Podemos, então, nos referir à música pop tanto no sentido de consumo indiscriminado de qualquer música, quanto para aludir aos gêneros musicais que colocam em evidência os aspectos da cultura midiática. Os autores discorrem, também, sobre a relação entre as inovações tecnológicas (mídia) e as práticas cotidianas, como entendimento não só da cultura pop, mas, de qualquer manifestação cultural.
O entrelaçamento das inovações tecnológicas às práticas cotidianas é fundamental para o entendimento da cultura pop, como, aliás, para o de qualquer manifestação cultural. A estrutura de produção/circulação/consumo das cadeias midiáticas agrega os músicos, os distribuidores, a audiência e os críticos. Assim, os dispositivos midiáticos englobam as pessoas que criam e interpretam a música, as mídias e os locais de apresentação, os distribuidores, sejam comerciantes, promotores de shows ou divulgadores; os críticos que buscam padrões para avaliação das canções, e a audiência, que varia desde consumidores ocasionais até colecionadores (FILHO & JÚNIOR, 2006 p. 6).
Não podemos prosseguir no entendimento geral sem antes entender esta relação da música com esse cotidiano e, por sua vez, do ensino da música dentro da perspectiva desta cotidianidade, para isso nos ateremos no contexto onde estas músicas são observadas: o cotidiano dos alunos.
COTIDIANO E MÚSICA
Ouvir música é uma atividade cotidiana do ser humano. A música
está presente em vários momentos do dia a dia: nas rádios, na
televisão, como música de fundo, na musicalidade do cantar dos
pássaros, nos ruídos tecnológicos, aos quais podemos atribuir
musicalidade, ou não.
Esther Beyer & Patrícia Kebach4
Segundo Souza (2000), cotidiano é algo que acontece naturalmente, consentido pelo homem na sua naturalidade e tenta estabelecer um método às ciências humanas, que procura superar as verdades sensíveis e compreenda a essência do fenômeno. Essa reflexão do sujeito através da sua história pessoal, através de suas vivências e experiências o leva a tomar consciência de si mesmo, do mundo e do outro.
Com as teorias do cotidiano, as pesquisas educacionais entram na escola, se dispondo a ouvir os seus agentes a fim de verificar com que bases operar no âmbito da sala de aula. Dessa forma, elas permitem analisar que processos intervêm na formação do conhecimento dos alunos e suas relações com o currículo explícito e/ou oculto, de onde procede o conhecimento que se ensina na escola (SOUZA 2000, p. 19).
Devemos levar em consideração os contextos sociais, as experiências, a formação de orientações normativas, as regras, as maneiras de comportamentos o modos de ver o meio social, enfim, todos os fatores socioculturais que fazem parte da vida do aluno, estes conceitos de cotidiano tornam-se uma ferramenta pedagógica importante, pois organizam e sistematizam o comportamento e, por isso, deve ser considerados didaticamente. Por isso, foi importante para a elaboração das atividades, observar as formas de participação dos alunos. O estudo da situação e de interação, o método de história de vida, dentre outros, foram significativos para a análise do individuo nos seus espaços de vivência e convivência.
Outra observação da autora é que a vida cotidiana dirige o interesse do homem para o que tem valor estético no ambiente imediato e de forma subjetiva, ou seja, do mundo diário e como ele se apresenta a cada um. Tal fato não acontece no mundo institucionalizado, pois a experiência se torna mais previsível e organizada, nesse sentido a cotidianidade estaria do lado oposto da experiência crítico-artística.
Souza (2000) segue dizendo sobre a necessidade e a complexidade de elaborar métodos de ensinos dentro dessa proposta “música e cotidiano” oportunizaram uma reflexão analítico-critica e operacional. Todos os processos apresentam a dificuldade e a complexidade quando analisamos o cotidiano, devido à falta de temporalidade exata desse fenômeno. Nessa perspectiva, a pesquisa buscou dentro da organização do mundo institucional, ou seja, da escola, tornar “experenciável” uma das inúmeras possibilidades da atividade musical cotidiana – o da música midiática, já que a maior parte de nossas experiências estéticas se fazem no dia-a-dia, através de imagens diárias, livros, jornais, televisão, nas ruas etc. e não, em momentos especiais ou através da obra de arte consagrada.
EDUCAÇÃO MUSICAL E COTIDIANO
Da mesma forma que não se pode ignorar o gosto musical dos alunos, não se
pode negar-lhes a possibilidade de ampliar o campo de conhecimento
musical. Professor e aluno devem buscar um consenso ao selecionar um
repertório, ou mesmo um tema a ser abordado em sala de aula, tornando
possível a todos o acesso ao saber, à cultura e à arte. Isso não acontece com
as escolas que praticam a música organizando corais e bandas e que estão, de
certa forma, adotando uma prática ainda excludente, visto que, para a sua
organização, é preciso selecionar uma pequena parte dos alunos c
onsiderados talentosos
Loureiro5
A construção de uma teoria para a Educação Musical e um entendimento para metodologia do ensino aprendizagem de música baseada nas teorias do cotidiano são importantes, pois levam em consideração vários aspectos do mesmo. O trabalho musical baseado na vivência dos alunos torna-se interessante, uma vez que nos leva à reflexão sobre suas histórias de vida, apontando para a identidade cultural.
A perspectiva sociológica da vida cotidiana entra nas brechas, nas falhas, nas ausências de perspectivas totalizantes e se compromete com a análise individual histórica, com sujeito imerso, envolvido num complexo de relações presentes, numa realidade histórica repleto de significações culturais. Seu interesse está em restaurar as tramas de vidas que estavam encobertas; recuperar a pluralidade de possíveis vivências e interpretações; desfiar a teia de relações cotidianas e suas diferentes dimensões de experiências fugindo dos dualismos e polaridades e questionando dicotomias (SOUZA, 2000, p. 28).
Esses processos, sejam de observação, de estudo da situação ou de interação, no método da história de vida, apresentam dificuldades analíticas e metodológicas de identificação do cotidiano e a complexidade da sociologia do mesmo, pois não há uma temporalidade cíclica do fenômeno como já observado anteriormente. Outro problema é que as fontes documentais da vida cotidiana dos alunos nem sempre são acessíveis, sistematizadas e representativas. Tais dificuldades apontam para a necessidade de se construírem categorias de análise no próprio processo de pesquisa e de se inventarem métodos de estudos satisfatórios para o trabalho na área de Educação Musical e Cotidiano. “Há também a necessidade de se construírem métodos – “a imaginação sociológica” – para, por exemplo, captar as novas maneiras de aprender música gerada pela tecnologia através da internet, computadores etc.” (SOUZA, 2000 p. 29).
A autora preconiza, ainda, que a vida cotidiana é um atributo do ator individual, porém ela se realiza sempre num quadro sócio espacial. Seu estudo deve partir dos homens, da sua vida real, a importância dos valores e do senso comum para revelar suas estruturas, portanto, não podemos considerar banais as ações coletivas do cotidiano, mas, sim, atentar para a vivência, para o indeterminado e para os fatores sócios históricos que se revelam nele.
Fica evidente a impossibilidade estudar todas as ações do indivíduo no seu cotidiano devido à divisão do trabalho em nossa sociedade e, consequentemente, da instituição escola. Isto nos permite estar atentos para complexidade total da vida cotidiana, Heller (apud SOUZA 2000) diz que, em conformidade com essa perspectiva, a educação musical procura dentro da escola, tornar “experenciável” as inúmeras possibilidades da experiência musical cotidiana. Esse objetivo diferencia-se no seu significado para cada indivíduo, de acordo com o uso que cada um pode fazer, esses significados variam de acordo com a faixa etária, seja o adulto, a criança ou o adolescente.
A experiência estética não é predominantemente impregnada pela aula, mas pela influência da família, do ambiente sonoro e meios de comunicação, sobretudo no que se refere à sua funcionalidade e efetividade. Exatamente nessa área, na realidade cotidiana das crianças e jovens, se coloca a oportunidade para a realização de um trabalho sócio pedagógico, com proposta de atividades musicais que não transmitissem somente conhecimentos isolados sobre métodos pedagógicos e repertório desvinculado da prática. Aí estão as oportunidades para o professor saber mais sobre a real experiência estética (e musical) do aluno e sua posição perante ela.
Snyders (2008) reitera esta experiência, no fundo sonoro ou música ambiente que nos acompanha em nossas atividades diárias, quer seja no trabalho, ou fazendo compras no supermercado, ou jantando nos restaurantes ou a que ouvimos no radinho de pilha em casa por exemplos.
Isto prova que a música está ligada aos diferentes momentos da vida individual e social; e também demonstra o poder da música, já que se conta com ela para incitarnos a comprar, se não melhor, pelo menos mais; ela seria, enfim, quase capaz de fazer o consumidor esquecer suas despesas, e o trabalhador seu cansaço (SNYDERS 2008, p. 37).
Numa aula de música que leva em conta a realidade é indispensável uma reflexão sobre a metodologia aplicada durante as aulas, pois dela depende a absorção ou não da experiência individual no contexto escolar.
Os métodos adequados para o aproveitamento da experiência musical cotidiana seriam aqueles cuja orientação pela realidade, pudesse ser fundamentada somente quando os métodos de aprendizagem escolar correspondessem aos processos de aprendizagem do cotidiano (SCHMITT apud SOUZA 2000, p. 39).
Essas abordagens tentam compensar ou resolver os problemas colocados para área da educação musical, entre outros, nas mudanças sociais e tecnológicas que trouxeram também mudanças nas experiências musicais; nas modificações no ambiente sonoro e o elevado consumo da mídia que contribuíram para outros modos de percepção e apreensão da realidade e os próprios modelos de formação musical do século XIX, que ainda persistem e, por fim, nos problemas com as aulas de música que ocasionam insatisfação tanto por parte dos alunos quanto dos professores.
Souza (2000) destaca a observância desse fenômeno na evasão do ensino de música em escolas específicas ou no ensino regular, na insatisfação dos alunos nas escolas de nível fundamental ou no cansaço e desistência dos professores de música. Em contrapartida, ao tentar nos aproximar das vivências musicais dos alunos, as aulas de música tornam-se interessantes, pois se baseiam nas experiências musicais que os alunos realizam fora da escola, e não em atividades prontas e cansativas.
Ross (1984 apud SWANWICK, 2003) em sua discussão sobre o estético, o artístico e o afetivo no processo de ensino aprendizagem, Swanwick cita Ross para explicar alguns destes fenômenos e resolver a questão dizendo que a educação estética não é uma indução para o que ele chama de “predileção artística de uma minoria social privilegiada”, mas tem de ser uma atividade muito mais inclusiva, e que, no contexto das instituições educacionais contemporâneas, todos os agentes deveriam promover acontecimentos memoráveis, como um antídoto para as sequências de baixa intensidade das insípidas rotinas que tão frequentemente parecem caracterizar o “básico” educacional. Swanwick (2003), conclui dizendo que seria muito estimulante, assertivo e encorajador para os professores de artes verem a si próprios nessa espécie de quadro, como iniciadores importantes da experiência estética, organizando atividades celebratórias que iluminariam cada esquina da vida, desenvolvendo eventos que vitalmente pulsassem através do currículo formal e ressoassem por meio de escolas e faculdades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo buscou a reflexão sobre a importância de se ensinar música, a partir da escuta cotidiana dos alunos, uma vez que eles estão cada vez mais antenados e influenciados pelos meios midiáticos, bem como, futuramente, apresentar as propostas de atividades que reforçam e facilitam os conhecimentos musicais prévios, adquiridos intuitivamente por estes alunos nas suas escutas musicais.
Destacamos e antepomos agora, a metodologia utilizada para a construção dessa série de artigos que subsidiaram a construção dessas atividades supracitadas, cujo primeiro é este presente artigo. Considerando o objeto da pesquisa que investigou o gosto musical dos alunos e a utilização destas músicas como base para elaboração de um caderno de atividades de artes / música, esta pesquisa perpassou, também, por uma bibliografia e por conceitos teóricos como paradigmas que serviram de embasamento para a elaboração do referido caderno. Em suma, a pesquisa se configura como pesquisa pura6, ponto de partida para respaldar a sua aplicabilidade.
Dentro desta perspectiva da pesquisa aplicada7, oscilamos entre a pesquisa quantitativa e a pesquisa qualitativa. Com a primeira, obtivemos as informações necessárias para a elaboração dos dados que se referem ao perfil do aluno em relação às músicas que ouvem, quais meios tecnológicos se utilizam para ouvi-las e o nível de interesse deles por estas músicas, por exemplos. Com a segunda, fizemos um apanhado dos dados coletados para selecionar quais músicas, estilos e gêneros musicais, e como tudo isso pode se adaptar e ser utilizado para a realização das atividades. Assim, testamos a sua eficiência, e verificamos a coerência dentro da realidade em que nos inserimos.
O levantamento de dados sobre o gosto musical dos alunos e sobre a constatação da facilidade de compreensão de elementos da notação musical, da compreensão rítmica e melódica e também da prática instrumental fundamentada no método proposto partiu da escuta musical dos alunos e, consequentemente, da absorção desses elementos que estão intrínsecos nesse processo, mesmo que seja de maneira inconsciente, intuitiva e despretensiosa.
Através desta técnica do empirismo, partindo da experiência educacional e da relação da minha relação com o processo, foi estabelecido a conexão do campo da abstração para o campo das ideias. Partimos da premissa de que todos os seres humanos são ouvintes musicais, de modo espontâneo ou não, no seu cotidiano, por meio das mais diversas mídias. Deduzimos deste silogismo8 que todos, racional ou irracionalmente absorvem conteúdos musicais que podem ser explorados pelo professor como uma ferramenta importante nas suas aulas de artes/música.
²SOUZA, 2016, p. 56.
³CURTÚ, (2013); Prefácio
4BEYER; KEBACH, 2009, p. 7
5(LOUREIRO, 2001, p. 164-165).
6A chamada pesquisa “pura” ou “básica” é conduzida com o objetivo principal de contribuir para o conhecimento já existente através do acúmulo de informação, visando entender os porquês por trás de fenômenos. (Disponível em: https://www.enago.com.br Acesso em: 21 de Setembro de 2022)
7A pesquisa aplicada é aquela cujo principal objetivo é a geração de conhecimento para aplicação prática e imediata, dirigidos à solução de problemas específicos envolvendo os interesses locais, territoriais e regionais. (Disponível em: IFPAhttps://ifpa.edu.br. Acesso em: 21 de Setembro de 2022).
8Segundo Aristóteles, raciocínio dedutivo que consiste em duas proposições: a primeira, chamada premissa maior, a segunda, premissa menor, e a conclusão. Admitida a coerência das premissas, a conclusão se infere da maior por intermédio da menor: Todos os homens são mortais (premissa maior); eu sou um homem (premissa menor); logo, eu sou mortal (conclusão). (Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/palavra/qO89Z/silogismo/. Acesso em: 21 de setembro de 2022)
6A chamada pesquisa “pura” ou “básica” é conduzida com o objetivo principal de contribuir para o conhecimento já existente através do acúmulo de informação, visando entender os porquês por trás de fenômenos. (Disponível em: https://www.enago.com.br Acesso em: 21 de Setembro de 2022)
7A pesquisa aplicada é aquela cujo principal objetivo é a geração de conhecimento para aplicação prática e imediata, dirigidos à solução de problemas específicos envolvendo os interesses locais, territoriais e regionais. (Disponível em: IFPAhttps://ifpa.edu.br. Acesso em: 21 de Setembro de 2022).
8Segundo Aristóteles, raciocínio dedutivo que consiste em duas proposições: a primeira, chamada premissa maior, a segunda, premissa menor, e a conclusão. Admitida a coerência das premissas, a conclusão se infere da maior por intermédio da menor: Todos os homens são mortais (premissa maior); eu sou um homem (premissa menor); logo, eu sou mortal (conclusão). (Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/palavra/qO89Z/silogismo/. Acesso em: 21 de setembro de 2022)
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¹Luis Gustavo Rodrigues Saldanha é Mestre em artes e Professor efetivo da Secretaria de Estado de educação do Pará, e da Secretaria Municipal de Educação no Município de Mãe do Rio no Pará. E-mail: gustavosax2020@gmail.com