FACTORS THAT AFFECT THE MENTAL HEALTH OF PEOPLE LIVING IN RIVERSIDE COMMUNITIES IN THE STATE OF AMAPÁ
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202504080847
Luís Otávio de Jesus Félix1
Alex Wagner Leal Magalhães2
RESUMO
O trabalho aborda a influência de fatores traumáticos na saúde mental das populações ribeirinhas, com ênfase nos impactos do escalpelamento e do abuso sexual. O estudo busca compreender como essas experiências afetam o bem-estar psicológico dos indivíduos, analisando as consequências emocionais, sociais e econômicas resultantes desses traumas. A metodologia utilizada baseia-se em revisão bibliográfica, considerando legislações e políticas públicas voltadas à proteção e ao atendimento das vítimas. Os resultados indicam que, apesar da existência de leis como a nº 11.970/2009, que prevê a instalação de proteções nos motores de embarcações para evitar acidentes, desafios persistem na implementação e fiscalização dessas medidas. Além disso, a vulnerabilidade socioeconômica e o isolamento geográfico dificultam o acesso a serviços especializados de saúde mental, agravando o sofrimento das vítimas. A ausência de suporte adequado contribui para o desenvolvimento de transtornos psicológicos, como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático. A pesquisa conclui que a efetividade das políticas públicas e a criação de estratégias integradas de atenção à saúde mental são fundamentais para minimizar os impactos desses traumas e garantir um suporte adequado às populações ribeirinhas, promovendo sua qualidade de vida e inclusão social.
Palavras-chave: Saúde mental. Comunidades ribeirinhas do estado do Amapá. Fatores traumáticos.
ABSTRACT
The paper addresses the influence of traumatic factors on the mental health of riverside popu lations, with an emphasis on the impacts of scalping and sexual abuse. The study seeks to understand how these experiences affect individuals’ psychological well-being by analyzing the emotional, social, and economic consequences resulting from these traumas. The methodology used is based on a literature review, considering legislation and public policies focused on protecting and assisting victims. The results indicate that, despite the existence of laws such as Law No. 11.970/2009, which mandates the installation of protections on boat engines to prevent accidents, challenges persist in the implementation and enforcement of these measures. Additionally, socioeconomic vulnerability and geographic isolation hinder access to specialized mental health services, exacerbating the suffering of victims. The lack of adequate support contributes to the development of psychological disorders such as depression, anxiety, and post-traumatic stress disorder. The research concludes that the effectiveness of public policies and the creation of integrated mental health care strategies are crucial to minimizing the impacts of these traumas and ensuring proper support for riverside populations, promoting their quality of life and social inclusion.
Keywords: Mental health. Riverside communities in the state of Amapá. Traumatic factors.
1. INTRODUÇÃO
O estado do Amapá, localizado na região Norte do Brasil, abriga mais de 200 comunidades ribeirinhas distribuídas ao longo de seu território, sendo banhadas pelo rio Amazonas e seus afluentes. Essas comunidades dependem diretamente dos rios para sua locomoção e subsistência, enfrentando desafios estruturais que podem impactar significativamente a saúde mental de seus moradores. Entre essas localidades, destacam-se as comunidades do Bailique, Carmo do Macacoari e Ilha de Santana, que refletem a diversidade e as particularidades da vida ribeirinha no estado.
A relevância do estudo se fundamenta pela escassez de pesquisas voltadas para a saúde mental das populações ribeirinhas do Amapá. Embora haja uma crescente preocupação com a saúde mental em diferentes contextos, poucos trabalhos abordam de maneira específica as dificuldades enfrentadas por essas comunidades. As particularidades geográficas, culturais e socioeconômicas dessas regiões contribuem significativamente para a formação dos fatores que impactam o psicológico dos moradores como a dificuldade de acesso a serviços de saúde, eventos traumáticos recorrentes na região, como os acidentes de escalpelamento, que são considerados problemas de saúde pública e têm um profundo impacto na saúde mental das vítimas. (Feio, 2017).
Nesta perspectiva, abordar a respeito da saúde mental das populações ribeirinhas do estado do Amapá é um tema de crescente interesse devido às condições únicas de vida dessas comunidades, que podem envolver suas particularidades geográficas, culturais e socioeconômicas. Esses fatores contribuem significativamente para a formação dos desafios enfrentados por seus moradores, sendo necessário que a saúde mental atenda às particularidades dessas comunidades e dos povos em suas dimensões éticas e contextuais (Amarante, 2007).
A justificativa para este estudo reside na necessidade de explorar essas questões a partir de uma perspectiva social. As populações ribeirinhas, reconhecidas formalmente como populações tradicionais pelo Decreto nº 6.040 (2007), possuem uma organização social e cultural única, que deve ser levada em consideração na formulação de políticas públicas e estratégias de cuidado em saúde. Dessa maneira, entende-se que a saúde mental dessas comunidades não pode ser tratada isoladamente, mas sim integrada aos cuidados de saúde coletiva, considerando suas especificidades culturais e geográficas.
Diante desse cenário, este estudo tem como objetivo identificar e analisar os fatores que afetam a saúde mental das pessoas que vivem nas comunidades ribeirinhas do estado do Amapá. Para isso, será realizada uma revisão bibliográfica das produções científicas relevantes sobre o tema.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA
2.1 A SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO RIBEIRINHO
Quando abordamos o tema da saúde mental, é importante compreendê-la como um conceito que envolve a qualidade de vida psicológica e emocional do indivíduo, no qual a pessoa é capaz de lidar com as demandas e desafios diários de maneira equilibrada e adaptativa. Pois, a saúde mental não se refere apenas à ausência de doenças, mas também a capacidade de enfrentar as dificuldades cotidianas, mantendo o controle sobre suas emoções, pensamentos e comportamentos, além de possuir habilidades sociais que favoreçam uma convivência harmoniosa consigo mesma e com os outros
A Organização Mundial da Saúde – OMS (BRASIL, 2024) define a saúde mental como um estado positivo de bem-estar, no qual o indivíduo se sente capaz de explorar e utilizar suas potencialidades para enfrentar os desafios da vida cotidiana. Esse estado de equilíbrio não só favorece o crescimento pessoal, mas também permite que a pessoa se envolva de maneira produtiva e saudável em sua comunidade, promovendo relações sociais e contribuindo para o coletivo de forma construtiva.
Isto posto, não se trata apenas da ausência de transtornos mentais, mas também da capacidade de desenvolver resiliência, manter relações saudáveis e ter uma vida equilibrada. A qualidade da saúde mental de um indivíduo é influenciada por fatores biológicos, psicológicos e sociais, sendo determinante para sua qualidade de vida.
No contexto da saúde pública, podemos citar a rede de apoio psicossocial, fundada através da Portaria nº 3.088, em 23 de dezembro de 2011, com republicação em 21 de maio de 2013, e posteriormente revogada pela Portaria de Consolidação nº 3, em 28 de setembro de 2017, esse documento consolidou as normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo a Rede de Atenção Psicossocial, responsável pelo cuidado e apoio às pessoas com transtornos mentais e que precisam de assistência em saúde mental. (BRASIL, 2018) Deste modo, a saúde mental tem sido cada vez mais reconhecida como uma prioridade global, dada sua relação com o bem-estar geral das populações. Fatores como acesso a serviços de saúde, suporte social, condições ambientais, educacionais podem impactar impactam a estabilidade emocional e psicológica das pessoas que residem em localidades mais afastadas e com difícil acesso de deslocamento.
Em comunidades vulneráveis, como as ribeirinhas, as particularidades locais desempenham um papel significativo na determinação das condições de saúde mental, exigindo abordagens específicas para a promoção do bem-estar. Pois, as populações ribeirinhas enfrentam desafios diários que refletem na sua saúde psicológica.
Sem contar que, a falta de execução de políticas públicas voltadas para essas comunidades e a dificuldade em acessar educação e assistência psicológica contribuem para a vulnerabilidade emocional dos ribeirinhos. Diante disso, torna-se fundamental a implementação de estratégias que promovam a saúde mental nessas comunidades, considerando suas especificidades culturais e modos de vida.
2.2 FATORES TRAUMÁTICOS E SUA INFLUÊNCIA NA SAÚDE MENTAL RIBEIRINHA
A saúde mental das populações ribeirinhas é fortemente impactada por uma série de fatores traumáticos que são prevalentes nessas comunidades. Esses fatores incluem acidentes graves, como o escalpelamento, as experiências de abuso sexual, ambos com consequências devastadoras para o bem-estar psicológico dos indivíduos afetados.
A junção desses traumas com as condições socioeconômicas adversas e o isolamento geográfico contribui para um cenário complexo e desafiador na promoção da saúde mental nas comunidades ribeirinhas. Neste capítulo, serão discutidos os principais fatores traumáticos que afetam essas populações, com foco nos acidentes de escalpelamento e nos abusos sexuais, além das legislações e políticas públicas relevantes. Os acidentes de escalpelamento representam uma das principais fontes de trauma físico e psicológico nas comunidades ribeirinhas da Amazônia, incluindo o estado do Amapá. Esses incidentes ocorrem quando os cabelos das pessoas, muitas vezes crianças e mulheres, ficam presos nos motores dos barcos, resultando em ferimentos graves e, em muitos casos, mutilações. Quando se fala em traumas físicos e psicológicos, Pragana et al (2023, p.156) afirma que:
As vítimas desse acidente vivem situações muito delicadas que não são restritas às sequelas físicas (perda de cabelo, do couro cabeludo, sobrancelha, orelha e afins), mas também psicológicas, sociais e financeiras tendo em vista que esses outros segmentos da vida são afetados devidos os traumas irem muito além do exterior, do visível e do palpável.
Com base nisso, o autor enfatiza que os traumas sofridos pelas vítimas de um acidente não se restringem apenas às consequências físicas que são visíveis aos olhos, mas também afetam profundamente outros aspectos de suas vidas, tornando a recuperação e a adaptação mais complexas e diversas. Feio (2017) acrescenta ainda que, os acidentes de escalpelamento são um problema de saúde pública, pois trazem profundas consequências físicas e emocionais para as vítimas. Neste sentido, a dor e o sofrimento causados por esses acidentes podem levar a problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós traumático.
Pensando nisso, como forma de mitigar esses acidentes, a Lei nº 11.970/2009 foi instituída, exigindo a instalação de proteções nos motores dos barcos. Esta legislação tem como objetivo principal a prevenção de novos casos de escalpelamento. De acordo com Brasil (2009), “essa legislação visa reduzir os acidentes de escalpelamento, impondo medidas preventivas que incluem a instalação de proteções nos motores”. No entanto, apesar da existência dessa lei, a implementação ainda enfrenta desafios significativos, incluindo a falta de fiscalização e recursos para assegurar que todos os barcos estejam devidamente equipados.
Outro fator traumático que afeta severamente a saúde mental das populações ribeirinhas é a questão do abuso sexual. A vulnerabilidade dessas comunidades, devido ao isolamento geográfico e à precariedade socioeconômica, facilita a ocorrência de abusos, muitas vezes perpetrados por indivíduos conhecidos das vítimas. Feio (2017, p.60) destaca a gravidade dessa situação, observando que “o abuso sexual é uma realidade alarmante nas comunidades ribeirinhas, exacerbada pela falta de recursos e de apoio adequado”. As consequências psicológicas do abuso sexual são profundas, podendo incluir sentimentos de vergonha, culpa e depressão por parte da vítima.
A ausência de serviços especializados para tratar vítimas de abuso sexual agrava ainda mais o sofrimento dessas pessoas. Segundo Amarante (2007, p.32), “a falta de serviços especializados em saúde mental nas regiões ribeirinhas contribui para a perpetuação do sofrimento das vítimas de traumas”. Essa carência de serviços impede que as vítimas recebam o suporte necessário para lidar com os traumas e reconstruir suas vidas.
Os traumas resultantes de acidentes de escalpelamento e de abusos sexuais têm um impacto duradouro e profundo na saúde mental das populações ribeirinhas. Conforme observado por Amarante (2007, p.33), “a criação de serviços de saúde mental que considerem as particularidades das populações ribeirinhas é essencial para mitigar os efeitos dos traumas”. Sem um sistema de apoio adequado, as vítimas de tais traumas enfrentam dificuldades significativas em superar suas experiências, levando a um ciclo contínuo de sofrimento e marginalização.
Por esta razão, é fundamental ter políticas públicas voltadas para essa realidade, com o intuito de proporcionar aos ribeirinhos, apoio adequado como forma de enfrentamento às situações traumáticas. Como podemos evidenciar na perspectiva de Feio (2017, p.58) quando considera que as “ações sistemáticas e efetivas são necessárias para atender às demandas dessas comunidades, proporcionando-lhes acolhimento e tratamento adequado para as sequelas físicas e emocionais”. Essas ações incluem não apenas a prevenção de novos traumas, mas também o apoio contínuo às vítimas, através de programas de reabilitação e terapia psicológica.
A implementação de políticas públicas inclusivas e equitativas é fundamental para melhorar a saúde mental das populações ribeirinhas. Santos (2023, p.32) ressalta a importância de considerar o território como um espaço vivo, onde as interações sociais e culturais influenciam diretamente a saúde e o bem-estar dos moradores.
A criação de espaços de participação social e escuta ativa é crucial para garantir a inclusão e o fortalecimento da saúde mental dessas comunidades. Programas que integram a saúde mental com outras áreas de suporte social e econômico podem fornecer uma base mais sólida para o tratamento e prevenção de traumas.
3. METODOLOGIA
Este estudo adota uma abordagem de revisão integrativa, que de acordo com Mattos (2015, p.2) esse é o tipo de pesquisa que “surgiu como alternativa para revisar rigorosamente e combinar estudos com diversas metodologias. ” A revisão integrativa possibilita a síntese e análise de pesquisas relevantes, integrando resultados de diferentes estudos para proporcionar uma compreensão abrangente sobre o tema.
Deste modo, a primeira etapa da pesquisa foi a elaboração da questão norteadora/problemática, que é “Quais são os fatores que afetam a saúde mental das pessoas que moram nas comunidades ribeirinhas do Estado do Amapá? ” A partir do questionamento, o passo seguinte se deu na busca por artigos reais nas bases de dados Lilacs, Scielo e Google Acadêmico, na oportunidade, utilizou-se como descritores de busca “saúde mental” “saúde mental ribeirinha amapá”. No entanto, vale mencionar que foi somente no Google Acadêmico que foi possível encontrar trabalhos associados a referida temática.
Sendo assim, na terceira fase foi realizada a seleção dos artigos que seriam utilizados na análise. Ao fazer a revisão na base do Google acadêmico foram encontrados ao todo 1.760 trabalhos, porém, ao realizar a leitura dos resumos dos estudos, foram excluídas 1.757 pesquisas por não atenderem ao escopo do trabalho ou estarem duplicadas na base de dados. Sendo assim, a seleção final incluiu 03 estudos que foram cuidadosamente lidos, analisados e quantificados por meio do gráfico.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS
O estudo de Cardoso e Santos (2021) sobre “Violência sexual infantil e os mecanismos de inibição adotados por escola pública da comunidade Ribeirinha da Ilha de Santana –Amapá” identificou na entrevista com os profissionais da escola que existem casos de alunos vítimas de violência sexual, no entanto, “todos afirmaram que a escola não possui projetos específicos ao combate de tal violência, nem mesmo oferece suporte psicológico a essas crianças. ” (Cardoso e Santos, 2021, p.15840).
Consoante a isso, segundo Fukumoto et al., 2011, p. 4) afirma que “a criança vítima de abuso sexual pode apresentar mudanças na autoestima, comportamentos agressivos, autodestruição, perda de interesse nas brincadeiras pelos estudos, isolamento social, ansiedade e baixa concentração.”
Diante disso, entende-se o abuso sexual infantil como um fator cultural, pois, mostram como esse tipo de situações são tratadas a partir da realidade local. E o reflexo disso, é percebido na escola que mesmo tendo conhecimento da existência dos casos, acaba ignorando esse fato, se desviando da situação e consequentemente não busca implementar projetos ou iniciativas específicas que visem combater esse tipo de ato e incentive as denúncias. Sem contar que a ausência de suporte psicológico disponibilizado pela escola, através do seu corpo pedagógico, também agrava a saúde mental dos alunos.
Mais adiante, no estudo de Cordeiro intitulado “’Não foi o Boto’: ‘Honra’ e Moralidade na Representação de Crime Sexual Contra Mulheres Ribeirinhas no Amapá ” (2021) temos novamente a questão da violência sexual, a pesquisa foi realizada por meio de uma análise qualitativa da narrativa de uma paciente ribeirinha constatou que o desencadeador que afetou a saúde mental da entrevistada foi o crime de estupro sexual (fator sociocultural) vivido por ela, causando o seu adoecimento mental (depressão). Uma vez que a prática de estupro era comum, após ser cometido, era justificado através das crenças místicas e culturais de que a mulher era “seduzida pelo boto” (Cordeiro, 2021, p.77) e por isso engravidava.
A partir do estudo, pode-se compreender que os casos de estupro contra mulheres ribeirinhas são considerados fatores culturais também, nesse caso, em razão de ser atribuídos a uma lenda local, em vez de reconhecerem o crime propriamente dito. Deste modo, podemos observar que ao tratar a respeito da violência sexual, o Ministério da Saúde – OMS (2012, p.14) enfatiza que o estupro:
Repercute na saúde física – desde o risco de contaminação por Doenças Sexualmente Transmissíveis, entre elas, o HIV, até gravidez indesejada, agravando o quadro já traumático –, e na saúde mental da pessoa – quadros de depressão, síndrome do pânico, ansiedade e distúrbios psicossomáticos. (BRASILÍA, 2012, p.14)
Podemos inferir que a violência sexual em qualquer idade pode gerar consequências devastadoras tanto na saúde física quanto mental da vítima. Esses efeitos impactam profundamente a qualidade de vida da mulher ribeirinha, que necessitará de um acompanhamento psicológico adequado para que o trauma vivenciado não seja intensificado. E por último, outro fator que abala a saúde mental dos ribeirinhos é a questão do escalpelamento considerado uma condicionante social e que é evidenciado no ensaio teórico de Pragana et al. (2023) a respeito “Interseccionalidade na saúde coletiva e mental de mulheres vítimas de acidente com motor de barco na Amazônia: aspectos psicossociais das dores do escalpelamento”. O estudo dos autores (2023, p.4) revelou que: As vítimas desse acidente vivem situações muito delicadas que não são restritas às sequelas físicas (perda de cabelo, do couro cabeludo, sobrancelha, orelha e afins), mas também psicológicas, sociais e financeiras tendo em vista que esses outros segmentos da vida são afetados devidos os traumas irem muito além do exterior, do visível e do palpável. (Pragana et al., 2023, p.4)
Pensando nisso, como forma de mitigar esses acidentes ocorridos nas comunidades ribeirinhas, a Lei nº 11.970/2009 foi instituída, exigindo a instalação de proteções nos motores dos barcos. Esta legislação tem como objetivo principal a prevenção de novos casos de escalpelamento. De acordo com Brasil (2009), “essa legislação visa reduzir os acidentes de escalpelamento, impondo medidas preventivas que incluem a instalação de proteções nos motores”. No entanto, apesar da existência dessa lei, a implementação ainda enfrenta desafios significativos, incluindo a falta de fiscalização e recursos para assegurar que todos os barcos estejam devidamente equipados. A seguir, visualizaremos o gráfico com os fatores que interferem na saúde mental ribeirinha.
Imagem 1: Fatores que interferem na saúde mental dos ribeirinhos no Estado do Amapá

Ao observarmos o gráfico, os dados indicam que fator que causa maior impacto na saúde mental dessas pessoas, é o cultural (que aparece com 67%), uma vez que ele está alicerçado nas crenças culturais da comunidade, como foi o exemplo da questão do abuso sexual. E os outros 33% indicando o fator social, conforme mostrado na questão do escalpelamento das mulheres, esse fato, apesar de ser traumático, acaba sendo considerado como algo comum da vivência dos ribeirinhos. Porém, ressalta-se que os traumas resultantes do acidente afetam profundamente diferentes aspectos da vida da vítima, sugerindo que os danos não se limitam apenas às lesões externas, mas também alteram a estabilidade emocional, a vida social e a situação econômica, mostrando que o impacto do trauma é amplo e abrangente.
5. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos estudos selecionados revelou que a saúde mental da população ribeirinha no Estado do Amapá é afetada por diversos fatores críticos. A pesquisa mostrou que o abuso sexual seja ele infantil ou na adolescência foram identificados em dois estudos, possuindo 67% de ocorrência, revelando-se como um dos maiores fatores que prejudicam a saúde mental das pessoas que moram nas comunidades ribeirinhas do Estado do Amapá e desencadeia sérios problemas psicológicos, como a depressão.
Outro ponto que o estudo constatou que a falta de suporte psicológico e a ausência de projetos de combate à violência sexual infantil nas escolas refletem uma lacuna significativa no atendimento às vítimas e no seu encorajamento em relação a denunciar o crime. E assim prejudicam a saúde mental das crianças, pois elas tendem a apresentar o desânimo em viver e uma mudança de comportamento que influencia no seu progresso escolar.
Foi evidenciado no estudo também que o escalpelamento foi identificado em um estudo, tendo 33% de ocorrência, é considerado um fator social que merece atenção, que mesmo com o avanço da instalação dos protetores dos barcos, é um caso que provoca danos não apenas físicos, mas também psicológicos, sociais e financeiros, ressaltando a profundidade dos traumas enfrentados pelas vítimas.
Contudo, a presente revisão integrativa, buscou destacar a complexidade dos impactos na saúde mental enfrentados pelas comunidades ribeirinhas, mesmo que de forma inicial, o estudo indicou a necessidade urgente de intervenções especializadas e suporte psicológico adequado nessas regiões. Enfatiza-se também uma limitação significativa em relação aos materiais publicados sobre a temática, sugerindo que há uma lacuna significativa na literatura científica para que se possa ter um conhecimento mais aprofundado a respeito.
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1Mestrando em Ciências Sociais na Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. Campus Macapá. E-mail: Luisflx27@gmail.com.
2Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Campus Belém. E-mail: lealmagalex@gmail.com.