EXPERIÊNCIA DE ESTUDANTES DE MEDICINA EM EXTENSÕES COMUNITÁRIAS AO ASSENTAMENTO FELIX DE AZARA-HERNADARIAS-PY: RELATOS PESSOAIS.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202502282050


Lilian Raquel Ramírez Barúa1
Raissa Pinto Bohry2
Maria Jacqueline dos Santos Couto3
Idalécio Couto Pereira4
Thayná Maria Soares Rosa de Andrade5
Raissa Bohry de Souza Vasconcelos Correa6
Juan Phablo Gomes da Silva7
Welton Bohry de Souza8


RESUMO

Movidos pela empatia e pela sede de colocar a medicina em prática, um grupo de alunos brasileiros da Universidade Central do Paraguai desenvolveu um projeto de assistência à comunidade do Assentamento Felix de Azara em Hernandarias-PY com o objetivo de promoção de saúde. Durante as 5 visitas programadas puderam aprender não só sobre medicina com o auxílio de médicos voluntários como também sobre amor, empatia e solidariedade, experiência transformadora que ao ser narrada pode impulsionar outros grupos a manterem o legado e as instituições de ensino a fomentarem esse tipo de iniciativa já que cada vez mais se tem discutido a necessidade de estratégias para promover uma formação médica humanizada que responda às demandas populacionais.

PALAVRAS CHAVES: Medicina comunitária, responsabilidade social, voluntariado, promoção de saúde.

INTRODUÇÃO

A escassez de recursos financeiros governamentais e as limitações do sistema de saúde paraguaio é uma realidade que não está distante da realidade do Brasil, por isso, o fomento da união desses dois povos em prol do avanço social, especialmente no quesito saúde no Paraguai, tem um elemento impulsionador que é a empatia trazida pela familiarização. 

Tendo em vista o exposto, o objetivo do presente trabalho é relatar a experiência de um grupo de estudantes brasileiros do curso de medicina da Universidade Central do Paraguai de Cidade do Leste em visitas a uma comunidade carente localizada em Hernandarias PY.

A ideia partiu de um grupo de estudantes que ao formar a Liga Universitária de Anatomia Patológica da Universidade Central do Paraguai de Cidade do Leste passou a se questionar sobre o papel social das ligas universitárias e como sair da rotina técnica que envolve o estudo da anatomia patológica para contactar o objetivo final de todo o conhecimento na área médica: manter a saúde do ser humano, especialmente dos mais vulneráveis.

MÉTODO

Tendo em vista os direitos e deveres conferidos aos estudantes ao tomarem para si a responsabilidade de formar uma liga universitária, o grupo que desenvolveu o presente estudo buscou o apoio da instituição de ensino a qual é vinculado para realizar extensões comunitárias mediante projetos aprovados pela coordenação de ligas e captação de recursos fornecidos pela Universidade Central do Paraguai como cestas básicas, transporte e médicos. Além disso, foram realizadas campanhas de arrecadação de valores e doações entre estudantes e funcionários da instituição.

O local foi escolhido por indicação de uma ONG que mantinha um trabalho social na região e por isso pode fazer a ponte entre o grupo de voluntários e a líder comunitária do Assentamento Felix de Azara, a qual cedeu um espaço com uma varanda coberta e um terreno aberto. Posteriormente foi contactado também um líder religioso que cedeu as dependências de uma igreja para as ações voluntárias.

Foram realizadas cinco visitas à comunidade do Assentamento Felix de Azara localizada em Hernandarias-PY de junho a dezembro de 2024. O grupo de acadêmicos voluntários variava entre 10 e 30 pessoas, divididos em grupos de tarefas como, promoção de saúde, alimentação, recreação, distribuição de doações e investigação científica.

As visitas tinham o objetivo principal de melhorar a vida das pessoas da comunidade por meio da promoção de saúde, por isso cada incursão tinha um tema de abordagem definido baseado nas necessidades que iam sendo descobertas ao longo do processo. A equipe envolvida na promoção de saúde fazia orientações e atividades lúdicas ora ao público infantil, ora ao público adulto, além de realizar, sob coordenação de médicos fornecidos pela Universidade Central do Paraguai, medição de sinais vitais, exame físico, aconselhamento e distribuição de medicações oriundas de doações de uma ONG.

 Assim, o planejamento dos temas das visitas foi organizado da seguinte forma:

09/06/24: hábitos de higiene

24/08/24: Saúde da criança

13/10/24: Saúde da mulher-Autoexame de mamas.

26/10/24 Planejamento familiar

01/12/24 Nutrição e alimentação

Imagem 1: Voluntários e médica orientadora fazendo exame físico.

A equipe da alimentação ficava responsável por captar recursos, preparar merendas e refeições e distribuir para a comunidade, bem como por distribuir cestas básicas.

Imagem 2: voluntarios distribuindo refeições.

Os voluntários da recreação captavam recursos para comprar brinquedos e alugar estruturas e desenvolviam atividades recreativas e educacionais.

Imagem 3: Voluntários promovendo recreação.

As entregas de doações eram coordenadas por uma média de cinco voluntários que além de captar os recursos, delimitavam um espaço com varais e mesas onde podiam expor as peças e permitir com que cada pessoa interessada escolhesse itens que eram colocados em sacolas em alusão a uma loja solidária.

Imagem 4: voluntários organizando “loja solidária”.

Finalmente, os estudantes que ficaram a cargo da investigação científica, colhiam dados como peso e altura das crianças e tipo de alimentação das famílias por meio de entrevistas e consentimento livre e esclarecido para posterior confecção de artigo científico.

Imagem 5: Voluntária realizando entrevista.

Posteriormente foram colhidos depoimentos dos sete estudantes que desenvolveram o presente estudo os quais foram numerados de 1 a 7 para facilitar a organização do trabalho.

Depoimento do estudante 1

“A primeira vez que fui ao assentamento tive certeza de que estava em busca da profissão que me faria feliz ao mesmo tempo me senti impotente por não conseguir resolver os problemas daquela comunidade, mas percebi que era necessário o trabalho que estávamos começando a desenvolver e que poderia sim render bons frutos para aquelas pessoas carentes. Cheguei à conclusão de que se eu tornar melhor um dia de uma pessoa que seja, já vale a pena, além disso, eu estava fazendo parte de uma transformação que podia fazer aquelas pessoas cuidarem melhor da própria saúde evitando doenças decorrentes de maus hábitos alimentares e de higiene.

O local era aberto com chão de terra onde as crianças brincavam, muitas delas descalças e maltrapilhas. Havia um espaço coberto onde fazíamos a parte médica, o médico que nos acompanhava no dia atendia os membros da comunidade de um a um com o auxílio dos voluntários, grande parte dos pacientes tinha queixas de pressão alta, diabetes, doenças de pele e sintomas respiratórios, quando conseguimos doações os pacientes saiam com os seus medicamentos, infelizmente não conseguimos fazer isso todas as vezes.

Outro aspecto relevante era a quantidade de filhos por família, muitas mulheres com 4 ou 5 filhos sem uso regular de método contraceptivo e sem procedimento de ligadura tubária, por isso fazíamos orientação de planejamento familiar.

Me chamou atenção também o caso de um senhor que levou uma radiografia de tórax na qual pudemos identificar um abscesso pulmonar, ele relatou que estava fazendo uso de um antibiótico receitado pelo médico que o avaliou, porém interrompeu o tratamento por conta própria por não achar mais necessário e mantinha o hábito de fumar, tentamos orientar da melhor forma, mas sinceramente não acredito na possibilidade de um bom prognóstico. Esse tipo de caso me entristece, mas me faz ter mais vontade de focar na educação das crianças de criar uma base sólida de conhecimento para que elas tenham melhores hábitos que os pais.

A vivência da prática da medicina em situação adversa, a céu aberto, sem equipamentos de diagnóstico, sem especialistas em várias áreas, em muitas situações sem medicações necessárias traz sentimentos mistos de desânimo e vontade de superação, de fazer o melhor com o que temos a mão e brigar por recursos e visibilidade daquela comunidade pelos governantes.”

Depoimento do estudante 2

“O dia em que chegamos pela primeira vez ao local para iniciar a nossa ação foi marcante, uma experiência que eu nunca havia vivenciado antes. Assim que desci do carro, duas crianças vieram correndo em minha direção e me abraçaram, um gesto que ficou gravado na minha memória. São crianças carentes, tanto materialmente quanto afetivamente, foi algo que me tocou profundamente. Desde então, o projeto transformou minha perspectiva sobre a vida. Foi uma experiência que mexeu muito comigo e me fez perceber a importância de estar presente e ajudar aqueles que mais precisam. A partir desse dia, participei de mais projetos. Um dos projetos foi do Dia das Crianças, não existe gratificação maior que lembrar dos sorrisos tão puros e lindos daquelas crianças. Todos esses projetos me motivaram ainda mais a continuar ajudando e fazendo a diferença na vida dessas pessoas através dos trabalhos voluntários. Sinto que conseguimos realizar um propósito: fazer a diferença na vida dessas pessoas.”

Depoimento do estudante 3

“A princípio todas essas visitas que mencionarei a seguir só ocorreram devido ao trabalho excepcional da liga universitária de anatomia patológica (LUAP), que permitiu com que pudéssemos promover a saúde de uma comunidade carente sempre visando o bem-estar social. Então, tudo começou, quando nos reunimos em um mercado na esquina da universidade Central do Paraguai- UCP para planejar como que seria essa visita.

Com isso, tomamos café da manhã, discutimos, e seguimos para a comunidade localizada em Hernandárias PY, e ao chegarmos lá, fomos recepcionados de braços abertos pela chefe da comunidade e pelas crianças que residem ali naquela comunidade, e isso foi incrível, já que, pudemos sentir o nível de carência que havia alí. Portanto, começamos a descarregar água potável, vários voluntários se dividiram entre os que faziam parte da cozinha que eram responsáveis por fazer a feijoada , e montar os pratos com arroz, feijoada e salada para distribuirmos para a população. Já os que eram responsáveis pela recreação ficaram encarregados de montar o pula pula e encher o brinquedo inflável,  assim como supervisionar o tempo de cada criança, e ao mesmo tempo tinha os voluntários que ficaram responsáveis por organizar as roupas para doar. Além do  atendimento gratuito ofertado por outros voluntários da nossa mesma equipe, tendo como objetivo ver grau de desnutrição e averiguar os signos vitais, e orientar a população sobre os possíveis riscos à saúde. E em outra parte tínhamos a distribuição de brinquedos, cestas básicas e kits de higiene feminina a população coordenada por outros voluntários , onde percebi que poucas ações podem fazer muita diferença na vida do próximo, principalmente quando unimos força para isso. Logo após montarmos os pratos do almoço começamos a servir de forma civilizada enquanto as pessoas da comunidade formaram filas para isso.”

Depoimento do estudante 4

“No segundo semestre do ano de 2024, tive o privilégio de participar como acadêmica de medicina de quatro visitas/projeto de extensão no Assentamiento Felix de Azara- Hernandarias, no Paraguai, no qual tive a oportunidade de desenvolver várias atividades junto a esta comunidade carente, tais como:

– Acompanhar atendimento médico 

– Realizar orientações de saúde, verificar sinais vitais, exame físico 

– Distribuição de doações 

– Servir lanche 

– Recreação 

Participar de uma ação social em uma comunidade carente é uma experiência que transcende palavras. É sentir o coração pulsar mais forte ao olhar nos olhos de quem luta, diariamente, para superar as adversidades. É perceber que, ao estender a mão, estamos não apenas oferecendo ajuda, mas também recebendo lições profundas de resiliência, amor e esperança.  

Para mim um momento bem marcante foi durante a roda de conversa em alusão ao Outubro Rosa, Realizar uma palestra em outro idioma sobre o câncer de mama em uma comunidade carente foi uma experiência profundamente gratificante e emocionante. Ver aquelas mulheres, muitas vezes enfrentando desafios diários imensos, reunidas para aprender e se fortalecer, trouxe um sentimento indescritível de alegria e propósito.

A cada palavra compartilhada, era possível perceber o interesse nos olhos de cada uma delas. Falar sobre a importância da prevenção, do autoexame e da busca por ajuda médica despertou não apenas a conscientização, mas também a esperança. Foi um momento de troca genuína, onde não apenas transmiti conhecimento, mas também recebi força e inspiração das histórias e da coragem delas.

A satisfação de saber que, mesmo em meio a tantas dificuldades, conseguimos criar um espaço de acolhimento, escuta e aprendizado é inestimável. Sair dali com o coração cheio de gratidão, vendo que plantamos sementes de cuidado e empoderamento, reforça a certeza de que pequenos gestos podem salvar vidas e transformar realidades.

Cada sorriso que surge, cada olhar de gratidão, nos lembra que, por menor que pareça, o gesto de solidariedade pode ser uma fagulha de luz na escuridão. Ver crianças rindo, famílias se unindo, e sonhos sendo reacendidos nos faz entender que o verdadeiro propósito da vida é o compartilhar.  

É nesse encontro de realidades que nasce algo poderoso: uma troca. Doamos alimentos, roupas ou tempo, mas recebemos algo imensurável em troca—uma renovação da nossa humanidade. Ação social não é apenas ajudar; é se conectar, transformar e, acima de tudo, acreditar que juntos podemos construir um futuro mais justo e solidário.”

Depoimento do estudante 5

“Participar da ação social  no Dia das Crianças foi uma das experiências mais marcantes da minha vida. Eu tive a oportunidade de brincar com as crianças e mudar o dia delas, doamos muitos brinquedos que fizeram os olhos delas brilharem de felicidade, e ainda servimos lanches deliciosos que foram preparados com muito carinho. A cada sorriso, a cada abraço que recebi, senti meu coração se encher de alegria e enxerguei que devemos sempre exercer a caridade.

Além das brincadeiras e das doações, foi muito importante e emocionante ver como pequenos gestos podem transformar o dia dessas criaturinhas. Passamos horas brincando de pular corda, fazendo quebra de braço com os meninos, organizando jogos e até contando histórias, e a cada instante parecia mágico. Ao final da programação, ver a alegria nos olhos delas e ouvir seus agradecimentos sinceros me fez perceber o verdadeiro valor de estar presente e contribuir para a felicidade de alguém.

Me sinto um homem honrado e mais feliz por dentro por ter participado de uma ação tão importante na vida de pessoas tão necessitadas. Essa experiência me mostrou o poder da solidariedade e como, juntos, podemos criar momentos inesquecíveis para quem mais precisa. Foram programações que serão lembrado para sempre em minha vida e em meu coração, com a certeza  que pequenas atitudes podem gerar grandes impactos na vida dessas pessoas.

Nos finais das programações, eu estava suado, cansado, mas era um cansaço bom, aquele que vem quando você sabe que fez algo importante  e significativo. Me sinto um homem mais completo, mais conectado com o mundo à minha volta. Participar dessas ações me lembrou o quanto é importante estar presente e compartilhar o que temos de melhor com os outros. Foi uma experiência que não só trouxe felicidade para as crianças, mas também me encheu de uma sensação de propósito e alegria interior.

Que possamos seguir o exemplo do nosso mestre Jesus fazendo a diferença na vida de comunidades, onde quer que formos.

Obrigado por ter dado a oportunidade de participar de algo tão grandioso.

Essa é a nossa missão aqui na terra. Eis me aqui senhor envia-me a mim. Obrigado por ter dado a oportunidade de participar de algo tão grandioso.

Essa é a nossa missão aqui na terra.”

Depoimento do estudante 6

“O Assentamento Félix de Azara, no Paraguai, é um exemplo inspirador de como ações sociais podem transformar vidas, especialmente a de crianças carentes. Tive a oportunidade de participar de um projeto voltado para o apoio social, nutricional e médico da comunidade, com enfoque nas crianças, e gostaria de partilhar um pouco dessa experiência.

Ao chegar à comunidade, ficou claro que as dificuldades enfrentadas pelas crianças eram profundas. Muitas vivem em situação de extrema pobreza, sem acesso adequado a alimentos, materiais de higiene, materiais escolares, ou espaços seguros para brincar e aprender. Com isso em mente, organizamos uma série de atividades que visavam atender às suas necessidades mais importantes. 

A insegurança alimentar nessa comunidade também é uma questão preocupante. Com a ajuda de doações de parceiros, conseguimos oferecer refeições para cerca de 300 pessoas.  Além disso, organizamos campanhas de saúde com apoio de médicos voluntários, que realizaram exames básicos e orientaram as famílias sobre higiene e prevenção de doenças.

Um dos momentos mais emocionantes foram as atividades de lazer realizadas com as crianças. Elas brincaram de bola, pularam corda, fizeram pintura no rosto, desenhos e claramente se sentiam muito felizes com nossa presença. 

A experiência não apenas impactou a vida das crianças, mas também fortaleceu os laços comunitários. As famílias começaram a se envolver mais ativamente nas atividades, criando um ambiente de solidariedade e apoio mútuo.

Ao final, ficou claro que pequenas ações podem gerar grandes mudanças. Ver o sorriso das crianças e a esperança nos olhos das famílias foi a maior recompensa. Este trabalho no Assentamento Félix de Azara reforçou a importância de continuar investindo em projetos que promovam a dignidade e o bem-estar das comunidades mais vulneráveis.”

Depoimento do estudante 7

“A última vez que fui ao assentamento Felix de Azara era um domingo de sol de uma alegria que contrastava com a realidade triste daquelas famílias sedentas por atenção e cuidados. Minha missão nesse dia era catalogar dados para um estudo científico acerca de nutrição e alimentação, além de ter tido a oportunidade de orientar quanto a alimentação, pude me conectar mais estreitamente com aqueles seres humanos, conversar como amiga, saber seus nomes, escutar suas histórias, suas dificuldades, saber como é o cotidiano deles, sem dúvida isso fez eu me sentir viva e satisfeita de ter dado uma coisa básica e gratuita: atenção. É claro que existe a frustração de não poder suprir a maioria das demandas deles de forma permanente e de saber que aquela era minha última visita, pelo menos por hora, porque o projeto estava se encerrando e que aquelas pessoas iam continuar ali sedentas, mas me senti bem de ter trabalhado até ali, de ter ensinado alguma coisa, de ter levado esperança e alegria, de quem sabe ter motivado mais e mais pessoas a fazerem o mesmo, de ter visto vários sorrisos. Foi um bom desfecho e um bom início de nova caminhada agora que posso usar o que aprendi em Felix de Azara.”

Imagem 6: Voluntários no último dia do projeto de extensão em Felix de Azara.

DISCUSSÃO

A discrepância social nos países latino-americanos tem vários reflexos, talvez o mais cruel seja a desigualdade no acesso à saúde, que se tornou ainda mais evidente com pandemia do Covid 19 tendo em conta o baixo índice de testagem, acompanhamento e rastreio dos casos comparados a países da Europa, Ásia e América do Norte refletindo em letalidade e casos graves1. Além disso, a falta de orientação, o desconhecimento do comportamento adequado para enfrentamento da pandemia, o medo da vacina fomentado por discursos negacionistas que atingiam mais a população carente do que o trabalho de conscientização mostrou o quanto os menos abastados estão distanciados de orientações básicas de saúde o que não lhes permite crítica e práticas positivas no enfrentamento e prevenção de doenças.

Nesse contexto, fica exposta a necessidade de a atenção básica em saúde ir ao encontro das comunidades carentes, ação essa de responsabilidade primária dos governos, mas que pode ser impulsionada pelas escolas médicas, as quais também tem um papel fundamental com as comunidades nas quais estão inseridas e com os acadêmicos que necessitam de uma formação médica humanizada e situada na realidade. Muito se tem discutido acerca da necessidade de criar estratégias para aproximar os futuros médicos do campo de prática nas comunidades. O momento atual é de atualização do processo de formação dos médicos, por muito tempo o ensino era desbalanceado, tendendo fortemente para o ensino tecnicista que criava um abismo entre o aprendizado e as demandas das comunidades ao redor 2. 

Especificamente se tratando do Paraguai, é notória a quantidade de cursos superiores em medicina que absorvem especialmente alunos brasileiros. Conforme estimativa do último censo do governo paraguaio, há cerca de 20.000 estudantes de medicina brasileiros na região de fronteira3. Assim, fica clara a disponibilidade de recursos humanos para ações de promoção de saúde, catalogação de perfis sociais e necessidades e estudos científicos. Por isso, é necessária a fomentação dessas atividades dentro das universidades paraguaias.

Focault refletiu sobre a questão da falta de interação médico paciente e chegou à conclusão de que o estudo centrado no tecnicismo tende a tornar o paciente um apêndice da doença4. Por isso, a formação médica deve se aprofundar no conhecimento dos cenários sociais os quais serão a realidade dos futuros médicos que precisam saber identificar as diferentes necessidades de saúde da população e ampliar o foco da formação profissional5.

No Paraguai, a responsabilidade social é exigida das universidades, as quais estão em busca da formação de cidadãos universitários comprometidos com a sociedade tanto nos campos educacional, ambiental e cultural6. Por tanto, existe já um movimento conjunto entre alunos e instituições de melhorar a formação médica no sentido de interagir e responder às demandas populacionais.

Um estudo da Universidade de Franca, Brasil avaliou estudantes de medicina quanto aos sentimentos em relação ao contato com a comunidade. A coleta de dados ocorreu em período de avaliações semestrais, momento de estresse e preocupações para os acadêmicos e, a despeito disso, os cinco sentimentos mais frequentemente relatados foram motivação, satisfação, alegria, realização e empatia7.

Em 2024, foi publicado um artigo com relatos de alunos brasileiros da Universidade Privada do Leste, Paraguai, que referem os mesmos sentimentos positivos em relação ao contato com a população local em um trabalho voluntário que realizaram durante todos os anos da graduação8, mais uma vez corroborando com a ideia de que o movimento aposto ao tecnicismo está se desenvolvendo.

O ensino voltado para a humanização e suprimento das demandas populacionais caminha junto com a ideia da promoção de saúde que visa melhorar e controlar a saúde dos indivíduos numa constante busca por impedir os meios de adoecimento considerando as diferenças sociais, culturais e econômicas de cada localidade bem como as necessidades pessoais e fatores externos9.

Um estudo de 2021 relacionou a adesão ao tratamento de hipertensão arterial às estratégias de promoção de saúde10, apontando para a responsabilidade dos profissionais médicos em orientar quanto a medicação e mudança de hábitos para redução das estatísticas de doenças preveníveis. O que ressalta a importância do trabalho que foi realizado em Felix de Azara a longo prazo.

CONCLUSÕES

A escassez de recursos financeiros governamentais e as limitações do sistema de saúde do Paraguai, principalmente no tocante ao acesso à saúde pelas comunidades carentes e distantes dos centros urbanos, dificulta o trabalho de assistência e  a resolução completa dos problemas da comunidade, no entanto, a extrapolação das fronteiras não só territoriais, mas dos muros das instituições de ensino podem sim trazer grandes benefícios às populações carentes deixando um legado de ensino aprendizagem sociocultural que pode revolucionar aspectos relacionados à prevenção de doenças, cidadania e planejamento familiar.

No tocante a experiência do grupo de alunos que desenvolveu o presente estudo, pode-se concluir que o processo foi tão enriquecedor para a comunidade quanto para os acadêmicos já que a interação trouxe aprendizado mútuo e deixou marcas que determinarão a conduta desses futuros médicos por toda a carreira.

REFERÊNCIAS

1-  Coelho, Carolina Gomes. O efeito da testagem laboratorial nos indicadores de acompanhamento da COVID-19: análise dos 50 países com maior número de casos. 2021

2- Educação Médica e Formação na Perspectiva Ampliada e Multidimensional: Considerações acerca de uma Experiência de Ensino-Aprendizagem. Claudio José dos Santos Júnior, Jailton Rocha MisaelI Maria Rosa da Silva, Valmir de Melo Gomes. 2019.

3- Resultados finales de Censo Nacional de Población y Viviendas 2022. Disponível em: https://www.ine.gov.py/censo2022/

4- Foucalt M.O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994.

5- Interação ensino, serviços e comunidade: desafios e perspectivas de uma experiência de ensino-aprendizagem na atenção básica. Célia Regina Rodrigues Gil, Bárbara Turini, Marcos Aparecido Sarria Cabrera, Marilda Kohatsu, Sonia Maria Coutinho Orquiza.2008.

6- Percepción de estudiantes de medicina acerca de la responsabilidad social universitaria Perception of medicine students about university social responsibility María Adela Pérez Velilla, Gustavo Calvo. 2024.

7- Sentimentos do Estudante de Medicina quando em Contato com a Prática. Isabela de Oliveira KalufI Samantha Gurgel Oliveira SousaI Saturnino LuzII Raquel Rangel CesarioI. 2019.

8- Voluntariado – A ciência da solidariedade: Relatos de experiências por estudantes de medicina sobre trabalhos voluntários no Paraguai e no Brasil. 2024.

9-Silva MJS, Schraiber LB, Mota A. O conceito de saúde na Saúde Coletiva: contribuições a partir da crítica social e histórica da produção científica. Physis. 2019;29(1):e290102. http://dx.doi.org/10.1590/s0103-73312019290102
http://dx.doi.org/10.1590/s0103-73312019290102

10- Adherencia al tratamiento antihipertensivo en adultos de Unidades de Salud Familiar del Paraguay: estudio multicéntrico Raúl Real Delor , María Alejandra Gamez Cassera , María Laurel Redes Zeballos , Marilia Martínez Urizar , Gladys Alicia Aguilera Iriarte , Gemali Oviedo Velázquez , Laura Belotto Galeano, Gabriela Ullón Suárez, Edgar Daniel Paredes Sánchez , Verónica Villar Vázquez , María Betharrám Báez Riveros , Astrid Ortiz Galeano. 2021.


1Orcid: 0009-0009-2053-9760
Médica orientadora
Universidade Central do Paraguai
2Orcid 0000-0002-7353-843X
Acadêmica de medicina
Universidade Central do Paraguai
3Orcid:0009-0002-7842-1561
Acadêmica de medicina
Universidade Central do Paraguai
4Orcid: 0009-0001-6658-3267
Acadêmico de medicina
Universidade Central do Paraguai
5ORCID: 0009-0000-1663-9886
Acadêmica de medicina
Universidade Central do Paraguai
6ORCID. 0009-0001-2869-4476
Acadêmica de medicina
Universidade Central do Paraguai
7Acadêmico de medicina
Orcid: 0009-0006-1045-2301
Universidade Central do Paraguai
8Orcid: 0000-0001-7559-3865
Acadêmico de medicina
Universidade Central do Paraguai