EXECUÇÃO PENAL: A BUSCA PELO EQUILÍBRIO DIANTE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7677042


Andrea Borges Maciel
Adriano Luis Fernandes


RESUMO – O presente artigo suscita tema atual no que concerne aquelas pessoas que se encontram privadas de sua liberdade, encarceradas em estabelecimentos prisionais. Refere-se, nesse sentir, que o sistema penitenciário brasileiro enfrenta muitos problemas para concretizar uma realidade que efetivamente oferte possibilidades de reinserção social à população carcerária. Sendo assim, para a elaboração do trabalho em tela, foi estabelecido como objetivo geral o desenvolvimento de uma análise acerca do trabalho no ambiente prisional em relação à perspectiva da reinserção social. Como objetivos específicos, por sua vez, foram definidos três elementos norteadores, quais sejam: considerações históricas referentes a pena e a prisão; execução penal: seus princípios e considerações gerais e, por derradeiro, o trabalho prisional e o processo de ressocialização. No tocante à metodologia, trata-se de uma análise bibliográfica, onde se fez uso de livros e artigos disponíveis na rede mundial de computadores. Os resultados advindos deste estudo demonstram a necessidade da atenção à Constituição Federal, bem como a Lei de Execução Penal no que diz respeito ao cumprimento das regras impostas ao segregado para que, ao deixar o cárcere, possa ter a oportunidade de retornar ao convívio social e a prática laborativa. Observou-se, por fim, que a execução penal a que está submetido o interno está respaldada em princípios, os quais são norteadores da atuação do magistrado, que por sua vez, ao acompanhar o processo de cumprimento de pena percebe que não basta tão somente a oferta do labor, por si só, não sendo este suficiente para a correta reinserção daquele que delinquiu, fazendo-se necessário observar, também, a atuação do Estado quanto ao resguardo a dignidade humana.

PALAVRAS-CHAVE: Trabaho Prisional; Execução Penal; Dignidade Humana.

ABSTRACT – This article raises a current topic regarding those people who are deprived of their freedom, imprisoned in prisons. It refers, in this sense, that the Brazilian penitentiary system faces many problems of a particular nature to materialize a reality that effectively offers possibilities for social reintegration of the prison population. Therefore for the elaboration of the work on screen, it was established as a general objective the development of an analysis about the work in the prison environment in relation to the perspective of resocialization. As specific objectives, in turn, three guiding elements were defined, namely: at first, historical considerations regarding punishment and imprisonment; in a second moment, the penal execution: its principles and general considerations and, finally, in a third moment, the prison work and the resocialization process. Regarding the methodology, it is a bibliographical analysis, where books and articles available on the World Wide Web were used. The results from this study demonstrate the need for the Penal Execution Law to be fulfilled so that the segregated, upon leaving prison, can have the opportunity to return to social life, as well as to work practice. Finally, it was observed that the criminal execution to which the inmate is submitted is supported by principles, which guide the magistrate’s performance, noting that the offer of labor alone is not enough, not being enough to the correct reinsertion of the offender, but, in addition, it is necessary to observe human dignity.

KEYWORDS: Prison Work; Penal execution; Human dignity.

1. INTRODUÇÃO

O trabalho em tela foi elaborado de forma a entender aquele homem que encontra- se em situação de privação de liberdade e no cárcere tomando como norte a história da pena e da prisão desde a Antiguidade até os tempos atuais, através de conceitos e posicionamentos doutrinários, bem como de referências à Filósofos iluministas à época, que, contribuíram para a evolução desses institutos.

No que tange a execução da pena, há uma abordagem aos seus Princípios e algumas considerações no que concerne a atuação do magistrado frente a execução penal, dando ênfase a dignidade humana.

Importante salientar que o trabalho prisional é tido como um dos principais meios retributivos à sociedade, todavia, o que se discute é em razão do processo de ressocialização, pois este busca a valorização humana.

De outra feita, o problema que norteou esta elaboração calcou-se na seguinte indagação: a oferta de trabalho no espaço prisional, na atualidade, possibilita a efetivação do processo de ressocialização?

Em mesmo passo, foi estabelecido como objetivo geral o desenvolvimento de uma análise acerca do trabalho no ambiente prisional em relação à perspectiva da ressocialização. No tocante aos objetivos específicos, os quais consubstanciaram os capítulos, privilegiaram-se três elementos de exploração: pena e prisão; execução da pena: princípios e breves considerações e trabalho prisional e o processo de ressocialização.

Entrementes, no que concerne à metodologia, pode-se afirmar que se trata de pesquisa bibliográfica, valendo-se de livros e artigos disponíveis na rede mundial de computadores.

Refere-se, assim, que esta produção traz discussões sobre um tema amplo. Razão pela qual, deverão ser estruturadas, para uma compreensão mais completa, outras verificações sobre o melhor modo de garantir ao grupo de encarcerados ofícios que possam propiciar uma real possibilidade de ressocialização com dignidade humana.

2. PENA E PRISÃO: CONCEITOS E CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

Ao falarmos sobre a pena e a prisão a imagem que surge em nossos pensamentos é daquele homem, privado de sua liberdade, por ter cometido algum delito e encarcerado em uma cela, incumbindo ao Estado o dever de aplicar a sanção por sua conduta criminosa, o que nos remete, historicamente, a trajetória desses dois institutos que, ao longo dos tempos, vem sofrendo transformações.

Conceitualmente, Damásio de Jesus ensina que pena é “a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consiste na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”(JESUS, 2015, p.563).

No mesmo sentido Fernando Capez:

Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença ao culpado pela prática de uma infração penal, consiste na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade. (CAPEZ, 2007, p.563).

Destarte, a pena é uma consequência do ato ilícito, assim explica Prado (2014, p. 444): “a pena é a mais importante das consequências jurídicas do delito. Consiste na privação ou restrição de bens jurídicos, com lastro na lei, imposta pelos órgãos jurisdicionais”.

Outrossim, na lição de Victor Eduardo Rios Gonçalves encontra-se a seguinte definição:

Pena é a retribuição imposta pelo Estado em razão da prática de um ilícito penal e consiste na privação de bens jurídicos determinada pela lei, que visa à readaptação do criminoso ao convívio social e à prevenção em relação à prática de novas transgressões (GONÇALVES, 2012, p.260).

Ao homem lhe foi atribuída a liberdade como característica fundamental de todo o ser humano ao nascer, todavia, devido ao seu comportamento desviante em seu meio social, ao longo da história, percebeu-se que tornara-se perigoso e como tal, necessitava de punição a fim de conter tal comportamento, surgindo, assim, o instituto da pena.

Verificando a etimologia do termo tem-se que a palavra pena, no entanto para (GRECO, 2015, p.83) deriva do latim poena ou poiné, o qual designa o significado de castigo ou punição ao transgressor de uma lei.

O autor Cleber Masson, por sua vez, traz a seguinte narrativa acerca da origem da pena:

De fato, o ponto de partida da história da pena coincide com o ponto da história da humanidade. Em todos os tempos, em todas as raças, vislumbra-se a pena como uma ingerência na esfera do poder e da vontade do indivíduo que ofendeu as esferas de poder e da vontade de outrem (MASSON, 2011, p.53).

Em complemento as palavras de Gabriel Barbosa Gomes de Oliveira Filho (2013, N° 119):

A acumulação de riqueza e do poder das armas e a constituição do poder judiciário nas mãos de alguns, ambas partes de um mesmo processo histórico ligado ao momento medieval, só vem a amadurecer no final do século XII com a formação da primeira grande monarquia medieval. Com isso a justiça passou a ser imposta do alto, e a ofensa a um indivíduo passou a ser considerada uma ofensa também ao Estado, a ordem, a lei e ao poder soberano. A reparação já não pode concluir-se com a satisfação do ofendido, sendo necessária a reparação da ofensa contra o soberano, razão do surgimento dos mecanismos de multas e confiscações.

Assim, para que o homem pudesse ter um convívio em coletividade, houve a necessidade do surgimento de regras que regulamentassem a vida na sociedade e, segundo Rogério Greco (20015, p.83), “o homem, como ser dotado de consciência moral, teve, e terá sempre noções e delito e pena”.

O autor Greco (2011, p.125) relata que:

Segundo o livro de Gênesis, capítulo 3, versículo 8, Deus se encontrava com o homem sempre no final da tarde, ou seja, na virada do dia. Seu contato era permanente com ele. Contudo, após a sua fatal desobediência, Deus se afastou do homem. Começava, aqui, a história das penas. A expulsão do primeiro casal do paraíso foi, com certeza, a maior de todas as punições. Logo após provar do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o homem deixou de lado sua pureza original, passando a cultivar sentimentos que até então lhe eram desconhecidos.
Anos mais tarde, a desobediência inicial do homem gerou o primeiro homicídio. Caim, enciumado pelo fato de que Deus havia se agradado mais da oferta de seu irmão, Abel, traiçoeiramente o matou. Caim recebeu sua sentença diretamente de Deus, que decretou que ele seria fugitivo e errante pela terra. A partir desses acontecimentos, o homem não parou de praticar fatos graves contra seus semelhantes.

Ainda, no que diz respeito a pena, o autor Rogério Greco (GRECO, 2011, p. 126), diz que:

A primeira modalidade de pena foi consequência, basicamente, da chamada vingança privada. O único fundamento da vingança era a pura e simples retribuição a alguém pelo mal que havia praticado. Essa vingança podia ser exercida não somente por aquele que havia sofrido o dano, como também por seus parentes ou mesmo pelo grupo social em que se encontrava inserido.

Nesse sentido leciona Cleber Masson:

Era uma vingança entre os grupos, eis que encaravam a infração como uma ofensa não relacionada diretamente à vítima, mas, sobretudo, ao grupo a que pertencia. O homem primitivo tinha forte laço com sua comunidade, uma vez que, fora dela, sentia-se desprotegido ante a sua imaginação mágica. Fica nítida a inter-relação entre a vingança divina e a privada. Desse modo imperava a lei do mais forte, a vingança de sangue, em que o próprio ofendido ou outra pessoa do seu grupo exercia direito de voltar-se contra o agressor, fazendo “justiça peias própria mãos”, cometendo, na maioria dos casos, excessos e demasias, o que culminava com a disseminação do ódio e consequentes guerras entre grupos (MASSON, 2011, p.55).

Por sua vez, o autor André Estefam explica o que foi o período da vingança privada:

Já em tempos muito remotos, o homem fazia justiça pelas próprias mãos. A vingança privada caracterizava-se por reações violentas, quase sempre exageradas e desproporcionais. As penas impostas eram a “perda da paz” (imposta contra um membro do próprio grupo) e a “vingança de sangue” (aplicada a integrante de grupo rival). Com a “perda da paz”, o sujeito era banido do convívio com seus pares, ficando à própria sorte e à mercê dos inimigos. A “vingança de sangue” dava início a uma verdadeira guerra entre os agrupamentos sociais. Areação era desordenada e, por vezes, gerava um infindável ciclo, em que a resposta era replicada, ainda com mais sangue e rancor. Travavam-se lutas intermináveis, imperando o ódio e a guerra. Com o fortalecimento do poder social, a vingança privada, aos poucos, cedeu lugar à justiça privada, atribuindo-se ao chefe da família, clã ou tribo o poder absoluto de decidir sobre a sorte dos infratores (ESTEFAM, 2016, p.78).

Assim, conforme Greco (2011, p. 128-130), ainda, no que concerne as penas:

Em um último estágio, o Estado chamou para si a responsabilidade de não somente resolver esses conflitos, como também de aplicar a pena correspondente ao mal praticado pelo agente. Era, portanto, o exercício da chamada jurisdição, ou seja, a possibilidade que tinha o Estado de dizer   o direito aplicável ao caso concreto, bem como a de executar, ele próprio as suas decisões.

Até praticamente o período iluminista, as penas possuíam um caráter aflitivo, ou seja, o corpo do homem pagava pelo mal que ele havia praticado. Seus olhos eram arrancados, seus membros mutilados, seus corpos esticados até se destroncarem, sua vida esvaía-se numa cruz; enfim, o mal da infração penal era pago com o sofrimento físico e mental do criminoso (GRECO, 2011, p. 128).

Sobretudo a partir do final do século XVIII, as penas corporais, aflitivas, foram sendo substituídas, aos poucos, pela pena de privação de liberdade, que até aquele momento, com raras exceções era tida tão somente como uma medida cautelar, ou seja, sua finalidade precípua era fazer que o condenado aguardasse preso, a aplicação de sua pena corporal (GRECO, 2011, p. 128-129).

O período iluminista teve fundamental importância no pensamento punitivo, uma vez que, com o apoio na “razão”, o que outrora era praticado despoticamente, agora necessitava de provas para ser realizado. Não somente o processo penal foi modificado, mas com a exigência de provas que pudesse conduzir à condenação do acusado, mas e, sobretudo, as penas que poderiam ser impostas. O ser humano passou a ser encarado como tal, e não mais como mero objeto, sobre o qual recaía a fúria do Estado, muitas vezes sem razão ou fundamento suficiente para a punição (GRECO, 2011, p. 130).

As penas, que eram extremamente desproporcionais aos fatos, passaram a ser graduadas de acordo com a gravidade do comportamento exigindo-se, ainda, que a lei, que importasse na proibição ou determinação de alguma conduta, além de clara e precisa, para que pudesse ser aplicada, deveria estar em vigor antes da sua prática. Era a adoção do exigível princípio da anterioridade da lei (GRECO, 2011, p. 130).

Importante salientar, conforme o aduz o autor Greco (2011, p. 152-153), que o ano de 1764 foi singular para a história do sistema penal, pois veio a público um livro revolucionário, que traduzia as ideias definidas pelos mais entusiasmados iluministas de seu tempo, o qual recebeu o título de Dos Delitos e das penas, concebido por um Marquês, um homem que, embora gozasse das regalias que a sua condição lhe proporcionava, não virava as costas para os acontecimentos sociais de seu tempo. Um homem preocupado com a dignidade do ser humano, não ficou inerte ante o sofrimento infligido aos cidadãos pelo próprio Estado opressor.

Segundo o Autor Greco (2011, p. 153), cita que o autor desse pequeno grande livro chama-se Cesare Bonessa, o Marquês de Beccaria, que nasceu na cidade italiana de Milão, em 15 de março de 1738.

“O tempo passou e Beccaria foi reconhecido e louvado por ter escrito esse livro revolucionário, que evidenciava tudo o que de mais terrível ocorria na sociedade de sua época. Suas ideias refletiam o sentimento de um povo cansado de ser oprimido pelos governantes inescrupulosos, cruéis e corruptos, desprovidos de legitimidade para administrar a res publica” (GRECO, 2011, p. 154).

Segundo o autor Greco (2011, p. 156-157).

As lições e os princípios propostos por Beccaria modificaram completamente a maneira de tratar o ser humano, que tem em seu favor, como um direito inato, a sua dignidade.

O direito de castigar ainda continuava sendo necessário, mas, a partir daquele momento, sem a desproporção, a crueldade e a desigualdade com que era aplicado.

Segundo Greco em citações a Beccaria informa que tais ideais modificaram completamente a maneira de tratar o ser humano, que tem em seu favor, como um direito inato sua dignidade.

Tais princípios colidiam frontalmente com os interesses dos administradores despóticos, que, em geral, não se preocupavam com o bem-estar dos seus administrados. Sua consciência, se é que existia, não os incomodava. Por isso, infelizmente, é que o livro de Beccaria é tão atual (GRECO, 2015, p. 28).

Ante ao exposto, após um breve relato sobre o instituto da pena, passamos, agora, a entender como eram as prisões, pois, somados, teremos um retrato histórico e não muito longe da realidade do sistema prisional em nossos dias atuais, muito embora, apesar das legislações vigentes, ainda vigora um mundo de caos.

Em sua obra, o autor Greco (2011, p. 143), refere que:

A princípio, a prisão não tinha a finalidade de cumprir um papel de condenação principal àquele que havia violado a norma, praticando determinada infração penal. A prisão do acusado era tida como uma custódia de natureza cautelar, tão somente processual, uma vez que como regra, aguardava a decisão que, se concluísse pela sua responsabilidade penal, o condenaria a uma pena de morte, ou mesmo a uma pena corporal, ocasião em que, logo depois de aplicada, seria libertado.

Na Antiguidade, a prisão, a exemplo do que acontecia na China, no Egito, na Babilônia, era um lugar de custódia provisória e tormento. Ali o acusado era submetido a interrogatórios cruéis, em que o uso da tortura era constante. Procurava-se arrancar do acusado a confissão que o levaria à condenação, a qual, como já dissemos, poderia ser penas corporais, aflitivas, ou mesmo a morte, levada a efeito através das mais variadas formas (GRECO, 2011, p. 144).

Em Roma, havia cárceres que se tornaram célebres pelo terror que infundiam aos condenados que ali eram custodiados provisoriamente, como foi o caso da prisão “Mamertina”, um lugar sem luz, úmido, povoado por insetos e animais peçonhentos, onde a comida era escassa, e os acusados ficavam presos pelos pés em toras de madeira (GRECO, 2011, p. 144).

Outrossim, conforme Rogério Greco, no que diz respeito à prisão:

[…] durante a Idade Média, da mesma forma que no período anterior a privação da liberdade do acusado era entendida como de natureza processual, e não como pena, uma vez que o motivo que determinava a sua prisão era tão somente aguardar a aplicação da pena corpórea que sobre ele, futuramente, viria a recair.
Foi um período no qual se utilizaram os mais terríveis tormentos e em que não se cogitava de cuidar do ser humano de forma digna, uma vez que a própria comunidade onde o acusado se encontrava inserido demandava por um espetáculo de horrores. A multidão se regozijava com o sofrimento, com os gritos do condenado, com a arte com que os torturadores manejavam seus instrumentos. A dor era o combustível que mantinha o público ávido em assistir a essas “distrações públicas”.
Se o destino do réu seria algum trágico sofrimento, como consequência lógica desse raciocínio nunca houve uma preocupação quanto à sua liberdade cautelar, ou seja, os acusados ficavam normalmente, presos em lugares fétidos, em masmorras, sem alimentação adequada, privados, muitas vezes, dom sol e do próprio ar […] (GRECO, 2011, p.146).

Já o início do século XVI marca aquilo que convencionou a Idade Moderna. Com ela novos problemas foram surgindo, exigindo respostas imediatas por parte do Estado e a partir de então começou a ganhar força a aplicação das penas privativas de liberdade (GRECO, 2011, p. 148-149).

Com a chegada do século XVIII, principalmente por conta dos ideais iluministas, até meados do século XIX, foram sendo desenvolvidos novos sistemas penitenciários, procurando-se preservar a dignidade da pessoa humana, evitando-se os castigos desnecessários, as torturas, ou seja, os tratamentos degradantes a que eram submetidos todos aqueles que acabaram fazendo parte do sistema prisional (GRECO, 2011, p.151).

Na história das prisões, no que diz respeito a reforma penitenciária, refere o autor Greco (GRECO, 2011, p. 163) que John Howard, sem dúvida, foi um dos personagens mais marcantes. Nasceu em Clapton, nos arredores de Londres, no ano de 1726.

No ano de 1955 viajou a Lisboa, a qual foi o grande marco na sua vida, pois, a partir dessa viagem passou a entender o significado da privação de liberdade de um ser humano e as condições a que era submetido (GRECO, 2011, p. 164).

Em 1773, Howard foi nomeado sheriff do condado de Bedford, o que fez com que, agora, viesse a familiarizar-se com as misérias das prisões da sua época, os lugares fétidos onde os seres humanos eram jogados como se fossem animais, pois uma das suas principais funções era visitar os estabelecimentos carcerários (GECO, 2011, p.164).

As enfermidades eram uma constante, já que os presos não recebiam tratamento adequado, permitindo, dessa forma, que doenças se alastrassem facilmente nos cárceres. A promiscuidade também era um mal que deveria ser combatido. No entanto, como os encarregados de cuidar dos presos e de vigiá-los não recebiam nenhuma remuneração dos cofres públicos, a situação ficava ainda pior – as cobranças recaíam diretamente sobre os próprios presos, via de regra miseráveis, pertencentes às classes sociais menos favorecidas, que não tinham como pagar e, assim, permaneciam presos indefinidamente, até que acertassem suas contas com aquele que detinha as chaves da sua cela (GRECO, 2011, p.165).

Essa imposição de pagamento feita ao preso pelo carcereiro fazia com que muitas injustiças fossem praticadas. Por isso, Haward propôs que os carcereiros deviam ser pagos pelo próprio Estado (GRECO, 2011, p.165).

Segundo o autor Rogério Greco, Haward realizou algumas grandes viagens, fazia comparações entre os sistemas carcerários dos vários países, registrando o que de ruim havia em comum entre eles, bem como o que se podia aproveitar para a construção de um sistema que atendesse não somente aos interesses da sociedade, como também para o acusado ou condenado, que deveria permanecer preso durante certo período de tempo (GRECO, 2011, p.166).

Depois de avaliar e criticar inúmeras prisões, Haward, em seu livro intitulado Estate of prisions, fixou as bases para o cumprimento de uma pena que não agredisse os demais direitos do homem, apontando como resolução aos problemas o fornecimento de água constante, a necessidade de ventilação nas celas, o fornecimento de uma alimentação adequada, a utilização de uniformes para os detentos, o oferecimento de trabalho, a permanente visita de magistrados e de funcionários do governo que inspecionassem as prisões, ouvindo e solucionando os problemas relativos aos presos, o que diminuiria, dessa forma, não somente a depressão e o desejo de fugir, mas o de eliminar a própria vida, com a prática de suicídios (GRECO, 2011, p. 166-167).

Explica Bitencourt (1993, p.43) que o inglês John Haward inspirou uma corrente preocupada em construir estabelecimentos prisionais apropriados para o cumprimento da pena privativa de liberdade. Influenciou, ainda, na humanização e na racionalização das penas.

Outrossim, ainda, o autor Bitencourt (1993, p.48) explica que “Howard soube compreender a importância que tinha o controle jurisdicional sobre os poderes outorgados ao carcereiro”, criando, assim, o que hoje denominamos de “Juiz da Execução da Pena”, a fim de que houvesse uma real fiscalização nas prisões, para o fiel cumprimento da função reformadora da pena.

Sua luta não foi em vão. Fez despertar um sentimento de solidariedade, de humanidade, até então deixados de lado. Inúmeros estabelecimentos carcerários, principalmente os da Europa, acabaram adotando e aplicando as recomendações e orientações deixadas por esse grande humanista (GRECO, 2011, p.167).

Saliente-se que, ainda, na luta ao combate as prisões insalubres do final do século XVIII, destacou-se o iluminista Jeremy Bentham, um renomado filósofo e jurista inglês, nascido em Londres, no ano de 1748, criador do utilitarismo do Direito, sendo considerada uma das mentes mais importantes da Inglaterra de seu tempo (GRECO, 2011, p.169-170).

Para Bentham, o cidadão deveria obedecer ao Estado, porque a obediência contribuiria para a felicidade geral, ao contrário da desobediência, que a todos prejudicava. A felicidade geral entendida como interesse da comunidade como um todo, e, dessa forma, substitui a teoria do direito natural pela teoria da utilidade (GRECO, 2011, p.170).

Como humanista, Bentham propunha a reforma do sistema prisional por um modelo que garantisse a dignidade da pessoa humana, oque ocorreu com a criação do panóptico e, assim, projetou um edifício destinado ao cumprimento de penas privativas de liberdade, construído de modo que toda a sua parte interior pudesse se vista de um único ponto (GRECO, 2011, p.171).

No que diz respeito à utilização do panóptico como prisão, do ponto central, ou seja, internamente, da torre, podiam-se visualizar todas as celas. Os dois princípios fundamentais da arquitetura do panóptico são a posição central da vigilância e a sua invisibilidade. Cada andar podia ser tranquilamente, vigiado por apenas um funcionário, ou seja, somente ele teria acesso às celas, não tendo os presos condições de vê-lo (GRECO, 2011, p.172).

E, com o século XX, bem como o início do século XXI, foi marcado por através de tentativas de fazer com que o condenado, após o cumprimento de sua pena, pudesse voltar ao convívio em sociedade. A busca pela ressocialização fez com que se implementassem , em muitos países, políticas prisionais destinadas à capacitação de egresso, permitindo-lhe que, ao sair do sistema, pudesse buscar alguma ocupação lícita (GRECO, 2011, p.152).

De outra banda, mesmo com o passar dos tempos é notório, apesar do avanço conquistado pertinente a critérios legais no que diz respeito a direitos daqueles que encontram-se em situação de privação de liberdade, que ainda há uma grande carência, sob todos os aspectos, enfrentada diariamente no sistema carcerário brasileiro, mesmo no século XXI, pois as prisões continuam, na sua grande maioria, em situação de precariedade, desassistida pelo Estado, responsável por aqueles que lá estão, na qualidade de seres humanos, antes mesmo de serem condenados, cujo objetivo, através da Administração do Estabelecimento Prisional, é buscar a ressocialização do mesmo ao término do cumprimento da sua pena.

Segundo Vera Malaguti (2003, p.50), “a prisão converte-se em um local de constituição de um saber que regula a administração penitenciária e que transforma o infrator condenado e delinquente”.

No mesmo diapasão Michel Foucault (2008, p.221) aduz que:

“as prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou, ainda pior, aumenta (…) a prisão, consequentemente, em vez de devolver à liberdade indivíduos corrigidos, espalha na população delinquentes perigosos”.

Conforme o penalista Eugênio Raul Zaffaroni (2007, p.11) os excluídos são não-pessoas (inimigos que deveriam ser extirpados da sociedade), entes perigosos ou daninhos “e, por conseguinte, a eles é negado o direito de terem suas infrações sancionadas dentro dos limites do direito penal liberal, isto é, das garantias que hoje o direito internacional dos direitos humanos estabelece universal e regionalmente”.

Por derradeiro, resta ilustrar a importância trajetória percorrida, da pena e da prisão ao longo dos tempos, bem como das figuras ilustres que colaboraram, de alguma forma, para a evolução e a construção de leis que hoje amparam o ser humano em situação de vulnerabilidade, privado de sua liberdade e encarcerado em um estabelecimento prisional tendo em vista o vasto sistema prisional frágil que acomete o mundo carecedor atuação por parte do Estado-Gestor, o qual é o garantidor do princípio constitucional da dignidade humana.

3. EXECUÇÃO PENAL: PRINCÍPIOS E BREVES CONSIDERAÇÕES GERAIS

A Lei de Execução Penal – n.7210 de 1984 construiu um compilado de artigos que vão dar suporte as medidas de Política Criminal criadas para que as normas sejam cumpridas de maneira justa e com base nos princípios que norteiam a execução penal.

Desta forma, embora a execução penal tenha natureza mista, pois é composta de episódios meramente administrativos, o art. 2º da Lei de Execução Penal tratou expressamente da “jurisdição penal dos Juízes”, demonstrando que a jurisdicionalidade prevalece em quase todos os momentos. Logo, a jurisdição existe durante toda a execução penal (CAPEZ, 2011, p.17).

Por sua vez, Paulo Lúcio Nogueira passa a dissertar sobre os princípios associados à execução penal, senão vejamos:

“Estabelecida a aplicabilidade das regras previstas no Código de Processo Penal, é indispensável à existência de um processo, como instrumento viabilizador da própria execução, onde devem ser observados os princípios e as garantias constitucionais, a saber: legalidade, jurisdicionalidade, devido processo legal, verdade real, imparcialidade do juiz, igualdade das partes, persuasão racional ou livre convencimento, contraditório e ampla defesa, iniciativa das partes, publicidade, oficialidade e duplo grau de jurisdição, entre outros. Em particular, deve-se observar o princípio da humanização da pena, pelo qual se deve entender que o condenado é sujeito de direitos e deveres, que devem ser respeitados, sem que haja excesso de regalias, o que tornaria a punição desprovida da sua finalidade” (NOGUEIRA, 1993, p.7).

Princípio da legalidade: está expresso nos arts. 2º e 3º da Lei n.º 7.210/84. Sob a mesma ótica, a Constituição Federal, em seu inciso II, do art. 5º, aduz que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Neste diapasão, a autoridade administrativa deverá atender aos princípios do Direito Administrativo, bem como o dever de atender ao princípio da legalidade cabe ao Juiz e também ao agente da Administração Pública envolvido com a execução penal. Vejamos a lição de Hely Lopes Meirelles (1991, p.78): “Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei, para o particular, significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim'”.

Assim, o sentenciado terá a execução de sua pena de acordo com o que a lei dispuser. Se ninguém pode ser privado da sua liberdade sem o devido processo legal, não se pode negar o acesso do preso à liberdade quando a lei autorizar. Caso permaneça preso por mais tempo do que for permitido, a prisão se tornará ilegal (CAPEZ, 2011, p. 19).

Princípio da igualdade: o princípio da igualdade determina a inexistência “de discriminação dos condenados por causa de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas, pois todos gozam dos mesmos direitos (NOGUEIRA, 1993, p.7).

Sobre o princípio da igualdade, José Afonso da Silva (1997, p.209) aduz que o preceito do art. 5º, caput, da Constituição Federal, não pode ser visto como uma mera isonomia formal, sem levar em consideração as distinções dos grupos. Não resta nenhuma dúvida de que o preceito constitucional, no sentido de que todos são iguais perante a lei, dirige-se ao legislador e ao aplicador da lei.

Em escólio sobre o tema, Fernando Capez (2011, p.18-19) leciona: “Trata-se de princípio constitucional que atua em todas as áreas do relacionamento indivíduo- indivíduo e indivíduo-Estado. O princípio da igualdade jurisdicional compreende: a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput, da CF); a inexistência de juízos ou tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII, da CF); a consagração do Juiz Natural, pois ninguém será processado sem sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5º, LIII, da CF); a indeclinabilidade da prestação jurisdicional a qualquer pessoa (art. 5º, XXXV, da CF); a garantia de qualquer pessoa ao processo legal, em caso de privação da liberdade (art. 5º, LIV, da CF); o tratamento isonômico que o Juiz deve dispensar às partes integrantes da relação jurídico-processual.”.

As partes devem ter, em juízo, as mesmas oportunidades de fazer valer suas razões, e ser tratadas igualitariamente, na medida de suas igualdades, e desigualmente, na proporção de suas desigualdades. Na execução penal e no processo penal, o princípio sofre alguma atenuação pelo, também constitucional, princípio favor rei, postulado segundo o qual o interesse do acusado goza de alguma prevalência em contraste com a pretensão punitiva (CAPEZ, 2008, p. 19).

Princípio da jurisdiscionalidade: é tratado no inteiro teor do art. 2º, caput, da Lei de Execução Penal.

Prevalecia, anteriormente, o entendimento de que a atividade do Juiz da Execução, ainda que proveniente de órgão do Poder Judiciário, era sempre uma atividade administrativa. Com a Lei de Execução Penal, prevalece o entendimento de que a execução penal é jurisdicional, o que significa que a intervenção do juiz, na execução da pena, é eminentemente jurisdicional, sem excluir aqueles atos acessórios, de ordem administrativa, que acompanham as atividades do magistrado (MIRABETE, 1995, p.26).

A participação do juiz na execução da pena decorre do princípio da proteção judiciária, da aplicação dos princípios e regras do Código de Processo Penal e somado a Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal.

A jurisdição é a atividade pela qual o Estado soluciona os conflitos de interesse, aplicando o Direito ao caso concreto. A jurisdição é aplicada por intermédio do processo, que é uma sequência ordenada de atos que caminham para a solução do litígio por meio da sentença e que envolve uma relação jurídica entre as partes litigantes e o Estado-Juiz (CAPEZ, 2011, p.17).

Princípio do contraditório: O princípio do contraditório encontra-se previsto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”.

Muitas sanções administrativas poderão ser aplicadas pela autoridade, desde que instaurado processo administrativo. Assim, nota-se a necessidade de assegurar-se o contraditório, permitindo-se ao acusado a produção das provas necessárias para a sua defesa (JÚNIOR, 1999, p.27).

Vejamos a lição de Aury Lopes Jr (2012, p.239):

“O contraditório pode ser inicialmente tratado como um método de confrontação da prova e comprovação da verdade, fundando-se não mais sobre um juízo potestativo, mas sobre o conflito, disciplinado e ritualizado, entre partes contrapostas: a acusação (expressão do interesse punitivo do Estado) e a defesa (expressão do interesse do acusado – e da sociedade – em ficar livre de acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas). É imprescindível para a própria existência da estrutura dialética do processo. O ato de contradizer a suposta verdade afirmada na acusação (enquanto declaração petitória) é ato imprescindível para um mínimo de configuração acusatória do processo. O contraditório conduz ao direito de audiência e às alegações mútuas das partes na forma dialética.”.

A bilateralidade da ação gera a bilateralidade do processo, de modo que as partes, em relação ao juiz, não são antagônicas, mas colaboradoras necessárias. O juiz coloca- se, na atividade que lhe incumbe o Estado-Juiz, equidistante das partes, só podendo dizer que o direito preexistente foi devidamente aplicado ao caso concreto se, ouvida uma parte, for dado à outra manifestar-se em seguida. Por isso, o princípio é identificado na doutrina pelo binômio ciência e participação (CAPEZ, 2008, p.19).

Decorre do brocardo romano audiatur et altera pars e exprime a possibilidade, conferida aos contendores, de praticar todos os atos tendentes a influir no convencimento do juiz (CAPEZ, 2008, p.19).

Princípio da humanização da pena: O princípio da humanização da pena encontra-se previsto na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXVII, estabelecendo que “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.”.

Pelo princípio da humanização da pena, a execução penal deve obedecer aos parâmetros modernos de humanidade, consagrados internacionalmente, mantendo-se a dignidade humana do condenado. As penas mencionadas ferem o estágio atual da civilização humana, tendo sido, portanto, abolidas de nosso ordenamento jurídico (MESQUITA JÚNIOR, 1999, p.29).

Princípio da proporcionalidade: O princípio da proporcionalidade é denominado por Zaffaroni de princípio da racionalidade, o qual, segundo o autor, exige certa vinculação equitativa entre o delito e sua consequência jurídica (ZAFFARONI; PIERANGELI, 1997, p.178).

Princípio da individualização da pena: conforme se verifica no art. 5º, inciso XLVI, a Constituição Federal assevera que “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação da liberdade; b) perda dos bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão e interdição de direitos.”

Além disso, o artigo supramencionado, em seu inciso XLVIII, aduz que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.”.

A individualização da pena tem três momentos: o da cominação; o da aplicação ao caso concreto e o da execução da pena.

Princípio da publicidade: o art. 5º, da Constituição Federal, em seu inciso LXI, aduz que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigir.”.

Neste diapasão, não podemos desprezar o art. 198, da Lei de Execução Penal, que prevê ser defesa ao integrante dos órgãos da execução penal, e ao servidor, a divulgação de ocorrência que perturbe a segurança e a disciplina dos estabelecimentos, bem como exponha o preso à inconveniente notoriedade, durante o cumprimento da pena.

De outra banda, conhecedor dos princípios basilares da execução penal e com base em seu inteiro teor, o operador do Direito passa a atuar com mais empenho a fim de que não se percam os objetivos para os quais foram criados e, nesta seara, podemos destacar a atuação do magistrado pois, conforme RIOS (2019, p.331) também é reflexo do mesmo processo histórico que desenhou a criminologia e a execução da pena tal qual a conhecemos hoje na realidade vivenciada no âmbito do sistema carcerário brasileiro.

Para a autora, RIOS, no âmbito da execução da pena a premissa fundamental a ser adotada é a perspectiva da humanização. A ideia parece evidente mas sua adesão na prática não ocorre (RIOS, 2019, p.333).

Para tanto, explica RIOS (2019, p.333) que o princípio da humanidade visa conter os danos produzidos pela excessiva atuação do poder punitivo. Trata-se de considerar o ser humano como a máxima das prioridades. Trazendo esse princípio para o âmbito penal e da exceção penal, a pena que se detém na simples retributividade em nada se distingue da vingança, daí a necessária intervenção do princípio da humanidade a fim de racionalizar a aplicação da pena.

Outrossim, a atuação dos magistrados, amparados no princípio da humanidade, no âmbito penal e das execuções penais seguem duas direções, uma mais restritiva e outra mais ampliativa. A primeira inicia no momento da aplicação da pena, passando pela concessão de benefícios na seara das execuções penais, devendo, o juiz, se ater a conduta praticada pelo condenado e a pena arbitrada no processo de conhecimento. A segunda, o magistrado possui, como garantias a independência e a imparcialidade, garantidas na Constituição Federal de 1988. O Juiz deve se colocar em posição equidistante das partes em uma relação processual, não devendo pender para nenhum lado, sob pena de ser declarado impedido ou suspeito, devendo, assim, manter uma postura (RIOS, 2019, p.340-341).

Desta forma, percebe-se que a execução penal busca, seja através das leis, princípios, atuação do magistrado ou demais formas, a humanização, o conhecimento da realidade do sistema carcerário, da vida carcerária de um interno, de modo a tentar atenuar os danos causados pelo cárcere, reduzindo a vulnerabilidade e o sofrimento daqueles que ali se encontram privados de sua liberdade, respeitando o princípio da humanidade.

4. TRABALHO PRISIONAL E O PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO DO SEGREGADO

De proêmio, nota-se que dentro da seara processual penal a temática afeita à ressocialização é de impotência vital, visto que a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984) traz em seu bojo, mais especificamente em seu art. 1°, redação que consagra preocupação em integrar socialmente o condenado e o interno. Cita-se literalidade do referido texto normativo:

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado (BRASIl, 1984).

Conforme manifesto, há indicação, pela redação do dispositivo, o caráter preponderantemente retributivo, na primeira parte, sendo assegurado o cumprimento da sentença ou decisão criminal; no entanto, a positivação também menciona, em um segundo momento, preocupação em restabelecer o sentenciado ao meio social.

Em vista disso, colaciona-se relevante aparato teórico providente da exploração da obra Vigiar e Punir de Michel Foucault, a saber:

[…] a ordem que deve reinar nas cadeias pode contribuir fortemente para regenerar os condenados, os vícios da educação, o contagio dos maus exemplos, a ociosidade originam crimes. Pois bem, tente-se fechar todas essas fontes de corrupção: que sejam praticadas regras de moral nas casas de detenção, que, obrigados a um trabalho de que terminarão gostando, quando dele recolherem o fruto, os condenados contratam o habito, o gosto e a necessidade da ocupação, que se deem respectivamente o exemplo de uma vida laboriosa; ela logo se tornara uma vida pura, logo começarão a lamentar o passado, primeiro sinal avançado de amor pelo dever (FOUCAULT, 1977, p.56).

Em face disso, nota-se que o trabalho é importante em relação à perspectiva de ressocialização do detento. Contudo, ressalva-se: devem existem outros instrumentos circundantes que venham a colaborar na regeneração daquele que, por vezes, foi maculado com maus hábitos e, por isso, desempenhou conduta oposta à lei penal.

De outra via, igualmente notáveis são as formulações de Max Weber (2001), sendo amplamente conhecidas no campo da psicologia e da sociologia, o qual leciona que a dignificação do homem ocorre pelo trabalho. Seus estudos, associados a um ponto de vista antropológico, enveredam a uma análise intimamente vinculada à construção da sociedade como um todo, destacando exemplos de grupos religiosos.

No que diz respeito à ressocialização, pode-se tomar por base Shecaira e Corrêa Junior (1995, p. 95), percebe-se que a visão reintegradora nada mais é que a criação de meios suficientes e, por conseguinte, mecanismos aptos a propiciar que o indivíduo retorne ao convívio social sem traumas e sequelas, a fim de viver uma vida normal.

Ocorre que, na atualidade, o espaço prisional é caracterizado por variadas mazelas, onde carências distintas geram obstáculos múltiplos ao cumprimento de pena ideal para concretude do fim de ressocialização.

Ilustra-se o referido com base no magistério de Fernando Braga Viggiano:

Acrescente-se que a pena privativa de liberdade — mal que ainda não podemos nos livrar — não regenera nem ressocializa ninguém. Os poucos condenados não têm uma participação construtiva na sociedade, sendo pervertidos, corrompidos e embrutecidos no interior dos estabelecimentos prisionais, que se tornaram verdadeiras universidades do crime. A prisão, em vez de combater a criminalidade, estimula-a, não traz qualquer benefício ao segregado, e seus efeitos são avassaladores em relação aos seus familiares entregues ao abandono e carentes de recursos para sobrevivência (VIGGIANO, 2001, p.2).

Pelo quadro apresentado, nota-se distanciamento das condições necessárias para ressocialização, onde, o trabalho, por si só, não se constituiria por suficiente para regenerar todo grupo de pessoas privado de liberdade. Afirma-se isso, visto que, pra tanto, seria preciso investimentos múltiplos, incluindo-se, aqui, a criação de espaços apropriados e salubres para acomodar as pessoas segregadas.

Em meio deste paradigma, Baratta traz pujantes considerações sobre a ressocialização, onde, segunda a sua ótica, antes da sociedade tentar modificar os excluídos, necessário seria que a sociedade mudasse a si mesma, visto que, de tal forma, poderia ser atingida a raiz do mecanismo de exclusão (BARATTA, 2011, p.186).

Tal autor menciona que não é possível excluir e, ao mesmo tempo, incluir. Para ele o cárcere reflete a sociedade em sua forma mais pura, onde o capitalismo, por meio de seus aspectos egoístas e violentos, revela indivíduos fazendo uso de papeis de submissão e exploração (idem).

Em vista disso, politicas sociais de maior inclusão e, por assim dizer, de oferta de acessos variados, propiciariam de forma reflexa que aqueles que já delinquiram não voltassem a praticar atos criminosos. Considera-se que, ao ganhar a liberdade, o indivíduo, outrora segregado, encontraria um aparato social que lhe garantiria manter sua subsistência de forma digna e, por consequência, ficaria distante de atos delitivos.

Em continuidade, Costa e Pinto (2019, p.5 a 19) manifestam reflexão que coaduna com o quadro de ressocialização participativa, a saber:

Não é possível executar uma política sistêmica e eficiente de segurança pública sem empreender esforços e recursos na inclusão social de egressos e egressas do sistema prisional. Negar a esse público as condições concretas para o exercício da cidadania, somado à perpetuação dos rótulos de bandidos e criminosos, mesmo após o cumprimento de suas sentenças penais, é contribuir para a reprodução de ciclos de violência, de processos de criminalização e vitimização, bem como para a expansão ilimitada de novas prisões, uma vez que a porta de entrada está aberta, porém, a porta de saída ainda é um embaraço.
(…) como promotores da dignidade da pessoa humana, o Estado e as organizações vinculam a atividade empresarial aos preceitos constitucionais da ordem econômica, assinalando que a sua função social não deve apenas visar o lucro, mas preocupar-se com os reflexos que suas decisões têm perante a sociedade, trazendo realização particular, enquanto consecução dos seus objetivos constitutivos, adimplindo com uma obrigação social inerente à sua atividade, na medida em que respeita os interesses e direitos da coletividade que se situa nas relações da empresa.

Conforme o explicitado, observa-se que o ideal de ressocialização toca, de igual maneira, às instituições privadas, pois devem cumprir sua função social, não devendo ficar adstritas aos lucros relacionados à exploração de suas atividades. Assim, caberia, segundo esta ótica, que parte do processo integrativo também fosse construído pela iniciativa privada, a exemplo da oferta de parte de seus postos de trabalho às pessoas que estiverem segregadas no sistema penitenciário.

5. CONCLUSÃO

Em sede de considerações finais, pode-se observar, pelo transcorrer do estudo, o alcance do objetivo geral relacionado ao desenvolvimento da análise a cerca da trajetória histórica até os dias atuais que percorreram os institutos da pena e da prisão, o que nos remete a um tempo de atrocidades cometidas contra o ser humano que tinha sua liberdade ceifada e seu corpo físico jogado em lugares com condições desumanas, pois a ele não era reconhecido a sua dignidade como ser humano.

Destarte, com o passar dos tempos, foram surgindo leis, que deram a essas pessoas privadas de liberdade encarceradas direitos e deveres como também o reconhecimento da dignidade humana. Porém, sabe-se que o sistema prisional possui uma grande carência, em todos os sentidos, mesmo com a atuação de um juiz na execução penal, acabando por atingir o egresso que ao término do cumprimento de sua pena, mesmo tendo trabalhado no ambiente prisional, sofre com a ressocialização, pois ainda lhe são atribuídos rótulos, ferindo a sua dignidade como ser humano.

Afirma-se isso, uma vez que os três capítulos, os quais figuraram conjuntamente como objetivos específicos, demonstraram subsídios suficientes para responder o problema que norteou o presente artigo, qual seja, a oferta de trabalho no espaço prisional, na atualidade, possibilita a efetivação do processo de ressocialização?

Pelo que se percebem, todavia, o trabalho, por si só, não é instrumento apto a ressocializar, devendo ser medida aplicada conjuntamente atendimentos assistenciais de ordem social, psicológica, visitas com o magistrado, Ministério Público e outros órgãos que atendam as demandas do interno.

Por todo o explicitado, pode-se concluir que a oferta de atividades laborativa nos estabelecimentos de cumprimento de pena contribui para a reinserção da população carcerária junto à sociedade; contudo, outros esforços devem ser direcionados para uma real possibilidade de ressocialização daqueles que experimentam o ostracismo imposto pela lei penal.

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