FATORES ASSOCIADOS A ÓBITOS MATERNOS POR SÍNDROME HIPERTENSIVAS GESTACIONAIS: PERFIL EPIDEMIOLÓGICO E SOCIOECONÔMICO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10138735


Gustavo Dall’Orto Giuriato¹;
Matheus Pimenta Couy²;
Prof. Dra. Thaís Camila Alves Lessa Duran³.


RESUMO

Introdução: Os distúrbios hipertensivos gestacionais, incluindo hipertensão pré-existente ou crônica, hipertensão gestacional e pré-eclâmpsia, afeta uma porcentagem significativa de mulheres grávidas em todo o mundo. Esses distúrbios são uma das principais causas de morte materna e perinatal, resultando em aproximadamente 10% da morbimortalidade materna no mundo. Fatores como desigualdade social e riscos maternos foram identificados desempenhando um papel importante no desenvolvimento e resultado dos distúrbios gestacionais, assim como certos fatores de risco estarem associados a um risco aumentado de mortes maternas por esses agravos. Dentre esses fatores incluem acesso inadequado a cuidados de saúde, cuidados pré-natais de má-qualidade, baixo estado socioeconômico e etnia. Observou-se que os problemas sociodemográficos contribuem para a maior prevalência e piores resultados dos distúrbios hipertensivos gestacionais em certas populações, principalmente as em vulnerabilidade social. O que leva a atrasos no diagnóstico e tratamento destas doenças. Métodos: Para examinar os fatores associados às mortes maternas por distúrbios hipertensivos gestacionais, foi realizado um estudo abrangente. O estudo empregou uma abordagem de métodos mistos, combinando análise quantitativa e qualitativa. A análise quantitativa envolveu a análise de artigos acadêmicos em base de dados como Scielo, PubMed e Google Scholar, no recorte temporal de 2014 a 2023. A análise estatística foi realizada para identificar correlações significativas entre esses fatores e a ocorrência de mortes maternas por distúrbios hipertensivos gestacionais na plataforma de dados do ministério da saúde DATASUS.

Palavras chaves: Hipertensão gestacional. Epidemiologia. Óbito materno. Fatores sociais.

ABSTRACT

Introduction: Gestational hypertensive disorders, including pre-existing or chronic hypertension, gestational hypertension and pre-eclampsia, affect a significant percentage of pregnant women worldwide. These disorders are one of the main causes of maternal and perinatal death, resulting in approximately 10% of maternal morbidity and mortality worldwide. Factors such as social inequality and maternal risks have been identified as playing an important role in the development and outcome of pregnancy disorders, as well as certain risk factors being associated with an increased risk of maternal deaths from these conditions. These factors include inadequate access to health care, poor quality prenatal care, low socioeconomic status and ethnicity. It was observed that sociodemographic problems contribute to the higher prevalence and worse results of gestational hypertensive disorders in certain populations, especially those in social vulnerability. This leads to delays in the diagnosis and treatment of these diseases. Methods: To examine the factors associated with maternal deaths from gestational hypertensive disorders, a comprehensive study was conducted. The study employed a mixed methods approach, combining quantitative and qualitative analysis. The quantitative analysis involved the analysis of academic articles in databases such as Scielo, PubMed and Google Scholar, from 2014 to 2023. Statistical analysis was carried out to identify significant correlations between these factors and the occurrence of maternal deaths due to hypertensive disorders pregnancy data on the Ministry of Health’s data platform DATASUS.

Keywords: Gestational hypertension. Epidemiology. Maternal death. Social factors.

1 INTRODUÇÃO

As síndromes hipertensivas gestacionais são condições de saúde que podem afetar mulheres grávidas e representam um risco tanto para a mãe quanto para o feto, possuindo uma prevalência de aproximadamente 10%, sendo a principal causa de morte materna, fetal ou neonatal (Mancia, 2023).

Essas condições estão frequentemente relacionadas a fatores de risco, associados a etnia, idade, vulnerabilidade social e doenças prévias (FIORIO, 2020). O diagnóstico e classificação adequados dessas síndromes são essenciais para um gerenciamento e redução de complicações acarretadas por esse agravo, que frequentemente levam a resultados gestacionais adversos.

Nesse sentido, as síndromes hipertensivas gestacionais podem evoluir a complicações graves com a pré-eclâmpsia, eclâmpsia e síndrome HELLP, que colocam em risco a vida da mãe e do feto, sendo definida como hipertensão gestacional grave (Barroso, 2021).

O diagnóstico e classificação corretos dessas síndromes são cruciais para o adequado gerenciamento e redução das complicações decorrentes dessas condições. É essencial ressaltar que as síndromes hipertensivas gestacionais podem levar a complicações graves, como descolamento de placenta, tromboembolismo pulmonar, afecções renais e coagulação intravascular disseminada (Ministério da saúde, 2022) (ACOG, 2019).

Embora as síndromes hipertensivas gestacionais possam levar a complicações graves, é importante considerar que nem todas as gestações são afetadas por essas condições, o que significa que a prevalência pode variar significativamente, de acordo com a região do estudo e as condições sociais dessa população, assim como o grupo de estudo. Por exemplo, em um estudo realizado em uma região de baixa renda per capita comparado ao resto do Brasil, na região do Pará, foi observado que a prevalência de síndromes hipertensivas gestacionais foi significativamente maior do que em uma região de alta renda (Santos; Santos, 2023). Dessa maneira, Isso pode ser atribuído a fatores socioeconômicos, acesso limitado a cuidados pré-natais adequados e menor conscientização sobre os riscos associados à hipertensão durante a gestação (Oliveira, 2016).

Portanto, é importante considerar todas as variáveis envolvidas ao estudar a prevalência da hipertensão gestacional e seus fatores de risco para seu desenvolvimento e risco de morte materna, para assim viabilizar propostas para diminuição destes agravos em regiões com maior incidência.

2 MATERIAL E MÉTODOS

Em prol de cumprir com os objetivos propostos, este artigo fez o uso de um estudo epidemiológico descritivo como forma de metodologia. Foram utilizadas informações coletadas no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações Sobre Nascidos Vivos (SINASC) através dos dados disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por intermédio de seu Departamento de Informática (TabNet-DataSUS). O período escolhido para o recorte temporal foi dos anos 2013 a 2021. Dentre as SHG selecionadas para o estudo, os dados coletados foram das seguintes comorbidades, já descritas com seu código correspondente da CID-10: O10-Hipertensão pré-existente complicando a gravidez, o parto e o puerpério; O11-Distúrbio hipertensivo pré-existente com proteinúria superposta; O13-Hipertensão gestacional (induzida pela gravidez) sem proteinúria significativa; O14-Hipertensão gestacional (induzida pela gravidez) com proteinúria significativa; O15-Eclâmpsia; O16-Hipertensão materna não especificada. Por meio da análise dos dados, a pesquisa estabeleceu uma razão entre a patologia descrita (fator causal do óbito) e algumas variáveis disponíveis nos meios de pesquisa, tais como: “Região/Unidade da federação”; “cor/raça”; “faixa etária”; ‘’condição socioeconômica’’; ‘’fase gestacional’’; ‘’causa obstétrica’’; ‘’número de nascidos vivos’’. Os dados foram tabulados e organizados em forma de gráfico para a discussão, possibilitando melhor visualização do perfil epidemiológico e socioeconômico das gestantes acometidas que o estudo visa abordar. Não apenas foram utilizadas dessas fontes, como o trabalho lançou mão de dados secundários angariados utilizando as principais ferramentas online de busca de artigos científicos e/ou clínicos indexados, tais como Public Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (PubMed), Scientific Electronic Library Online (Scielo), obedecendo o mesmo corte temporal proposto na obtenção dos dados a serem estudados. Este estudo não demandou submissão ao Comitê de Ética, por tratar-se de uma pesquisa através de um banco de dados disponível em plataforma de domínio público.

3 RESULTADOS

No período descrito, foi observado no Brasil, entre os anos de 2013 e 2021, o total de 3.142 óbitos por Síndromes Hipertensivas Gestacionais, que é evidenciado nas tabelas a seguir e foi usado como forma de correlacionar o número de óbitos com as outras variáveis.

Tabela 1 – Óbitos maternos contabilizados no Brasil por SHG no período entre 2013 e 2021, por região.

RegiãoÓbitos maternos
Região Norte470
Região Nordeste1.222
Região Sudeste969
Região Sul227
Região Centro-Oeste254
Total3.142
Fonte: Elaborado pelos autores segundo dados do MS – Sistema de Informações sobre Mortalidade e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos.

Tabela 2 – Relação entre os óbitos maternos contabilizados no Brasil por SHG no período entre 2013 e 2021 e a taxa de natalidade do mesmo período.

Cor/RaçaÓbitos maternosNascidos vivosMortalidade materna*
Branca8418.979.1519,37
Preta4191.474.57928,41
Amarela11106.64410,31
Parda1.73514.190.94712,23
Indígena45223.08420,17
Ignorado91909.20810,01
*Taxa de mortalidade materna por SHG a cada 100.000 nascidos vivos. Fonte: Elaborado pelos autores segundo dados do MS – Sistema de Informações sobre Mortalidade e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos.

Tabela 3 – Relação entre os óbitos maternos contabilizados no Brasil por SHG no período entre 2013 e 2021 de acordo com a fase gestacional.

Morte de acordo com a fase gestacionalÓbitos maternos%
Durante a gravidez, parto ou aborto81025,8%
Durante o puerpério, até 42 dias1.92861,4%
Durante o puerpério, de 43 dias a menos de 1 ano692,2%
Não na gravidez ou no puerpério481,5%
Período informado inconsistente30,1%
Não informado ou ignorado2849,0%
Fonte: Elaborado pelos autores segundo dados do MS – Sistema de Informações sobre Mortalidade e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos.

Tabela 4 – Relação entre os óbitos maternos contabilizados no Brasil por SHG no período entre 2013 e 2021 e a taxa de natalidade do mesmo período, por idade.

Faixa etáriaÓbitos maternosNascidos vivos%
10 a 14 anos29204.7510,79%
15 a 19 anos3754.069.48315,72%
20 a 29 anos1.10612.651.57748,88%
30 a 39 anos1.3288.187.36431,63%
40 a 49 anos302766.4702,96%
50 a 59 anos23.1910,01%
Fonte: Elaborado pelos autores segundo dados do MS – Sistema de Informações sobre Mortalidade e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos.

Tabela 5 – Relação entre os óbitos maternos contabilizados no Brasil por SHG no período entre 2013 e 2021 de acordo com a causa obstétrica.

Causa obstétricaÓbitos maternos%
Morte materna obstétrica direta291392,7%
Morte materna obstétrica indireta2297,3%
Fonte: Elaborado pelos autores segundo dados do MS – Sistema de Informações sobre Mortalidade e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos.

Através das tabelas podemos avaliar fatores associados ao perfil epidemiológico do objeto de estudo, que são gestantes que foram a óbito devido a SHG. Através desses resultados é possível fazer uma avaliação de como esta patologia se apresenta na nossa sociedade em diversas perspectivas.

Gráfico 1 – Relação entre o número de óbitos maternos por SHG e o PIB no Brasil, por região, no período entre 2013 e 2020.

Fonte: Elaborado pelos autores segundo dados do MS – Sistema de Informações sobre Mortalidade e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos e do Ipea.

O Gráfico 1 aborda de maneira simplificada e objetiva uma questão recorrente no Brasil, a desigualdade socioeconômica, através dele pode-se observar a relação entre a variação do PIB regional brasileiro e a taxa de óbitos maternos por SHG da mesma região.

4 DISCUSSÃO

As síndromes hipertensivas são a intercorrência clínica mais comum da gestação e representam a principal causa de morbimortalidade materna, fetal ou neonatal, afetando aproximadamente 10% das grávidas pelo mundo e cerca de 5% a 17% das gestantes brasileiras (Mancia, 2023) (Oliveira, 2016)

Tais agravos hipertensivos possuem diversas classificações e definições, sendo importante a delimitação de seus conceitos devido sua funcionalidade, intervindo na prática clínica e obstétrica.

De acordo com o manual de gestação de alto risco do ministério da saúde, os agravos hipertensivos gestacionais são classificados em hipertensão arterial crônica, hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia com ou sem sinais de gravidade e pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão arterial crônica (Ministério da saúde, 2022).

Quadro 1 – Classificação das Síndromes Hipertensivas Gestacionais

Hipertensão CrônicaPresença de hipertensão identificada antes da 20° semana de gestação, persistindo por mais de 42 dias pós-parto e podendo estar associado com proteinúria.
Hipertensão GestacionalHipertensão arterial sistólica (PAS) >= 140mmHg e/ou pressão arterial diastólica >= 90mmHg na segunda metade da gestação, após a 20° semana de gestação e usualmente se resolve até 42 dias pós parto
Hipertensão Gestacional TransitóriaDetectada clinicamente com valores semelhantes a hipertensão gestacional, mas que se resolve com medições repetidas da PA durante várias horas. Está associada a um risco de 40% de desenvolver hipertensão gestacional verdadeira ou pré-eclâmpsia.
Pré-Eclâmpsia (com ou sem sinais de gravidade)Hipertensão arterial sistólica (PAS) >= 140mmHg e/ou pressão arterial diastólica >= 90mmHg, após a 20° semana de gestação e frequentemente com proteinúria. Na ausência desta, considerar os critérios de gravidade: Trombocitopenia (< 100.000/L), creatinina (> 1,1mg/dl ou 2x valor basal), elevação >2x das transaminases hepáticas, dor abdominal, sintomas visuais, convulsões, cefaléia
Hipertensão Crônica com Pré-Eclâmpsia sobrepostaPré-Eclâmpsia em gestante com história de hipertensão arterial antes da gravides ou da 20° semana de gestação
Fonte: Elaborado pelos autores segundo dados de (Mancia, 2023,) (Ministério da saúde, 2022) e (Barroso, 2021)

No Brasil, as SHEG são responsáveis por aproximadamente 25% dos óbitos maternos investigados, distribuindo-se de forma desigual, principalmente onde há alta vulnerabilidade social, devido a sucessivos erros preveníveis, do pré-natal ao pós-parto (Santos; Santos, 2023).

Nesse âmbito, dentre as síndromes hipertensivas gestacionais, a pré-eclâmpsia é a responsável por 30% das mortes maternas, a maior deste contexto, embora a subnotificação e falta de diferenciação entre a gravidade da pré-eclâmpsia pode subestimar esse valor (Holanda, 2022). Nesse escopo, FIORIO et al. (2020), exemplifica isso ao encontrar critérios diagnósticos para pré-eclâmpsia, mas que na maioria dos casos acabou sendo preenchida apenas como SHEG.

4.1 FATORES DE RISCO

Os fatores de risco da SHEG podem ser classificados em modificáveis e não modificáveis, respectivamente, os fatores de risco modificáveis incluem ganho ponderal inadequado durante a gestação, estado nutricional inadequado, sedentarismo, tabagismo e etilismo, enquanto os fatores de risco não modificáveis são histórico familiar, presença de doenças crônicas, extremos de idade reprodutiva e vulnerabilidade social.

OLIVEIRA et al. (2016), exemplifica esses fatores de risco em uma coorte de gestantes realizada em Maceió, especificamente para pré-eclâmpsia, enquanto ALVES et al; 2021 estratifica os fatores de risco citados para todo escopo de síndromes hipertensivas gestacionais e SAMPAIO et al. (2018) e sua coorte de gestantes em Rio Branco-AC, elenca tais fatores de riscos para complicações durante a gravidez, sendo a hipertensão gestacional a mais prevalente no estudo.

Por outro lado, é importante ressaltar que embora os fatores de risco aumentam a incidência e problemas relacionados a SHEG, essa síndrome pode ocorrer em mulheres sem nenhum fator de risco conhecido. Portanto, o acompanhamento pré-natal adequado e detecção precoce de sintomas são fundamentais para evitar resultados adversos (ACOG, 2023).

4.1.1 IDADE

O Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia, assim como o Manual de gestação de alto risco, afirma que a idade materna avançada é um fator de risco para pré-eclâmpsia, embora não especifique a idade em que o risco comece a avançar. Por outro lado, não há qualquer menção nessas diretrizes relacionadas às outras SHEG (Mancia, 2023).

Contudo, ao analisar prontuários de gestantes hipertensas, FIORIO et al. (2020), encontrou correlação entre idade maior que 35 anos ser um fator de risco não modificável, embora devido a amostra estudada, isso apenas se aplique em mulheres negras.

Por outro lado, Costa et al, menciona que a maioria das pacientes acometidas com hipertensão gestacional está na faixa etária de 18 a 35 anos, nota-se que HOLANDA et al. (2022), expõe o mesmo, com maior número de internações de gestantes na faixa etária de 18 a 23 anos. No entanto, os autores não encontraram aumento do risco para SHEG em relação à faixa etária estudada.

Nesse sentido, ao analisar a quantidade de óbitos maternos e faixa etária estudada, encontra-se maior incidência na população de 20 a 29 anos, seguido de 30 a 39 anos. Dessa forma, por possuírem o intervalo com a maior taxa de natalidade, não é possível concluir e estabelecer uma relação direta entre a idade materna e fator de risco, mas sim relacionado ao óbito materno propriamente dito.

4.1.2 COR/RAÇA

De acordo com a tabela 2, que relaciona a cor/raça com a mortalidade materna, é perceptível o maior número de óbito materno da cor parda devido a alta taxa de nascidos vivos. Contudo, ao relacionar a prevalência a cada 100.000 nascidos vivos, a primeira posição é ocupada pela cor/raça preta, seguida da indígena. Evidenciando o que já foi encontrado pela literatura com maior prevalência em mulheres pardas e negras (Santos; Santos, 2023) (Fiorio, 2020). Assim como, identificou a mesma variável não modificável mas apenas para risco de pré-eclâmpsia (ACOG, 2023) (Ministério da saúde, 2022).

Dessa maneira, estudos independentes de coorte em diferentes regiões sociodemográficas encontraram o que já era evidenciado na literatura de que a cor negra é um fator de risco não modificável para SHEG.

4.1.3 FASE GESTACIONAL

A relação entre a fase da gestação e os agravos maternos, como evidenciado pela tabela 3, evidencia a alta mortalidade materna durante o puerpério, até 42 dias, com aproximadamente 62% do total de óbitos, seguido de morte durante a gravidez, parto ou aborto e não informado ou ignorado.

Esses números deixam explícito que o cuidado pré-natal no Brasil ainda é de má qualidade, com a maioria das mortes acontecendo após o parto, onde cuidados da atenção básica poderiam prevenir resultados adversos. Outra questão que interfere nessa questão é o grande número de partos cesáreos evidenciado pela literatura convergente, levando a um maior número de complicações maternas durante ou após o procedimento (Pinheiro et al., 2020.).

Evidenciando a decisão errada na escolha do parto adotado, como relatado pelo Ministério da Saúde no manual de gestação de alto risco ao afirmar:

“Deve-se proporcionar a via mais segura. Embora a cesariana nesse cenário seja frequentemente praticada, a parturição via vaginal é preferível, com a intenção de não agregar potenciais riscos cirúrgicos. Nessa direção, a indução do parto pode ser praticada, se a vitalidade fetal estiver preservada e a situação materna permitir.” (Ministério da saúde; 2022)

Além disso, mais uma vez a subnotificação relacionada a mortalidade materna leva a prejuízo no controle e prevenção da mortalidade materna na atenção à saúde, comprovado pelo alto valor de óbitos maternos não informados ou ignorado pela tabela 3.

4.1.4 REGIÃO/DESIGUALDADE SOCIOECONÔMICA

Ao analisar os óbitos maternos contabilizados no Brasil por SHG (tabela 1), a primeira posição é ocupada pela região nordeste, seguido do sudeste e norte. Tais dados, ratificam o encontrado por (Santos; Santos, 2023), onde no período de 2012 a 2020, encontrou a maior prevalência de mortalidade materna para cada 100.000 nascidos vivos nas regiões Norte e Nordeste, com 98,8 óbitos para cada 100.000 nascidos vivos e 91,8 para cada 100.000 nascidos vivos, respectivamente.

Morais et al. (2020) afirma que as síndromes hipertensivas gestacionais são até 3 vezes maiores em países subdesenvolvidos e correlacionando para o Brasil, um país de dimensão continental com ampla desigualdade e vulnerabilidade social, regiões de menor desenvolvimento econômico são mais afetados por essas síndromes, exemplificado também pelo Gráfico 1.

Além disso, a subnotificação é um problema encontrado na literatura convergente, principalmente nos estudos realizados em regiões menos desenvolvidas, acarretando com que muitas mortes maternas não terem suas causas corretamente identificadas ou não registradas, dificultando a avaliação de prevalência da mortalidade materna, assim como sua prevenção e medidas de controle, como afirmado por Holanda. (2022), Sampaio. (2018) e Oliveira. (2016).

Nessa ótica, é imprescindível ressaltar que a mortalidade materna é um indicador importante da saúde materno-fetal.

Como afirma o manual de gestação de alto risco em suas diretrizes:

“A mortalidade materna é uma das maiores chagas médico-sociais que maculam nosso país. Com uma predileção especial para acometer mulheres mais vulneráveis, o óbito materno vai além das questões ligadas ao acesso à pré-natal de qualidade, assistência ao parto seguro e cuidado puerperal apropriado, mas diz respeito também às fragilidades do planejamento familiar, em especial no risco reprodutivo, aos grandes desertos sanitários desse país continental e a um eficiente sistema de referência e contrarreferência para atender os casos mais graves. O estupor só aumenta quando a avaliação das mortes revela a evitabilidade dos óbitos em 90%. Mulheres jovens, em idade reprodutiva, cujas vidas ceifadas impactarão para sempre o pilar de nossa sociedade.” (Ministério da saúde, 2022)

4.2 A IMPORTÂNCIA DA PRÉ-ECLÂMPSIA DENTRE AS SHG

Dentre as síndromes hipertensivas gestacionais, a literatura reunida mostra que a pré-eclâmpsia possui a maior morbimortalidade (Costa et al., 2021).

A Diretriz Européia de Hipertensão Arterial, afirma que é possível predizer e prevenir o risco de pré-eclâmpsia, separando-os em alto e moderado risco, onde as

gestantes enquadradas nesse contexto, devem receber prevenção efetiva realizada pelo pré-natal de qualidade, com a utilização de ácido acetilsalicílico e cálcio, ambas as recomendações enquadradas como recomendações de maior evidência nas diretrizes (ACOG, 2019).

Da mesma maneira, o Manual de Gestação de Alto risco do Ministério da Saúde, afirma que “com a análise dos fatores de risco, recomenda-se o uso de ácido acetilsalicílico (AAS) 100 mg/dia, à noite, iniciado antes da 16ª semana de gestação até 36 semanas; além do cálcio até o parto (suplementação mínima de 1 g/dia).”

Tabela 2. Fatores de risco associados a alto e moderado risco de Pré-Eclâmpsia

Alto Risco (1 dos seguintes)Moderado (=>2 dos Riscos seguintes
Distúrbio hipertensivo durante gestação anteriorNuliparidade
Hipertensão Crônica40 anos ou mais
Diabetes tipo I ou IIIntervalo entre gestações maior que 10 anos
Doença autoimune como Lúpus eritematoso sistêmico e síndrome do anticorpo antifosfolipídeoHistória familiar de Pré-Eclâmpsia
Doença crônica dos RinsIMC >35 ou mais na primeira consulta
Terapia de assistência reprodutiva na gestação atualGravidez multifetal
Fonte: Elaborado pelos autores segundo dados de (ACOG, 2023) e (Ministério da saúde, 2022)

Da mesma forma, A Diretrizes brasileiras de hipertensão deixa explicito a incidência dessa patologia e sua relação sociodemográfica e vulnerabilidade social ao declarar que “A prevalência da eclâmpsia em áreas mais desenvolvidas do país é de 0,2%, com mortalidade de 0,8%, enquanto em regiões menos favorecidas essa prevalência sobe para 8,1%, com taxa de mortalidade materna correspondente a 22,0%”, evidenciando a região sociodemográfica como um fator de risco para mortalidade materna (Barroso, 2021).

A hipertensão crônica está presente em 0,9% a 1,5% das grávidas, sendo que aproximadamente 25% delas vão desenvolver pré-eclâmpsia sobreposta. Estima-se que a pré-eclâmpsia complica de 2% a 8% globalmente, sendo a principal causa de parto prematuro terapêutico, com uma incidência de 1,5% para pré-eclâmpsia (Mancia, 2023) (Barroso, 2021).

Com isso, demonstra-se a necessidade de maior destreza dos profissionais de saúde em realizar a hierarquização da assistência pré-natal e definição do risco gestacional para identificação contínua do risco materno desde o início da gravidez (Ministério da Saúde, 2022).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Feita a análise dos dados coletados, pode-se verificar que as condições socioeconômicas, o acesso à assistência à saúde de qualidade e a regionalidade são fatores extremamente relevantes para a análise dos dados referentes à mortalidade materna no Brasil. O índice de mortalidade materna por SHG se concentra em mulheres entre 20 e 39 anos, pardas, durante a fase de puerpério e até 42 dias. Além disso, as regiões Norte e Nordeste são as que detém as maiores taxas de mortalidade materna por SHG a cada 100.000 nascidos vivos em todos os anos avaliados, o que pode ser justificado pela diferença de PIB dessas regiões para as demais que foi apontada no Gráfico 1.

Aprofundando o estudo, é possível perceber que, a pré-eclâmpsia é a principal responsável pela morbimortalidade materna dentre as síndromes hipertensivas gestacionais, e para diminuir o número de óbitos, é necessária melhoria nos serviços de saúde, buscando diminuir o efeito da desigualdade econômica entre as regiões, principalmente no que se refere à integração entre os cuidados, desde as consultas pré-natais até a intervenção no momento do parto das gestantes, bem como qualificar os profissionais da saúde para atender tais emergências, considerando que 92% dos casos tem intervenção obstétrica direta, e seja por diagnóstico tardio ou falta de qualificação, a intervenção tem sido sem efetividade no grupo acometido por SHG, é necessário que haja melhorias tendo em vista seu alto potencial de evitabilidade.

Além disso, é necessário ampliar os cuidados associados a medidas de prevenção e planejamento familiar, diminuindo os riscos para a gestante, assim como melhorias relacionadas à subnotificação, devido a dificuldade de analisar as tendências das SHG com o preenchimento inadequado dos dados em saúde.

Diante o exposto, é de suma importância o investimento não só em estrutura física, mão de obra qualificada, como em conhecimento, ampliando o estudo acerca do tema, tendo em vista a relevância do mesmo para a saúde pública já que abrange todo um núcleo familiar, além do cuidado com a saúde da mulher que é subnotificada e menosprezada em contrapartida de outras patologias devido a romantização social da gestação.

REFERÊNCIAS

ALVES, T. O. et. al. Gestação de alto risco: epidemiologia e cuidados, uma revisão de literatura. v. 4, n. 4, p. 14860–14872, 2021.

AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS.

ACOG Practice Bulletin No. 202. Obstetrics & Gynecology, v. 133, n. 1, p. e1–e25, jan. 2019.

Barroso, W. K. S. et al Brazilian guidelines of hypertension. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 116 (3), 581–585. 2021

COSTA, L. N. R. et al. Fatores de risco e possíveis complicações associadas à síndrome hipertensiva na gravidez: uma revisão integrativa. Revista Educação em Saúde: v. 9, n. 2, 2021

FIORIO, T. A. et al. Doença hipertensiva específica da gestação: prevalência e fatores associados. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 6, p. 35921-35934, 2020.

HOLANDA, M.; DIAS, R. PERFIL CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DAS GESTANTES COM SÍNDROME HIPERTENSIVA EM UMA MATERNIDADE

PÚBLICA NA AMAZONIA. Instituto de Ciências Da Saúde – Universidade Federal Do Pará, 2022

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – Ipeadata. Dados macroeconômicos e regionais. Disponível em: <http://www.ipeadata. gov.br>. Acesso em: 01 de nov. de 2023

MANCIA, G; et al. 2023 ESH Guidelines for the management ofarterial hypertension: The Task Force for the management of arterial hypertension of the European Society of Hypertension. Jornal of hipertension, 41, p. 1970–1975. 2023

MORAIS, A. C. F. et al. Prevalência de Doença Hipertensiva Específica da Gestação em um Hospital de Ensino de Juiz de Fora-MG. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 10, p. 79242-79251, 19 out. 2020.

MINISTÉRIO DA SAÚDE, Manual de gestação de alto risco, Secretaria de Atenção Primária à Saúde. 1° edição, p. 149-173, 2022

OLIVEIRA, A. C. M. et al. Fatores Maternos e Resultados Perinatais Adversos em Portadoras de Pré-eclâmpsia em Maceió, Alagoas. Arquivo Brasileiro de Cardiologia, v. 106, n. 2, p. 113-120, 2016.

PINHEIRO, D. L. F. L. et al. Gestational Outcomes in Patients with Severe Maternal. Rev Bras Ginecol Obstet, Rio de Janeiro, v. 42, n. 2, p. 74-80, 22 nov. 2019

SANTOS, I. de M. .; SANTOS, M. A. . Perfil Epidemiológico da Mortalidade Materna por Síndromes Hipertensivas Gestacionais. Research, Society and Development, v. 12, n. 4, p. e21712441307, 2023.

SAMPAIO, A. F. S., DA ROCHA, M. J. F., LEAL, E. A. S. High-risk pregnancy: Clinical-epidemiological profile of pregnant women attended at the prenatal service of the public maternity hospital of Rio Branco, Acre.

Revista Brasileira de Saude Materno Infantil, 18(3), 559–566. 2018


¹ Acadêmico de Medicina. E-mail: gustavogiuriato1@gmail.com. Artigo apresentado ao Centro Universitário Aparício Carvalho, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Medicina, Porto Velho/RO, 2023.
² Acadêmico de Medicina. E-mail: mpcouy11@gmail.com. Artigo apresentado ao Centro Universitário Aparício Carvalho, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Medicina, Porto Velho/RO, 2023.
³ Professor Orientador. Professora do curso de Medicina. E-mail: camilalessa.adv@gmail.com.