EXPERIÊNCIA DE MULHERES QUE PARIRAM DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19

EXPERIENCE OF WOMEN WHO GIVE UP DURING THE COVID-19 PANDEMIC

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202505252051


Ariane Cedraz Morais1; Jany Sousa da Silva2; Aisiane Cedraz Morais3; Caroline Barreto Freire Oliveira3; Sara Santos da Silva2; Ana Jaqueline Santiago Carneiro3; Bianca de Oliveira Araújo3


Resumo

Objetivo: descrever a experiência de mulheres que pariram durante a pandemia da COVID-19. Métodos: estudo qualitativo, descritivo e exploratório, realizado em Feira de Santana-Ba, de maneira remota com mulheres que pariram entre março de 2020 a 2021. Para coleta de dados utilizou-se a metodologia de snowball, com aplicação de entrevista semi-estruturada por meio do google meet. Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo de Bardin, sendo que emergiram 3 categorias: 1)Presença constante do medo, angústia e apreensão da gestação ao parto; 2)Isolamento domiciliar e distanciamento da rede de apoio e 3)Experiência do maternar na pandemia. Resultados e discussão: O medo da pandemia e seus impactos na rotina da casa e da família esteve presente em todas as falas. Destacam-se, também, o isolamento domiciliar e distanciamento da rede de apoio. Não poder vivenciar esse momento ao lado de familiares e amigos, ausência de acompanhantes nas consultas, nos exames e no parto e trabalho home-office, além dos sentimentos e desafios que surgiram no pós-parto. Considerações finais: A pandemia da COVID-19 trouxe mudanças no gestar, no parir e na experiência pós parto, gerando medo e angústia. Deve-se então proporcionar uma assistência qualificada, com garantia de direitos e proteção à vida para uma experiência de parto positiva, diminuindo esses impactos.

Palavras-chave: COVID-19. Pandemia. Saúde da Mulher. Gestação. Obstetrícia.

ABSTRACT

Objective: to describe the experience of women who gave birth during the COVID-19 pandemic. Methods: qualitative, descriptive and exploratory study, carried out in Feira de Santana-Ba, remotely with women who gave birth between March 2020 and 2021. For data collection, the snowball methodology was used, and for data analysis it was Bardin’s content, in which 3 categories emerged: Constant presence of fear, anguish and apprehension from pregnancy to childbirth; Home isolation and distance from the support network; and experience of mothering in the pandemic. Results and discussion: Fear was present in all speeches, fear of the pandemic and its impacts on the routine of the home and family. Home isolation and distance from the support network stand out in the speeches, and not being able to experience this moment alongside family and friends, absence of companions in consultations, exams and childbirth and home-office work, in addition to the feelings and challenges that arose in postpartum. Final considerations: The COVID-19 pandemic brought changes in gestation, childbirth and the postpartum experience, generating fear and anguish.

Keywords: COVID-19. Pandemic. Women’s Health. Pregnancy. Obstetrics.

1 INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu um alerta da cidade de Whuan na China, de casos de pneumonia por causa desconhecida, mas somente em janeiro de 2020 foi decretada epidemia do que, em fevereiro, seria conhecido como novo coronavírus. Diante do desconhecimento científico a respeito da nova doença, da transmissão rápida, do aumento do número de casos na região e posteriormente o surgimento de casos em todos os continentes, em março foi decretado, em todo o mundo, o estado de pandemia. Sendo assim, passaram a ser adotadas medidas sanitárias para combater um quadro infeccioso ainda desconhecido e que desafiava a ciência e todas as equipes de saúde, deflagrando uma crise sanitária mundial (Marques et al., 2020).

Em nível global, mais de 173 milhões de pessoas já foram infectadas, totalizando mais de 07 milhões de óbitos. No Brasil, o primeiro caso foi diagnosticado no final de fevereiro de 2020. Atualmente, contabilizamos mais de 35 milhões de casos e aproximadamente 690 mil mortos no país, segundo o painel Coronavírus do Ministério da Saúde, atualizado em 02 de dezembro de 2022 (BRASIL, 2022).

Segundo o Boletim Epidemiológico da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB), até o dia 02 de dezembro de 2022, foram confirmados mais de 1,7 milhões de casos desde o início da pandemia, sendo mais acometidos homens e mulheres de 30 a 39 anos (representando 23,18% do total). E o número total de óbitos já chegou a 30.865 pessoas, representando uma letalidade de 1,79% (BAHIA, 2022).

Quando analisados os dados estratificados por região do Brasil e da Bahia, observam-se disparidades regionais, sendo que determinadas localidades apresentam maiores índices de morbimortalidade pela doença. De modo geral, a maior dificuldade no país tem sido a subnotificação e a dificuldade da divulgação oficial dos dados. Na cidade de Feira de Santana, segundo maior município da Bahia, a situação reflete esse conflito nacional, pois os dados referentes à situação epidemiológica da COVID-19 aparecem em contraste com os dados divulgados pela SESAB, tanto no que diz respeito ao número total de casos quanto ao número de óbitos. Por exemplo, a quantidade de casos confirmados pela Secretaria Municipal de Saúde de Feira de Santana (FEIRA DE SANTANA, 2022) é 78.842 casos e no boletim SESAB (BAHIA, 2022) 1.721.329 casos até o dia 01 de dezembro de 2022. Em relação ao número de óbitos, o município de Feira de Santana notificou 1.108 mortes e o boletim epidemiológico da SESAB não apresenta o quantitativo de mortos por cidade, sendo divulgado o número total de óbitos da Bahia, que chegou a 30.877.

Mesmo considerando a subnotificação dos dados e as incoerências entre notificações de diferentes instâncias, pode-se ressaltar a gravidade da doença, que acomete principalmente o sistema respiratório, sendo de fácil e rápida disseminação, transmissão e infecção, ainda que com letalidade relativamente baixa. Esse quadro de alta transmissibilidade, alta virulência e morbimortalidade provocou, em nível mundial, aumento vertiginoso no consumo de equipamentos de proteção individual (EPI), necessidade urgente de aquisição de respiradores (ventiladores mecânicos) e insumos de saúde. Também foi necessária a suspensão de aulas,  o fechamento de estradas e cancelamentos de voos nacionais e internacionais, adoção de uso de máscaras e ampla divulgação de medidas de higiene, etiqueta respiratória e distanciamento social, a fim de conter a disseminação do vírus e consequentemente o colapso dos sistemas de saúde (Souza et al., 2021).

Essas medidas de prevenção e redução da transmissibilidade da COVID-19 no Brasil não foram adotadas de maneira linear em todo país. O Ministério da Saúde deveria atuar como norteador das tomadas de decisão. Porém, estados e municípios criaram estratégias próprias para o enfrentamento da pandemia. Diante disso, o cenário e a evolução da pandemia se desenrolaram de maneira diferente nas regiões do país.

Na segunda onda de contágio da pandemia, além do aumento do número de casos, houve aumento de mortes, colapso do sistema de saúde e agravamento dos quadros clínicos, principalmente entre os grupos considerados de risco. No Brasil, em 2020, foi constatada desassistência às mulheres no ciclo gravídico-puerperal e altas taxas de mortalidade materna por Covid-19. O Conselho Federal de Enfermagem apresentou, em julho de 2020, um estudo no qual o Brasil já tinha o maior percentual (77%) de mortes de gestantes e puérperas do mundo, sendo que até aquele momento, 124 mulheres perderam a vida na luta contra a COVID-19 (COFEN, 2020).

Souza KV et al (2021) alertaram quanto à subnotificação dos dados relacionados à infecção de gestantes e puérperas, a assistência precária às mulheres, principalmente após a pandemia, dificuldade na realização de exames laboratoriais e necessidade de internamento e monitorização contínua. Após análise dos dados do SIVEP-Gripe, Souza KV et al (2021) verificaram que foram confirmados 4.230 casos de gestantes e puérperas com COVID-19. Destas, 354 foram a óbito, sendo que a mortalidade materna por COVID-19 chegou a 8,4%, o que é considerado um percentual muito alto.

Considerando as alterações fisiológicas desenvolvidas pelas mulheres durante o ciclo gravídico puerperal, que predispõem a complicações nas doenças de transmissão respiratória, foram recomendadas pelo Ministério da Saúde, medidas de isolamento domiciliar, afastando as mulheres do serviço de saúde. Além disso, as unidades de saúde deveriam promover vigilância e adotar medidas de precaução com gestantes e puérperas, bem como realizar avaliação clínica minuciosa e triagem de sintomas gripais (BRASIL, 2020a).

No mês de abril de 2020, o Governo do Estado da Bahia lançou a Nota Técnica Nº 47/2020, orientando as Secretarias Municipais de Saúde a adotar medidas de controle da pandemia do novo coronavírus, com proteção à saúde de gestantes, puérperas e crianças menores de 02 anos de idade. Dentre as orientações, houve recomendações direcionadas ao pré-natal de gestantes de baixo e alto risco, além da assistência a recém-nascidos de mães suspeitas ou confirmadas para COVID-19 (BAHIA, 2020).

Considerando o contexto descrito e os impactos que a pandemia da COVID-19 trouxe para a sociedade, em especial para gestantes e puérperas, as escassas evidências sobre esses impactos na experiência de parir em meio a uma pandemia sem precedentes, o objetivo geral deste trabalho foi descrever a experiência de mulheres que pariram durante a pandemia da COVID-19.

2 MÉTODOS  

Trata-se de estudo de caráter qualitativo, descritivo e exploratório, por meio do qual buscou-se compreender a experiência de mulheres residentes no município de Feira de Santana, no estado da Bahia, que pariram durante a pandemia da COVID-19.

Foram elegíveis mulheres que pariram de março de 2020 a março de 2021, na cidade de Feira de Santana, independente da via de parto (normal ou cesáreo), maiores de idade, que aceitaram voluntariamente participar da pesquisa com assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). A pesquisa contou com 08 participantes voluntárias com idades entre 23 e 42 anos.

Para o recrutamento das participantes, foi utilizada a técnica metodológica snowball, por meio das redes sociais (Instagram e whatsapp das pesquisadoras), seguido de contato via aplicativo online whatsapp, para agendamento das entrevistas em data e horário oportuno. Também foi enviado o link para preenchimento do formulário no Google Forms e posterior entrevista via Google Meet, de maneira que preservamos a privacidade e garantia de fala, para que a mulher sentisse confortável durante todo o processo.

A coleta de dados ocorreu entre abril e maio de 2021 após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Feira de Santana sob parecer de número 1.327.867. O consentimento para participação, a assinatura do TCLE e a coleta de dados sociodemográficos e gineco-obstétricos foram realizados pelo Google Forms. Os dados foram analisados por meio da técnica de conteúdo de Bardin, sendo que emergiram três categorias de análise.

3 RESULTADOS

Após análise minuciosa das falas, emergiram três categorias, sendo: 1) Presença constante do medo, angústia e apreensão da gestação ao parto; 2) Isolamento domiciliar e distanciamento da rede de apoio durante a gestação e 3) Experiência do maternar na pandemia.

Quanto à primeira categoria, nas falas das mulheres notou-se constantemente o medo, angústias e incertezas frente ao ciclo gestacional que estavam vivando durante a pandemia, havendo experiências em diversos momentos, desde a descoberta da gestação até o parto, principalmente por ser uma situação nova, com poucas informações sobre a doença, com avanço muito rápido e necessidade do isolamento social.

Essas afirmações podem ser evidenciadas nas falas das participantes a seguir.

Uma pandemia e descobrir grávida assim, meu Deus! E agora, o que fazer? Como ir para o médico? Como ir para as consultas? Como se comportar? Tudo tinha medo e até hoje né? Tenho medo de tudo (L. M.).

Mistura de felicidade com medo, porque, por o vírus ser novo, a gente não sabe na verdade, ninguém sabe como ele reage no corpo da gente, imagine de uma criança, um bebê (C. C.).

Pandemia e grávida eu morri de medo né? Porque passa vários turbilhões de coisa na cabeça (…) eu completamente não saí de casa a gestação inteira… Porque eu tive muito medo (F. S.).

Além da apreensão constante presente dessas falas, notava-se também a preocupação das mulheres em manter os cuidados necessários frente à gestação, tais como continuidade do pré-natal, realização de exames e outros procedimentos indispensáveis a essa fase.

Muitas relataram que mantiveram o isolamento por toda gestação e saíam apenas para as consultas pré-natais, criavam estratégias para reduzir contato com outras mulheres e seguiam rigorosamente as consultas para se sentirem seguras em relação à saúde do feto e delas próprias. Em contrapartida, algumas faltaram às consultas com medo de ter contato com outras pessoas, estranharam o novo formato da assistência distanciada, ou tiveram o atendimento na unidade de saúde suspenso, por conta da situação epidemiológica da cidade.

No mês de abril eu já não fui no pré-natal. Fiquei com muito medo e não fui. Aí só voltei a ir de novo em maio. E aí continuei indo certinho né? Mas sempre com muita cautela, sempre com muito medo (…). Minha estratégia, eu pedia pra ser a última. E aí ela atendia todo mundo e eu esperava, eu ligava… e eu era a última a ser atendida (J. F.).

A única coisa que eu senti, quer dizer, teve impacto porque não era assim aquele contato como foi da outra (na primeira filha), com a obstetra, era assim, era aquela consulta um pouco distanciada, porque não poderia ser tão perto né… como ela sempre ficou. Ela é minha ginecologista há 16 anos… Eu chorei muito nas consultas e ela ‘calma…, tá tudo bem com você e com o bebê!’, eu falei ‘mas eu não sei o que pode acontecer daqui pra frente (L. M.).

Era o único lugar que eu ia realmente era pras consultas. Eu queria ter certeza que ele tava bem. Aí o único jeito era participando do pré-natal né? Aí eu fazia de tudo pra realmente participar das consultas porque pra ter certeza que ele não tinha nenhum problema (F. S.).

Foi em fevereiro, teve a de março, mas abril não tive, maio teve. Aí quando foi junho teve um pico, não tive e julho (pensou!). Foi eu pari sem fazer a última… acho que só tive 4 consultas aqui no posto (E. C. C.).

 Com o aumento do uso das redes sociais e da internet, as gestantes adaptaram-se ao modelo “virtual” não somente para consultas e acesso às informações, mas também para situações essenciais e cotidianas da gestação, como compras em mercados, farmácias e enxoval do bebê. 

Como foi tudo muito novo né? A gente fica cheia de medo. Eu fiquei em casa literalmente isolada, até o enxoval eu fiz todo de casa, todo online (E. C.).

(…) veio aquele negócio da pandemia, ficou proibindo tudo, não podia sair, não podia nada e eu queria exibir mesmo, exibir meu barrigão rua a fora (risos!)… Não pude comprar nada na rua. A maioria das coisas eu tive que comprar pela internet… Mas não é a mesma coisa de você ir lá na loja, você olhar, você ver (C.C).

Fazer enxoval era tudo online ou via whatssapp e aquela coisa né, você tá na primeira gravidez você quer ter contato, você quer ver o material, você quer ver se é gostosinho, se vai ser confortável pra o bebê e tudo (E. C. C.).

Outra situação frequentemente relatada pelas mulheres foi a necessidade do isolamento domiciliar, o distanciamento da rede de apoio durante a gestação e os impactos causados por essas medidas.

Um ponto negativo disso é assim, é não ver algumas pessoas (…) algumas pessoas seriam interessantes estarem presentes, algumas amigas, minha irmã, minha mãe, pessoas específicas seria bom. Eu iria me sentir feliz (J. F.).

 Observa-se, nas falas, que o isolamento e o distanciamento da rede de apoio para as gestantes representou segurança, pela possibilidade de redução da transmissão. Por outro lado, também foi motivo gerador de conflitos familiares.

Tinha que me contentar mais dentro de casa, essas mudanças, principalmente depois que ela nasceu, não podia visita, não podia nada, todo mundo querendo conhecer, foi bem chatinho. Mas é necessário né? Tem gente que até hoje nem conhece ela (C. C.).

Mas foi muito assustador, como meu esposo trabalha fora e ele é uma pessoa assim, que ele não é de muito isolamento… foi assustador porque nós discutíamos muito, essa questão de dizer assim ‘ah, só pega COVID se eu sair com os amigos’ (L. M.).

Nesse momento a gente precisa se afastar de muita gente, da rede de apoio que a gente tem né? Dos nossos tios, enfim sogra, de avó (…) Mas eu acho que foram esses sentimentos, de segurança. Eu tentei me sentir segura me isolando. E de angústia em alguns momentos por não tá dividindo com ele, principalmente, (companheiro) (E. C.).

 As medidas de proteção também se fizeram presentes nas consultas pré-natais, na realização dos exames e durante o parto. Em todas as entrevistas, foi citada a ausência de acompanhante de escolha da mulher nas consultas e exames. Além disso, foi relatada a importância para aquelas que conseguiram ter a presença do companheiro em pelo menos uma consulta, um exame, ou durante o parto.

As consultas presenciais, no início o esposo ele não podia acompanhar, porque ele quis ser muito parceiro né? Por ser muito novo pra gente… Alguns exames eu fui fazer ele não pôde entrar, o que gerou uma frustação grande né? Porque a gente queria muito dividir isso (E. C.).

Com relação a acompanhante, porque a gente cria né, de querer ali, participar, a pessoa do seu lado… ou o meu parceiro ou a minha mãe (…) e no dia não foi possível né? (E. C. C.).

Durante o parto a gente ficava muito sozinha, a gente não podia ter companhia, entendeu? Então a gente ficava muito a ‘mercê’ das pessoas que trabalham no hospital… (…) (R. P.).

 A pandemia da COVID-19 trouxe limitações impostas às mulheres durante o trabalho de parto e parto, impactando na assistência prestada, na autonomia da mulher, em direitos como a presença de acompanhante, de maneira que deixou as mulheres suscetíveis a cesarianas sem indicação clínica e a violência obstétrica, podendo gerar uma experiência de parto negativa (SOUZA KV et al., 2020).

Quanto à terceira e última categoria, a experiência de maternar durante a pandemia da COVID-19, observa-se, entre as participantes, um misto de sentimentos: alegria pelo filho, em vê-lo nascer saudável, mas ainda mergulhadas em meio à sensação de medo e apreensão, claramente presentes nos discursos. O medo que vinha acompanhando as mulheres desde a gestação permaneceu após o parto, pelo fato de estarem num hospital onde poderiam ter contato com alguém infectado, com algum acompanhante de grupo de risco. Além disso, a exposição do recém-nascido a esse ambiente preocupava as mulheres.

Eu achava que eu tava suja, eu não podia pegar meu filho (…) eu estava em ambiente hospitalar… meu Deus, vem meu filho naquela coisa, lá tudo estéril né? E vim pra meu colo… será que tem alguém aqui meu Deus que tem COVID? (L. M.).

Foi um sentimento muito de tranquilidade nesse momento e de apreensão, de medo né? Proteção excessiva. Eu criei um mecanismo de proteção… Eu não queria visita de ninguém, eu não queria ver ninguém, eu não queria que ninguém tocasse (J. F.).

Eu morria de medo de morrer, eu morria de medo do bebê pegar. Foi assim, uma coisa que era pra ser o melhor momento da vida da mãe, foi um susto (J. S.).

No hospital fiquei aflita né? Por conta do vírus. Porque a gente sabe que os profissionais que trabalham lá, trabalham em outro lugar… Eu tava com uma acompanhante que era minha mãe e é do grupo de risco. Eu fiquei muito apreensiva com relação a isso. E também a gente não sabe com relação aos outros acompanhantes (E. C. C.).

O pós-parto imediato é o momento em que a mãe conhece seu (a) filho (a). Começa uma nova rotina familiar e surgem alguns desafios que durante a pandemia tiveram que ser resolvidos entre a mulher e a restrita rede de apoio da própria residência, como dar banho, trocar fralda, amamentar, cuidados com o coto umbilical, com o tipo de parto e a fragilidade física. Sendo assim, o internamento da mulher no alojamento conjunto deve ser o ponto inicial da assistência puerperal, onde a equipe de enfermagem tem competências e habilidades com o recém-nascido que devem ser repassadas para a mãe e família/acompanhante. Além disso, deve-se dar suporte psicológico adequado quando necessário (GOMES GF e SANTOS APF, 2017).

Pra mim foi um pouco difícil trocar fralda, pegar no colo, o conseguir botar pra amamentar… o não dormir, o se sentir inchada, foi pesado! (E. C.).

Só foi ruim mesmo pra mim a parte da amamentação que foi muito, muito difícil, que eu pensei até que não ia conseguir. Mas o resto foi tranquilo, minha recuperação. Tenho uma rede de apoio maravilhosa. Nunca me senti sozinha, sobrecarregada, nada disso não. Graças a Deus. (C. C.).

Além desses desafios que são bastante comuns entre as mulheres no pós-parto, outros foram citados, como o aparecimento de estrias, o edema acentuado após o parto cesáreo e a nova rotina com um recém-nascido em casa e um filho (a) mais velho.

Eu olhei minha barriga, tinha várias estrias no pós-parto imediato e eu não tinha estria anterior nenhuma. Então pra mim foi um choque muito grande. Eu fiquei muito inchada, minhas pernas ficaram muito edemaciadas, o que eu não tive durante a gestação… então pra mim foi complicado! (E. C.).

Aí no dia 16 fez o parto, foi tranquilo. Eu tive um edema com 3 dias, muito, muito mesmo (…) E eles (filhos mais velhos) também né? O comportamento em relação ao irmão pequeno, tem aquela coisa de achar que tá só dando atenção ao pequeno (L. M.).

Foi difícil porque, ainda tá sendo na verdade né? Mas a dificuldade é conciliar com o trabalho, ele e essa pandemia. Porque assim, a gente tá mais restrito em casa e ainda tem o irmão mais velho. A pandemia mudou toda a rotina da casa… ainda teve a chegada dele… Foi difícil no início só pela aceitação, na verdade só de acostumar a rotina nova né? (F. S.).

 Após a permanência hospitalar, que culminou com a alta e a saída para casa, havia muitas recomendações para as puérperas, entendendo serem ainda grupo de risco para COVID-19. E o medo continuou presente no cotidiano dessas mulheres: o distanciamento dos familiares e amigos, não apresentar o filho às pessoas, não compartilhar o crescimento deles, a não ser pelo celular, pelas redes sociais e chamadas de vídeo.

O chato é que ninguém podia vim visitar né? O pessoal… querendo conhecer e agora esse negócio de conhecer por chamada de vídeo né? que é a moda que começou desde que iniciou a pandemia né? O pessoal só conheceu ela mesmo por chamada de vídeo. Acho que isso é bem chato né? Não é a mesma coisa de você tá lá, pegar o bebê. Então é bem ruim! (C.C.).

Na época foi não deixar as pessoas ir visitar. O povo queria ver, o povo ia, o povo não tinha medo, acho que o medo maior é a mãe né? (…) Eu me trancava no quarto e dizia que a menina tava dormindo, pra o povo não pegar (J. S.).

Eu achei muito chato, não vou mentir né? Primeiro porque a gente não podia receber visita né? Não podia visita, nem avô podia vim no início. É… foi bem complicado… Mas com o passar do tempo, que ela foi crescendo mais, a gente foi liberando, assim pra os avós, para as pessoas mais íntimas da gente (R. P.).

Então eu acho que a rede de apoio foi o mais impactante, o medo de pessoas que vieram, meu irmão… A gente fica cheia de medo, deixa pegar, não deixa pegar no bebê. Não, passa álcool e deixa, bota pano nele todo pra pegar. Então o medo foi muito presente e a falta de rede de apoio então. Teve que ser principalmente eu, meu esposo e tem uma pessoa aqui com a gente (E.C).

 A adaptação à vida com um recém-nascido na pandemia para algumas, por terem uma rede de apoio pequena na residência em que moravam, que deu o suporte necessário a elas durante o puerpério tardio e com o crescimento do bebê, foi entendido como algo positivo. Porém ressalta-se que nem todas as mulheres possuem essa possibilidade de receber auxílio de familiares.

Quem ficou comigo foi, mainha veio… ficou aqui 15 dias direto… depois ela teve que ir embora… fiquei com o marido tava dentro de casa em home office né, os filhos também aula online, me ajudaram na medida do possível (J. F.).

Aí minha sogra que foi minhas mãos e meus pés, meu esposo saía pra trabalhar, ele não encostava de junto dele, de mim, por medo né… então ele ficava mais distante, ai quando precisava ir no médico alguma coisa, o tio dele que tava em isolamento que vinha e me levava (L. M.).

A todo momento que eu precisar assim tem pessoas que pode ficar com ela, que pode me ajudar, no início eu tive muito a ajuda da minha sogra, pra dar banho nela, até pra ficar com ela enquanto eu tava descansando, porque sentia um cansaço enorme mesmo, era um sono fia, um sono, aí a rede de apoio foi muito boa! (R. P.).

Podemos evidenciar através das falas das mulheres o quanto a pandemia trouxe impactos às mulheres nesse período gestacional, observando uma rotina nunca ainda experimentada entre as mulheres; ainda assim está cerceada de informações, evidências científicas e profissionais que as escutem e as acolham , garantindo-lhes segurança, autonomia e protagonismo transcurso parturitivo a fim de proporcionar à mulher uma experiência positiva de parto, um puerpério seguro e amparado pela sua rede de apoio, a manutenção da garantia de direitos reprodutivos na maternidade e proteção a vida da mãe e bebê sem infringir a dignidade das mulheres mesmo em tempos de pandemia; e o apoio institucional aos trabalhadores para que possam seguir com uma assistência de qualidade, protocolos de segurança bem estabelecidos para segurança do profissional e usuária do serviço.

A partir dos resultados podemos observar que uma rede de apoio sólida, mesmo reduzida, com distanciamento e isolamento social, possibilita às mulheres um parto e puerpério seguros, amparados, fortalecendo os vínculos familiares e de paternidade, apoiando a amamentação exclusiva, o que reduz o estresse emocional e físico que acometem essas mulheres no pós-parto.

4 DISCUSSÃO

Fica evidente o quanto que os aspectos físicos e psíquicos foram influenciados pelo isolamento social, medida de proteção extremamente recomendada frente à COVID-19 (Almeida et al, 2020), que somado às alterações hormonais – fisiologicamente previsíveis nessa fase- podem gerar maior sensação de medo, crises de ansiedade e insegurança. Os sentimentos expressados pelas mulheres traduzem exatamente o que os autores ressaltam que o fator mais estressante, nestas circunstâncias, tem sido a imprevisibilidade, a incerteza, a gravidade da doença e a desinformação; esses aspectos ficaram bem evidentes nas falas das entrevistadas.

Bahia (2020) recomenda que as gestantes de risco habitual ou mesmo com algum fator de risco que mantenha o acompanhamento pré-natal, realizem os exames de imagem e biológico de cada período gestacional e mulheres que constatarem a gestação iniciem as consultas o quanto antes, contraditoriamente, podemos observar que mesmo sendo uma recomendação nacional e estadual a continuidade do pré-natal, houveram falhas nesse acompanhamento, com suspensão de atendimentos, consultas virtuais, o que acabou implicando em redução de consultas e número inferior ao recomendado pelo MS.

Este aspecto, por certo, potencializou os medos e as incertezas de se gestar e parir num contexto pandêmico e as mulheres primíparas, principalmente, demonstraram a necessidade de receber mais informações e orientações, sendo de importância para redução dos impactos sobre a saúde mental, seu bem estar e condução do período gestacional. A sensação de insegurança e medo, por vezes poderia ter sido amenizada com orientações e profissionais que proporcionam acolhimento, escuta qualificada e quando necessário encaminhá-las para uma equipe multiprofissional (Estrela et al., 2020).

Além das recomendações quanto à assistência pré-natal, as medidas de prevenção e combate à transmissão da COVID-19 são estratégias muito eficientes quando realizadas de maneira correta. Temos como medidas mais importantes a higienização das mãos através da lavagem com água e sabão e/ou álcool gel, limpeza constante de ambientes e superfícies, distanciamento social minimizando o contato entre indivíduos, isolamento e uso da máscara.

Porém para as gestantes, o cumprimento dessas medidas, em especial o isolamento social, interferiu diretamente nas expectativas criadas ao descobrir a gestação, pois a pandemia mudou as expectativas das gestantes em vivenciar esse momento com seus familiares e amigos, de organizar com segurança cada detalhe para a chegada do seu bebê, de sair de casa sem medo de ser contaminada e gerar possíveis complicações para a gestação e/ou o feto. Os discursos são semelhantes principalmente para as primigestas que mesmo com a gestação não planejada desejavam escolher cada detalhe, ter uma rede de apoio perto e presença física dos familiares e amigos, e essas ausências geram em algumas a tristeza, frustração e intrinsecamente a solidão, por não poder ter acompanhante nos exames, nas consultas e no parto.

Uma das estratégias efetivas recomendadas para redução da transmissibilidade, controle do crescimento da doença e consequentemente resguardar os sistemas de saúde é o distanciamento social; porém, ressalta-se que permanecer em isolamento durante toda gestação é uma opção que não foi disponível à todas as mulheres principalmente das periferias, com trabalhos informais ou atividades que não favorecem para o trabalho remoto em casa, gerando também o medo do desemprego e sobrevivência (NATIVIDADE MS, et al, 2020). Em contrapartida, diante das orientações durante as consultas pré-natais, as participantes com vínculos empregatícios buscaram manter o isolamento social com adoção do home office (trabalho em casa) ou afastando-se do trabalho.

Uma outra forma de manter esse isolamento e redução de possibilidade de contágio foi a suspensão do acompanhante; lembrando que a presença do acompanhante está ligada a amenizar a solidão, gera segurança, suporte emocional, fortalecimento das relações, conforto e tranquilidade a mulher, favorecendo para o parto humanizado (DODOU HD, et al., 2014). E os discursos das mulheres, de um modo geral traduziram esse sentimento de frustração diante da ausência do acompanhante, no qual houve restrição desse direito à mulher influenciando diretamente na experiência da mulher e sua família.

Nobrega VCF, Melo RHV e Diniz ALTM (2019) destacam que para as puérperas a rede mais usada é de familiares, amigos e profissionais de saúde- nessa ordem- por isso faz-se necessário mesmo diante da pandemia fortalecer os vínculos afetivos das gestantes para que possuam uma rede de apoio formada para o puerpério.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pandemia da COVID-19 tem sido um acontecimento de saúde pública mundial nunca visto na história com tamanha magnitude; seus efeitos vão muito além da contaminação ou não pelo vírus, mas os reflexos sociais, econômicos, culturais e psicológicos têm afetado a população brasileira há mais de dois anos e o presente artigo evidencia os impactos que este grupo de risco, qual seja,  as gestantes e puérperas, têm sofrido por vivenciar a gestação, o parto e o puerpério em constante medo, apreensão, por vezes solidão, distanciadas da rede de apoio; quadro de insegurança em relação ao desfecho da própria gestação, quanto à sua vida e a do seu  bebe sejam garantidas, principalmente frente às instabilidades e medos gerados pelo contexto da pandemia.

Por fim, ressaltar que mesmo em um cenário pandêmico e com a tentativa de subtrair direitos às mulheres durante todo ciclo gravídico puerperal, muitas ainda conseguem descrever experiências incríveis, e ímpares que tem sido parir e (re) significar a vida neste contexto.

6 REFERÊNCIAS

ALMEIDA MO. Gestantes e covid-19: isolamento como fator de impacto físico e psíquico. Rev. Brasileira Mater. Infant. 2020; 20; 2:603-606.

BAHIA. Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Boletim epidemiológico COVID-19. 2022. Disponível em: <http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2022/12/BOLETIM_ELETRONICO_BAHIAN_952___01122022.pdf> Acessado em: 03 de dezembro de 2022.

BAHIA. Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Nota técnica Nº 47 de 3 de abril de 2020 (Atualizada em 24 de julho de 2020). Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/temasdesaude/coronavirus/plano-estadual-de-contingencias-e-notas-tecnicas-covid-19/>

BRASIL. Ministério da Saúde. COVID-19 Painel coronavírus. 2022. Disponível em: <https://covid.saude.gov.br/>. Acessado em: 03 de dezembro de 2022.

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1 Ariane Cedraz Morais. Professora Assistente da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Enfermeira Obstetra. Mestre em Saúde da Mulher. Endereço: Rua São Romão, n 331. Bairro Santa Mônica, Feira de Santana – Bahia CEP 44077-370. E-mail:acmorais1@uefs.br
2 Enfermeiras graduadas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de Santana – BA
3 Docentes da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de Santana – BA