Fatores de risco para o óbito por meningoencefalite criptocócica em pacientes com AIDS em hospital de referência de Mato Grosso do Sul

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12191379


Máiquel da Silva Paz¹
Silvia Naomi de Oliveira Uehara¹
RosianneTsujizaki²
Marilene Rodrigues Chang²
Gláucia Moreira Espíndola Lima²
Maína de Oliveira Nunes²
Rinaldo Poncio Mendes³
Anamaria M. M. Paniago¹


Resumo

Diversos fatores afetam a evolução clínica dos pacientes com meningoencefalite criptocócica (MC) e AIDS, influenciando no prognóstico clínico e afetando a mortalidade e a morbidade nesse grupo de pacientes. Com o objetivo de analisar fatores de risco para óbito por MC na AIDS, uma coorte de pacientes atendidos na Unidade de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian/ Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UNIDIP/HUMAP/UFMS) entre 2013 a 2017 foi estudada. Foram incluídos os pacientes com AIDS e MC confirmada por cultura de líquido cérebroespinhal (LCE). Dados demográficos, clínicos, laboratoriais e evolutivos foram coletados para análises. Foram estudados 36 casos, 31 homens (86,1%), com mediana de idade de 39,5 [32,3 – 49,08]. A mediana de linfócitos CD4+ era de 19 cel/mm3. A mediana de leucócitos no LCE foi de 15,5 cel/mm³ [5,5-  52,3], com uma mediana de percentual de mononucleares de 78 [23,7 – 96,5]. Ocorreram 13 óbitos, configurando uma taxa de letalidade da MC de 36,1%. Para o tratamento de indução foi utilizada a associação de anfotericina B desoxicolato (AmBd) e fluconazol em todos os pacientes. A mediana da dose tolerada de AmBd foi de 510 mg. A mediana do tempo para a esterilização do LCE foi de 23 dias [14 – 41]. Presença de sintomas pulmonares foi fator de risco para o óbito (p=0,018), assim como maior relação percentual de linfomononucleares/polimorfonucleares no LCE (p=0,011) e menor dose tolerada de anfotericina B desoxicolato (p=0,038). A meningoencefalite criptocócica acometeu adultos de faixa etária produtiva, predominando o sexo masculino, com grave comprometimento imunológico e resultou em tempo prolongado de internação e alta taxa de letalidade na população estudada. O maior tempo de esterilização do líquor e a menor tolerância à AmBd entre os pacientes que faleceram, indica a necessidade de adoção de drogas com menos efeitos adversos e com alta atividade fungicida precoce, a fim de melhorar o prognóstico desses pacientes.

Palavraschave: HIV/AIDS. Meningoencefalite criptocócica

Abstract

Several factors affect the clinical evolution of patients with cryptococcal meningoencephalitis (CM) and AIDS, influencing the clinical prognosis and affecting mortality and morbidity in this group of patients. In order to analyze risk factors for death due to CM in AIDS, a cohort of patients treated at the Unit of Infectious Diseases of the University Hospital Maria Aparecida Pedrossian / Federal University of Mato Grosso do Sul (UNIDIP / HUMAP / UFMS) from 2013 to 2017 was studied. Patients with AIDS and CM confirmed by cerebrospinal fluid (CSF) culture were included. Demographic, clinical, laboratorial and evolutionary data were collected for analysis. Thirty six cases were studied, 31 men (86.1%), with a median age of 39.5 [32.3 – 49.08]. The median CD4 + lymphocytes were 19 cells / mm³. The median leukocyte count in CSF was 15.5 cells / mm³ [5.5-53.3], with a median percentage of mononuclear cells of 78 [23.7-96.5]. There were 13 deaths, with a CM case fatality rate of 36.1%. For the induction treatment, the association of amphotericin B deoxycholate (AmBd) and fluconazole was used in all patients. The median tolerated dose of AmBd was 510 mg. The median time for sterilization of CSF was 23 days [14 – 41]. Presence of pulmonary symptoms (p = 0.018), higher lymphomononuclear/polymorphonuclear ratio in CSF (p = 0.011) and lower tolerated dose of amphotericin B deoxycholate (p = 0.038) were risk factor for death. Cryptococcal meningoencephalitis affected productive age groups, predominantly male, with severe immunological impairment and resulted in prolonged hospital stay and high lethality rate in the population studied. The longer time of CSF sterilization and the lower tolerance to AmBd among patients who died indicate the need to adopt drugs with fewer adverse effects and high early fungicidal activity in order to improve the prognosis of these patients.

Keywords: HIV/AIDS. Cryptococcal  meningoencephalitis

Introdução

Criptococose é uma micose sistêmica causada por fungos do gênero Cryptococcus, com dois complexos de espécies mais frequentemente associados à doença em humanos: Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii. Ambos apresentam tropismo pelo sistema nervoso central (SNC) determinando a meningoencefalite criptocócica (MC) (BICANIC; HARRISON, 2004).

A incidência da doença aumentou significativamente em meados da década de 1980, com o HIV/AIDS responsável por mais de 80% dos casos de criptococose em todo o mundo, devido à imunodeficiência celular, estando relacionada principalmente à contagem de linfócitos T CD4+ abaixo de 100 células/mcL (HAJJEH et al., 1999). A criptococose ocorre como primeira doença oportunística em cerca de 4,4% dos casos de AIDS no Brasil e é uma das causas mais frequentes de morte nos pacientes adultos com AIDS (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999).

Os consensos terapêuticos indicam a associação da anfotericina B e fluocitosina como primeira escolha no tratamento de indução da MC em pacientes com AIDS, com força e nível de evidência A-I. No entanto no Brasil a fluocitosina não está comercialmente disponível o que leva ao uso da associação anfotericina B e fluconazol na maioria dos Serviços, baseado no consenso da sociedade norte-americana de infectologia, com força e nível de evidência B-I (PERFECT et  al, 2010).

Mesmo com o tratamento, a doença tem potencial evolução grave e fatal em pacientes com ou sem imunodeficiência (BICANIC; HARRISON, 2004; GRUPO DE CONSENSO DE CRIPTOCOCOSE, 2008; SKRIPULETZ et al., 2014). A letalidade da criptococose na AIDS tem sido estimada em 10% nos países desenvolvidos, chegando a 43% nos países em desenvolvimento como a Tailândia, com um tempo médio de sobrevida de 14 dias (GRUPO DE CONSENSO DE CRIPTOCOCOSE, 2008).

Observou-se uma redução da incidência e da letalidade após a instituição da terapia antirretroviral combinada (TARV) a partir da década de 1990 nos países onde a TARV está disponível (MANOSUTHI; WIBOONCHUTIKUL; SUNGKANUPARPH, 2016).

Fatores associados ao risco de óbito na MC conhecidos são: carga fúngica alta, velocidade da diminuição da carga fúngica, alteração do estado de consciência, ausência de pleocitose no LCE, comprometimento parenquimatoso cerebral, HIC e infecção disseminada (JARVIS et al., 2014; PAULINA; FERNANDO; LUIS, 2015; VIDAL et al., 2012). 

Cerca de 50 a 70% dos pacientes com MC apresentam aumento da pressão intracraniana e diversos protocolos recomendam punções lombares terapêuticas como tratamento adjuvante (CHANG; PERFECT, 2016; GRUPO DE CONSENSO DE CRIPTOCOCOSE, 2008; PAULINA; FERNANDO; LUIS, 2015; PERFECT et al.,2010).

Com vistas à melhoria no manejo clínico, o presente estudo analisa os fatores de risco para óbito entre os pacientes com MC e AIDS atendidos em um serviço de referência na região Centro-Oeste do Brasil, bem como descreve a evolução da pressão intracraniana em um subgrupo de doentes.

Pacientes e Método

Local e desenho do estudo. Um estudo quantitativo, epidemiológico, observacional, analítico foi realizado com uma coorte de pacientes com MC e AIDS atendidos no Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (HUMAP), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) – Brasil, no período de janeiro de 2013 a dezembro de 2017.

Critérios de inclusão e exclusão. Os indivíduos incluídos tinham resultado positivo de exames sorológico para HIV e apresentavam cultura de LCE positiva para Cryptococcus spp. Foram excluídos os indivíduos com presença de comorbidades neurológicas de origem infecciosa, inflamatória ou neoplásica.

Coleta de dados. Desde janeiro de 2013 fez-se a coleta prospectiva de dados demográficos, clínicos e laboratoriais de todos os pacientes com diagnóstico de criptococose atendidos no HUMAP-UFMS. Os dados dos pacientes incluídos foram, então, lançados em planilha Excel. 

Análise do LCE. Foram realizadas sistematicamente pesquisa direta de fungos com tinta da China e hidróxido de potássio (KOH) e cultura em meio de ágar Sabouraud e Mycosel®. Os isolados de Cryptococcus spp obtidos nos cultivos eram semeados em meio Canavanina-Glicina-Bromotimol (CGB) e ágar níger, além de identificação pelo sistema automatizado Phoenix 100 (Becton- Dickinson, Microbiology Systems). A citometria, proteinorraquia e glicorraquia do LCE também foram realizadas sistematicamente em todas as amostras de LCE, no mesmo laboratório.

Contagem de linfócitos CD4+ e de carga viral do HIV. Contagem de linfócitos CD4+ foi realizada por citometria de fluxo e o exame de carga viral do HIV por Real time-PCR (Abbott); ambos foram realizados no Laboratório Central de Saúde Pública (LACEN) do Estado de MS.

Raquimanometria e punção liquórica de alívio. Os pacientes diagnosticados a partir de janeiro de 2016 foram submetidos a raquimanometria nas punções lombares sequenciais, para avaliação da pressão de abertura (PA) e fechamento (PF). Todas as aferições foram realizadas com o mesmo aparelho e por um único médico, utilizando um raquimanômetro calibrado CE HT1890.

Pacientes com PA elevada eram submetidos à retirada de LCE até redução  de PA em 50% ou até 20 cm de H2O. A frequência das punções era determinada pelos médicos assistentes, e variava de paciente para paciente, conforme sintomatologia, sem um protocolo definido.

Para fins de análise do seguimento das pressões do LCE foram consideradas como PL0 a punção lombar realizada antes do início do tratamento, e como PL1 a PL6, as punções subsequentes, até um número de seis.

Tratamento antifúngico. O manejo do tratamento antifúngico foi realizado pelos médicos assistentes seguindo o protocolo da Unidade de Doenças Infecciosas do HUMAP, que indica a associação de anfotericina B com fluconazol no tratamento de indução (PERFECT et al., 2010).

Desfecho. O desfecho principal estudado foi óbito atribuído à criptococose, que foi definido como o paciente ter evoluído para o óbito com criptococose em atividade, apresentando alguma cultura positiva para Cryptococcus  spp próximo à data do óbito e sem que o óbito pudesse ter sido imputado a outra doença ou agravo.

Análise estatística. Para análise comparativa das variáveis numéricas foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Para análise das variáveis numéricas com medidas repetidas do mesmo paciente utilizou-se o teste dos postos sinalizados de Wilcoxon de amostras relacionadas. Para análise das variáveis categóricas utilizou-se a prova exata de Fisher. Adotou-se um nível de significância de 0,05 para rejeitar a hipótese de nulidade. Não foi possível realizar a análise de regressão logística devido ao pequeno tamanho da amostra.

Aspectos éticos. O projeto foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos da UFMS, com parecer número 1.671.988.

Resultados

No período de estudo de cinco anos foram incluídos 36 indivíduos, cujas características gerais são apresentadas na tabela 1. Os pacientes se encontravam na 3ª e 4ª décadas da vida (Md= 39,5 anos), com predomínio do sexo masculino (86,1%) e provenientes da zona urbana (88,9%) com duração da sintomatologia compatível com doença aguda-subaguda (Md= 28 dias). Apresentavam imunodeficiência grave, com mediana de linfócitos T CD4+ de 19 células/mcL (interquartile range IQR 7,0- 47,0 células/mcL)

A pesquisa direta de Cryptococcus spp no líquor foi positiva em 97.2% dos indivíduos.) e observou-se crescimento de Cryptococcus spp em hemocultura de 16 pacientes (44,4%), em urina de 4 (11,1%), em medula óssea de 3 (8,3%) e em secreção traqueal de 2 (5,6%).

A taxa de letalidade foi de 36,1%.

Tabela 1- Características gerais de 36 pacientes com meningoencefalite criptocócica e AIDS.

Tabela 2. Manifestações clínicas apresentadas por 36 pacientes com meningoencefalite criptocócica e AIDS.

Tabela 3. Análise de fatores de risco para óbito de 36 pacientes com meningoencefalite criptocócica e AIDS.

Não houve diferença significativa no número de punções lombares até a esterilização do líquor entre o grupo óbito x não óbito.

As análises referentes às variáveis numéricas estão na tabela 4.

Tabela 4. Variáveis clínicas de 36 pacientes com meningoencefalite criptocócica e AIDS segundo a evolução para óbito. Comparação de variáveis contínuas pelo teste U de Mann-Whitney.

linfócitos T cluster differentiation 4; MC: meningoencefalite criptocócica.

Tabela 5 – Fatores selecionados para uma possível análise multivariada

Foi realizada uma análise de um subgrupo de cinco pacientes que foram submetidos à raquimanometria com avaliação da pressão de abertura, pressão de fechamento, proteinorraquia e linforraquia, durante o seguimento da doença, conforme mostrado na figura1.

Figura 1. Pressão de abertura (PA), pressão de fechamento (PF), proteinorraquia (pt) e de percentual de linfócitos em sete punções lombares subsequentes no seguimento de cinco pacientes com meningoencefalite criptocócica e AIDS. Mediana de cinco pacientes.

PL: punção lombar; PL0: PL pré-tratamento; PL 1-6: PL subsequentes após início do tratamento PA: pressão intracraniana de abertura; PF: pressão intracraniana de fechamento Pt- proteína

Quanto à pressão de abertura (PA), não se observou diferença significativa entre as diversas aferições de PA0 a PA6, quando observadas em conjunto (PA= 0,423), porém observa-se queda no valor de PA1 em relação à PA0, com diferença significativa entre as duas (p= 0,043), tendo sido todas as diferenças para menos nos cinco casos. Não houve diferença significativa de PA2, PA3, PA4, PA5 e PA6 em relação à PA0 (p= 0,225, 0,144, 0,109, 0,317 e 0,317, respectivamente). PA2 foi avaliada em quatro casos, PA3 em quatro casos, PA4 em três casos, PA5 e PA6 em um caso cada.

A pressão intracraniana foi avaliada em apenas cinco pacientes incluídos a partir de abril de 2016, quando a UNIDIP adquiriu o raquimanômetro para a realização desta pesquisa. Dos cinco pacientes incluídos, apenas um faleceu; o mesmo apresentava a pressão de abertura das cinco punções lombares realizadas num período de 99 dias, sempre acima de 20 cm H2O. Não houve diferença significativa entre as medianas de pressão de abertura nos diferentes momentos de acompanhamento.

Com relação à proteinorraquia (Ptn), não se observou diferença significativa entre as diversas aferições de Ptn0 a Ptn6 (p= 0,423).

Quanto à contagem de linfócitos no LCE, a análise foi prejudicada, pois em grande parte dos casos, devido à baixa contagem de linfócitos totais, a contagem diferencial não foi realizada.

Figura  2. Análise de sobrevivência dos indivíduos com  meningoencefalite criptocócica  e AIDS

A mediana de tempo de seguimento dos pacientes da amostra total foi de 83 dias, IC 95% (46,62; 119,40). A probabilidade de um paciente sobreviver até 2 meses de acompanhamento foi de 55%.

Discussão

A Unidade de Doenças Infecciosas e Parasitárias do HUMAP/UFMS atende em média, 10,4 casos de criptococose e AIDS por ano (LINDENBERG et al, 2008). No presente estudo, realizado no mesmo serviço, foram incluídos 36 pacientes com neurocriptococose e AIDS, em cinco anos de levantamento, com média de 7,2 pacientes/ano.

O predomínio do sexo masculino, procedência de zona urbana e a mediana de faixa etária em torno de 39 anos refletem a distribuição dos casos de AIDS segundo sexo, área de residência e faixa etária no Brasil no período de 2013 a 2017 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017).

A mediana de contagem de LTCD4+ de 19 células/mcL [IQR 7-47] foi muito baixa e semelhante à encontrada em outros estudos (MOREIRA et al., 2006; VIDAL et al., 2012), o que condiz com o caráter oportunista do complexo Cryptoccocus neoformans,  observado neste estudo, na quase totalidade dos casos. 

A mediana do tempo de esterilização do LCE em nosso estudo foi de 23 dias [IQR14,0-41,0], período maior do que as duas semanas do tratamento de indução preconizado como referência para esterilização. Ressalta-se que o tratamento de indução não foi realizado com o esquema de primeira escolha, a associação de anfotericina B e fluocitosina, indicado nos consensos porque a fluocitosina não está disponível comercialmente no Brasil (ARENDRUP et al., 2013; GRUPO DE CONSENSO DE CRIPTOCOCOSE, 2008; PERFECT et al., 2010).

No Brasil já foram descritas, entre os coinfectados por HIV, taxas de letalidade de 62,8% no período de 1995 a 1997 e 30% no período de 2006 a 2008, em pacientes atendidos em centro de referência do sudeste brasileiro (PAPPALARDO; PASCHOAL; MELHEM, 2007; VIDAL et al.,2012). Considerando que no período estudado houve melhora da disponibilidade da HAART, a taxa de letalidade por MC foi elevada, 36,1% (IC 95%-25,5- 57,9%). Não foi possível realizar a comparação de letalidade com o estudo prévio de Mato Grosso do Sul, pois não há descrição da letalidade dos casos de MC/AIDS (LINDEMBERG et al.,2008).

A análise de sobrevida revelou que a probabilidade de sobreviver em até 2 meses de acompanhamento foi de 55%.

A mediana de leucorraquia, aqui observada, foi baixa, de 15,5 cel/mm³ [3,3 – 51,0], a semelhança do observado em outros estudos (LINDEMBERG et al.,2008; VIDAL et al, 2012). Não foi observada associação da leucorraquia com óbito. 

O grupo de pacientes que faleceu apresentou maior relação de linfomononucleares/polimorfonucleares (p= 0,011), porém ambas as contagens absolutas eram baixas, considerando-se a leucorraquia total. A linforraquia total não expressa, no entanto, a quantidade de células LTCD4+ presentes no LCE, as quais são fundamentais para o controle da infecção criptocócica.

O fato de a dose total utilizada de anfotericina B ter sido menor nos que morreram (p= 0,038) pode estar ligado ao pior estado geral destes pacientes.

O maior tempo entre a última punção positiva para pesquisa de fungos e a primeira punção com pesquisa negativa, no grupo de óbito (p= 0,026), não se associou ao número de punções lombares realizadas em cada grupo, como possível causa de maiores complicações por HIC.

Apenas 17 pacientes tiveram a pesquisa de antígeno criptocócico (CrAg) pelo método Lateral Flow Assay (LFA) realizada, sendo 3 em LCE, 1 em LCE e sangue e 13 exclusivamente em sangue. O motivo para isto é a disponibilidade do exame apenas em situação de pesquisa com critérios de inclusão específicos, a partir de abril de 2014. O fato de não ser realizada a técnica quantitativa da pesquisa de antígeno impediu a comparação da taxa de velocidade de redução da carga fúngica com outros estudos. A mediana de tempo de duração de sintomas foi de 28 dias [14,0-37,0] na amostra como um todo, porém sem associação com óbito (p= 0,921). Este tempo, no entanto, é numericamente superior ao de 14 dias utilizado como ponto de corte para predição de maior risco para óbito (VIDAL et al.,2012).

Este trabalho apresenta várias limitações, entre elas: o pequeno número de pacientes que preenchessem os critérios de inclusão; poucos pacientes tiveram avaliação da pressão PIC, o que limitou a tentativa de associação com a resposta inflamatória sistêmica (contagem de LTCD4+), com a celularidade liquórica e o desfecho óbito, bem como a avaliação da HIC como fator de risco para óbito; notou-se ainda a necessidade premente de incremento dos recursos diagnósticos tais como antigenemia quantitativa e a quantificação da carga fúngica de LCE, o que permitiria estabelecer critérios prognósticos no acompanhamento clínico.

Concluindo, a meningoencefalite criptocócica acometeu adultos de faixa etária produtiva, com grave comprometimento imunológico e resultou em tempo prolongado de internação e alta taxa de letalidade na população estudada. O maior tempo de esterilização do líquor entre os pacientes que faleceram indica a necessidade de instituir estratégias que permitam a redução do tempo de esterilização do LCE, como utilização de fluocitosina no tratamento de indução e redução da hipertensão intracraniana, a fim de melhorar o prognóstico desses pacientes.

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¹Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina (FAMED) – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

2Laboratório de Micologia do Hospital Maria Aparecida Pedrossian – HUMAP

3Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP