IMPACT FACTORS ON THE QUALITY OF LIFE OF CHILDREN WITH FUNCTIONAL INTESTINAL CONSTIPATION
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8040813
Isabella Juliana Manfredo Rodrigues1
Júlia de Andrade Figueiredo1
Larissa Caetano Silva2
Isadora de Carvalho Trevizoli3
RESUMO:
A constipação intestinal funcional (CF) é uma doença prevalente na infância que possui repercussão negativa na qualidade de vida. Esse estudo busca avaliar a qualidade de vida desses pacientes e os fatores de impacto nessa percepção. Neste contexto foi utilizado um estudo analítico, observacional do tipo transversal realizado com pacientes de 2 a 13 anos atendidos em ambulatório no hospital materno infantil de Brasília – DF com diagnóstico de constipação intestinal funcional conforme critérios definidos pela literatura. Diante do exposto o estudo evidenciou que as crianças constipadas apresentaram menores valores de PedsQL total, com significância estatística encontrada na avaliação do PedsQL escolar na percepção dos pais das crianças entre 2 e 4 anos (p-valor < 0,05). Mostrou ainda que o tempo de tratamento foi fator de impacto negativo no PedsQL físico na avaliação dos pais. Portanto pode-se concluir que há um menor valor numérico na avaliação de qualidade de vida pelo PedsQL 4.0 dos pacientes com CF em relação ao controle, sem significância estatística. Na percepção dos pais, houve pior qualidade de vida no PedsQL escolar das crianças de 2 a 4 anos. Foi notado, na avaliação dos fatores de impacto nessa percepção, que o tempo de tratamento interferiu negativamente no PedsQL físico, sendo que os demais fatores pesquisados não foram estatisticamente significativos.
Palavras-Chave: Constipação Funcional; Qualidade de Vida; Crianças; Questionário Pediátrico de Qualidade de Vida PedsQL 4.0.
ABSTRACT:
Functional constipation (FC) is a prevalent disease in childhood that has a negative impact on quality of life. This study seeks to assess the quality of life of these patients and the factors that impact this perception. In this context, an analytical, observational, cross-sectional study was carried out with patients from 2 to 13 years of age treated at an outpatient clinic at the Maternal and Child Hospital in Brasília – DF with a diagnosis of functional constipation according to criteria defined in the literature. Given the above, the study showed that constipated children had lower total PedsQL values, with statistical significance found in the evaluation of school PedsQL in the perception of parents of children between 2 and 4 years old (p-value < 0.05). It also showed that the treatment time had a negative impact on the physical PedsQL in the parents’ assessment. Therefore, it can be concluded that there is a lower numerical value in the assessment of quality of life by the PedsQL 4.0 of patients with CF in relation to the control, without statistical significance. In the parents’ perception, there was a worse quality of life in the school PedsQL of children aged 2 to 4 years. It was noticed, in the evaluation of the impact factors in this perception, that the treatment time negatively interfered in the physical PedsQL, and the other factors researched were not statistically significant.
Keywords: Functional Constipation; Quality of life; Children; PedsQL Pediatric Quality of Life Questionnaire 4.0.
INTRODUÇÃO
A constipação funcional (CF) em crianças, também conhecida como constipação crônica idiopática ou obstipação funcional, é um distúrbio gastrointestinal caracterizado por dificuldade persistente para evacuar ou defecar. É um problema comum em crianças e ocorre quando os movimentos intestinais tornam-se irregulares e infrequentes. Ao contrário da constipação causada por uma condição médica subjacente, a constipação funcional não possui uma causa orgânica identificável, geralmente, é resultado de uma combinação de fatores, incluindo dieta inadequada, baixa ingestão de líquidos, falta de atividade física, comportamento de retenção voluntária das fezes e problemas psicológicos, como ansiedade ou medo de usar o banheiro (TABBERS, 2014) .
Neste contexto, em crianças a CF pode se tornar um problema crônico se não for tratada adequadamente. A acumulação de fezes endurecidas no intestino pode causar impactação fecal, resultando em sintomas mais graves, como incontinência fecal, vazamento involuntário de fezes líquidas ao redor das fezes retidas e distensão abdominal. Diante do exposto, o presente artigo justifica-se pelo fato que a fisiopatologia da constipação funcional em crianças é complexa e ainda não está totalmente compreendida (BATISTA, 2000).
Existem algumas teorias e mecanismos que são considerados importantes na sua ocorrência. Muitas crianças desenvolvem um comportamento de retenção voluntária das fezes devido a experiências dolorosas anteriores durante a evacuação. O medo de defecar e a associação de dor com a eliminação das fezes podem levar à retenção fecal, resultando em um ciclo vicioso. A retenção prolongada pode fazer com que o reto se dilate e perca a sensibilidade normal, levando a uma maior dificuldade de evacuação (HYAMS et. Al, 2016).
Faz-se mister, ainda, salientar a respeito do assoalho pélvico na qual é composto por um grupo de músculos que ajudam no controle do esvaziamento intestinal. Em alguns casos de constipação funcional, pode haver uma disfunção desses músculos, resultando em dificuldade para relaxá-los durante a evacuação. A motilidade intestinal refere-se aos movimentos coordenados dos músculos do trato gastrointestinal que ajudam no transporte adequado dos alimentos e resíduos. Em crianças com constipação funcional, pode ocorrer uma redução na motilidade intestinal, resultando em um trânsito mais lento das fezes pelo intestino e uma maior chance de desidratação das fezes (KOPPEN et. Al, 2017).
Segundo os dados epidemiológicos sobre a constipação intestinal em crianças podem variar em diferentes estudos e populações. No entanto, a constipação é um problema comum em crianças, afetando aproximadamente 5% a 30% delas. A constipação é mais comum em crianças em idade pré-escolar e escolar, entre 2 e 10 anos de idade, e tende a ocorrer com mais frequência em meninas do que em meninos. Além disso, estima-se que até 30% das crianças com constipação apresentem um histórico familiar da condição, o que sugere uma predisposição genética (SEGRE, 1997).
Outros fatores que podem contribuir para a constipação em crianças incluem dieta pobre em fibras, baixa ingestão de líquidos, falta de atividade física, uso excessivo de medicamentos como antiácidos ou opióides, problemas psicológicos como estresse ou ansiedade, além de alterações no treinamento do controle dos esfíncteres durante o processo de aprendizado do uso do banheiro (KOPPEN et. Al, 2017).
É importante ressaltar que a constipação funcional, que não possui uma causa orgânica identificável, é o tipo mais comum de constipação em crianças. No entanto, existem outras condições médicas que podem levar à constipação, como problemas hormonais, doenças do trato gastrointestinal, distúrbios neurológicos, entre outros. Portanto, é fundamental que um profissional de saúde faça uma avaliação adequada para determinar a causa da constipação em cada caso específico (LEIDY et. Al, 1999).
Diante do exposto a constipação intestinal funcional é considerada uma doença comum na infância, com prevalência aproximada no mundo em torno de 3%, variando de acordo com hábitos e influências culturais. No Brasil, a prevalência de constipação intestinal pediátrica varia de uma região para outra, com registros de 14,7% até 38,4% dependo da amostra, com a oscilação possivelmente gerada pela heterogeneidade dos critérios para caracterizar constipação em cada estudo (SEGRE, 1997).
Atualmente a definição mais largamente aceita para a caracterização da constipação funcional baseia-se pelo critérios de Roma IV, como a presença de dois ou mais dos seguintes critérios (que devem ocorrer pelo menos uma vez por semana durante ao menos um mês, desde que não haja critérios para síndrome do intestino irritável ou outro diagnóstico que justifique os sintomas): duas ou menos evacuações por semana em crianças com pelo menos 4 anos de idade; pelo menos um episódio de incontinência fecal por semana; história de posição de retenção ou volume fecal excessivo associado a retenção; história de dor abdominal ou movimentação intestinal excessiva; presença de grande quantidade de massa fecal no reto; e história de fezes em grande quantidade com capacidade de obstruir o vaso sanitário (KOPPEN et. Al, 2017).
Já para lactentes e crianças até 4 anos, de acordo com os Critérios de Roma IV, a definição é de pelo menos dois dos seguintes critérios por pelo menos um mês: duas ou menos defecações por semana; história de retenção excessiva de fezes; história de movimentos intestinais dolorosos ou duros; história de fezes de grande diâmetro; presença de uma grande massa fecal no reto; em crianças treinadas no banheiro, os seguintes critérios adicionais podem ser usados pelo menos um episódio por semana de incontinência após a aquisição de habilidades para ir ao banheiro e história de fezes de grande diâmetro que podem obstruir o vaso sanitário. Essa diferenciação nos novos critérios foi feita para fins práticos, visto que a avaliação de incontinência fecal em crianças que usam fralda não é confiável (LEIDY et. Al, 1999).
Sabe-se que a Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como o completo bem-estar físico, psíquico e social e não somente a ausência de doença ou enfermidade. Já a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) é uma avaliação multidimensional subjetiva da percepção do indivíduo avaliado sobre o impacto do estado de saúde, incluindo aspectos como doença e tratamento, no funcionamento do seu bem-estar físico, psicológico, social e suas correlações. Quando se traz esse termo para o contexto da pediatria é fundamental que essa avaliação seja realizada por instrumentos com itens que correspondam a experiências, atividades e contextos que são diretamente relevantes para idade da amostra (KLATCHOIAN et. Al, 2008).
Diante do exposto, delineou-se como problema de investigação: quais os principais fatores que impactam diretamente a qualidade de vida de crianças com constipação funcional?
Na busca de averiguar respostas para o presente problema, o trabalho tem como objetivo geral avaliar a qualidade de vida em crianças com constipação funcional, quais fatores de impacto repercutem nessa percepção e se a avaliação das crianças corresponde a de seus responsáveis. Neste contexto, como objetivos específicos objetivou-se analisar os fatores de impacto na qualidade de vida das crianças com constipação intestinal; compreender melhor a natureza e os sintomas dessa condição específica; estudar os fatores de impacto na qualidade de vida também permite avaliar a eficácia das intervenções e tratamentos utilizados.
Em relação à abordagem da temática estudada, foi utilizado um estudo analítico, observacional do tipo transversal realizado com pacientes de 2 a 13 anos atendidos em ambulatório no hospital materno infantil de Brasília – DF com diagnóstico de constipação intestinal funcional conforme critérios definidos pela literatura.
O estudo analíitico observacional do tipo transversal procura explorar um problema, de modo a fornecer informações para uma investigação mais precisa, buscando uma maior proximidade com o tema, que pode ser construído com base em hipóteses ou intuições, para isso, é feita uma análise minuciosa e descritiva do objeto de estudo qualitativo, preocupando-se com a compreensão e a explicação das relações sociais. Segundo Minayo (2007) este aponta que os significados, motivações, crenças, valores e atitudes, são aspectos mais profundos das relações, e portanto, dos fenômenos a serem estudados, sendo assim são pesquisas feitas com o uso de instrumentos estruturados, por exemplo questionários, utilizando roteiros que guiam a entrevista a ser realizada.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Comissão de Ética da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS), da Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), sob o número de parecer 4.783.535. O uso do questionário PedsQL foi liberado em conformidade aos quesitos solicitados pelo Mapi Research Trust (“MRT”) possuindo como número de protocolo de referência 45684621.5.0000.5553, realizado com a concordância com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Todas as etapas desse estudo respeitaram os preceitos básicos da Resolução 466/2012- CNS. Após o aceite do sujeito para participar da pesquisa, foi solicitada a autorização, por escrito, através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – (Apêndice A) de acordo com as normas estabelecidas na resolução do CNS em duas vias, sendo uma cópia assinada entregue ao participante.
Para a análise de dados foram selecionados, o grupo de crianças de 2 a 4 anos, na qual teve o questionário respondido apenas pelos seus responsáveis, enquanto que, no grupo de crianças maiores, o questionário foi respondido tanto pelos pais quanto pelas próprias crianças. O questionário de qualidade de vida foi também aplicado a um grupo de crianças hígidas não constipadas.
Neste contexto foram analisados os dados epidemiológicos, clínicos e informações como: idade, renda, sexo, índice de massa corporal (IMC), tempo de aleitamento materno, saneamento básico, escape fecal (soiling), bullyng na escola/creche, erro alimentar, tempo de tratamento, tempo de diagnóstico, número de internações por constipação e número de desimpactações retais realizadas foram obtidos pela análise dos registros médicos juntamente com o preenchimento de um questionário (Anexo 1).
Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da FEPECS, durante os meses de Julho e Agosto de 2021, foi aplicada a versão, em português e validada no Brasil, do questionário Pediatric Quality of Life Questionnaire (PedsQL) 4.0 (Pediatric Quality of Life Inventário – Pesq. 4.0 Generic Core Scale). A aplicação foi realizada por um único entrevistador pessoalmente após liberação para consultas presenciais e seguindo as normas de segurança vigentes no Brasil, durante a pandemia de COVID-19.
Para análise da qualidade de vida em pediatria foi adotado o PedsQL 4.0, na qual faz-se mundialmente utilizado sendo uma forma válida de avaliação em pacientes pediátricos com doenças crônicas. É um questionário de fácil manejo que busca avaliar o paciente sobre os aspectos físico (8 itens), emocional (5 itens), social (5 itens), escolar (5 itens se maior de 4 anos ou 3 se menor de 4 anos), psicossocial (somatório do emocional, social e escolar) e total (somatório do físico, emocional, social, escolar). A pontuação dos itens foi feita em escala invertida linearmente, de 0 a 100, da seguinte forma: 0=100, 1=75, 2=50, 3=25, 4=0. Logo, quanto maior a pontuação, melhor a qualidade de vida. Cabe ressaltar que, para as crianças entre 2 e 4 anos, o PedsQL 4.0 é aplicado apenas para seus responsáveis enquanto que, para as crianças entre 5 e 13 anos, pode-se aplicar o questionário tanto para os pais quanto para a criança, com adaptação do questionário para as crianças conforme a faixa etária.
A análise estatística foi realizada utilizando dados de média, desvio-padrão e porcentagem para caracterizar a amostra. Ademais, com os dados coletados foi realizada uma análise multivariada buscando encontrar fatores de impacto com significância estatística, sendo utilizado o algoritmo “stepwise”, com direção “forward”, saindo do modelo mais simples (apenas com intercepto) e adicionando e removendo variáveis em busca do modelo mais completo. Usou-se o critério AIC para comparar a qualidade dos modelos em cada etapa de adição ou remoção de variáveis.
Também foram realizados testes de hipóteses para verificar se há diferenças estatisticamente significativas entre as médias de cada PedsQL do grupo constipado e do grupo controle. Para testar essas hipóteses, utilizou-se o teste t de Student. Adotou-se como critério para rejeitar as hipóteses nulas o nível de significância de 5%, ou seja, valores menores ou iguais a 0,05.
Neste contexto, o presente artigo propõe debater acerca do estudo sobre os fatores de impacto na qualidade de vida de crianças com constipação intestinal funcional para melhorar a compreensão da condição, identificar fatores de risco, desenvolver estratégias de tratamento mais eficazes, avaliar resultados e fornecer apoio aos cuidadores.
RESULTADOS
Sendo assim, de posse dos dados obtidos foram incluídos no estudo um total de 17 pacientes com CF e 19 crianças saudáveis no grupo controle, com média de idade do grupo com CF de 5,94 anos e a do grupo controle de 5,89 anos. Na análise de gênero, nota-se que nos constipados as meninas representam 58,8% da amostra, enquanto que no controle essa tendência se inverte com 63,2% do grupo formado por meninos. Em relação à renda, quase 82,3% das famílias das crianças no grupo constipado possuem baixa renda, recebendo menos que R$ 4.180 reais por mês, o que se contrapõem ao grupo controle com 100% das famílias das crianças possuindo renda mensal acima desse valor. Na avaliação do saneamento básico, apenas 5,8% do grupo CF não possui saneamento básico conforme descrito na (tabela 1).
FONTE: As autoras, 2023.
Dentre as variáveis avaliadas nas crianças constipadas, o IMC indicou que 58,8% das crianças eram eutróficas, contudo 94,2% delas possuíam erro alimentar. Outro dado avaliado foi o tempo de aleitamento materno com 82,4% dos pacientes tendo sido amamentados de 0 a 6 meses. O escape fecal também foi pesquisado e no grupo estudado está presente em 23,5%. Já o bullying não foi observado na amostra, o que pode ser um reflexo do ensino à distância devido a pandemia de COVID-19. Valores apresentados em números (%). Em casos em que a criança se encontrava no ensino a distância ou não frequentava nem escola, nem creche, foi considerado que o dado coletado não se aplicava ao que foi pesquisado.
Em relação ao tratamento de constipação, 94,2% tinham diagnóstico há mais de 1 ano, sendo que 82,3% estavam realizando tratamento também há mais de 1 ano. Observou-se que 5,3% da amostra foi internada uma ou mais vezes devido a constipação, enquanto que 47,1% já tiveram que realizar uma ou mais desimpactação retais conforme demonstrado na (tabela 2).
FONTE: As autoras, 2023.
Conquanto, ao realizar testes de hipóteses para verificar se há diferenças estatisticamente significativas entre as médias de cada PedsQL do grupo constipados e do grupo controle, foi encontrada diferença significativa na QV apenas ao compararmos o quesito do PedsQL escolar das crianças entre 2 a 4 anos (p-valor = 0,03322; g.l. = 7,3566; t = -2.6143), (figura 1). Nos demais testes com PedsQL, não foi possível rejeitar as hipóteses nulas, ou seja, não foram encontradas evidências que apontem diferenças entre as médias dos pacientes constipados e dos pacientes do grupo controle.
Para se realizar a análise do PedsQL os grupos tiveram que ser divididos por idade, visto que, para crianças entre 2 e 4 anos, apenas os pais responderam ao questionário, e a partir de 5 anos as crianças também puderam responder a questionário específico. Ao analisar apenas o valor bruto do PedsQL físico, social, emocional, psicossocial e total das crianças constipadas em comparação ao valor das crianças do grupo controle, nota-se que em todas as áreas analisadas a qualidade de vida dos constipados é menor independente da faixa etária analisada conforme descritas na (tabela 3).
FONTE: As autoras, 2023.
Outra análise realizada foi correlacionar a percepção de qualidade de vida, pelos valores do PedsQL, entre as crianças constipadas de 5 a 13 anos e seus responsáveis conforme descrito na (tabela 4). Notou-se que a avaliação do PedsQL social, escolar, psicossocial e total apresentou valor médio inferior na avaliação da própria criança em relação à análise dos responsáveis, enquanto nos quesitos físico e emocional as medidas das crianças foram maiores do que a de seus responsáveis, sem diferença estatisticamente significativa entre as percepções analisadas pelos valores de PedsQL total e sumários.
FONTE: As autoras, 2023.
Para finalizar a análise foi realizada uma análise multivariada dos fatores de impacto pesquisados com os valores de PedsQL dos responsáveis, buscando reduzir vieses, visto que esse dado foi coletado em todas as faixas etárias estudadas no grupo de crianças com constipação. O resultado da análise mostrou que o tempo de tratamento teve impacto negativo na qualidade de vida na percepção dos responsáveis. Entretanto, a significância deveu-se a um super ajuste do modelo (overfitting), (figura 2), não sendo um resultado suficiente para permitir extrapolações e inferências. Nas demais variáveis avaliadas na tabela 2, a análise multivariada com o PedsQL não evidenciou achados significativos de fatores de impacto na QV conforme demonstrado na (tabela 5).
FONTE: As autoras, 2023.
DISCUSSÃO
Sendo assim, diante dos dados coletados, o estudo demonstrou uma média de idade equiparada entre o grupo CF de 5,94 anos e o grupo controle de 5,89 anos, o que reduz vieses. Essa média de idade de crianças com CF é similar a encontrada em uma revisão sistemática que sugere que a prevalência mais alta de CF pediátrica é por volta da idade pré-escolar.
Ao analisar a questão de gênero nesse estudo o sexo feminino predomina no grupo com CF, enquanto que no grupo controle o masculino. Assim, ao compararmos esse resultado com o de alguns outros estudos que mostram uma predominância maior de meninos com CF do que de meninas percebe-se uma divergência (VARNI et. Al, 2001). Todavia, ao avaliarmos esse percentual de predominância de meninas, é possível verificar que a diferença é pequena entre os gêneros como se observa na literatura mais atual (VAN et. Al, 2006).
Neste contexto, sabe-se que a alimentação adequada é um dos pilares do tratamento de constipação. Diante disso, buscou-se correlacionar como fator de impacto o erro alimentar que neste estudo no grupo de constipados é de 94,2%, porém tal dado não se mostrou significativo em relação a qualidade de vida desses pacientes. Um estudo realizado em Hong Kong correlacionou o hábito alimentar nos quesitos energia, proteína e fibra alimentar entre crianças constipadas e hígidas e também não obteve uma diferença significativa entre os grupos (STAIANO et. Al, 1994).
Na pesquisa sobre “bullying”, no grupo constipados, encontrou-se que 52,9% não sofria e nos outros 47,1% não foi possível analisar tal fator, pois uma parcela do grupo ou não estava frequentando creche e/ou escola, ou estava realizando as atividades à distância devido a pandemia de COVID-19. Isso pode ter feito com que a avaliação da qualidade de vida (QV) escolar das crianças pesquisadas seja alterada em comparação a estudos anteriores os quais o ensino a distância não era uma realidade predominante. Sendo algo que difere do que se encontra na literatura que mostra que o “bullying” pode ser tanto uma consequência quanto um fator desencadeante da CF sendo sua frequência maior nesse grupo do que no de crianças hígidas (ABRAHAMIAN et. Al, 1984).
Ao avaliar o tempo de aleitamento materno, observa-se predominância de desmame precoce como pode ser observado na tabela 2, entretanto esse fator não se mostrou como sendo de impacto na QV dos pacientes com CF. Um estudo de Kiefte-de Jong et al, buscou correlacionar o tempo de amamentação com a CF, porém apesar de quanto maior o tempo de amamentação reduzir os casos de CF o resultado não foi significativo e ao comparar as crianças que amamentaram com as que não foram amamentadas também não houve resultado significativo (LEE et. Al, 2005).
Outro dado interessante a ser ressaltado é que 52,9% dos pacientes com CF não necessitam realizar desimpactação retal e apenas 11,8% tiveram que fazer mais de uma vez, quando necessitam efetuar o procedimento. Atualmente, recomenda-se como tratamento de primeira escolha da CF tanto para desimpactação quanto para manutenção do PEG, apesar de não haver diferença na eficácia de tratamento para desimpactação em relação ao uso de enema (LOENING, 2005. Estudos mostram, entretanto, que a realização de desimpactação retal gera mais cólica abdominal, medo e ansiedade para os pais (LIYANARACHCHI et. Al, 2021). Sendo fatores que poderiam interferir na qualidade de vida desses pacientes, logo a forma como os pacientes estudados foram manejados pode ter interferido na avaliação de QV deles e por isso a desimpactação retal pode não ter sido um fator de impacto.
É imprescindível salientar que a amostra de constipados desse estudo é composta por uma parcela da sociedade com renda familiar menor que a do grupo controle, o que pode afetar a interpretação do PedsQL. Um estudo chinês, mostrou que fatores como relacionamento parental conflituoso ou baixo, assim como menor nível educacional dos pais e menor renda se correlacionaram com uma pior qualidade de vida em pacientes com CF (LIYANARACHCHI et. Al, 2021).
Ao avaliar a QV dos grupos estudados com o PedsQL 4.0, observa-se que apesar da redução em número absoluto dos tópicos pesquisados para análise da QV do paciente pediátrico, obteve-se significância estática apenas ao analisar o PedsQL escolar das crianças entre 2 a 4 anos (p < 0,05) ao compararmos com crianças saudáveis. Cabe ressaltar que os pacientes atendidos nesse ambulatório em sua maioria iniciaram precocemente seu tratamento visto que eram encaminhados, assim que diagnosticados, do atendimento de pronto-socorro da unidade que atende à demanda espontânea, ademais o pequeno número da amostra, as diferenças socioeconômicas e outros fatores podem ter interferido nos resultados gerando viés de confusão (LEVY et. Al, 2017).
Assim, esse resultado se contrapõe ao que foi encontrado numa revisão sistemática sobre qualidade de vida em crianças com CF que analisou 2.658 artigos dos quais apenas 90 foram elegíveis para o estudo. Nessa revisão, foi constatado que crianças com CF possuem menor qualidade de vida comparativamente com aquelas consideradas saudáveis 8.
Corroborando o que foi observado pela revisão sistemática de Vriesmann et. al, ao se comparar a qualidade de vida referida pelos pais em relação àquela auto referida pelas crianças não se encontrou diferenças estáticas. Cabe ressaltar que para uma análise mais aprofundada da qualidade de vida desses pacientes mais estudos utilizando tanto a avaliação dos responsáveis pela criança quanto a da criança devem ser realizados (BOUZIO et. Al, 2017).
Buscando encontrar fatores de impacto relacionados a qualidade de vida da criança com CF ao se realizar a análise multivariada, encontrou-se no estudo que o PedsQL físico referido pelos pais era afetado pelo tempo de tratamento, todavia tal impacto apesar de possuir um p < 0,05 pode ter sido gerado por uma observação destoante do resto da amostra. Na literatura, tal correlação entre tratamento melhorando a qualidade de vida dos pacientes é encontrada em alguns estudos (LEUNG, 2021), porém nenhum desses correlaciona especificamente o tempo de tratamento com a qualidade de vida.
Outro fator de impacto pesquisado foi o escape fecal (soiling) que nesse estudo estava presente em 23,5% dos CF, sendo uma prevalência menor a aquela encontrada em outros estudos brasileiros de 52%26, e não apresentou significância estatística. Todavia, estudos anteriores apontam uma taxa significativamente maior de problemas emocionais e comportamentais relatados por pais de crianças com problemas de escape em comparação com aquelas que não possuem (ERDUR, 2020). Ademais, essas crianças se mostram mais propensas tanto a serem vítimas de “bullying” quanto agressores (BONGERS et. Al, 2019). Assim, o manejo precoce e adequado dessa patologia tem se mostrado fundamental para um melhor desenvolvimento infantil (WATERHAM, et. Al, 2017).
Por esse estudo possuir uma amostra pequena e ter sido realizado em um curto período de tempo, não deve servir de parâmetro isolado para se falar de qualidade de vida e fatores de impacto em pacientes pediátricos com CF. Vale ressaltar que mais estudos sobre o tema devem ser realizados buscando além da percepção da QV quais seriam os principais fatores associados a essa doença que poderiam impactar na qualidade de vida desses pacientes. Sendo, assim, possível elaborar uma melhor forma de manejar esses pacientes de forma multidimensional impactando tanto QV deles quanto de seus familiares (LIYANARACHCHI et. Al, 2021).
CONCLUSÃO
Portanto, indubitavelmente pode-se concluir que a constipação intestinal funcional é um problema de saúde que pode afetar significativamente a qualidade de vida das crianças. Diante do exposto a constipação intestinal funcional pode causar desconforto físico, dor abdominal, distensão, dificuldade para evacuar e outras complicações relacionadas ao sistema digestivo. Esses sintomas podem ter um impacto negativo na qualidade de vida da criança, interferindo em suas atividades diárias, sono, apetite e bem-estar geral. Além do impacto físico, a constipação intestinal funcional também pode afetar o bem-estar psicossocial das crianças. Elas podem sentir vergonha, medo ou ansiedade em relação ao uso do banheiro, enfrentar problemas de autoestima, ter dificuldades de socialização e experimentar emoções negativas associadas à condição.
Crianças com constipação intestinal funcional muitas vezes enfrentam restrições em sua rotina e alimentação. Elas podem precisar adotar hábitos específicos, como horários regulares para ir ao banheiro, aumentar a ingestão de líquidos e fibras, além de fazer mudanças na dieta. Essas restrições podem ser desafiadoras e limitar suas opções de atividades sociais e escolares.
A constipação intestinal funcional também tem um impacto significativo nas famílias das crianças afetadas. Os pais ou cuidadores podem sentir preocupação, estresse e frustração diante dos sintomas persistentes da criança. Além disso, a necessidade de acompanhamento médico, tratamentos e modificações na dieta podem demandar tempo e recursos adicionais da família.
Neste contexto, identificar e tratar a constipação intestinal funcional o mais cedo possível é fundamental para minimizar o impacto na qualidade de vida da criança. Isso pode envolver a orientação de um profissional de saúde, como um médico gastroenterologista pediátrico, que possa prescrever medicamentos, indicar mudanças na dieta e fornecer estratégias de manejo adequadas.
Envolver uma equipe multidisciplinar, incluindo médicos, nutricionistas, psicólogos e enfermeiros, pode proporcionar uma abordagem mais completa para o tratamento da constipação intestinal funcional. Cada profissional desempenha um papel importante no gerenciamento dos sintomas físicos, emocionais e sociais da criança, fornecendo suporte e orientação especializada.
Informar e educar a criança e a família sobre a constipação intestinal funcional, seus sintomas, tratamentos e estratégias de manejo é essencial. Isso pode ajudar a criança a entender sua condição e a lidar com ela de forma adequada, além de proporcionar suporte emocional e orientações práticas aos pais ou cuidadores. Além do tratamento médico, incentivar hábitos de vida saudáveis, como uma dieta equilibrada e rica em fibras, a prática regular de atividade física e a ingestão adequada de líquidos, pode contribuir para o alívio dos sintomas da constipação intestinal funcional e melhorar a qualidade de vida da criança.
Em suma, a constipação intestinal funcional pode ter um impacto significativo na qualidade de vida das crianças. No entanto, com um diagnóstico precoce, tratamento adequado e suporte multidisciplinar, é possível minimizar os sintomas e promover uma melhor qualidade de vida para essas crianças, permitindo que elas vivam de forma mais plena e saudável.
REFERÊNCIAS
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1Residente de pediatria do Departamento de pediatria, Hospital Materno Infantil de Brasília Dr. Antonio Lisboa, Brasília, Distrito Federal, Brasil
2Gastropediatra e preceptora da residência médica de pediatria do Hospital Materno Infantil de Brasília Dr. Antônio Lisboa