FÍSTULA PIELO-ENTÉRICA ASSOCIADA À NEFROLITÍASE: UM RELATO DE CASO

PYELOENTERIC FISTULA ASSOCIATED WITH NEPHROLITHIASIS: A CASE REPORT  

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202504112254


Gabriela Moraes Azevedo1
Ana Beatriz Paiva de Lima1
Gabriel Nunes Meireles1
Virna Maria Andrade Alves1
Isabella Stagliorio Dumet Faria1
Delson Andrade de Machado Jr2


RESUMO

Apresentação do Caso: VCML, sexo feminino, 72 anos, comparece ao hospital com dor abdominal  refratária, vômitos e inapetência há 5 dias, associados à infecção do trato urinário recorrente, tratada  com ciprofloxacino D3, e secreção vaginal esverdeada com grumos na urina. Antecedentes de  cardiopatia não especificada com marcapasso, hipertensão arterial sistêmica, bronquiectasia,  tabagismo e colecistectomia. Exame físico sem alterações. Exames laboratoriais apontam alterações  nos níveis de ureia (81 mg/dL), creatinina (2.01 mg/dL) e eGFR (26 mL/min/1,73m²). Sumário de  urina revelou proteinúria (+/IV), hematúria (+++/IV), filamentos de muco (+++/IV), leucocitúria e  hemoglobinúria (+++/IV). A tomografia computadorizada (TC) de abdome total revelou rim direito  pélvico atrófico em hipogástrio com heterogeneidade do parênquima, além de obliteração da gordura  perirrenal. Foram detectadas fístulas com a cúpula vaginal e teto vesical, e entre o sistema coletor  renal direito e íleo, com litíase renal de 4,7 cm. A TC também evidenciou abdome agudo inflamatório  e obstrutivo simultâneo. Paciente foi submetida à enterectomia com enteroenteroanastomose e  enteropexia com nefrectomia direita, além de retirada da litíase. Foi observada diverticulose colônica.  Paciente evoluiu estável em ventilação mecânica. Diurese presente e dreno serohemático pouco  produtivo. Evoluiu com abdome distendido por peristaltismo aumentado, pouco doloroso à palpação. Discussão: O caso ilustra uma fístula pielo-entérica associada à nefrolitíase, uma condição rara com  complicações significativas. Os achados clínicos e radiológicos condizem com a literatura médica,  destacando a importância do diagnóstico precoce e da intervenção cirúrgica para manejo eficaz. A  abordagem terapêutica deve ser individualizada, considerando: condição geral e comorbidades do  paciente, características da fístula e resposta inflamatória. Comentários Finais: Esse caso único  ressalta a importância do diagnóstico precoce e acompanhamento adequado para evitar  complicações/recorrências da doença, propiciando tratamento exitoso. Destaca-se a necessidade de  avaliação completa do paciente e de pesquisas adicionais para auxiliar em casos futuros. 

Palavras-chave: Fístula. Nefrolitíase. Infecções urinárias

1. APRESENTAÇÃO DO CASO 

VCML, sexo feminino, 72 anos, natural de Cachoeira comparece à emergência do  Hospital da Bahia, em Salvador-BA, com dor abdominal refratária, inapetência, vômitos e  anorexia há 5 dias, associados à diversos episódios de infecção do trato urinário (ITU) de  repetição, sendo a última tratada há 3 anos. Paciente relata secreção vaginal com grumos de  coloração esverdeada, também presentes na urina. Está, atualmente, em uso de ciprofloxacino  D3 1 vez por dia, por 7 dias, para tratamento da ITU, orientada por médico da Unidade de  Pronto Atendimento em Cachoeira-BA. 

Paciente possui antecedente pessoal de cardiopatia com utilização de marcapasso,  hipertensão arterial sistêmica, bronquiectasia e passado de tabagismo. Realizou  colecistectomia prévia. Relata história de dor abdominal refratária não diagnosticada. Possui  alergia confirmada para medicamentos com princípio ativo de iodo, em intensidade  leve/pequena. 

Ao exame físico, encontrava-se em bom estado geral, corada, hidratada, afebril,  eupneica, acianótica e anictérica. Exame abdominal sem alterações, abdome plano, flácido,  indolor com ruídos hidroaéreos presentes e distensão abdominal ausente. Exame  cardiovascular com ritmo cardíaco regular, bulhas normofonéticas em dois tempos e sem  sopros. Exame de extremidades com pulsos periféricos palpáveis e simétricos, edema ausente,  sinais de cianose ausentes e déficits focais ausentes. No exame respiratório apresentou  murmúrios vesiculares presentes bilateralmente e sem ruídos adventícios. No exame  neurológico, foi evidenciado Glasgow 15 e sinais de meningismo ausentes. 

Após internação, foram solicitados exames laboratoriais, que forneceram  informações sobre o estado clínico da paciente. A contagem de plaquetas = 231.000 p/mL  indica ausência de trombocitopenia significativa. Por outro lado, os níveis de ureia (81  mg/dL) e creatinina (2.01 mg/dL), juntamente com um eGFR diminuído (26 mL/min/1,73m²),  sugerem disfunção renal. Os valores de potássio (4.8 mmol/L) e sódio (136 mmol/L) estavam  dentro da faixa de normalidade, sugerindo a ausência de desequilíbrios eletrolíticos graves.  No hemograma, os valores de eritrócitos (5,31 10^6/p.L), hemoglobina (16,4 g/dL) e  hematócrito (45,9%) estavam dentro dos padrões, indicando ausência de anemia significativa.  Além disso, os índices eritrocitários, como VCM (84,4 fL), HCM (30,9 pg), CHCM (35,7  g/dL) e RDW (12,5%), estavam dentro da faixa de normalidade, o que afasta a possibilidade  de um distúrbio hematológico. A contagem de leucócitos de 8.250/μL, com a presença de  eosinófilos (83/μL), linfócitos típicos (2228 /μL), linfócitos atípicos (165/μL) e monócitos (908/μL), indicam uma possível resposta inflamatória ou infecciosa. Ademais, o exame de  urina tipo I revelou uma coloração esverdeada, proteinúria (+/IV), hematúria (+++/IV),  filamentos de muco (+++/IV), leucocitúria e hemoglobinúria (+++/IV), que são aspectos  altamente sugestivos de infecção e inflamação do trato urinário. 

Foi solicitado Tomografia Computadorizada (TC) de Abdome, que revelou rim  direito pélvico atrófico centrado no hipogástrio, apresentando sinais de atrofia com afilamento  e heterogeneidade difusa do parênquima, além de obliteração da gordura perirrenal. Rim  direito em íntimo contato com a alça intestinal. A TC evidenciou uma fístula entre o sistema  coletor renal direito e o segmento intestinal do íleo, sendo encontrado uma litíase renal de 4,7  cm, com sinal de migração para o local da fístula pielo-entérica. Houve também sinais  sugestivos de fístula com a cúpula vaginal e aderência ou fístula com o teto vesical. Esse  achado, no contexto clínico, está relacionado a um processo inflamatório e/ou obstrutivo  renal, evidenciando abdome agudo inflamatório e obstrutivo simultâneo na paciente. Como  achados adicionais, foram observados diverticulose de cólon. Demais órgãos sem alterações  expressivas. Ausência de sinais de uropatia vascular ou linfonodomegalia em cadeias  abdominopélvica.

Figura 1. À direita, imagem de tomografia computadorizada em corte coronal. Evidencia rim direito pélvico  atrofiado, com passagem de gás por comunicação fistulosa e transferência de cálculo renal para a alça intestinal. Figura 2. À esquerda, imagem de tomografia computadorizada em corte axial.

Constatou-se que a secreção esverdeada oriunda vagina e da urina é proveniente do  intestino, sendo justificada pelas fístulas relatadas. Baseado nestes achados, foi diagnosticada  a fístula pielo-entérica associada à nefrolitíase. 

A paciente foi submetida à enterectomia com enteroenteroanastomose. Além disso,  também foi feita enteropexia com retirada do cálculo. 

Durante a cirurgia, foi relatado um processo inflamatório em topografia do rim direito,  com difícil dissecção. Porém, não houve problemas na nefrectomia do rim atrófico e demais  operações. 

No pós-operatório, a paciente está evoluindo clinicamente estável, em ventilação  mecânica. Diurese presente e dreno serohemático pouco produtivo. Exame abdominal revela  abdome distendido, devido ao peristaltismo aumentado e gases, com ruídos hidroaéreos  presentes, visceromegalias ausentes e pouco doloroso à palpação. 

2. REVISÃO DA LITERATURA 

2.1. Patologia 

Fístulas são comunicações anormais entre duas ou mais estruturas, que em condições  normais não possuem essa conexão (8). Como fisiopatologia, tem-se uma erosão na parede do  órgão causada pelo cálculo renal, que leva a um processo inflamatório seguido de uma  perfuração, na qual ocorre a fístula. Além da nefrolitíase, outras causas para formação  fistulosa são processos infecciosos, traumas, doenças inflamatórias intestinais ou pós cirúrgicas. Sobre essa condição, elas são classificadas de acordo com a origem e localização,  podendo ser anorretais, enterocutâneas, enterovesicais, entre outras. As fístulas entre o trato  urinário e o intestino são raras, tendo como exemplo a fístula pielo-entérica, a qual teve seu  primeiro caso descrito em 1893 e hodiernamente ainda não possui muitos relatos, o que reflete sua raridade (5). 

Por esse viés, a fístula pielo-entérica se caracteriza pela comunicação anômala entre o  rim e o segmento intestinal, podendo advir de diversos fatores, como os traumáticos ou  espontâneos. Geralmente, é resultante de condições subjacentes que levam à formação dessa  conexão anormal. Entre as principais causas de formação fistulosa espontânea nessa área está a nefrolitíase (5), na qual os cálculos podem causar uma reação inflamatória e/ou infecciosa  na parede intestinal. Esse processo contribui para mudança de conformação dos tecidos  envolvidos, com possível produção de abcessos, o que influencia no aumento da pressão local  e consequente aparecimento de trajetos anormais (7). 

Sobre a litíase renal, ou nefrolitíase, é uma doença caracterizada pela formação de  pequenos depósitos sólidos nos rins ou no trato urinário. Ela acomete em especial portadores  de comorbidades, exemplo da diabetes e hipertensão arterial sistêmica (HAS). No contexto da  diabetes mellitus, a hiperglicemia pode aumentar a excreção de cálcio e oxalato na urina,  promovendo a formação calculosa. Além disso, a hipertensão arterial sistêmica pode  contribuir por meio de alterações na filtração glomerular e na reabsorção tubular de cálcio.  Ainda, fatores ambientais e dietéticos desempenham um papel significativo no  desenvolvimento de cálculos renais. A baixa ingestão hídrica resulta em urina mais  concentrada, favorecendo a precipitação de sais. O maior consumo de vitamina C pode  aumentar a excreção de oxalato, componente comum dos cálculos. Também, o exagero de sal  aumenta a excreção de cálcio na urina, ou seja, causa hipercalciúria, fator chave na formação  de litíase dependente de cálcio, que se desenvolve no interior do trato urinário e constitui 80%  dos casos. Sobre esses cálculos, os de oxalato de cálcio são os mais prevalentes e os de fosfato  de cálcio possuem maior frequência. Outros 20% dos casos são formados por fosfato de  amônia e magnésio, cistina e ácido úrico (10). Nesse contexto, é possível que o paciente  apresente cálculos formados por mais de um cristalino. Esses fatores supracitados possuem  relevância no pH da urina, tendo em vista que um pH menor significa maior geração de ácido  úrico (10). Assim, a combinação de questões dietéticas e comorbidades propicia o  desenvolvimento de nefrolitíase. 

2.1.1. Epidemiologia 

A nefrolitíase, principal fator que predispõe a formação das fístulas pieloentéricas, é  uma condição patológica comum e globalmente presente, e mostra variação na incidência  conforme fatores genéticos e ambientais, com países orientais apresentando taxas mais altas  que países ocidentais desenvolvidos(referência). Embora a condição seja mais comum em  homens, a incidência diminui entre eles com a idade, enquanto aumenta entre as mulheres  (12,18).O índice de massa corporal (IMC) e as alterações no peso exercem uma influência  significativa no risco de nefrolitíase. O aumento do IMC, especialmente em indivíduos com  obesidade (IMC ≥ 30 kg/m²), está associado a um maior risco de formação de cálculos renais. 

Isso ocorre devido a uma série de fatores metabólicos e hormonais. A obesidade está  frequentemente ligada à resistência à insulina, o que pode levar à excreção aumentada de  cálcio na urina (hipercalciúria) e à diminuição da excreção de citrato (hipocitratúria), dois  fatores que favorecem a cristalização de sais e a formação de cálculos. Além disso, a  obesidade pode alterar o pH urinário, tornando-o mais ácido, o que também contribui para a  formação de cálculos de ácido úrico. As alterações no peso, como ganho ou perda rápida de  peso, também podem desequilibrar o metabolismo e influenciar a composição da urina,  aumentando o risco de nefrolitíase. Portanto, manter um peso saudável e evitar flutuações  bruscas no peso são medidas importantes na prevenção da nefrolitíase (10). Etnias também  apresentam diferentes riscos, com mulheres afrodescendentes mostrando menor prevalência  devido a fatores como menor excreção de cálcio urinário e menor incidência de  osteoporose(referência). Estudos mostram que o risco de nefrolitíase em indivíduos com IMC  = 30 kg/m2 é 30% maior entre os homens e quase 2 vezes maior entre as mulheres. Quanto ao  padrão de recorrência das crises de cólica ureteral, aproximadamente 10% ocorrem dentro de  1 ano, 35% em 5 anos e 50% em 10 anos após o primeiro episódio (18). 

As fístulas, por sua vez, podem acometer pessoas de todas as idades e sexos, sendo  mais comuns em determinadas condições clínicas, tais como doenças inflamatórias intestinais,  cirurgias abdominais prévias, infecções crônicas, trauma e neoplasias. Ao considerar a região  do trato gastrointestinal, é comum evidenciar processos fistulosos principalmente de  etiologias enterocutâneas e enterovesicais e, em algum nível, fístulas enterovaginais. Por  conta do seu baixo grau de incidência no ambiente hospitalar, a fístula pieloentérica possui  dados imprecisos acerca da sua epidemiologia, sendo considerada uma patologia rara e sem  dados numéricos relatados ao seu favor. No entanto, como supracitado, pode-se observar que  essa condição patológica pode ocorrer em qualquer faixa etária, embora seja mais comum em  adultos (8, 12, 18). 

2.1.2. Etiologia 

A fístula pieloentérica é uma condição rara caracterizada pela comunicação anormal  entre o sistema pielocalicinal e o trato gastrointestinal, e suas principais etiologias incluem  processos patológicos como cálculos renais, tumores renais como o carcinoma de células  renais, doenças inflamatórias intestinais como a doença de Crohn, cirurgias abdominais  prévias e trauma abdominal (8). Ademais, os cálculos renais podem obstruir o trato urinário,  causando acúmulo de urina nos rins e nos cálices renais, resultando em um aumento da pressão no sistema pielocalicinal, levando à distensão dos cálices renais e do sistema coletor.  A pressão aumentada nos cálices renais devido à obstrução pode resultar em danos nos  tecidos renais, incluindo inflamação, edema e eventualmente necrose, e a sua presença  prolongada de cálculos e a obstrução crônica do trato urinário podem levar a alterações  estruturais no rins, predispondo a formação de fístulas (8, 12). 

De modo análogo, a pressão e a distensão nos cálices renais podem criar uma pressão  hidrostática elevada, além de também poder favorecer a formação de uma comunicação  anormal entre o sistema pielocalicinal e o trato gastrointestinal. Já os tumores renais podem  invadir tecidos adjacentes, causando erosão e comunicação anormal. Doenças inflamatórias  intestinais, por sua vez, podem predispor à formação de fístulas devido a ulcerações e  perfurações crônicas. Cirurgias abdominais prévias e traumas abdominais diretos também  podem contribuir para o desenvolvimento dessas fístulas (12).  

2.1.3. Apresentação clínica 

As manifestações clínicas da Fístula Pielo-Entérica podem variar dependendo da  localização e do tamanho da fístula e são capazes de serem originadas tanto do sistema  urinário quanto do trato gastrointestinal, muitas vezes sendo sutis, o que pode levar a um  diagnóstico tardio da doença (referência). Dentre os sintomas referidos, a dor abdominal e  Infecção do Trato Urinário (ITU) são os mais prevalentes, entretanto, outras manifestações  também são observadas como vômitos, inapetência, febre, pneumaturia, fecalúria, hematúria e  anorexia (8, 15). Em quadros de fístula intestinal com a cúpula vaginal e/ou com o teto  vesical, como observado no caso em questão, pode-se apresentar secreção vaginal esverdeada  oriunda do intestino. 

No exame físico da Fístula Pielo-Entérica, alterações significativas são incomuns. No  entanto, dependendo da extensão e da gravidade da fístula – elas podem ser pequenas e  superficiais, envolvendo apenas uma pequena parte do trato urinário e do intestino, ou podem  ser grandes e complexas, afetando múltiplos segmentos do trato urinário e do sistema  gastrointestinal – podem ser notados dor abdominal, presença de massas palpáveis como  abcessos e sinais de desidratação se houver perda significativa de líquidos através da fístula  (6, 8, 15). Ademais, pode ocorrer distensão abdominal em decorrência de uma obstrução  intestinal provocada pela migração de um cálculo renal, que atravessa a fístula entre o sistema  coletor renal e o segmento ileal, culminando em um quadro de abdome agudo obstrutivo,  frequentemente associado a manifestações de abdome agudo inflamatório. Em suma, a Fístula Pielo-Entérica apresenta uma variedade de manifestações clínicas, algumas das quais podem  ser sutis e não específicas, dificultando o diagnóstico precoce. A dor abdominal e a infecção  do trato urinário são comuns, mas outros sintomas também podem estar presentes,  dependendo da localização e do tamanho da fístula. O reconhecimento precoce é crucial para  evitar complicações graves, como a obstrução intestinal causada por cálculos renais migrados  através da fístula e, além disso, um manejo adequado é essencial para garantir o melhor  resultado clínico para os pacientes (8, 15). 

2.1.4. Diagnóstico e prognóstico 

A partir da análise do quadro clínico do paciente e o respectivo surgimento de uma  suspeita para a doença, é sugestivo que se inicie uma investigação detalhada que pode incluir,  inicialmente, a indicação de exames laboratoriais como hemograma, em que o valor de  leucócitos acima de 11.000 células/mm³ e uma eosinopenia nesse teste podem indicar um  processo infeccioso, além da dosagem de creatinina (Aumento nos níveis séricos de  creatinina, com valores acima de 1,2 mg/dL em homens e 1,0 mg/dL em mulheres, pode  indicar comprometimento da função renal em decorrência de uma resposta inflamatória  sistêmica associada à infecção) e exame de urina (com piúria e proteinúria presentes) para  avaliar a presença de sinais de infecção (8, 12, 18). Nesse caso, como evidenciado nos exames  laboratoriais do relato, pode-se incluir um número de linfócitos compatível com uma resposta  a um processo infeccioso (contagem de leucócitos de 8.250/μL), com presença de eosinófilos  (83/μL), proteína C-Reativa (PCR) elevada (não fornecida no relato, mas esperada dada a  natureza inflamatória), e a presença de piúria, bacteriúria e hematúria no exame de urina (com  filamentos de muco (+++/IV), leucocitúria e hemoglobinúria (+++/IV), além de proteinúria  (+/IV) e hematúria (+++/IV)). Esses achados numéricos são compatíveis com uma resposta  inflamatória e infecciosa do organismo. Vale ressaltar que esses exames não se enquadram  para o diagnóstico definitivo perante sua inespecificidade para a condição fistulosa, devendo  então o profissional médico solicitar métodos de imagem que possibilitem a visualização da  região abdominopélvica (12, 18). 

Nesse contexto, a preferência recai sobre a realização de exames de imagem como  tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM), cada uma oferecendo  vantagens distintas na identificação de anormalidades morfológicas associadas a fístulas  pieloentéricas. A TC abdominal é frequentemente empregada devido à sua rapidez, ampla  disponibilidade e capacidade de fornecer imagens detalhadas das estruturas anatômicas, incluindo o parênquima renal, a gordura perirrenal e a presença de cálculos. Em casos de  fístula pieloentérica, a TC pode revelar sinais como espessamento da parede intestinal  adjacente ao rim, gás ou líquido no espaço perirrenal, e a presença de um trajeto fistuloso  conectando o sistema coletor renal ao intestino. A RM, por sua vez, oferece uma melhor  resolução de tecidos moles e é particularmente útil para avaliar a extensão da inflamação e a  presença de coleções líquidas perirrenais ou intra-abdominais. Além disso, a RM pode ser  mais sensível na detecção de fístulas complexas ou de pequeno calibre, bem como na  avaliação das estruturas vasculares adjacentes. A escolha entre TC e RM, ou a combinação de  ambas, depende das características clínicas do paciente, da suspeita diagnóstica e da  disponibilidade dos exames (1, 6). 

O prognóstico do paciente acometido com fístula pieloentérica está diretamente  relacionado com alguns fatores. Primeiramente a prontidão do seu diagnóstico, que busca  evitar complicações ou evolução do quadro infeccioso como ITU’s e até mesmo sepse (6, 12).  Ademais, cabe avaliar o sucesso do procedimento cirúrgico, e, não menos importante, seu  acompanhamento pós-operatório, visto que, após a cirurgia, é essencial um acompanhamento  cuidadoso para garantir uma boa cicatrização e prevenir complicações futuras. Por isso, vale  seguir o monitoramento regular da função renal e avaliação da presença de sinais de infecção,  bem como orientar sobre cuidados com feridas operatórias e possíveis sinais de complicações.  Ademais, cabe realizar exames de imagem de acompanhamento para verificar a integridade da  reparação da fístula. Por fim, devido ao risco aumentado de infecções associadas à fístula  pieloentérica, é importante adotar medidas preventivas, como o uso adequado de antibióticos  quando necessário, manutenção da higiene adequada e acompanhamento regular com  profissionais de saúde especializados (12). 

2.1.5. Tratamento 

É fundamental avaliar o paciente por inteiro para determinar a melhor abordagem  terapêutica, considerando a sua fisiopatologia, extensão da fístula e condição clínica. Desse  modo, o tratamento da fístula pielo-entérica pode ser manejado por abordagem cirúrgica ou  conservadora (1,8). 

Na maioria dos casos, há envolvimento cirúrgico, com realização de enterectomia com  enteroenteroanastomose, ou seja, procedimentos reparadores caracterizados pela remoção do  segmento intestinal acometido pela fístula e consequente união entre as duas alças intestinais  viáveis (8,9,16). Tais atos possuem objetivo de retirar a parte não funcional do intestino, na qual pode haver comprometimento patológico, como obstrução ou fator de  inflamação/infecção. Ainda visam reconectar posteriormente as porções não lesadas desse  órgão, a fim de restabelecer sua funcionalidade, como a passagem de resíduos e fluidos  (16,18). 

Além disso, em casos de litíase renal associada também pode ser realizada enteropexia  com retirada de cálculo (9). Esse procedimento é feito em situações de obstrução intestinal,  como foi o caso relatado, em que houve um abdome agudo obstrutivo por nefrolitíase, e tem  como objetivo impedir que ocorra novamente essa interrupção do fluxo, por meio da fixação  de um segmento intestinal à parede abdominal, prevenindo ainda a formação de uma nova  fístula (9). 

E, em decorrência do rim atrófico e não funcionante, ainda pode ser indicada a  nefrectomia, cirurgia de retirada do rim aceita para casos de doenças renais benignas desde  1990 (11). Esse procedimento pode ser classificado como parcial ou total, em razão da  remoção renal completa ou não (14). No caso da paciente, o rim atrófico com litíase biliar e  em posição pélvica não havia mais funcionalidade, então foi indicada a nefrectomia completa (14). 

Ademais, nos meios conservadores, quando não é indicada a dieta enteral, há  utilização de sondas nasogástricas ou nutrição parenteral, com a finalidade de manter o  paciente nutrido sem aumento de volume no órgão pelo quilo, para que não haja maior  comprometimento da fístula (13). Outros métodos utilizados nessa forma de tratamento são  uso de medicamentos e drenagem percutânea para tratar infecções associadas e controlar os  sintomas (8). A antibioticoterapia é utilizada com objetivo de reduzir a incidência de  septicemia e infecção da ferida operatória, devendo ser selecionados baseados nos agentes  infecciosos mais prováveis de serem encontrados no local de infecção e confirmados após a  obtenção do resultado de exames específicos, como cultura bacteriana (4). Esse tipo de  abordagem é utilizada em pacientes com alguma resistência ou risco cirúrgico elevado, como  portadores de comorbidades e idosos, além daqueles com função renal deteriorada, em que a  cirurgia pioraria o caso (3,4,6).

3. DISCUSSÃO 

A fístula pielo-entérica se caracteriza por uma comunicação anômala entre o sistema  coletor renal e o trato gastrointestinal. No caso em questão, a paciente apresentou sintomas  associados à infecção de ambos os tratos urinário e gastrointestinal, incluindo dor abdominal,  inapetência, vômitos, anorexia e episódios recorrentes de infecção do trato urinário (ITU). A  presença de secreção vaginal esverdeada, proveniente do intestino, também foi observada. A  paciente tinha um histórico de queixas urinárias e infecções recorrentes. A tomografia  computadorizada de abdome revelou um rim direito pélvico atrófico e múltiplas fístulas  associadas à nefrolitíase (Figura 2). 

Os resultados dos exames laboratoriais da paciente indicam uma disfunção renal  significativa, evidenciada pelos níveis elevados de ureia (81 mg/dL) e creatinina (2.01  mg/dL), além de uma taxa de filtração glomerular estimada (eGFR) reduzida (26  mL/min/1,73m²). Esses parâmetros são indicativos de comprometimento renal crônico. Além  disso, o exame de urina revelou aspectos patológicos consistentes com uma infecção e  inflamação do trato urinário, incluindo coloração esverdeada, proteinúria, hematúria,  filamentos de muco, leucocitúria e hemoglobinúria. Esses achados laboratoriais corroboram o  diagnóstico de fístula pielo-entérica associada à nefrolitíase. A presença de cálculos renais,  que podem desencadear inflamação crônica e formar trajetos fistulosos, explica a migração de  secreções e substâncias infecciosas entre o trato urinário e o intestinal, agravando a disfunção  renal e a resposta inflamatória sistêmica da paciente. 

No contexto do tratamento, a abordagem cirúrgica foi executada com sucesso,  seguindo os princípios estabelecidos na literatura médica. Estudos anteriores destacam a  importância da intervenção cirúrgica para fechar a fístula pielo-entérica e corrigir  complicações associadas, como a nefrolitíase e infecções do trato urinário. A enterectomia  com enteroenteroanastomose e a remoção do cálculo renal realizadas na paciente são  procedimentos padrão recomendados para resolver a fístula e prevenir recorrências. 

A literatura enfatiza que o tratamento cirúrgico é essencial para interromper a  comunicação anômala entre os sistemas urinário e gastrointestinal, assim como para tratar  outras condições subjacentes, como cálculos renais. No caso da paciente, a cirurgia não  apenas buscou fechar a fístula, mas também abordou a nefrolitíase, reduzindo o risco de  infecções futuras e melhorando a função renal. 

Esses resultados refletem a eficácia do tratamento cirúrgico e estão em consonância  com as diretrizes clínicas estabelecidas para casos semelhantes de fístula pielo-entérica. A intervenção cirúrgica proporcionou à paciente uma solução definitiva para sua condição,  demonstrando a importância de abordagens terapêuticas adequadas e oportunas para otimizar  os desfechos clínicos e a qualidade de vida dos pacientes afetados por essa patologia. 

Quanto ao pós-operatório, a paciente evoluiu clinicamente estável, o que sugere uma  resposta satisfatória ao tratamento. Contudo, é importante destacar a necessidade de um  acompanhamento pós-operatório cuidadoso (4), visando evitar complicações e recorrências da  doença. 

A abordagem cirúrgica da fístula pieloentérica pode ser realizada em uma única  intervenção ou em múltiplas etapas (3), dependendo de diversos fatores, como a condição  geral do paciente e a resposta inflamatória. O planejamento da terapia operatória deve ser  personalizado, levando em consideração o tamanho da fístula, a idade do paciente, as  comorbidades associadas e a causa subjacente da fístula (3, 4). 

Assim sendo, a análise do relato do caso à luz da revisão da literatura demonstra  uma correlação significativa entre os achados clínicos, diagnósticos e terapêuticos,  fornecendo uma compreensão abrangente da fístula pieloentérica e sua gestão clínica. 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O caso relatado de Fístula Pielo-Entérica reflete a importância da identificação  precoce e manejo adequado desse quadro complexo e singular, tendo em vista a relevância de  um diagnóstico preciso e uma abordagem multidisciplinar para um tratamento exitoso. (6, 15). 

Destaca-se a necessidade de uma avaliação completa do paciente, incluindo história  clínica detalhada, exame físico minucioso e investigações radiológicas precisas para definir a  melhor conduta para o caso. Com a disponibilidade de equipe e recursos materiais, o  tratamento com procedimentos reparadores caracterizados pela remoção do segmento  intestinal acometido e enteropexia com retirada do cálculo pode ser realizado com resultado  satisfatório (6, 15, 16, 18). 

Descrever esse caso notável e singular enfatiza a importância de pesquisas adicionais  para aprimorar a compreensão sobre a fisiopatologia e abordagens terapêuticas para esta  condição, com o intuito de auxiliar em casos similares em ocasiões subsequentes

REFERÊNCIAS 

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1Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) – Salvador, BA, Brasil. 

2Hospital da Bahia – Setor de Urologia, Salvador, BA, Brasil.