FATORES QUE AUMENTAM A TAXA DE SUCESSO NA INTUBAÇÃO OROTRAQUEAL PEDIÁTRICA – UMA REVISÃO NARRATIVA DA LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202502071403


Amanda Lopes de Alencar1
Ricardo Silva Filho2


Introdução: A intubação orotraqueal (IOT) pediátrica é um dos principais  procedimentos realizados na pediatria, tanto em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) quanto em unidades de emergência. Esse procedimento, quando bem indicado, se torna indispensável e requer técnica e conhecimento não só sobre a IOT, mas também sobre as particularidades da via aérea pediátrica. Objetivo: Revisar os fatores técnicos, anatômicos e fisiológicos que influenciam o sucesso da IOT, destacando a importância de uma abordagem integrada no manejo da via aérea pediátrica. Métodos: Trata-se de uma revisão narrativa da literatura, baseada em artigos publicados entre 2015 e 2025, obtidos a partir de bases de dados PubMed e Google Acadêmico. Resultados:  Observa-se que o sucesso da IOT depende de diversos fatores, como a pré-oxigenação, oxigenação apneica, posicionamento adequado, e a escolha de medicações e dispositivos auxiliares. A pré-oxigenação é fundamental para prevenir a hipóxia, enquanto a oxigenação apneica mostrou reduzir a dessaturação. A posição olfativa (“sniffing position”) continua sendo a mais recomendada, mas a posição em rampa se destaca em situações específicas, como em crianças obesas. A identificação precoce de uma via aérea difícil, por meio de testes clínicos, aumenta as chances de sucesso. O uso de videolaringoscópio é benéfico em cenários de via aérea difícil, enquanto a escolha de medicações adequadas, como sedativos e bloqueadores neuromusculares, melhora as condições de intubação. Conclusão:  O manejo da via aérea pediátrica requer conhecimento anatômico detalhado, habilidades técnicas e a utilização adequada de medicações e dispositivos, sendo essencial a continuidade da pesquisa para otimizar os resultados e reduzir complicações em intubações pediátricas.

Palavras-chave: Intubação orotraqueal, Taxa de sucesso, Pediatria.

INTRODUÇÃO

 A intubação orotraqueal (IOT) consiste em um dos principais procedimentos realizados na pediatria, tanto em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) quanto em unidades de emergência1. Esse procedimento, quando bem indicado, se torna indispensável e requer técnica e conhecimento não só sobre a IOT, mas também sobre as particularidades da via aérea pediátrica.

 O manejo da via aérea infantil tem sido alvo de diversos estudos nos últimos anos. Isso se deve, entre outros motivos, às peculiaridades encontradas quando comparada com o paciente adulto, como por exemplo, a baixa reserva de oxigênio e o formato cônico da laringe, com estreitamento ao nível da cartilagem cricoide2. Além disso, quando não realizada de forma adequada, a IOT pode estar associada à alta taxa de morbimortalidade, com consequências que vão desde hipóxia e bradicardia até desfechos mais graves como parada cardiorrespiratória3

Observa-se que nos últimos 30 anos a técnica da IOT tem sido aprimorada, inclusive com a popularização da sequência rápida de intubação (SRI) na pediatria, que consiste em quatro passos: pré oxigenação, pré-medicação, sedoanalgesia e paralisia neuromuscular, com o intuito de organizar e reduzir o risco de complicações associadas ao procedimento4.

Diversos fatores estão envolvidos no sucesso da IOT pediátrica. O conhecimento sobre eles, bem como sua aplicabilidade são fundamentais para que o procedimento ocorra de forma adequada, garantindo uma via aérea segura e definitiva. Desta forma, o presente estudo busca sumarizar as informações sobre o tema e contribuir para a melhorar a prática dos profissionais da área. 

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão narrativa da literatura, realizada por meio do levantamento de artigos científicos obtidos a partir da busca eletrônica na base de dados PubMed e Google acadêmico. Foram utilizados os descritores “pediatrics”, “intubation success”, “airway management”, “risc factor” e “ technique”, vinculados pelos operadores booleanos (AND, OR). 

Foram critérios de inclusão artigos científicos que abordassem os fatores envolvidos no sucesso do manejo da via aérea pediátrica, bem como suas possíveis complicações, nos últimos 10 anos (2015 a 2025), disponíveis no formato de texto completo, escritos em inglês e português. Foram excluídos os artigos que não estavam disponíveis na íntegra, os que abordavam exclusivamente o período neonatal ou falavam sobre intubação nasotraqueal ou dispositivos supra-glóticos. Também foram incluídas recomendações da American Heart Association.

Aprovação do Comitê de Ética não é aplicável a estudos de revisão.

RESULTADOS

 Foram identificados 451 artigos, de acordo com os descritores já supracitados. Destes, após a leitura e revisão dos títulos e resumos, foram selecionados 30 artigos para leitura integral. Destes, 16 artigos foram incluídos na revisão.

Figura 1. Fluxograma de busca dos artigos 

DISCUSSÃO

Predição de via aérea difícil

 Assim como em adultos, o conceito de via aérea difícil pediátrica se refere à situação clínica previamente identificada ou não reconhecida, em que o profissional se depara com uma das seguintes dificuldades: manter ventilação adequada,  posicionar corretamente o laringoscópio, visualizar as cordas vocais e/ou introduzir a cânula traqueal5.

 Engelhardt et al. cita que a maioria das vias aéreas das crianças são consideradas fáceis, mas em algumas situações, como obstrução de via aérea ou síndromes que cursam com malformações faciais, o manejo pode se tornar mais difícil. Em relação à obstrução da via aérea, o autor sugere que seja identificada a sua origem (mecânica ou anatômica), para melhor direcionamento das estratégias. As manobras de extensão da cabeça, chin lift e/ou jaw thrust são simples e podem ajudar nesses cenários. Nos casos de obstrução funcional, o uso de hipnóticos e bloqueadores neuromusculares pode ajudar, já que as causas geralmente serão laringoespasmo severo ou sedação insuficiente6.

 Tamire et al. realizou um estudo prospectivo transversal com crianças de 0 a 14 anos e identificou que um dos principais preditores de via aérea difícil é a idade do paciente, sendo a faixa etária neonatal a mais relacionada com eventos adversos. Isso se deve ao fato de os recém-nascidos apresentarem menor orofaringe, assim como uma laringe mais anteriorizada, dificultando a visualização das cordas vocais. Outros fatores que contribuem são a grande região occipital, pescoço curto e língua com dimensões relativamente maiores7. Resultado semelhante foi identificado em estudo prospectivo multicêntrico realizado por Pallin et al8.

 Assim, observa-se que testes ou escalas que ajudem a identificar uma via aérea difícil antes do procedimento de intubação podem ser muito úteis para traçar condutas viáveis de alcançar o sucesso do procedimento9. De acordo com o estudo conduzido por Mansano et al. testes que são comumente usados na população adulta, como Mallampati e Mallampati modificado também podem ser utilizados na pediatria, mas com a ressalva de que o paciente deve ser capaz de obedecer algumas ordens, como abrir a cavidade oral de forma adequada, sendo seu uso mais eficaz em crianças acima de 4 anos. Além disso, o estudo conclui que o melhor preditor de via aérea difícil é a distância do plano frontal ao queixo, que pode ter seu valor dividido pelo peso, gerando um índice com sensibilidade e especificidade em torno de 88% e 74%, respectivamente, em crianças de 0 a 6 meses, quando seu valor é maior que 0.2. Em outras faixas etárias, a sensibilidade e especificidade reduzem até 76% e 50%, respectivamente. Em resumo, esse índice sugere que o retrognatismo e o micrognatismo estão associados à ocorrência de via aérea difícil9.  Ademais, diante de uma via aérea sabidamente difícil, uma das estratégias possíveis de ser utilizada é a do videolaringoscópio, já que ele permite melhor visualização da glote e possibilita que a intubação seja assistida e orientada por mais de um profissional8.

Figura 1. Dimensões do plano frontal ao queixo 

Fonte: Bedside tests to predict laryngoscopic difficulty in pediatric patients- International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology 83 (2016).

Pré-oxigenação e oxigenação apneica

A pré-oxigenação é essencial para o sucesso de uma IOT, tendo em vista que o público pediátrico, sob sedação, apresenta maior consumo de oxigênio por massa corporal e possui propensão para atelectasia e redução da capacidade residual funcional, quando comparado aos adultos. Essas diferenças são suficientes para que a hipóxia seja a principal complicação relatada durante a intubação orotraqueal10. De acordo com registros em bancos de dados nacionais estadunidenses, 13% das intubações consideradas difíceis obtiveram registro de hipoxemia. Quando visto o público neonatal, esses números se elevam para 42% nas intubações não difíceis e chegam a 75% nas intubações em via aérea difícil10.

Em um estudo prospectivo observacional, Edfast et al avaliou aspectos relacionados a dessaturação, antes e após a realização da pré-oxigenação. Ele descreve que quando a saturação atinge níveis abaixo de 90%, a hipoxemia se desenvolve rapidamente, devido ao formato sigmoide da curva de dissociação da oxi-hemoglobina. Em seu estudo, concluiu que a pré-oxigenação feita por pelo menos 60 segundos retardou a dessaturação e fez com que não atingisse níveis tão baixos nas crianças acima de 3 anos e foi ineficaz em metade das crianças abaixo de 3 anos, fato explicado pela ausência de cooperatividade dessa faixa etária11.

Engelhardt et al. menciona que a pré-oxigenação pode ser árdua de ser realizada em crianças acordadas sem que cause algum nível de estresse e, mesmo quando bem feita, pode não resultar em períodos longos sem que haja dessaturação. Sugere que durante o manejo da via área seja utilizada alguma fonte de oxigênio, como a cânula nasal de alto fluxo, procedimento que recebe o nome de oxigenação apneica. Tal procedimento se baseia no fato de que, mesmo com o paciente em apneia, o que acontece após a administração da sequência rápida de intubação (SRI), a transferência de gases pode ocorrer por difusão, fazendo com que parte do oxigênio administrado consiga atingir a via aérea inferior6.

Vukovic et al. fez um estudo retrospectivo comparando a incidência de hipoxemia antes e depois da instituição da oxigenação apneica, evidenciando a redução de 50% para 25%, com o uso de cânula nasal de alto fluxo12.

Figura 2. Curva de dissociação da oxi-hemoglobina (disponível em https://cvphysiology.com/microcirculation/m002)

Posicionamento

 Um dos passos mais fundamentais para uma intubação bem sucedida é o posicionamento do paciente13. A posição olfativa ou “sniffing position” normalmente é a mais utilizada e consiste em fletir o pescoço cerca de 35° em relação ao tórax e a cabeça estendida para produzir um ângulo de 15° entre a face e o plano horizontal em pacientes com peso adequado14. Contudo, recentemente a posição em rampa tem sido utilizada com a finalidade de também melhorar a visualização da glote e facilitar a ventilação do paciente durante a intubação, principalmente em pacientes obesos, também podendo ser utilizada em não obesos, ainda com poucos estudos na população pediátrica14. Consiste em alinhar o meato auditivo externo e a fúrcula esternal colocando coxins tanto em região occipital quanto em região subescapular14.

 Os últimos estudos sobre o tema são enfáticos em dizer que na pediatria, a posição mais recomendada é a sniffing position, salvo situações que envolvam possibilidade de trauma cervical, com ajustes conforme a faixa etária15.

Figura 3. Posicionamento seguindo as orientações da sniff posicion (disponível em https://www.scielo.br/j/jped/a/bMHHD5rBmMWfX8VJjyvjhdb/ ).

Figura 4. Posicionamento em rampa evidenciado em paciente adulto e obeso (disponível em https://resources.wfsahq.org/atotw/dificuldade-de-ventilacao-com-mascara/).

Tipos de laringoscópios

 A laringoscopia direta é a técnica mais utilizada para IOT em crianças no mundo, desde 194016. Com o advento do videolaringoscópio, que consiste na utilização de uma câmera na sua ponta distal e que fornece uma imagem amplificada da via aérea, a técnica mais antiga vem sendo substituída aos poucos pelo uso da laringoscopia indireta16.

 A maioria dos estudos utilizados nesta revisão evidenciaram que o uso do videolaringoscópio se torna mais importante e com maiores taxas de sucesso de intubação em primeira tentativa quando utilizado no cenário de via aérea difícil. Se empregado de forma rotineira, o que inclui majoritariamente vias aéreas fáceis, sua utilização se torna controversa16, 17

 Klabusayová et al. demonstrou em seu estudo que o videolaringoscópio tem uma melhor visualização da glote, porém menor taxa de sucesso em primeira tentativa do que o laringoscópio convencional, além de o tempo necessário para intubação também ter sido maior no primeiro grupo. Tais achados podem ser explicados pelo treinamento insuficiente dos profissionais que utilizaram o videolaringoscópio e que, apesar de obterem melhor visualização da glote, apresentavam dificuldade técnica com a intubação indireta17.

 Já Garcia-Marcinkiewicz et al. em seu ensaio clínico randomizado chegou a conclusão de que o tipo de videolaringoscópio utilizado influencia no êxito obtido em primeira tentativa de intubação, pois os que possuem lâmina padrão (que também podem ser utilizadas no laringoscópio convencional) são considerados mais fáceis de serem empregados, por possuírem técnica semelhante à da laringoscopia direta. Por sua vez, os de lâmina não padrão apresentam maior tempo de curva de aprendizado. Além disso, foi observado que o número de complicações foi maior com a laringoscopia direta, devido ao elevado número de intubações esofageanas registradas que, embora sejam identificadas, quando há atraso no seu reconhecimento, expõe o paciente a hipóxia, injúria neurológica e até morte. Outro detalhe observado nesse mesmo estudo é que o uso do videolaringoscópio reduz a necessidade de pressão cricoide. Essa manobra comumente exige a ajuda de outro profissional e muitas vezes prolonga o tempo do procedimento. Com o laringoscópio de vídeo, a visualização da via aérea se torna melhor, reduzindo a incidência dessa manobra16.

Medicações

 A SRI envolve a escolha de medicações para serem administradas de forma sincronizada, geralmente com a utilização de pelo menos um sedativo e um bloqueador neuromuscular, com a finalidade de melhorar as condições de intubação18. Até os dias atuais, existem algumas controvérsias em relação ao assunto, principalmente quando se trata do público pediátrico. 

 Bisesi et al. por meio de seu estudo multicêntrico e observacional, analisou quais medicações foram utilizadas em 172 pacientes. Evidenciou que as pré-medicações, como a atropina, não foram utilizadas na maioria dos pacientes (41%) e que apenas 3 deles apresentaram bradicardia após a SRI. Historicamente, a atropina é utilizada com o objetivo de reduzir os efeitos deletérios das medicações da SRI e para reduzir os efeitos hemodinâmicos da estimulação da via aérea, como a bradicardia. Entretanto, faltam estudos robustos que corroborem o seu uso18. Além disso, o mesmo autor identificou que os fármacos mais utilizados foram o midazolam e o fentanil e, quando um bloqueador neuromuscular foi utilizado (50%), a principal escolha foi o rocurônio. Outro aspecto observado foi em relação a faixa etária, pois menos da metade dos pacientes neonatais receberam algum fármaco para indução e menos de um quarto recebeu bloqueador neuromuscular, se contrapondo aos estudos atuais, que afirmam que o uso dessas classes medicamentosas aumentam a taxa de sucesso na IOT, já que melhoram a visualização da glote, diminuem o número de tentativas e reduzem o trauma na via aérea18.

 Carvalho et al. em seu estudo observacional e retrospectivo também buscou testar a associação do uso de atropina com a ocorrência de hipoxemia e bradicardia durante a intubação. Evidenciou que o uso desta pré-medicação não previne a ocorrência dos efeitos adversos supracitados, já que o grupo que utilizou atropina apresentou hipoxemia em 79,1% dos casos, enquanto o que não fez uso foi de 59%, de uma amostra de 126 pacientes entre 31 dias de vida e 19 anos. De acordo com os autores, o que define a potencial ocorrência de hipoxemia e bradicardia são as condições do paciente prévias à intubação e a dificuldade durante a laringoscopia, sendo fatores independentes ao uso de atropina19.

 Uma outra medicação frequentemente abordada nos estudos sobre sequência rápida é a quetamina, que possui efeito sedativo e hipnótico, sendo útil na indução, sedação e analgesia dos pacientes20. O trabalho feito por Hwang et al. comparou o uso de diferentes doses de quetamina associada tanto ao uso de fentanil e rocurônio combinados, quanto ao uso apenas do rocurônio. Chegou a conclusão de que doses de 1.5 e 2 mg/kg combinadas com o fentanil e o rocurônio obtiveram resultados melhores para as condições de intubação (facilidade de laringoscopia, visualização e movimento das cordas vocais e reação à inserção do tubo orotraqueal) do que quando comparada à dose de 1.0 mg/kg. O mesmo vale para quando a quetamina é utilizada como agente único de indução, com melhores resultados obtidos com doses entre 1.5 e 2 mg/kg. Movimentos vigorosos dos membros e tosse sustentada foram observados em maior frequência nos pacientes que receberam a dose de 1.0 mg/kg20. Além disso, para que a SRI tenha melhor efeito sobre o paciente, a ordem das medicações deve ser feita de forma adequada, respeitando o tempo de ação de cada fármaco. Por isso, neste estudo também foi observado que quando o fentanil é realizado antes da quetamina, as condições de intubação ficam ainda melhores do que quando o oposto é feito20.

 Quando a classe medicamentosa analisada é a dos bloqueadores neuromusculares, é observado que apesar de estudos já serem favoráveis a respeito do seu uso na pediatria, ainda há muita resistência por parte dos profissionais em utilizá-los21, 22. Bisesi et al. e Pallin et al. descreveram que o rocurônio é o bloqueador neuromuscular mais utilizado na pediatria, com menos efeitos adversos relatados do que, por exemplo, a succinilcolina, que pode provocar arritmias cardíacas, hipercalemia, hipertermia maligna e fasciculações8, 18. O intervalo de dose que costuma melhorar as condições da IOT e consequentemente aumentar a taxa de sucesso é de 0.9 a 1.2 mg/kg. Doses menores podem ser utilizadas com melhor efeito no contexto dos anestesiologistas, principalmente quando associado ao sevoflurano22.

Tubos orotraqueais e dispositivos auxiliares

 Tradicionalmente, a intubação pediátrica ocorre com a utilização de tubos sem cuff, devido diferenças anatômicas entre a via aérea pediátrica e do adulto,  além da crença de que o cuff pode levar a lesão da mucosa e estenose subglótica23. Nos últimos 20 anos, o tubo com cuff tem sido cada vez mais utilizado, com evidências sugerindo que os desfechos podem ser semelhantes nos dois grupos.  

 Outro aspecto a ser analisado é que a fórmula utilizada para decidir o diâmetro do tubo sem cuff, também chamada de fórmula de Cole [DI (mm)= (idade/4) + 4,0], seleciona o tamanho correto em cerca de 50-75% dos casos, já que não leva em consideração outras variáveis como o peso e a altura da criança, resultando em um maior número de troca de tubos24.

 Os primeiros tubos com cuff utilizados na pediatria possuíam cuffs que, quando inflados, exerciam muita pressão sobre a mucosa laríngea, aumentando a incidência de efeitos adversos, como estenose subglótica e estridor. Em resposta a esses problemas, no início dos anos 2000 Weiss et al. desenvolveu um tubo com cuff de menor tamanho, alto volume e baixa pressão, que passou a substituir o modelo anterior e reduziu consideravelmente os problemas associados ao cuff, reduzindo as trocas de tubo de 31% para 2% e, consequentemente, o número de pacientes que evoluem com estenose subglótica24.

 Chambers et al. deixou claro em seu estudo que os tubos com cuff reduzem as tentativas na intubação e oferecem melhores condições de ventilação, reduzindo o vazamento de ar em volta do tubo, melhorando assim a mecânica ventilatória e normalmente diminuem a ocorrência de múltiplas trocas de tubo para corrigir esse vazamento23.

Já em relação ao uso do fio guia, que na população adulta tem benefício comprovado no aumento da taxa de sucesso da intubação25 na pediatria não existem trabalhos robustos que reforcem o seu uso.

Outro dispositivo utilizado na prática adulta e que ainda carece de estudos na população pediátrica é o bougie. Um estudo observacional realizado durante 10 anos por Prekker et al. evidenciou que o bougie não apresentou aumento nas taxas de intubação, quando comparado ao grupo que não o utilizou, assim como também não aumentou o número de efeitos adversos26.

CONCLUSÃO

 A intubação orotraqueal pediátrica continua sendo um procedimento crucial no manejo das vias aéreas das crianças, especialmente em contextos de emergência e unidades de terapia intensiva. Este estudo demonstrou que o sucesso da intubação depende de uma combinação de fatores técnicos, anatômicos e fisiológicos específicos da população pediátrica. O manejo adequado da via aérea, como a pré-oxigenação e a oxigenação apneica, desempenha papel fundamental na prevenção da hipóxia, uma das complicações mais comuns da intubação em crianças.

A identificação precoce de uma via aérea difícil, por meio de testes clínicos, é outra estratégia essencial para aumentar as chances de sucesso e minimizar riscos. Embora a posição olfativa (“sniffing position”) seja amplamente recomendada, a posição em rampa também surge como uma alternativa promissora, especialmente em crianças obesas ou com dificuldades anatômicas. Além disso, o uso de videolaringoscópio tem se mostrado benéfico em cenários de via aérea difícil, embora sua aplicabilidade em vias aéreas fáceis ainda gere controvérsias.

A escolha das medicações para a sequência rápida de intubação (SRI), como sedativos e bloqueadores neuromusculares, é outro aspecto crucial para a realização de uma intubação bem-sucedida. A resistência ao uso de alguns fármacos, como bloqueadores neuromusculares, ainda persiste entre os profissionais, mas a evidência aponta que seu uso adequado melhora significativamente as condições do procedimento. A adaptação da técnica, com a utilização de fármacos como a quetamina e o rocurônio, tem mostrado resultados promissores na pediatria, porém mais estudos são necessários para consolidar essas práticas.

Finalmente, o uso de dispositivos como tubos orotraqueais com cuff e a formulação precisa do tamanho do tubo têm evoluído, trazendo benefícios na mecânica ventilatória e redução de complicações. Apesar disso, ainda há uma lacuna de conhecimento em relação ao uso de dispositivos auxiliares, como o fio-guia e o bougie, na pediatria, o que ressalta a necessidade de mais estudos específicos para essa população.

Em suma, o manejo da via aérea pediátrica exige uma abordagem integrada, que combine conhecimento anatômico, habilidades técnicas e uma seleção adequada das ferramentas e medicações. A continuidade da pesquisa sobre esses aspectos será fundamental para reduzir complicações e melhorar os resultados das intubações pediátricas, garantindo maior segurança e eficácia no tratamento de crianças em situações críticas.

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1Médica residente do programa de pediatria do Hospital Materno Infantil de Brasília, autora

2Médico pediatra do Hospital Materno Infantil de Brasília, orientador.
Trabalho de conclusão de curso do programa de residência médica em pediatria do Hospital Materno Infantil de Brasília- Brasília, fevereiro de 2025.