FATORES DE EXPOSIÇÃO PRÉ-NATAL E RISCO DE AUTISMO: UMA REVISÃO DE LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10146154


Danyelle da Silva Diniz1; Ana Beatriz Camillo Leal de  Amorim2; Ana Clara Araújo Medeiros3; Ayla Paraguay Ebrahim4; Isabelly Sampaio Bezerra5; José Martins de Araújo6; Kátson Shermem Vieira Fernandes7; Pedro Medeiros Maia8; Tamara Géssica Araújo9; Vitoria Rocha de Lima10


Resumo

Introdução: A crescente prevalência do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) nas últimas décadas tem suscitado um interesse significativo na investigação dos fatores de risco associados a essa condição complexa. O diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) é baseado no quadro clínico apresentado pela criança, envolvendo o acompanhamento do desenvolvimento e a análise das atitudes exibidas, juntamente com entrevistas com os responsáveis. A etiologia exata do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) permanece desconhecida, no entanto, há um consenso crescente de que a interação entre fatores genéticos e ambientais desempenha um papel crucial em sua manifestação.A exposição pré-natal a substâncias tóxicas tem se tornado uma crescente preocupação de saúde pública, devido ao seu potencial impacto no desenvolvimento neurológico infantil Objetivo:avaliar fatores de exposição pré-natal possivelmente associados à incidência de TEA. Metodologia: Esta revisão sistemática de literatura foi estruturada, do ponto de vista metodológico, segundo os critérios propostos pela ferramenta PRISMA. Inicialmente, foram definidas as palavras-chave autismo e pré-natal. Posteriormente, a pesquisa foi realizada na base de dados MEDLINE, buscando estudos relacionados às palavras-chave que tivessem sido publicados nos últimos 10 anos. Nesse contexto,  foram encontrados 1103 estudos. No que se refere ao processo de triagem, em primeiro lugar excluiu-se artigos incompletos e estudos que não se relacionavam com as palavras-chave após análise de título e resumo. Posteriormente, os artigos restantes foram avaliados pelo seu texto completo por pelo menos dois autores. Em caso de discordância acerca da elegibilidade do artigo analisado, um terceiro autor participava do processo auxiliando na decisão final. Resultados: Os resultados mostraram que, após ajustes para fatores de confusão, crianças de mães com diagnóstico de depressão pré-natal apresentaram, em média, escores T do Sistema de Avaliação Social (SRS) 1,31 pontos mais altos em traços relacionados ao autismo em comparação com aquelas cujas mães não tiveram depressão pré-natal. Comparando crianças com exposição gestacional a benzodiazepínicos ou drogas Z e crianças sem essa exposição, observou-se uma taxa de risco ponderada de 1,40. Conclusão: A partir da análise dos artigos revisados, evidencia-se que a exposição a poluentes ambientais, especialmente o PM2,5; antibióticos e PFNA aumenta o risco de transtorno do espectro autista. Além disso, a presença de depressão durante o período gestacional também eleva a chance do recém-nascido apresentar traços autísticos. Enquanto isso, o consumo de benzodiazepínicos ou drogas Z durante a gestação não afetam conclusivamente o risco de autismo.

Palavras-chave: autismo; pré-natal

1. Introdução

A crescente prevalência do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) nas últimas décadas tem suscitado um interesse significativo na investigação dos fatores de risco associados a essa condição complexa. Desde sua identificação inicial por Leo Kanner em 1943, o TEA tem ganhado reconhecimento substancial, possibilitando o diagnóstico de milhares de crianças e adolescentes ao longo dos anos. De acordo com o Autism and Developmental Disabilities Monitoring, uma plataforma que monitora a prevalência do TEA em crianças de 8 anos em 11 estados dos Estados Unidos, em 2014, estima-se que 16,8 em cada 1000 crianças de 8 anos possuíam essa condição que caracteriza-se como um distúrbio do desenvolvimento neuropsiquiátrico que afeta a comunicação, o comportamento social e as interações individuais  (Baio et al., 2018).

O diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) é baseado no quadro clínico apresentado pela criança, envolvendo o acompanhamento do desenvolvimento e a análise das atitudes exibidas, juntamente com entrevistas com os responsáveis. Além disso, podem ser observadas anormalidades metabólicas, como alterações nos níveis de serotonina no sangue e resultados alterados em exames de eletroencefalograma (Monteiro et al., 2021).

A etiologia exata do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) permanece desconhecida, no entanto, há um consenso crescente de que a interação entre fatores genéticos e ambientais desempenha um papel crucial em sua manifestação. Fatores ambientais, como exposição a agentes químicos, infecções maternas, estresse e dieta, podem influenciar o desenvolvimento fetal e contribuir para a manifestação do TEA. Dentre esses fatores ambientais, a exposição pré-natal tem emergido como um tópico de pesquisa fundamental, uma vez que o período gestacional é crítico para o desenvolvimento do cérebro e do sistema nervoso central (Ribeiro et al., 2020).

A exposição pré-natal a substâncias tóxicas tem se tornado uma crescente preocupação de saúde pública, devido ao seu potencial impacto no desenvolvimento neurológico infantil. Durante a fase de desenvolvimento intrauterino, ocorrem intricados processos de formação e organização do sistema nervoso, tornando-o particularmente vulnerável a influências adversas do ambiente. Substâncias tóxicas, que podem incluir poluentes ambientais, produtos químicos industriais e compostos presentes em alimentos, têm a capacidade de atravessar a barreira placentária, afetando diretamente o feto em desenvolvimento. Essa exposição precoce pode ter implicações de longo prazo na saúde cognitiva, comportamental e neurológica da criança. (Barbosa et al., 2023).

Assim,  esta revisão de literatura busca avaliar fatores de exposição pré-natal possivelmente associados à incidência de TEA.

2. Metodologia

2.1 Definição da pergunta de pesquisa

O primeiro passo para a construção da presente revisão foi a definição da pergunta de pesquisa, que foi definida da seguinte forma: há exposições durante o acompanhamento pré-natal que afetam o risco de autismo?

2.2 Identificação

Esta revisão sistemática de literatura foi estruturada, do ponto de vista metodológico, segundo os critérios propostos pela ferramenta PRISMA. Inicialmente, foram definidas as palavras-chave autismo e pré-natal. Posteriormente, a pesquisa foi realizada na base de dados MEDLINE, buscando estudos relacionados às palavras-chave que tivessem sido publicados nos últimos 10 anos. Nesse contexto,  foram encontrados 1103 estudos.

2.3 Triagem

No que se refere ao processo de triagem, em primeiro lugar excluiu-se artigos incompletos e estudos que não se relacionavam com as palavras-chave após análise de título e resumo. Posteriormente, os artigos restantes foram avaliados pelo seu texto completo por pelo menos dois autores. Em caso de discordância acerca da elegibilidade do artigo analisado, um terceiro autor participava do processo auxiliando na decisão final.

2.4 Inclusão

Por fim, os artigos que seguiram elegíveis após esse processo foram incluídos no presente estudo e foi feito um relato detalhado dos mesmos com foco na metodologia, discussão e resultados. Posteriormente, foi constituída uma tabela contendo: título do artigo, ano de publicação,metodologia e resultados.

3. Resultados

Quadro 1: Resultados

Título do ArtigoAno de PublicaçãoObjetivoResultados
Prenatal depression and risk of child autism-related traits among participants in the Environmental influences on Child Health Outcomes program2023Avaliar a relação entre depressão pré-natal e sinais de autismo após o nascimentoOs resultados mostraram que, após ajustes para fatores de confusão, crianças de mães com diagnóstico de depressão pré-natal apresentaram, em média, escores T do Sistema de Avaliação Social (SRS) 1,31 pontos mais altos em traços relacionados ao autismo em comparação com aquelas cujas mães não tiveram depressão pré-natal. A análise estratificada por sexo da criança indicou uma associação significativa tanto em meninos (β = 1,34) quanto em meninas (β = 1,26). Além disso, a gravidade da depressão pré-natal mostrou uma associação positiva dose-resposta com traços autistas, indicando que a gravidade moderada a grave estava associada a aumentos significativos nos escores do SRS.
Prenatal Exposure to Per- and Polyfluoroalkyl Substances and Childhood Autism-related Outcomes.2023Avaliar a relação entre a concentração sérica de PFAS e a incidência de autismo após o nascimentoA cada aumento de 1 unidade na concentração de PFNA (ácido perfluorononanoico) transformado naturalmente (ln), observou-se uma maior manifestação de traços relacionados ao autismo (β ajustado = 1,5).
Maternal Benzodiazepines and Z-Drugs Use during Pregnancy and Adverse Birth and Neurodevelopmental Outcomes in Offspring: A Population-Based Cohort Study.2023Avaliar a relação entre o uso de benzodiazepínicos ou drogas Z durante a gestação e autismo após o nascimentoComparando crianças com exposição gestacional a benzodiazepínicos ou drogas Z e crianças sem essa exposição, observou-se uma taxa de risco ponderada de 1,40 (IC = 95% de 1,13 a 1,73) para autismo. Apesar disso, ao comparar irmãos com e sem exposição, essa diferença não foi observada.
Association between prenatal antibiotic exposure and autism spectrum disorder among term births: A population-based cohort study.2023Avaliar a relação entre o uso de antibióticos durante a gestação e a incidência de autismo após o nascimentoA exposição pré-natal a antibióticos foi associada a um aumento no risco de TEA (HR 1,10, intervalo de confiança [IC] de 95% 1,05, 1,15). Fatores de maior risco incluíram exposição durante o primeiro e segundo trimestres ou exposição com duração ≥ 15 dias.
Evidence for an association of prenatal exposure to particulate matter with clinical severity of Autism Spectrum Disorder.2023Avaliar a relação entre a exposição a poluentes atmosféricos durante a gestação e a incidência de autismo após o nascimentoUma maior gravidade clínica foi associada a uma maior exposição a PM2,5 (p = 0,001), NO2 (p = 0,011) e PM10 (p = 0,041) durante o primeiro trimestre da gravidez, quando comparada com uma gravidade clínica mais leve. Após regressão logística, foram identificadas associações com maior gravidade clínica para a exposição ao PM2,5 durante o primeiro trimestre (p = 0,002) e a gravidez completa (p = 0,04), assim como para a exposição ao PM10 durante o terceiro trimestre (p = 0,02).

Fonte: autores

4. Discussão

Os resultados observados sugerem uma ligação complexa e multifacetada entre fatores de exposição pré-natal e o desenvolvimento de traços relacionados ao autismo em crianças. A presença de depressão pré-natal em mães foi associada a escores mais elevados no Sistema de Avaliação Social (SRS), indicando uma possível influência significativa desse estado materno na manifestação de traços autistas nos filhos. A análise estratificada por sexo revelou uma associação significativa tanto em meninos quanto em meninas, ressaltando a relevância dessa influência independente do gênero da criança. Além disso, a gravidade da depressão pré-natal demonstrou uma relação dose-resposta com os traços autistas, indicando que a gravidade moderada a grave estava associada a aumentos significativos nos escores do SRS. Esse achado sugere que não apenas a presença, mas também a intensidade da depressão pré-natal pode desempenhar um papel crucial nos desfechos relacionados ao autismo.

No que diz respeito à exposição a substâncias químicas, como o ácido perfluorononanoico (PFNA), observou-se uma associação positiva entre o aumento da concentração de PFNA e a manifestação de traços autistas. Isso decorre da neuroinflamação ocasionada por esses compostos, presumivelmente associada a cinco vias bioquímicas principais, entre as quais pode-se citar a ativação da micróglia e consequente neuroinflamação; o estresse oxidativo causando dano às células nervosas mediante atuação das espécies reativas de oxigênio; a disfunção mitocondrial, comprometendo as vias de produção de energia e induzindo neuroinflamação; alterações epigenéticas, na medida em que a exposição aos PFNA pode influenciar negativamente no processo de metilação do DNA, determinando mudanças potencialmente neuroinflamatórias; e alteração na permeabilidade da barreira hematoencefálica, permitindo a entrada de substâncias potencialmente prejudiciais ao pleno desenvolvimento do sistema nervoso. Esse resultado destaca a importância de examinar não apenas fatores psicossociais, mas também exposições ambientais na compreensão do espectro do autismo.

A análise comparativa entre crianças expostas gestacionalmente a benzodiazepínicos ou drogas Z e aquelas não expostas revelou um aumento significativo no risco de autismo. No entanto, a ausência dessa diferença quando comparando irmãos expostos e não expostos sugere que outros fatores familiares ou genéticos podem modular essa associação. Essa descoberta destaca a complexidade da interação entre exposições gestacionais e fatores genéticos na determinação do risco de autismo.

A associação entre exposição pré-natal a antibióticos e um aumento no risco de TEA destaca a importância de investigar cuidadosamente os efeitos potenciais de intervenções médicas durante a gestação. O fato de que os períodos críticos de exposição durante o primeiro e segundo trimestres, bem como exposições prolongadas, foram identificados como fatores de risco sugere que a temporalidade e a duração da exposição podem ser cruciais na avaliação dos efeitos sobre o desenvolvimento neuropsicomotor da criança.

Por outro lado, a associação entre a gravidade clínica e a exposição a poluentes atmosféricos, como PM2,5, NO2 e PM10, adiciona uma dimensão ambiental adicional ao entendimento do TEA. A maior gravidade clínica associada a uma exposição aumentada a esses poluentes, especialmente durante o primeiro trimestre, destaca a sensibilidade do período inicial de desenvolvimento fetal. As associações específicas com PM2,5 durante o primeiro trimestre, PM2,5 durante toda a gestação e PM10 durante o terceiro trimestre sugerem que diferentes tipos de poluentes podem ter impactos distintos em momentos específicos do desenvolvimento embrionário, o que é crucial para compreender os mecanismos subjacentes. A aplicação da regressão logística para ajuste de fatores confundidores fornece maior robustez às associações observadas, demonstrando que as relações entre a gravidade clínica e a exposição a esses poluentes mantêm-se após controlar variáveis importantes. No entanto, é importante reconhecer as limitações e complexidades inerentes a estudos observacionais desse tipo, na medida em que a causalidade não pode ser estabelecida definitivamente, devido à possível interferência de fatores não medidos ou desconhecidos. Além disso, a variabilidade individual na resposta a essas exposições deve ser considerada.

Em conjunto, esses resultados enfatizam a necessidade de uma abordagem holística ao considerar os determinantes do autismo, incorporando fatores psicossociais, ambientais e genéticos. Além disso, destacam a importância de intervenções precoces e estratégias de apoio para mães durante a gravidez, visando potencialmente mitigar os impactos desses fatores de risco na saúde neurocomportamental das crianças.

5. Conclusão

A partir da análise dos artigos revisados, evidencia-se que a exposição a poluentes ambientais, especialmente o PM2,5; antibióticos e PFNA aumenta o risco de transtorno do espectro autista. Além disso, a presença de depressão durante o período gestacional também eleva a chance do recém-nascido apresentar traços autísticos. Enquanto isso, o consumo de benzodiazepínicos ou drogas Z durante a gestação não afetam conclusivamente o risco de autismo.

Em suma, percebe-se que a relação entre autismo e pré-natal é complexa e requer atenção, de modo que mais estudos são necessários para avaliar a importância de cada exposição pré-natal potencialmente de risco para o autismo.

6. Referências

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AVALOS, Lyndsay A. et al. Prenatal depression and risk of child autism‐related traits among participants in the Environmental influences on Child Health Outcomes program. Autism Research, v. 16, n. 9, p. 1825-1835, 2023.

BARBOSA, Wuerles Bessa et al. AVALIAÇÃO DOS EFEITOS DA EXPOSIÇÃO PRÉ-NATAL A SUBSTÂNCIAS TÓXICAS NO DESENVOLVIMENTO NEUROLÓGICO INFANTIL. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 9, n. 7, p. 1793-1803, 2023

CHAN, Adrienne YL et al. Maternal Benzodiazepines and Z-Drugs Use during Pregnancy and Adverse Birth and Neurodevelopmental Outcomes in Offspring: A Population-Based Cohort Study. Psychotherapy and psychosomatics, v. 92, n. 2, p. 113-123, 2023.

Monteiro De Araújo, Cássio, et al. ReBIS Revista Brasileira Interdisciplinar de Saúde O PAPEL DO ENFERMEIRO NA ASSISTÊNCIA À CRIANÇA AUTISTA the ROLE of the NURSE in ASSIS- TANCE to the AUTISTIC CHILD. , 31 May 2019. Consultada a 21.07.2021,em https://revistarebis. rebis.com.br/index.php/rebis/article/download/186/151

NITSCHKE, Amanda S. et al. Association between prenatal antibiotic exposure and autism spectrum disorder among term births: A population‐based cohort study. Paediatric and Perinatal Epidemiology, 2023.

RIBEIRO, Luciana Fujiwara Aguiar. Pré-condicionamento nutracêutico com misturas de óleos Ômega 3, 6 e 9 para atenuar as características neuroinflamatórias do transtorno do espectro autista Induzidas pelo ácido valpróico em um modelo animal. 2020.

SANTOS, João Xavier et al. Evidence for an association of prenatal exposure to particulate matter with clinical severity of Autism Spectrum Disorder. Environmental Research, v. 228, p. 115795, 2023.


1Graduanda em medicina pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ)

2Graduanda em medicina pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ)

3Graduanda em medicina pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ)

4Graduanda em medicina pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ)

5Graduanda em Medicina pelo Centro Universitário Santa Maria (UNIFSM)

6Graduanda em medicina pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ)

7Graduanda em medicina pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ)

8Graduando em medicina pela Faculdade de medicina nova esperança (FAMENE)

9Graduanda em medicina pela Faculdade de medicina nova esperança (FAMENE)

10Graduanda em medicina pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ)