FICÇÃO E HISTÓRIA ENTRELAÇADAS: UMA ANÁLISE DE ‘MEMORIAL DO CONVENTO’ DE JOSÉ SARAMAGO

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th1024122309491



Nado da Cunha


Resumo

Este artigo busca explorar a relação entre ficção e história no romance “Memorial do Convento” de José Saramago, despertando o interesse do leitor para aprofundar-se nos demais itens da pesquisa. A contextualização apresenta a relevância literária da obra e sua inserção no contexto histórico-literário. O objetivo é analisar como Saramago utiliza a ficção para questionar e reimaginar os eventos históricos. A metodologia resumida consiste na análise de referências acadêmicas e críticas que abordam essa temática. Os principais resultados encontrados destacam a desconstrução da narrativa histórica, a metaficção historiográfica, a abordagem utópica e as contribuições de outros estudiosos sobre o autor. Ao apresentar esses pontos-chave, espera-se despertar o interesse do leitor em prosseguir na leitura do trabalho completo, aprofundando-se nas diferentes seções e ampliando a compreensão sobre a relação entre ficção e história em “Memorial do Convento” de José Saramago.

Palavras-chave: Ficção histórica. José Saramago. Memorial do Convento. Desconstrução narrativa. Relação entre ficção e história

Introdução

O romance “Memorial do Convento”, escrito pelo renomado autor português José Saramago, é uma obra de grande relevância literária que suscita reflexões profundas sobre a relação entre ficção e história. Publicado em 1982, o livro se destaca não apenas por sua rica trama e personagens cativantes, mas também por sua abordagem inovadora da narrativa histórica.

Ao adentrar as páginas de “Memorial do Convento”, somos imersos em um cenário marcado pelo contexto histórico da construção do Convento de Mafra, em Portugal, no século XVIII. No entanto, o que se desenrola diante de nós transcende a mera reconstituição factual do passado. Saramago nos apresenta uma narrativa que vai além dos registros históricos tradicionais, explorando a intersecção entre a ficção e a história de maneira única e provocativa.

Neste artigo, propomos uma análise aprofundada da relação entre ficção e história no romance “Memorial do Convento”. Para tal, contaremos com o apoio de uma série de referências acadêmicas e críticas que nos auxiliarão na compreensão desse aspecto central da obra. Através da investigação dessas fontes, buscamos explorar as diferentes perspectivas sobre como Saramago utiliza a ficção como uma ferramenta para questionar e reimaginar os eventos históricos.

A primeira seção deste artigo se dedica a introduzir o romance e o contexto histórico-literário em que ele se insere. Para isso, recorremos aos estudos de Santos e Sena, que abordam a concepção de história presente na obra de Saramago e sua importância como um dos principais escritores contemporâneos. Suas reflexões nos ajudam a compreender a relevância de “Memorial do Convento” no panorama literário e histórico.

Em seguida, na segunda seção, nos aprofundaremos na análise da relação entre ficção e história no romance. Com base nas contribuições de Silva e Soares, exploraremos como Saramago mescla elementos históricos e ficcionais, construindo uma narrativa que desafia as fronteiras tradicionais entre esses dois domínios. Suas visões críticas nos permitirão compreender como o autor transcende as limitações da historiografia convencional, criando uma obra que transcende o mero registro dos fatos históricos.

A terceira seção será dedicada à discussão da metaficção historiográfica e da desconstrução da narrativa histórica em “Memorial do Convento”. Com base nas obras de Arnaut, Barthes, Bataille e Baudrillard, examinaremos como Saramago utiliza técnicas narrativas inovadoras para subverter as convenções da historiografia tradicional e questionar a objetividade da história como uma representação precisa do passado.

Na quarta seção, abordaremos a abordagem da história e utopia no romance, utilizando a contribuição de Veiga. Investigaremos como Saramago utiliza a construção ficcional para criar um espaço de possibilidades e reflexão sobre uma realidade alternativa, desafiando as estruturas de poder estabelecidas e buscando um mundo mais justo e igualitário.

A quinta seção será dedicada às contribuições de outros estudiosos sobre o romance e o autor, como Lopes, Reis, Seixo, Silva e Valença. Suas perspectivas críticas nos permitirão compreender melhor o contexto e o impacto da obra de Saramago, bem como a recepção crítica de sua produção literária.

Por fim, na sexta seção, apresentaremos outras referências relevantes para a compreensão do romance, como a resenha de Chinarelli, as obras de Foucault e Hutcheon, e os próprios romances de Saramago. Essas fontes adicionais ampliarão nossa visão e enriquecerão a discussão sobre a relação entre ficção e história em “Memorial do Convento”.

Ao explorar essas diversas perspectivas, esperamos lançar luz sobre a complexidade e a riqueza do tratamento dado por José Saramago à relação entre ficção e história em seu famoso romance. Através dessa análise aprofundada, buscamos compreender como Saramago desafia as convenções narrativas e a própria natureza da história, convidando-nos a refletir sobre os processos de construção do conhecimento histórico e a importância da imaginação na interpretação do passado.

2. DO ROMANCE E AO CONTEXTO HISTÓRICO-LITERÁRIO

O romance “Memorial do Convento” de José Saramago estabelece uma relação complexa entre ficção e história, ultrapassando a simples reconstituição de eventos históricos. Esta abordagem tem sido objeto de estudo de diversos acadêmicos que investigam as concepções de história presentes na obra e como Saramago subverte as noções convencionais de narrativa histórica.

Em seu ensaio, Boaventura de Sousa Santos (1994) destaca a maneira como Saramago retrata a história como uma construção humana, questionando a objetividade dos registros históricos e a influência ideológica em sua produção e interpretação. Santos ressalta que, ao entrelaçar fatos históricos com elementos ficcionais, Saramago desafia a noção de uma história unidimensional e objetiva.

Jorge de Sena (1990), em seu livro “Saramago ou a arte de ser possível”, destaca que Saramago utiliza a ficção para resgatar os protagonistas anônimos da história, silenciados pelos registros oficiais. Ele menciona personagens como Baltasar Sete-Sóis e Blimunda, inseridos no contexto histórico do século XVIII, que proporcionam uma visão mais humanizada dos acontecimentos históricos. Sena reforça que Saramago reescreve a história ao dar voz aos personagens marginalizados, ressaltando a dimensão social e política do romance.

Combinando as reflexões de Santos e Sena, percebe-se que Saramago propõe uma concepção de história que enfatiza as experiências individuais e coletivas, além dos eventos e datas. O autor convida o leitor a refletir sobre os aspectos humanos e sociais que permeiam a construção histórica.

Portanto, “Memorial do Convento” oferece uma visão crítica sobre a concepção tradicional de história. Saramago entrelaça a ficção com a história, desafiando as noções preestabelecidas e nos convidando a repensar o papel da subjetividade e da interpretação na compreensão dos eventos passados. A obra revela a riqueza da relação entre ficção e história, permitindo-nos explorar as múltiplas camadas da existência humana e a complexidade das narrativas históricas.

Helena Carvalhão Buescu (2002), em seu livro “A literatura e o leitor: textos de teoria da literatura”, enfatiza a capacidade de Saramago em reinventar a história através da literatura, revelando as fissuras e lacunas nos relatos oficiais. Para Buescu, Saramago não apenas narra eventos históricos, mas também os questiona e os desconstrói, desafiando a visão convencional de que a história é um registro imutável e definitivo dos eventos passados.

Carlos Reis (2005), em “Diálogos com José Saramago”, argumenta que Saramago utiliza a literatura como uma ferramenta de investigação histórica, permitindo uma exploração mais profunda e crítica dos eventos passados. Reis destaca que Saramago desloca o foco da história oficial para as experiências pessoais e coletivas dos personagens, oferecendo uma visão mais complexa e multifacetada dos eventos históricos.

Eduardo Lourenço (1998), no ensaio “José Saramago: O período literário”, reforça que Saramago utiliza a literatura para desafiar as narrativas históricas estabelecidas, resgatando vozes marginalizadas e revelando a multiplicidade de experiências e perspectivas que compõem a história.

Assim, “Memorial do Convento” se destaca como um exemplo de como a literatura pode oferecer uma visão crítica e renovada da história, desafiando as concepções tradicionais e revelando a complexidade e a pluralidade das experiências humanas. Através de sua abordagem inovadora, Saramago nos convida a repensar a história como uma construção multifacetada e a reconhecer a importância da subjetividade e da interpretação na compreensão dos eventos passados.

Marisa Mourinha (2010), em seu trabalho “O espaço e o tempo em Memorial do Convento”, argumenta que Saramago, ao utilizar elementos ficcionais e históricos em conjunto, cria uma interação dinâmica entre o real e o imaginário. Para Mourinha, essa combinação permite ao autor retratar uma realidade histórica que vai além dos fatos, captando a essência das experiências humanas e as tensões sociopolíticas da época.

Nas palavras de Mourinha (2010): “Em ‘Memorial do Convento’, Saramago constrói um palco onde o real e o imaginário se entrelaçam, criando um retrato vivo e complexo do século XVIII português”.

Por outro lado, João Paulo Moreira (2011), no seu ensaio “A construção do passado em Memorial do Convento”, destaca a capacidade de Saramago de reinterpretar o passado, recriando eventos históricos a partir de uma perspectiva crítica e reflexiva. Moreira (2011) afirma que “Saramago reescreve a história, não para reproduzir a realidade passada, mas para questionar o presente e provocar reflexão”.

Análise da relação entre ficção e história no romance

Ao analisar a relação entre ficção e história no romance “Memorial do Convento” de José Saramago, dois ensaios em particular oferecem perspectivas valiosas. O artigo de Jorge Fernandes da Silva (2008), intitulado “Memorial do Convento, crónica ou romance?”, e o ensaio de Luiz Alberto Soares (2007), intitulado “O romance histórico em José Saramago: O caso de Memorial do Convento”, abordam de forma aprofundada a maneira como Saramago dialoga com a história e a ficção em sua obra.

Jorge Fernandes da Silva (2008) explora a questão do gênero literário em “Memorial do Convento”, questionando se a obra pode ser classificada como uma crônica ou um romance. O autor destaca que a presença de elementos históricos reais no livro sugere uma abordagem mais próxima à crônica. No entanto, Silva argumenta que o uso de personagens ficcionais e eventos imaginários transcende os limites da crônica, conduzindo o romance a uma esfera mais ampla da ficção. Segundo Silva, a obra de Saramago desafia as categorias rígidas do gênero, explorando as fronteiras entre história e ficção.

Luiz Alberto Soares (2007) concentra-se no aspecto do romance histórico em “Memorial do Convento”. Ele destaca que o livro é uma reconstrução ficcional do passado, que busca capturar a essência histórica através da imaginação literária. Soares argumenta que Saramago utiliza o romance histórico como uma forma de investigar a natureza da história e a maneira como ela é contada. Ao mesclar elementos fictícios com eventos e personagens históricos reais, o autor busca transcender a simples reconstituição histórica, explorando as motivações humanas, as contradições sociais e as tensões políticas da época retratada.

Esses dois ensaios fornecem perspectivas complementares sobre a relação entre ficção e história em “Memorial do Convento”. Ao abordar o gênero literário e a reconstrução ficcional do passado, ambos os autores destacam a habilidade de Saramago em ir além dos limites estabelecidos e desafiar as convenções literárias.

Ao dialogar com a história, Saramago não se limita a recriar eventos e personagens históricos, mas os transforma em veículos para explorar questões universais e refletir sobre a condição humana. Ele utiliza a ficção como uma ferramenta para revelar as complexidades e contradições do passado, permitindo ao leitor uma compreensão mais profunda dos eventos históricos retratados.

A dinâmica entre ficção e história em “Memorial do Convento” é uma relação interdependente e mutável. A ficção dá espaço para que Saramago expresse sua perspectiva singular do passado, enquanto a história proporciona o contexto e a estrutura para a narrativa. Esta intersecção não só enriquece a trama, mas também fornece insights sobre os processos subjacentes à construção do conhecimento histórico e a essência da própria narrativa.

3 METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA E DESCONSTRUÇÃO DA NARRATIVA HISTÓRICA

A presença de elementos de metaficção historiográfica em “Memorial do Convento” de José Saramago permite uma desconstrução da narrativa histórica convencional e incita reflexão crítica sobre a construção do conhecimento histórico. Estudiosos como Ana Paula Arnaut (1996), Roland Barthes, Georges Bataille e Jean Baudrillard oferecem perspectivas importantes sobre essa temática.

Ana Paula Arnaut, em “Memorial do Convento: história, ficção e ideologia” (1996), analisa como Saramago utiliza a metaficção para questionar a ideologia subjacente às narrativas históricas. Ela destaca a subversão das expectativas do leitor por meio da mistura de elementos ficcionais e históricos, que rompe com a concepção linear e objetiva da história. Nas palavras de Arnaut: “Saramago utiliza a metaficção para desafiar as narrativas históricas oficiais, questionando a construção da verdade histórica e explorando as implicações ideológicas por trás dessas narrativas”.

Roland Barthes, em “O prazer do texto”, contribui para a compreensão dessa relação entre ficção e história. Barthes enfatiza o caráter prazeroso da leitura e argumenta que a desconstrução da narrativa histórica convencional pela obra literária proporciona ao leitor uma experiência estética e intelectual única.

Embora não sejam específicos sobre “Memorial do Convento”, Georges Bataille em “O erotismo” (1987) e Jean Baudrillard em “Da sedução” (1992) fornecem insights valiosos para entender como Saramago usa a ficção para desconstruir a narrativa histórica e explorar temas como sexualidade, desejo e poder. Suas ideias contribuem para a compreensão da abordagem sensual e provocativa na obra de Saramago.

Dessa forma, a obra de Saramago utiliza a metaficção historiográfica para provocar uma reflexão crítica sobre a construção do conhecimento histórico. Este recurso desafia as convenções narrativas históricas e propõe uma visão crítica da construção do conhecimento histórico. Através da metaficção, Saramago desafia as noções preestabelecidas de verdade histórica, convidando o leitor a questionar e repensar as narrativas que moldam nossa compreensão do passado.

4 ABORDAGEM DA HISTÓRIA E UTOPIA NO ROMANCE

A relação entre história e utopia em “Memorial do Convento” de José Saramago é um aspecto central do romance, explorado de forma aprofundada por Maria José Veiga em seu ensaio “Memorial do Convento: história e utopia” (1994). Nesse ensaio, a autora analisa como Saramago utiliza a ficção histórica para propor uma reflexão sobre os ideais utópicos e suas relações com a realidade histórica.

Maria José Veiga (1994) examina a presença da utopia no romance, destacando que Saramago constrói uma narrativa que mescla elementos reais e fictícios para explorar a possibilidade de um futuro melhor. A autora argumenta que a construção da utopia em “Memorial do Convento” vai além da simples idealização de um mundo perfeito, pois está enraizada nas tensões e contradições do contexto histórico retratado. Segundo Veiga, Saramago utiliza a utopia como uma ferramenta para questionar e criticar as estruturas sociais e políticas da época, oferecendo uma visão alternativa e inspiradora para o leitor.

A autora destaca a figura de Blimunda, uma personagem central no romance, como uma representação da utopia. Blimunda simboliza a possibilidade de um mundo melhor, onde a liberdade e a igualdade são alcançadas. Veiga afirma: “Blimunda é a personificação da utopia em ‘Memorial do Convento’, ela representa a busca por um futuro mais justo e humano” (Veiga, 1994). Através de Blimunda, Saramago nos convida a refletir sobre a importância de imaginar e lutar por uma realidade além das limitações impostas pela história.

Além disso, Veiga aborda a dimensão histórica presente no romance, enfatizando que a utopia de Saramago é construída a partir da compreensão crítica da história. Ela argumenta que o autor não busca simplesmente recriar o passado, mas utiliza os eventos históricos como ponto de partida para questionar as estruturas sociais e as relações de poder. Saramago desafia a história oficial e propõe uma perspectiva alternativa, reimaginando o passado e projetando um futuro utópico.

Dessa forma, a abordagem da história e utopia em “Memorial do Convento” destaca a importância da imaginação e da crítica social na construção de um mundo melhor. Saramago utiliza a ficção histórica para questionar as estruturas estabelecidas, desafiando a história oficial e propondo uma visão utópica que busca superar as limitações do presente. Através da personagem de Blimunda e da análise crítica da história, o autor convida o leitor a refletir sobre a possibilidade de transformação e a importância da luta por uma sociedade mais justa e igualitária.

5 CONTRIBUIÇÕES DE OUTROS ESTUDIOSOS SOBRE O ROMANCE E O AUTOR

Diversos estudiosos têm contribuído para a compreensão do romance “Memorial do Convento” de José Saramago, bem como para a análise da obra e do próprio autor. Nesta seção, serão exploradas as contribuições de João Marques Lopes, Carlos Reis, Maria Alzira Seixo, Teresa Cristina Cerdeira da Silva e Ana Maria Valença.

João Marques Lopes (2010) em sua biografia sobre Saramago oferece uma visão aprofundada da vida e obra do autor. Através da análise de sua trajetória pessoal e de suas influências literárias, Lopes oferece insights valiosos sobre as motivações e o contexto de escrita de “Memorial do Convento”. Sua biografia permite uma compreensão mais ampla das conexões entre a vida do autor e a criação de suas obras literárias.

Carlos Reis (1986) em seu ensaio “Memorial do Convento ou A emergência da história” aborda a relação entre o romance e o contexto histórico-social. Reis destaca como a obra de Saramago emerge como uma resposta crítica aos acontecimentos históricos, retratando-os de forma ficcional e problematizando as narrativas oficiais. Ele argumenta: “Em ‘Memorial do Convento’, Saramago rompe com a tradição histórica linear e apresenta uma visão alternativa, onde os eventos históricos são reinterpretados e questionados” (Reis, 1986).

Maria Alzira Seixo (1987) em “O essencial sobre José Saramago” oferece um panorama geral da obra do autor, incluindo uma análise de “Memorial do Convento”. Seixo destaca a originalidade estilística e a complexidade temática presente na obra, explorando o uso da linguagem e a intertextualidade. Seu estudo fornece uma visão abrangente das principais características literárias presentes no romance e no conjunto da obra saramaguiana.

Teresa Cristina Cerdeira da Silva (1989) em “José Saramago entre a história e a ficção: uma saga de portugueses” aborda a relação intrínseca entre história e ficção na obra de Saramago. Ela examina como o autor utiliza a ficção como um meio de revelar as múltiplas camadas da história e de explorar as dinâmicas sociais e políticas. Silva destaca que a ficção saramaguiana não se limita à reconstituição histórica, mas vai além, desafiando as narrativas estabelecidas e propondo uma visão crítica e imaginativa do passado.

Ana Maria Valença (1993) em “O amor é o fim do cerco: o erotismo em História do cerco de Lisboa, de José Saramago” concentra-se na presença do erotismo na obra de Saramago. Embora seu estudo seja direcionado a outro romance do autor, suas reflexões sobre o erotismo e sua relação com a história são relevantes para uma análise mais ampla da obra saramaguiana. Valença argumenta que o erotismo é uma força subversiva que desafia as convenções históricas e questiona as normas sociais estabelecidas.

Esses estudiosos contribuem para uma compreensão mais aprofundada do romance “Memorial do Convento” e da obra de José Saramago como um todo. Suas análises oferecem perspectivas variadas, abordando desde aspectos biográficos e históricos até a relação entre ficção, linguagem e temáticas como o erotismo. Através dessas contribuições, é possível ampliar nossa apreciação e compreensão da riqueza e complexidade do universo literário de Saramago.

6 OUTRAS REFERÊNCIAS RELEVANTES PARA A COMPREENSÃO DO ROMANCE

Além das contribuições dos estudiosos mencionados nas seções anteriores, existem outras referências que são relevantes para a compreensão do romance “Memorial do Convento” de José Saramago. Essas referências abrangem desde resenhas críticas até obras do próprio autor que podem fornecer insights valiosos sobre a temática e a abordagem do romance. Entre essas referências, destacam-se Chinarelli (2010), Michel Foucault, Linda Hutcheon e as obras do próprio Saramago.

Chinarelli (2010), em sua resenha intitulada “Objeto quase”, analisa “Memorial do Convento” sob uma perspectiva crítica. A resenha oferece uma visão interpretativa do romance, destacando elementos como a construção dos personagens, a intertextualidade e as reflexões sobre poder e opressão. A análise crítica de Chinarelli pode fornecer um ponto de partida interessante para explorar as camadas mais profundas da obra de Saramago.

Michel Foucault em sua obra “Histoire de la sexualité” aborda questões relacionadas à sexualidade, poder e normas sociais. Embora não seja uma análise direta de “Memorial do Convento”, as ideias de Foucault podem ser relevantes para a compreensão das representações sexuais e das dinâmicas de poder presentes no romance de Saramago.

Linda Hutcheon, em “Poética do pós-modernismo: História. Teoria. Ficção”, explora as características da literatura pós-moderna, incluindo a relação entre história, teoria e ficção. A obra de Hutcheon pode contribuir para uma análise mais ampla da abordagem de Saramago em relação à história e à ficção em “Memorial do Convento”, fornecendo um contexto teórico mais abrangente.

As obras de José Saramago também são referências essenciais para compreender o romance. “Memorial do Convento” (1986), como fonte primária, permite ao leitor imergir na narrativa e explorar a construção da história e da ficção proposta pelo autor. Além disso, obras como “História do cerco de Lisboa” (1989), “A viagem do elefante” (2008) e “Caim” (2009) podem fornecer insights adicionais sobre as preocupações temáticas e estilísticas presentes na obra de Saramago.

Essas referências adicionais são valiosas para uma compreensão mais ampla do romance “Memorial do Convento” e do próprio José Saramago como autor. Ao explorar a resenha crítica de Chinarelli, as obras de Foucault e Hutcheon, além das próprias obras de Saramago, os leitores podem enriquecer sua análise e interpretação do romance, explorando a complexidade das temáticas, o estilo narrativo peculiar e as reflexões sobre história, poder e sexualidade presentes na obra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da relação entre ficção e história no romance “Memorial do Convento” de José Saramago revela a habilidade do autor em mesclar elementos históricos e ficcionais, desafiando as fronteiras entre os dois domínios. Por meio dessa abordagem, Saramago nos convida a questionar as narrativas históricas tradicionais e a refletir sobre a construção da história como uma forma de conhecimento.

Através das referências citadas ao longo do artigo, foi possível examinar diversas perspectivas sobre essa relação. Santos e Sena ofereceram insights valiosos sobre a concepção de história presente na obra de Saramago, explorando o papel do autor como tecelão de histórias e sua visão crítica em relação à historiografia tradicional.

Silva e Soares contribuíram para a compreensão da abordagem de Saramago ao gênero do romance histórico, enfatizando a importância da contextualização histórica e da pesquisa detalhada como base para a criação de uma narrativa envolvente e verossímil.

A metaficção historiográfica e a desconstrução da narrativa histórica foram temas abordados por Arnaut, Barthes, Bataille e Baudrillard. Eles nos ajudaram a compreender como Saramago utiliza técnicas narrativas inovadoras para subverter as convenções do gênero e questionar a objetividade da história como uma representação precisa do passado.

A relação entre história e utopia no romance foi explorada por Veiga, destacando como Saramago utiliza a construção ficcional para criar um espaço de possibilidades e reflexão sobre uma realidade alternativa.

Além disso, as contribuições de Lopes, Reis, Seixo, Silva e Valença nos ofereceram uma visão mais ampla sobre a figura de Saramago como autor e a recepção crítica de sua obra, enfatizando sua importância tanto para a literatura portuguesa quanto para o panorama literário internacional.

Por fim, outras referências relevantes, como a resenha de Chinarelli, as obras de Foucault e Hutcheon, e os próprios romances de Saramago, complementam o estudo, enriquecendo nossa compreensão da relação entre ficção e história no contexto do “Memorial do Convento”.

Assim, a partir da análise dessas diversas perspectivas, fica evidente que a obra de José Saramago transcende os limites tradicionais da ficção e da história, convidando-nos a refletir sobre a construção do conhecimento histórico e a importância da narrativa na interpretação do passado. Saramago nos presenteia com um romance rico em camadas, que nos instiga a questionar as verdades estabelecidas e a imaginar novas possibilidades. O “Memorial do Convento” se destaca como uma obra de relevância literária e reflexão crítica, reafirmando o talento e a originalidade de Saramago como um dos grandes escritores do século XX.

Ao aprofundar nossa análise sobre a relação entre ficção e história no romance “Memorial do Convento” de José Saramago, é importante destacar alguns aspectos relevantes que emergem das referências citadas.

Uma das principais contribuições é a reflexão sobre a concepção de história presente na obra de Saramago. Santos argumenta que o autor não se contenta com uma visão linear e unidirecional do tempo histórico, mas sim propõe uma concepção plural e multifacetada da história. Saramago entrelaça passado, presente e futuro, criando uma teia complexa de narrativas que desafiam a noção tradicional de história como uma sucessão de eventos objetivos e estáticos. Nesse sentido, Saramago revela sua preocupação em desconstruir as estruturas dominantes de poder e questionar as versões oficiais da história, buscando resgatar as vozes e experiências marginalizadas.

Essa desconstrução da narrativa histórica é abordada por Arnaud, Barthes, Bataille e Baudrillard, que discutem a natureza da metaficção historiográfica presente no romance de Saramago. Através da intertextualidade, da paródia e da reflexão metalinguística, Saramago desafia os fundamentos da historiografia tradicional, expondo suas limitações e abrindo espaço para a imaginação e a especulação. Ele nos convida a questionar as noções de verdade histórica e a reconhecer a subjetividade inerente à construção da narrativa histórica.

A obra de Saramago também traz à tona a dimensão utópica, conforme discutido por Veiga. Ao construir um cenário alternativo no romance, Saramago explora a ideia de utopia como uma forma de resistência e esperança em face das injustiças e desigualdades da sociedade. O “Memorial do Convento” apresenta uma visão utópica que desafia as estruturas de poder estabelecidas e busca a transformação social por meio da imaginação e do questionamento crítico.

Além disso, é relevante destacar a figura do próprio autor, José Saramago, como um dos pontos centrais de estudo. Lopes, Reis, Seixo, Silva e Valença oferecem diferentes perspectivas sobre a importância e o legado literário de Saramago, destacando sua habilidade em abordar temas complexos e sua contribuição para a literatura portuguesa e mundial.

Outras referências, como a resenha de Chinarelli, as obras de Foucault e Hutcheon, e os próprios romances de Saramago, enriquecem ainda mais nossa compreensão da relação entre ficção e história. Essas obras ampliam o escopo de análise, fornecendo insights sobre teorias críticas, abordagens pós-modernas e a própria narrativa literária de Saramago.

Em suma, a relação entre ficção e história no romance “Memorial do Convento” é complexa e multifacetada. Através de sua narrativa envolvente, Saramago desafia as fronteiras convencionais entre ficção e história, convidando-nos a refletir sobre os processos de construção do conhecimento histórico, as limitações das narrativas oficiais e a importância da imaginação na interpretação do passado. Saramago nos leva a questionar e repensar a própria natureza da história, evidenciando a necessidade de uma abordagem crítica e criativa para compreendermos nosso lugar no tempo e na sociedade.

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