FISIOTERAPIA EM MULHERES QUE SOFRERAM ABUSO SEXUAL.

PHYSIOTHERAPY IN WOMEN WHO HAVE SUFFERED SEXUAL ABUSE.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7937406


Bruna Fernanda Marques Silva1
Tassiane Macedo Ferreira1
Vinicius da Silva1
Jenniffer Grace Barros Alvino2
MSc Cristina Prota2
MSc Lúcia Helena Storer Ribeiro2


RESUMO 

Introdução: No Brasil, 8,9 % das mulheres já sofreram algum tipo de violência sexual. O fisioterapeuta pode integrar a equipe interdisciplinar no atendimento da mulher vítima de abuso sexual, por meio do tratamento de transtornos e disfunções relacionadas a sexualidade feminina e aos músculos do assoalho pélvico (MAP). Objetivos: Identificar através da literatura as condutas fisioterapêuticas para tratar mulheres que sofreram abuso sexual. Materiais e métodos: Foi realizada uma revisão qualitativa da literatura nas bases de dados PubMed, Scielo e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) com os descritores “abuso sexual”, “fisioterapia” e “qualidade de vida”, e seus respectivos em inglês. Os critérios de inclusão foram estudos disponíveis na íntegra, nos idiomas português e inglês, dos últimos 10 anos, que abordassem o tratamento fisioterapêutico em mulheres que sofreram abuso sexual. Os critérios de exclusão foram artigos em duplicidade, aqueles que abordassem outro tipo de tratamento para mulheres que sofreram abuso sexual e os que tratavam condições diferentes do abuso sexual pela fisioterapia. Resultados: Foram encontrados 10 artigos, sendo selecionado apenas um artigo para essa revisão. O estudo de caso de Ribeiro et al (2014) fala sobre uma mulher nulípara de 35 anos com histórico de violência física e sexual desde a infância, que evoluiu com incontinência fecal. O tratamento fisioterapêutico consistiu em exercícios para os MAP e biofeedback. Outras condutas fisioterapêuticas para tratar mulheres que sofreram abuso sexual podem incluir eletroterapia para fortalecer os MAP; eletroterapia analgésica; exercícios perineais com e sem biofeedback para fortalecer os MAP; terapia manual; ultrassom para reparo tecidual e laserterapia para cicatrização.  Conclusão: A literatura indica que as condutas fisioterapêuticas para tratar mulheres que sofreram abuso sexual incluem cinesioterapia, eletroterapia e terapia manual. São necessários mais estudos sobre a atuação da fisioterapia após abuso sexual visto a escassez de publicações.

INTRODUÇÃO 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência sexual como “qualquer ato sexual, tentativa de consumar um ato sexual ou outro ato dirigido contra a sexualidade de uma pessoa por meio de coerção, por outra pessoa, independentemente de sua relação com a vítima e em qualquer âmbito. Compreende o estupro, definido como a penetração mediante coerção física ou de outra índole, da vulva ou ânus com um pênis, outra parte do corpo ou objeto”. Esta prática é considerada crime, mesmo sendo exercida por um familiar, seja pai, padrasto, companheiro ou marido (OMS, 2021; LABRONICI et al, 2010). 

Uma em cada três mulheres em todo o mundo sofreram violência física e/ou sexual por parte do parceiro ou de terceiros e 42% destas relatam lesões como consequência da violência. No Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, 8,9 % das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de violência sexual e 20 % relatam que o crime aconteceu na infância (OMS, 2021; IBGE, 2019). 

O trauma vivenciado pelas vítimas deixa muitas sequelas, resultando em impacto negativo importante na saúde física e/ou mental, no curto e longo prazo. Vítimas de estupro podem sofrer lesões nos órgãos genitais, contusões e fraturas, alterações gastrointestinais, infecções do trato reprodutivo, gravidez indesejada e a contração de doenças sexualmente transmissíveis. Em termos psicológicos o estupro pode resultar em diversos transtornos, tais como depressão, disfunção sexual, ansiedade, transtornos alimentares, uso de drogas ilícitas, tentativas de suicídio e síndrome de estresse pós-traumático (BOHNENBERGER, M., BUENO S., 2021).

A mulher vítima de abuso sexual deve ser tratada por equipe multidisciplinar da forma mais humanizada e qualificada possível (KALIL, 2018). Segundo a Norma Técnica do Ministério da Saúde sobre Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra Mulheres e Adolescentes, a composição dos membros da equipe interdisciplinar pode variar conforme a disponibilidade maior ou menor de recursos humanos nas unidades de saúde. É desejável que a equipe seja composta por médicos (as), psicólogos (as), enfermeiros (as) e assistentes sociais. Serviços de saúde de referência para casos de maior complexidade podem acrescer à equipe interdisciplinar especialistas em pediatria, infectologia, cirurgia, traumatologia, psiquiatria ou outras especialidades (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).

A fisioterapia pélvica destaca-se no tratamento dos transtornos e disfunções relacionadas à sexualidade feminina e aos músculos do assoalho pélvico (MAP). O fisioterapeuta é um dos profissionais que podem integrar a equipe interdisciplinar no atendimento da mulher vítima de abuso sexual para tratar os danos físicos e funcionais decorrentes da violência sexual, melhorando a qualidade de vida dessas mulheres.

OBJETIVOS

Identificar através da literatura as condutas fisioterapêuticas para tratar mulheres que sofreram abuso sexual.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizada uma revisão qualitativa da literatura para a seguinte questão norteadora: “Qual é a atuação da fisioterapia nos casos de mulheres que sofreram abuso sexual?”. A busca se deu nas bases de dados PubMed, Scielo e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) entre fevereiro e março de 2022. Foram utilizados os descritores “abuso sexual”, “fisioterapia” e “qualidade de vida”, e seus respectivos em inglês “sex offenses”, “physiotherapy” e “quality of life”.

Os critérios de inclusão foram estudos disponíveis na íntegra, nos idiomas português e inglês, dos últimos 10 anos, que abordassem o tratamento fisioterapêutico em mulheres que sofreram abuso sexual. Os critérios de exclusão foram artigos em duplicidade, aqueles que abordassem outro tipo de tratamento para mulheres que sofreram abuso sexual e os que tratavam condições diferentes do abuso sexual pela fisioterapia.

RESULTADOS

Foram encontrados 10 artigos que contemplavam os descritores selecionados. Após leitura seletiva dos artigos, partindo inicialmente dos títulos e resumos, para posterior análise exploratória, analítica e interpretativa dos textos na íntegra, um artigo foi selecionado para revisão (Figura 1).

As principais características do artigo selecionado para o estudo estão demonstradas na Tabela 1.

O estudo de caso de Ribeiro et al (2014) fala sobre uma mulher nulípara de 35 anos com histórico de violência física e sexual desde a infância, que evoluiu com quadro de incontinência fecal desde os cinco anos de idade. Aos 15 anos foi submetida a cirurgia para correção de fístula retovaginal. Aos 28 anos fez outras duas cirurgias: uma para correção de fístula perianal anterior com fistulectomia anal e colostomia, e outra para reconstrução do trânsito intestinal devido a prolapso.

Aos 35 anos foi encaminhada para avaliação fisioterapêutica após a manometria anorretal diagnosticar diminuição da sensibilidade e capacidade retal e ausência de canal anal funcional. A avaliação fisioterapêutica incluiu anamnese, exame físico, eletromiografia de superfície dos músculos do assoalho pélvico (MAP) e os questionários Fecal Incontinence Quality of Life Continence Grading Score (FIQL) e Fecal Incontinence Severity Index (FISI).

O tratamento fisioterapêutico durou quatro meses e consistiu em exercícios para os MAP supervisionados pela fisioterapeuta, exercícios domiciliares e biofeedback eletromiográfico com uso de sonda anal, uma vez por semana, com duração de 45 minutos. 

Ao final do tratamento a paciente apresentou ganho de força dos MAP de grau dois para grau quatro, na Escala de Oxford. As perdas fecais, que eram diárias e em grande quantidade, melhoraram, apresentando diminuição do volume de fezes. A paciente passou a usar um protetor mais fino.

DISCUSSÃO

Este trabalho pretendia realizar uma revisão sistemática sobre a fisioterapia no atendimento de mulheres que sofreram abuso sexual. No entanto, a escassez de artigos sobre o assunto, acabou tornando necessária a mudança do estudo para uma revisão de literatura qualitativa. 

Encontrar apenas um estudo de caso nos principais bancos de dados da área de saúde chama a atenção devido ao número expressivo de mulheres brasileiras que já sofreram abuso sexual. O percentual de 8,9% divulgado pelo IBGE (2019) corresponde a 9,7 milhões de mulheres. 

Uma justificativa para a baixa publicação pode ser a de que mulheres tratam sequelas do abuso sexual, sem informar o fisioterapeuta sobre o crime. A subnotificação é comum quando se trata de abuso sexual e a pandemia parece ter contribuído para a redução dos registros de violência sexual, o que não necessariamente significa a redução da incidência do crime (BOHNENBERGER, M; BUENO S., 2021). 

Talvez estudos sejam publicados como tratamento de fisioterapia para incontinência urinária, incontinência fecal, prolapso de órgãos pélvicos e disfunção sexual, por exemplo, sem mencionar a violência sexual como causa ou agravante do problema.

O fisioterapeuta possui conhecimentos que permitem a identificação das lesões causadas pela violência física e sexual. O abuso sexual não pode ser negligenciado em sua anamnese, pois a vítima precisa ser encaminhada aos cuidados da equipe interdisciplinar. O exercício da fisioterapia envolve o toque terapêutico, a sensação de calor, proteção, apoio e cuidado, construindo assim o vínculo profissional/paciente. Essa confiança facilita o processo investigativo das lesões provocadas pelo abuso sexual e suas sequelas.

De acordo com Silva (2018), as condutas fisioterapêuticas para tratar mulheres que sofreram abuso sexual podem incluir eletroterapia (transcutânea, transanal e transvaginal) para fortalecer os MAPS no caso de incontinência urinaria e fecal, prolapso anal e vaginal; eletroterapia analgésica para aliviar as dores vaginais; exercício perineais com biofeedback para fortalecer os MAP; exercícios de Kegel para fortalecer os MAP; terapia manual; ultrassom para reparo tecidual e laserterapia para cicatrização.

A proposta de tratamento para incontinência fecal do estudo de caso de Ribeiro et al (2014) vem de encontro às condutas fisioterapêuticas sugeridas por Silva (2018), uma vez que foram realizados exercícios para os MAP supervisionados pela fisioterapeuta, exercícios domiciliares e biofeedback eletromiográfico.

Além das sequelas sobre o assoalho pélvico, deve-se lembrar que a violência física e sexual retira a mulher das suas atividades laborativas e dificulta ou impede a realização das suas atividades de vida diárias. A fisioterapia pode atuar também neste aspecto, auxiliando a mulher no retorno às atividades de vida diária e laborais (SILVA, 2018).

CONCLUSÃO

A literatura indica que as condutas fisioterapêuticas para tratar mulheres que sofreram abuso sexual incluem cinesioterapia, eletroterapia e terapia manual. São necessários mais estudos sobre a atuação da fisioterapia após abuso sexual visto a escassez de publicações.

REFERÊNCIAS

OMS – Organização Mundial da Saúde. Violência contra a mulher, 2021. Disponível em: https://www.who.int/es/news-room/fact-sheets/detail/violence-against-women Acesso em: 5 jul. 2022.

LABRONICI, Liliana Maria; FEGADOLI, Débora; CORREA, M. E. C. Significado da Violência Sexual na Manifestação da Corporeidade: Um Estudo Fenomenológico. Revista da Escola de Enfermagem da USP, Curitiba, p. 401-406, jul.2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/reeusp/a/NkQBBmVmkJhsBJg3jF3ssvQ/?lang=pt. Acesso em: 11 out. 2021.

IBGE – Pesquisa Nacional de Saúde. Tabela 8076: Pessoas de 18 anos ou mais de idade que sofreram violência sexual alguma vez na vida, por sexo e situação de domicílio, 2019. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/8076#resultado. Acesso em: 5 jul. 2022.

BOHNENBERGER, Marina; BUENO Samira. Os registros de violência sexual durante a pandemia de covid-19. Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2021. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/07/7-os-registros-de-violencia-sexual-durante-a-pandemia-de-covid-19.pdf Acesso em: 5 jul. 2022.

KALIL, Abordagem multiprofissional no cuidado à mulher em situação de violência sexual: um revisão narrativa, Salvador, dez./2018. Disponível em: http://ri.ucsal.br:8080/jspui/handle/prefix/698. Acesso em: 11 out. 2021.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes, 2012. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_agravo_violencia_sexual_mulheres_3ed.pdf Acesso em: 5 jul. 2022.

RIBEIRO AM, FERREIRA MN, dos SANTOS RIBEIRO J, PANDOCHI H, BRITO LG. Physical therapy at anal incontinence secondary to sexual abuse. Int J Colorectal Dis. 2015 May;30(5):715-6. doi: 10.1007/s00384-014-2044-2. Epub 2014 Oct 30. PMID: 25354969.

SILVA, R. C. S. E. Fisioterapia: Uma Ferramenta no Processo de Reabilitação da Mulher Vítima de Violência Física e Sexual, Rio de Janeiro, p. 38-53, jan./2018. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSeq=32677@1. Acesso em: 9 out. 2021.



1Discente, Curso de Fisioterapia, FAM.
2Docente, Curso de Fisioterapia, FAM.