FATORES DE RISCO E MÉTODOS DE PREVENÇÃO DA LESÃO DE LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR EM PRATICANTES DE ESPORTES

RISK FACTORS AND PREVENTION METHODS OF ANTERIOR CRUCIATE LIGAMENT INJURY IN SPORTS PLAYERS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202506161128


Guilherme Falkini Vilas Boas1
Yuri de Moraes Facó2
Danilo Simões Rocha3


RESUMO

A lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) é comum em esportes com mudanças rápidas de direção, geralmente sem contato direto, causando longos afastamentos, impactos físicos, emocionais e risco de osteoartrite. Objetivo: Analisar os fatores de risco e os métodos de prevenção das lesões do ligamento cruzado anterior (LCA) em praticantes de esportes, com base nas evidências disponíveis na literatura científica. Métodos: Trata-se de uma revisão sistemática da literatura, sem meta-análise, em artigos publicados no período de 2015 a 2025. Resultados: Foram incluídos 10 (dez) estudos, 6 (seis) ensaios clínicos randomizados, 1 (um) ensaio não randomizado e 3 (três) estudos de delineamento prospectivo. Os desequilíbrios musculares, valgo dinâmico do joelho e aumento do pico de força na decolagem elevam o risco de lesão do LCA em atletas mulheres. A maior flexão do quadril reduz esse risco, enquanto o aumento da rotação interna do joelho o potencializa. O valgo estático e genu recurvatum estão associados a maior chance de lesões secundárias. Os treinamentos com foco em core, controle motor e biofeedback, direcionados ao quadril, melhoram o controle dinâmico e reduzem o momento de abdução do joelho, contribuindo para a prevenção do LCA. Programas neuromusculares geram adaptações específicas, com melhores resultados em atletas de futebol comparados a outros esportes. Já programas padronizados, como o FIFA 11+, demonstraram alta eficácia na redução de lesões, em atletas de alto risco. Conclusão: Programas preventivos com foco em neuromuscular, core, biofeedback e protocolos como o FIFA 11+ reduzem a incidência de lesões, quando personalizados conforme os déficits biomecânicos e neuromusculares. A sua aplicação contribui tanto para a prevenção do LCA quanto para a melhora do desempenho e redução de custos com tratamento e reabilitação.

Palavras-chave: ortopedia; lesões do esporte; lesões do ligamento cruzado anterior; prevenções de acidentes.

ABSTRACT

Anterior cruciate ligament (ACL) injuries are common in sports with rapid changes of direction, usually without direct contact, causing long absences, physical and emotional impacts and risk of osteoarthritis. Objective: To analyze the risk factors and prevention methods for anterior cruciate ligament (ACL) injuries in sports practitioners, based on the evidence available in the scientific literature. Methods: This is a systematic review of the literature, without meta-analysis, in articles published between 2015 and 2025. Results: Ten (10) studies were included, including six (6) randomized clinical trials, one (1) non-randomized trial and three (3) prospective studies. Muscle imbalances, dynamic knee valgus and increased peak force at take-off increase the risk of ACL injury in female athletes. Greater hip flexion reduces this risk, while increased internal knee rotation increases it. Static valgus and genu recurvatum are associated with a higher chance of secondary injuries. Training focused on core, motor control and biofeedback, directed at the hip, improves dynamic control and reduces the knee abduction moment, contributing to the prevention of ACL. Neuromuscular programs generate specific adaptations, with better results in soccer players compared to other sports. Standardized programs, such as FIFA 11+, have demonstrated high efficacy in reducing injuries in high-risk athletes. Conclusion: Preventive programs focused on neuromuscular, core, biofeedback and protocols such as FIFA 11+ reduce the incidence of injuries, when customized according to biomechanical and neuromuscular deficits. Their application contributes both to the prevention of ACL and to improving performance and reducing costs with treatment and rehabilitation.

Keywords: orthopedics; sports injuries; anterior cruciate ligament injuries; accident prevention.

INTRODUÇÃO

O ligamento cruzado anterior (LCA) é um dos dois ligamentos cruzados que auxiliam na estabilização da articulação do joelho, principalmente em esportes com mudanças rápidas de direção. As suas rupturas são comuns, sendo responsáveis ​​por entre 100.000 e 200.000 lesões entre atletas por ano, e bastante incapacitantes, afetando mais de metade das lesões no joelho (LArwa et al., 2021; Bradsell; Frank, 2022; Evans; Nielson, 2023). É uma das lesões mais graves para atletas, principalmente em esportes de corte como futebol, handebol e basquete, pois resulta em longos períodos de afastamento e queda no desempenho (Kamatsuki et al., 2025). A incidência anual dessas lesões em atletas profissionais varia de 0,21% a 3,67%, enquanto na população em geral é menor, em torno de 0,03% (Mancino et al., 2024).

As lesões do LCA são comuns entre jovens atletas e geralmente ocorrem sem contato direto, durante movimentos como cortes, giros ou aterrissagens (Larwa et al., 2021; Kamatsuki et al., 2025). Apesar de não parecerem graves à primeira vista, exigem reabilitação intensa antes do retorno ao esporte (Larwa et al., 2021). Essas lesões em atletas profissionais podem comprometer a carreira, dificultar o retorno ao desempenho anterior e aumentar o risco de novas lesões. Também estão associadas a impactos psicológicos e à osteoartrite futura (Mancino et al., 2024).

Muitas vezes as lesões do LCA acontecem de forma inesperada, sem que haja qualquer contato com outro jogador, conhecidas como lesões sem contato. Em outros casos, ainda que exista alguma interação física, o impacto não ocorre diretamente na perna afetada, caracterizando o que chamamos de lesão indireta do LCA (Zebis et al., 2022). A combinação de forças em diferentes planos, como a abdução do joelho, a rotação interna da tíbia e a translação anterior da tíbia associada à pouca flexão do joelho, é reconhecida como um dos principais mecanismos envolvidos na ruptura do LCA (Otsuki et al., 2021).

O tratamento da lesão do LCA costuma exigir cirurgia e longa recuperação, gerando impactos físicos, emocionais e altos custos para o paciente (Bradsell; Frank, 2022). O tratamento consiste na terapia “RICE”, que inclui repouso, gelo, compressão do joelho afetado e elevação da extremidade inferior afetada (Evans; Nielson, 2023). Após a reconstrução do LCA, apenas uma em cada três jogadoras retorna ao mesmo nível competitivo, e muitas enfrentam uma nova lesão. Isso ocasiona impactos físicos e emocionais, os custos com tratamento e risco de osteoartrite precoce geram grande ônus financeiro (Collings et al., 2022).

Diante disso, surge necessidade de compreender quais os métodos de prevenção com melhores resultados e como eles impactam na mitigação desses fatores de risco em diferentes populações esportivas. Assim, pergunta-se: Quais são os principais fatores de risco biomecânicos e neuromusculares associados à lesão do LCA em praticantes de esportes e quais os métodos de prevenção têm mostrado satisfatório na redução dessa lesão, considerando as diferentes modalidades, faixas etárias e níveis de treinamento?

Para responder a esse questionamento, este estudo tem como objetivo analisar os fatores de risco e os métodos de prevenção das lesões do ligamento cruzado anterior (LCA) em praticantes de esportes, com base nas evidências disponíveis na literatura científica.

MÉTODOS

Foi desenvolvida uma revisão sistemática da literatura, sem meta-análise, de estudos com resultados obtidos na prática médica. Para isso, foi elaborado a pergunta PICOS (P: população; I: intervenção/exposição; C: comparação; O: desfecho (outcome, do inglês); S: tipo de estudo (study type, do inglês) e, seguiu-se as seguintes etapas: pesquisa na base de dados; seleção de artigos, extração das principais informações; síntese dos estudos, avaliação e interpretação dos estudos.

Esta revisão sistemática vem responder a seguinte pergunta PICOS: Quais são os principais fatores de risco biomecânicos e neuromusculares associados à lesão do LCA em praticantes de esportes e quais os métodos de prevenção têm mostrado satisfatório na redução dessa lesão, considerando diferentes modalidades, faixas etárias e níveis de treinamento?

A pesquisa bibliográfica foi realizada na base de dados PubMed (National Library of Medicine). Para a pesquisa foram considerados os seguintes Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): Ortopedia; Lesões do Esporte; Lesões do Ligamento Cruzado Anterior; Prevenções de Acidentes.

Foram incluídos 1) estudos publicados entre 2015 a 2025; 2) Artigos que abordam os métodos de prevenção para lesão do LCA em praticantes do esporte; 3) População composta por atletas profissionais, de qualquer faixa etária e sexo; 4) Estudos que analisem os fatores de risco biomecânicos, neuromusculares ou comportamentais; 5) Estudos randomizados, não randomizados, prospectivos.

Foram excluídos 1) estudos que abordem lesões de outros ligamentos ou estruturas do joelho que não o LCA; 2) artigos de revisão (sistemática, meta-análises, narrativas, integrativas), relatos de caso, cartas ao editor, opiniões, projeto de ensaio clínico; 3) estudos sem aplicação prática de intervenção preventiva; 4) trabalhos que envolvam apenas cirurgia, reabilitação pós-lesão ou tratamento sem estar direcionada à prevenção, 5) pesquisas realizadas em populações que não sejam praticantes regulares de atividades esportivas.

O processo de seleção dos artigos aconteceu conforme apresentado na Figura 1. De um total de 79 artigos encontrados na base de dados PubMed, após critérios de inclusão e exclusão, foram incluídos nesta revisão sistemática da literatura um total de 10 artigos.

Figura 1- Processo de seleção – Fluxograma PRISMA

Fonte: Autor (2025)

RESULTADOS

Foram incluídos 10 (dez) estudos na presente análise, sendo que destes, 6 (seis) ensaios clínicos randomizados, 1 (um) ensaio não randomizado e 3 (três) estudos de delineamento prospectivo. Os ensaios clínicos randomizados foram desenvolvidos para avaliar a efetividade de programas de prevenção, através de intervenções específicas voltadas à redução da incidência das lesões do LCA. Já os estudos prospectivos identificaram os principais fatores de risco associados dessas lesões em atletas, considerando variáveis biomecânicas, musculares, neuromusculares e anatômicas.

Fatores de risco

A Tabela 1 apesenta um resumo dos principais estudos que investigaram os fatores de risco para as lesões do LCA em atletas, que inclui os aspectos biomecânicos, neuromusculares, de força muscular e as características anatômicas.

Tabela 1 – Síntese dos estudos sobre os fatores de risco para a lesão do LCA em atletas.

Tabela 1 – Síntese dos estudos sobre os fatores de risco para a lesão do LCA em atletas.

Os três estudos prospectivos analisaram os diferentes fatores de risco para a lesão do LCA em atletas mulheres. Collings et al. (2022) destacaram os fatores musculares e os biomecânicos, como a redução de 0,14 na razão adutor/abdutor do quadril, que aumenta em 1,97 vezes o risco de lesão do LCA, e o aumento de pico de força na decolagem do salto, como também o aumento de 7,2° no valgo dinâmico do joelho, eleva o risco de lesão do LCA em 1,96 vezes. Zebis et al. (2022) direcionaram o estudo para os fatores neuromusculares e biomecânicos durante os movimentos de corte, identificando que cada aumento de 10° na flexão do quadril reduz o risco em 44%, enquanto o aumento de apenas 1° na rotação interna do joelho eleva o risco em 13%. Já Kamatsuki et al. (2025) identificaram que atletas com valgo estático de 1,4°e genu recurvatum (hiperextensão do joelho) de 1,9° apresentaram maior risco de lesões secundárias.

Métodos de Prevenção

A Tabela 2 apresenta uma síntese dos seis estudos que investigaram as intervenções voltadas à prevenção de lesões do ligamento cruzado anterior (LCA), com ênfase em métodos baseados em treinamento neuromuscular, programas estruturados e biofeedback.

Tabela 2 – Síntese dos estudos sobre os Programas de Prevenção de lesões do LCA.

Legenda: BF: Bíceps femoral; CIVM: contração isométrica voluntária máxima; DVJ: Salto vertical com queda; DVD: Digital Versatile Disc; EMG: Eletromiografia de superfície; FIFA 11+: inclui 6 exercícios de corrida no início e no final com 3 exercícios para ativar o sistema cardiovascular e 6 exercícios preventivos específicos com foco na força do core e das pernas, equilíbrio e agilidade; FRONT-DL: salto lateral com duas pernas (plano frontal); FRONT-SL: salto lateral com uma perna (plano frontal); GI: Grupo intervenção; GC: Grupo controle; KAM: Momento de abdução do joelho; LCA: ligamento cruzado anterior; LESS (Landing Error Scoring System): sistema de pontuação de erro de pouso; NMT: treinamento neuromuscular; ST: Semitendíneo; SAG-DL: salto para frente com duas pernas (plano sagital); SAG-SL: salto para frente com uma perna (plano sagital); VL: Vasto lateral;

Com base nos estudos incluídos, foi possível evidenciar que Zebis et al. (2015) utilizaram um protocolo direcionado em estabilidade do core, alinhamento joelho-pé e controle motor, porém, apesar de melhorar a pré-atividade muscular (43% na ativação VL-ST), não observaram mudanças nas variáveis cinemáticas e cinéticas. Já Ford et al. (2015) mostraram que o biofeedback cinético mostrou um melhor resultado na redução do momento de abdução do joelho (32,8%) e na manutenção da técnica correta durante o agachamento (80,8%), enquanto o biofeedback cinemático apresentou efeitos limitados. Complementando esses achados, Ford et al. (2025) evidenciaram que o treinamento neuromuscular com biofeedbak direcionado para o quadril promoveu uma redução significativa (p<0,05) do momento de abdução do joelho durante os movimentos imprevisíveis e, melhorou o controle motor em situações dinâmicas, contribuindo para a prevenção do LCA, em um acompanhamento de 6 meses. Taylor et al. (2018) demonstraram que programas neuromusculares promovem adaptações específicas, sendo que atletas de futebol obtiveram melhores resultados na redução da abdução do joelho em tarefas unilaterais em comparação às jogadoras de basquete, ainda que ambos os grupos tenham apresentado melhorias biomecânicas.

Por outro lado, os programas padronizados, como o FIFA 11+, mostraram-se muito efetivos na redução de lesões do LCA. Silvers-Granelli et al. (2017) evidenciaram uma redução de até 84% na incidência de lesões no grupo intervenção, com uma probabilidade 4,25 vezes menor de lesão em relação ao grupo controle. Akbari et al. (2019) reforçaram essa eficácia, particularmente em atletas classificados como de alto risco, que obtiveram melhorias significativas (p = 0,03) nos padrões de aterrissagem. Similarmente, Otsuki et al. (2021) verificaram que o programa foi capaz de evitar a piora dos padrões biomecânicos em jovens na puberdade e reduzir o risco em atletas na pós-puberdade.

DISCUSSÃO

As lesões do ligamento cruzado anterior (LCA) são frequentes em vários esportes e, elas costumam ocorrer em situações como aterrissagens após cabeceios ou em movimentos bruscos de mudança de direção para driblar adversários. Essas ações exigem muita força e controle, aumentando o risco (Al Attar et al., 2022).

Para identificar os fatores de risco de lesão do LCA biomecânicos e neuromusculares durante os movimentos esportivos de alto risco, são necessários desenhos de estudos prospectivos (Zebis et al., 2022), que acompanhem atletas ao longo do tempo para observar quem desenvolve a lesão e quais características estavam presentes previamente.  Nesse sentido os estudos incluídos nesta revisão sistemática, de Collings et al. (2022), Zebis et al. (2022) e Kamatsuki et al. (2025), adotaram esse modelo prospectivo e foram realizados exclusivamente com atletas femininas, o que fortalece a validade dos achados para esse público.

Isso confirma o que já é amplamente descrito na literatura, de que as adolescentes e mulheres adultas que praticam esportes com saltos e mudanças rápidas de direção têm de 2 a 10 vezes mais chances de sofrer lesões no LCA do que os homens nos mesmos esportes. Esse risco elevado, somado ao crescimento da participação feminina no esporte, fez disparar os casos de lesões do LCA em mulheres (Hewett et al., 2016).

A análise dos estudos de Collings et al. (2022), Zebis et al. (2022) e Kamatsuki et al. (2025) revela pontos de convergência e complementaridade na identificação dos fatores de risco biomecânicos e neuromusculares para as lesões do LCA em atletas femininas. De forma geral, todos os autores reforçam que os déficits na estabilidade dinâmica do quadril e do joelho, somados a padrões de movimento inadequados, estão diretamente associados ao aumento do risco de lesão, seja ela primária ou secundária.

Collings et al. (2022) destacam que a combinação de fatores neuromusculares, como os desequilíbrios na força adutora/abdutora do quadril, do valgo dinâmico do joelho e da flexão lateral do tronco durante os movimentos de salto unipodal, bem como maior força de impulsão no salto contramovimento (CMJ), aumentam o risco de nova lesão. Esses fatores biomecânicos e neuromusculares estão interligados, que podem estar relacionados aos desequilíbrios na musculatura do quadril e padrões de aterrissagem comprometidos que contribuem para a sobrecarga articular. Esses achados se alinham diretamente com os de Zebis et al. (2022), que reforçam o papel crítico da força dos rotadores externos do quadril e da capacidade de controle do plano transversal. Ambos os estudos convergem na ideia de que o quadril exerce um papel fundamental na proteção do joelho, ao controlar a rotação interna e o valgo dinâmico, que são movimentos recorrentes em gestos esportivos como cortes laterais e aterrissagens.

A contribuição de Zebis et al. (2022) avança ao identificar quatro fatores de risco modificáveis para a primeira lesão do LCA: a menor força de rotação externa do quadril, maior rotação interna do joelho, menor flexão do quadril no contato inicial e redução da pré-atividade do semitendíneo durante o corte lateral. A baixa força dos rotadores externos do quadril reforça a necessidade de incluir exercícios específicos em programas preventivos. A rotação interna aumentada do joelho durante manobras explosivas, como o corte lateral, indica a relevância de intervenções direcionadas ao controle do plano transversal. Já a menor flexão do quadril no contato inicial está associada a maior carga sobre o LCA, destacando a importância de treinar aterrissagens e cortes com maior flexão. Por outro lado, a baixa ativação prévia do semitendíneo compromete a estabilidade dinâmica do joelho, sendo recomendável o fortalecimento e controle motor específico dos isquiotibiais mediais.

Por outro lado, Kamatsuki et al. (2025) demonstraram que, entre os fatores anatômicos avaliados, apenas o valgo estático do joelho e a hiperextensão se associaram significativamente ao risco de lesão do LCA em atletas femininas de elite. O aumento do valgo estático esteve ligado tanto à lesão primária quanto à secundária, reforçando a importância do alinhamento frontal do joelho, além dos padrões dinâmicos de movimento, como o valgo dinâmico durante o corte e a aterrissagem. O achado de que o valgo estático se associa tanto à lesão primária quanto à recorrente reforça a importância do alinhamento estrutural, além dos componentes dinâmicos destacados por Collings et al. (2022) e Zebis et al. (2022). Kamatsuki et al. (2025) apontam que hiperextensão do joelho é um fator de risco apenas para lesões secundárias, sugerindo maior atenção na reabilitação e no alinhamento pós-operatório.

Os estudos anteriores, como os de Collings et al. (2022), Zebis et al. (2022) e Kamatsuki et al. (2025), foram conduzidos com populações femininas, com evidências de que as mulheres apresentam maior risco de lesão do LCA, em esportes com saltos e mudanças rápidas de direção. No entanto, um estudo realizado com jogadores juniores de badminton do sexo masculino também identificou fatores biomecânicos relevantes, como o aumento do ângulo de abdução do joelho e a rotação no plano transverso durante aterrissagens, demonstrando que, embora o risco seja mais alto nas mulheres, os homens também estão expostos quando apresentam padrões de movimento inadequados (Yeap et al., 2025).

Mesmo assim, ainda não existe uma total clareza sobre todos os fatores de risco envolvidos na lesão do LCA, e, essa falta de entendimento limita o conhecimento sobre o que, de fato, torna os programas de prevenção realmente eficazes (Arundale; Silvers‐Granelli; Myklebust, 2022).

A prevenção de lesões do LCA em atletas vem sendo estudada há mais de três décadas. Os programas de treinamento neuromuscular geralmente envolvem treinos variados e, combinam exercícios de força, como fortalecimento do core, equilíbrio, pliometria, propriocepção, resistência, velocidade e agilidade. Alguns, como o 11+ (FIFA11+), o programa de Prevenção de Lesões e Aprimoramento de Desempenho e o Knäkontroll (Knee Control), são aplicados como aquecimento dinâmico, o que favorece a adesão. Outros, como o Sportsmetrics, são realizados de forma independente (Al Attar et al., 2022; Arundale; Silvers‐Granelli; Myklebust, 2022). A pliometria, bastante usada, consiste em exercícios com saltos que exploram o ciclo de alongamento e encurtamento muscular (Al Attar et al., 2022).

Os programas de prevenção do LCA atuam na correção de padrões biomecânicos, aumentam a flexão do joelho e quadril e reduzem a abdução do joelho. No entanto, não apresentam o mesmo sucesso em todos os esportes, o que indica a necessidade de programas específicos para cada modalidade (Taylor et al., 2018).

A análise dos estudos revela importantes contribuições sobre a eficácia dos programas de prevenção de lesões do LCA, sobretudo na modificação de padrões de movimento de alto risco, com variações dependendo da fase de desenvolvimento, do tipo de esporte, do sexo e das estratégias utilizadas.

Otsuki et al. (2021) destacam que a fase de desenvolvimento biológico exerce forte influência na resposta ao treinamento preventivo. Em atletas no início da puberdade, o programa foi satisfatório em evitar o desenvolvimento de padrões lesivos, enquanto naqueles no final da puberdade os efeitos foram mais limitados, possivelmente por estarem em fase de crescimento recente, o que pode impactar negativamente a adaptação ao treino. Já no grupo pós-puberal, os ganhos foram mais expressivos na melhora da mecânica do joelho, reduzindo o risco de lesões.

Quando se analisa o efeito de programas como o FIFA 11+, Akbari et al. (2019) e Silvers-Granelli et al. (2017) apresentaram achados consistentes sobre a sua aplicabilidade. Akbari et al. (2019) demonstra que, além de ser superior ao aquecimento tradicional na melhoria dos padrões de aterrissagem, o FIFA 11+ é eficaz em atletas com risco inicial mais elevado, ou seja, aqueles com piores padrões biomecânicos. Silvers-Granelli et al. (2017) reforça esse benefício na prática esportiva real, comprovando uma expressiva redução de 77% na incidência de lesões do LCA em jogadores universitários do sexo masculino. Não foram encontradas diferenças significativas nas taxas de lesão com base no tipo de superfície (grama versus grama artificial) e, as taxas de lesões por contato diminuíram no grupo que utilizou o programa.

A importância do controle proximal, principalmente do quadril, é muito bem evidenciada por Ford et al. (2025). Enquanto todos os grupos apresentaram melhora em tarefas de salto, apenas aqueles que receberam biofeedback direcionado para o quadril, obtiveram melhora significativa (p < 0,05) em cortes laterais inesperados. Isso sugere que fortalecer e treinar o controle do quadril não só melhora padrões simples de aterrissagem, mas também promove a estabilidade durante os movimentos dinâmicos e imprevisíveis, que são exatamente aqueles mais associados às lesões do LCA.

Essa ênfase no controle neuromuscular, também é reforçada pelos achados de Zebis et al. (2015), evidenciaram que após 12 semanas de treinamento neuromuscular (TNM), jogadoras de futebol e handebol demonstraram um aumento na pré-atividade do tendão medial (semitendíneo – ST), sendo uma adaptação positiva na prevenção de lesões. Em contraste, o grupo controle apresentou uma menor ativação do ST ao final do estudo, com menor efeito protetor.

Ford et al. (2015) complementam esses achados que o biofeedback em tempo real melhora a biomecânica e reduz o risco de lesões, como do LCA, em atletas jovens. Evidenciaram uma redução significativa no ângulo (p < 0,01) e no momento de abdução (p = 0,04) do joelho após o treinamento. O biofeedback aplicado no agachamento foi transferido para o salto (DVJ), o que indica que houve ganhos na mecânica em tarefas dinâmicas. Foi observado que mesmo após uma única sessão, os participantes mostraram melhorias relevantes na mecânica do joelho, sendo então um método que pode complementar os programas de prevenção de lesões em atletas.

Por outro lado, Taylor et al. (2018) demonstram que as respostas aos programas preventivos podem variar de acordo com o esporte praticado. As jogadoras de futebol feminino tiveram maiores melhorias na cinemática de abdução do joelho do que as jogadoras de basquete, possivelmente porque o futebol envolve mais movimentos de corte e deslocamentos laterais, enquanto o basquete apresenta maior predominância de saltos verticais. Logo, as jogadoras de basquete, que realizam mais movimentos verticais, podem necessitar de um programa diferenciado.

Este estudo oferece contribuições relevantes para a ortopedia, ao reunir e analisar evidências sobre os fatores de risco e as estratégias de prevenção de lesões do LCA. As informações fornecidas podem subsidiar a prática clínica, orientando os ortopedistas, fisioterapeutas e profissionais de educação física na prescrição de programas de prevenção. O estudo reforça a importância de intervenções precoces e individualizadas na redução da incidência de lesões, contribuindo diretamente para a diminuição dos custos com tratamentos cirúrgicos e reabilitação, promovendo uma melhor qualidade de vida e retorno mais seguro às atividades esportivas.

As principais limitações deste estudo são as diferenças nos protocolos de intervenção, nas características dos participantes (sexo, idade, modalidade esportiva) e nos critérios de avaliação dos desfechos, o que dificulta a comparação direta entre os resultados. Outro ponto relevante é que a maioria dos estudos prospectivos, que estão relacionados aos fatores de riscos, analisou exclusivamente atletas do sexo feminino, o que limita a generalização dos achados para a população masculina.

CONCLUSÃO

As intervenções baseadas em treinamento neuromuscular, fortalecimento do core, biofeedback e programas estruturados, como o FIFA 11+, mostraram ser eficazes na redução da incidência de lesões, quando aplicadas de forma contínua e direcionada. Somado a isso, a identificação de padrões de movimento, como valgo dinâmico, rotação interna do joelho e déficit na força dos abdutores do quadril, permite um direcionamento mais assertivo na prescrição de protocolos preventivos, considerando as características individuais dos atletas.

Portanto, os resultados reforçam a importância dos programas preventivos personalizados, que considerem tantos os aspectos biomecânicos quanto os neuromusculares, pra reduzir o risco de lesões do LCA. A aplicação desses programas na prática esportiva e clínica contribui não apenas para prevenção da integridade física dos atletas, mas também para a melhora do desempenho, redução dos custos com os tratamentos cirúrgicos e reabilitação.


REFERÊNCIAS

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1Médico, Residente em Ortopedia e Traumatologia, Hospital Regional de Sobradinho, Brasília, Distrito Federal, Brasil
2Médico, Especialista em Ortopedia e Traumatologia, Hospital Regional de Sobradinho, Brasília, Distrito Federal, Brasil
3Médico, Especialista em Ortopedia e Traumatologia, Hospital Regional de Sobradinho, Brasília, Distrito Federal, Brasil