EVOLUÇÃO ANTROPOMÉTRICA DO NASCIMENTO AOS QUATRO ANOS DE PACIENTES COM SÍNDROME CONGÊNITA PELO ZIKA VÍRUS: UM ESTUDO DE COORTE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8331572


Mariana Vieira Santana1 
Ana Jovina Barreto Bispo2 
Felipe Vieira Santana3 


RESUMO 

Introdução: A Síndrome Congênita do Zika Vírus é caracterizada por um conjunto de manifestações em neonatos que foram expostos a esse vírus durante a gestação. Em 2016, essa síndrome foi declarada uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional. Desse modo, foi desenhado esse estudo com o objetivo de avaliar a evolução antropométrica das crianças acometidas pela SCZ desde o nascimento até os 4 anos de idade e conhecer a classificação funcional motora no período pré-escolar. Metodologia: Foi realizado um estudo de natureza observacional, retrospectivo de uma coorte. As crianças diagnosticadas com SCZ foram acompanhadas ambulatorialmente desde o nascimento até completar 4 anos. Resultados: A amostra foi constituída de 21 crianças, com predomínio do sexo feminino (57%). O perímetro cefálico médio ao nascer foi de 29,48. Para o peso, o valor médio foi de 2790 e a média de estatura ao nascimento foi de 46,3. Aos 4 anos de idade, aproximadamente 42% dos participantes foram classificados com magreza ou magreza acentuada. Aos dois anos, todos os participantes foram classificados como GMFCS IV-V. Conclusão: Crianças diagnosticadas com Zika Vírus apresentam comprometimento na sua evolução antropométrica, principalmente quando observado o perímetro cefálico e o peso. O comprometimento da função motora grossa acaba sendo importante neste grupo. 

Descritores: Zika vírus, Microcefalia, Desenvolvimento Infantil, Antropometria

INTRODUÇÃO 

Em 1947, na Floresta Zika de Uganda, o vírus Zika foi isolado pela primeira vez em macacos rhesus daquela região. Antes de 2007, esse vírus raramente era relatado em seres humanos e não era considerado um grande problema de saúde pública (OLIVEIRA, 2017; DICK, 1952). No entanto, no ano de 2015 uma epidemia de microcefalia em recém-nascidos ocorreu em várias partes do Brasil, com destaque para a região nordeste, sobretudo nos estados da Bahia, do Ceará e de Pernambuco (OLIVEIRA, 2017; DICK, 1952; COÊLHO, 2022; MELO, 2023). Estudos reportaram a associação desses casos à infecção por Zika vírus durante a gestação e nomearam a doença de Síndrome Congênita do Zika (SCZ), sendo declarada uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional em fevereiro de 2016 (OLIVEIRA, 2017; MELO, 2023). 

A Síndrome Congênita do Zika Vírus é caracterizada por um conjunto de manifestações em neonatos que foram expostos a esse vírus durante a gestação, como diminuição do desenvolvimento cortical, atrofia e hipoplasia do cerebelo, hipertonia, contraturas de início precoce, crescimento intrauterino inferior ao esperado, baixo peso ao nascer e microcefalia (LOPES, 2021; ARAUJO, 2022). Esta, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), caracteriza-se por um perímetro cefálico (PC) inferior a 2 desvios-padrão (DP), ou seja, abaixo da média para idade gestacional e sexo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). Já a microcefalia severa é caracterizada por recém-nascidos que apresentam PC menor que menos três DP (OPITZ, 1990). 

As características clínicas da Síndrome Congênita do Zika, decorrentes dos déficits no desenvolvimento da criança, levam a um questionamento quanto à real evolução desses pacientes, seja em aspectos fisiológicos e antropométricos, seja em aspectos de morbimortalidade. À vista de tentar sanar tal questão, foi desenhado este estudo cujo objetivo é de avaliar a evolução antropométrica das crianças acometidas pela SCZ desde o nascimento até os 4 anos de idade e conhecer a classificação funcional motora no período pré-escolar. 

METODOLOGIA 

Trata-se de estudo observacional, retrospectivo de uma coorte, a partir da revisão de prontuários de pacientes acompanhados em um ambulatório de referência para microcefalia localizado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe e atendidos por uma equipe multidisciplinar que incluia três médicas pediatras. Estas atendem tais pacientes, desde o início do surto, em consultas com intervalos regulares. 

Foram incluídos pacientes nascidos com microcefalia em 2015 e 2016 com diagnóstico confirmado ou presumido de infecção pelo ZIKV de acordo com critérios clínicos e laboratoriais sorológicos, atendidos em um serviço de referência no Estado de Sergipe. Diante de tais critérios, os responsáveis pacientes foram abordados precocemente, ao haver vinculação ao ambulatório. Foram excluídos da análise aqueles pacientes que não tiveram acompanhamento regular, com intervalo entre as consultas e avaliação antropométrica maior ou igual a 365 dias. 

Primariamente, foram coletados os dados antropométricos dos participantes – peso, estatura e perímetro cefálico– ao nascimento e ao completar um, dois, três e quatro anos. Foi admitida uma variação de ± 60 dias da data em que completaram tais idades. Para obtenção do peso, as pediatras realizaram a pesagem adequada para a idade em balança digital do serviço. A estatura (em centímetros) foi medida com estadiômetro na posição horizontal até os dois anos. Para as crianças (mesmo maiores de dois anos) impossibilitadas de permanecer em ortostase e para os pacientes que possuíam marcada espasticidade, condição bastante observada, foi feita a estimativa através da medida joelho-calcanhar. Nessa estimativa, é medida, com régua antropométrica, a distância entre a extremidade proximal do joelho e a face plantar e calcanhar, com perna flexionada a cerca de 90º (quando possibilitada). A fórmula utilizada então foi [EEst = DJCx2,69 + 24,2]8, em que EEst: Estatura estimada, DJC: Distância joelho-calcanhar (referência da fórmula). Na medição do perímetro cefálico, foi feita a medida padronizada em literatura, com fita métrica comum, não extensível, passando pelos pontos anatômicos da glabela e do occipício. 

Para determinar o estado nutricional, foi feito o cálculo do índice de massa corporal, (IMC=peso [kg] / estatura²[m]) do primeiro ao quarto ano de vida. Os valores obtidos foram colocados nas curvas da OMS, que avaliam o IMC em crianças de 0 à 5 anos incompletos, permitindo identificar distúrbios nutricionais, através da seguinte classificação: 

– Magreza acentuada: Z-score menor que -3 

– Magreza: Z-score maior ou igual a -3 e menor que -2 

– Eutrofia: Z-score maior ou igual a -2 e menor ou igual a +1 

– Risco de sobrepeso: Z-score maior que +1 e menor ou igual a +2

– Sobrepeso: Z-score maior que +2 e menor ou igual a +3

– Obesidade: Z-score maior que +3 

Os pacientes eram acompanhados por equipe multidisciplinar desde a vinculação até os dias atuais. Em tentativa de diminuir o viés do observador, optou-se preferencialmente pela observação da avaliação antropométrica realizada pelos pediatras da equipe, durante as diversas consultas. Quando a consulta não correspondia à idade considerada para a avaliação, os dados antropométricos foram buscados na consulta da enfermagem e/ou da fisioterapia. Em tentativa de diminuir o viés da amostra, foram recrutados inicialmente todos os pacientes que se encontravam em acompanhamento ambulatorial naquele serviço. A despeito disso, é prudente reconhecer que existem vieses de amostra por se tratar de serviço terciário, de referência, o que pode levar à exclusão não-intencional de pacientes desassistidos. 

Instrumentos utilizados 

Utilizou-se a calculadora Intergrowth 21st para avaliação antropométrica ao nascer (VILLAR, 2014). O aplicativo Anthro-WHO, utilizando-se das curvas de crescimento da Organização Mundial de Saúde (OMS) foi utilizado para avaliação aos 12 meses (WHO, 2009). Para análise dos anos seguintes, foram utilizados os auxogramas de BROOKS et al (2011), os quais permitem determinar os percentis de peso para a idade na paralisia cerebral – condição observada na população estudada. Foi utilizada a classificação do nível da funcionalidade motora, conforme o Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS) realizada pelo médico pediatra assistente (BROOKS, 2011; PALISANO, 2008). Nos casos em que não havia menção a tal, a classificação foi realizada de acordo com a revisão de prontuário clínico multidisciplinar, frisando nas consultas de fisioterapia e terapia ocupacional ou por via telefônica, em contato com familiares do paciente, sendo feita após o quarto ano de vida completo. 

Análise estatística 

Para a análise estatística, foi utilizado o software estatístico IBM SPSS Statistics Versão 22.0, sendo inicialmente realizado a análise descritiva dos dados antropométricos – estatura, peso, PC – através das médias, desvio-padrão e percentuais obtidos nas variáveis do estudo. Na determinação de intervalos de confiança foi utilizado o teste T de student. A correlação foi determinada pelo Coeficiente de Correlação de Pearson. O nível de significância adotado foi de Valor-P< .05 

RESULTADOS 

Um total de 59 crianças compuseram a população inicial deste estudo. No entanto, após a aplicação dos critérios de elegibilidade e completude dos dados necessários, foram selecionados para a análise final 21 participantes com dados completos–medidas do nascimento até os 4 anos completos de idade. Dentre o grupo final selecionado, 9 (43%) eram do sexo masculino. Com relação à idade gestacional (IG), 18 foram a termo (IG 37 semanas-41 semanas e 6 dias), um foi pré-termo (IG < 37 semanas) e um pós-termo (IG > 42 semanas). Em um dos prontuários não constava a IG da criança. 

O perímetro cefálico médio ao nascer foi de 29,48 (±1,98cm) (95%CI, 28,57–30,38), o que corresponde a 15 (71,4%) dos neonatos com microcefalia severa (Zscore <-3). Entre os meninos, sete (77,7%) tiveram diagnóstico de microcefalia severa (Z score <-3), um (11,1%) de microcefalia (Z score <-2), mas um (11,1%) teve PC normal ao nascimento. Entre as meninas, oito (66,6%) tiveram diagnóstico de microcefalia severa, três (25,0%) de microcefalia e uma (8,3%) teve PC adequado ao nascimento. Não houve diferença estatística entre os sexos. Dentre os que tiveram PC adequado ao nascimento, 100% evoluíram com Z score <-2 na medida de 1 ano de idade. Com 1 ano, nenhuma criança apresentava PC adequado para idade, fato que se repetiu aos 2 anos de idade. 

Para o peso, o valor médio foi de 2790 (±615,0 g) (95% CI, 2510,2-3070,0), com quatro (19,0%) neonatos classificados como baixo peso ao nascer e um (4,8%) como muito baixo peso ao nascer; os 16 demais (76,2%) foram classificados como peso adequado. Quanto à adequação do peso para a idade gestacional, tem-se 15 (71,4%) dos participantes como adequados para idade gestacional, cinco (23,8%) como pequenos para idade gestacional. Em um dos prontuários não constava a idade gestacional. 

No tocante a estatura, tem-se que a estatura média global ao nascimento foi de 46,3±3,3 cm (95% CI, 44,8-47,8).

Aos dois anos, 100% dos pacientes haviam sido caracterizados como GMFCS IV-V, evidenciando-se um acometimento neurológico grave.

A evolução antropométrica do nascimento aos 4 anos completos é dada segundo a Tabela 1. 

Tabela 1. Medidas antropométricas do nascimento aos 4 anos de uma coorte de pacientes com SCZ.

Analisando-se os dados do nascimento, foram evidenciadas correlações entre tais valores e a evolução antropométrica. Observa-se que os PC e peso do nascimento correlacionam-se com relevância estatística (r =0.654, P < .001). Olhando para a evolução do perímetro cefálico de 0 a 2 anos completos, tem-se que os valores do nascimento e com 1 ano de vida tem correlação estatística (r = 0.660, P < .001), além de 1 ano com 2 anos de vida também (r = 0.794, P < .001). Na evolução ponderal, observa-se que o peso ao nascer não guarda correlação com o peso em nenhum outro ponto observado, com P > .05 em todos os casos–em 1 ano de idade (r = 0.18) em 2 anos (r = 0.10), em 3 anos (r =-0.10) e 4 anos (r =-0.06). Em contraste, nota-se que a evolução do peso guarda correlação significante em observações subsequentes, excluindo-se o peso do nascimento. Com isso, há correlação entre o peso de 1 ano com o peso de 2 anos de idade (r = 0.848), de 2 anos com 3 (r = 0.916) e de 3 anos com 4 anos completos (r = 0.979), estando todos com P < .001.

Na estatura, observa-se que não há correlação quando comparados os valores do nascimento e os demais. Ainda assim, semelhante ao que aconteceu com o peso, existe correlação entre idades subsequentes: entre 1 e 3 anos (r = 0.755, P < .001) e entre 3 e 4 anos de idade (r = 0.828, P < .001). 

Quanto à classificação do peso e da estatura durante os anos analisados, tem-se resultados de acordo com auxogramas de Brooks et al. nas tabelas abaixo. 

Tabela 2. Adequação do peso de 2-4 anos, segundo Brooks et al. em uma coorte de pacientes com SCZ.

Classificados acima do percentil-95, teve-se apenas um paciente aos dois anos de idade, dois aos três anos e novamente dois aos quatro anos de idade, sendo os mesmos pacientes, ambos do sexo masculino. 

Tabela 3. Adequação da estatura de 2-4 anos, segundo Brooks et al.em uma coorte de pacientes com SCZ 

Classificados abaixo do p10 não foram encontrados pacientes em nenhuma das idades. Todos os aos dois anos, 83% aos três e 81% aos quatro anos de idade encontravam-se entre os percentis p10 e p90 para a estatura. 

A média do IMC no primeiro ano de vida foi de 15,54 e 38,0% dos pacientes eram classificados com magreza ou magreza acentuada. Aos dois anos, a média foi de 14,5 e aos 3 e 4 anos as médias foram de 12,0 e 14,1, respectivamente. Aos 3 anos de idade, não constava no prontuário as estaturas de 3 crianças, sendo assim, o cálculo foi feito com 18 pacientes. A tabela a seguir demonstra a evolução dos pacientes nos anos seguintes para melhor observação do estado nutricional: 

Tabela 4. Avaliação nutricional de acordo com o cálculo do IMC e comparação com as curvas propostas pela OMS através do escore z. 

DISCUSSÃO 

Os resultados do presente estudo demonstraram que a SCZ acarreta comprometimento do desenvolvimento antropométrico nos pacientes. A amostra final foi constituída por 21 participantes, em que nove (43%) eram do sexo masculino e 12 (57%) do sexo feminino. Semelhante ocorreu no estudo de PEREIRA et al (2020), cujo estudo observeu que o maior número dos participantes era representado também pelo sexo feminino (51%). 

Neste estudo, o valor do perímetro cefálico médio ao nascer foi de 29,48. Em pesquisa realizada por VILLA et al (2017) através da avaliação de 22 prontuários de pacientes com SCZ que são acompanhados no ambulatório do Hospital Geral Roberto Santos (Bahia), o perímetro cefálico médio foi 28,8 ±1,74cm. Em 56 (75%) crianças das 75 crianças avaliadas, a microcefalia já foi manifestada no nascimento. Foi verificado que a SCZ também compromete o crescimento neural pós-natal, pois aos 12 meses todos os lactentes deste estudo tinham PC menor que escore Z-2. Já aos 24 meses o PC estava abaixo do escore Z-3 em quase a totalidade da amostra, caracterizando-os com microcefalia grave. Essa condição também foi observada no estudo de SCHULER-FACCINI et al (2016) realizado com 35 crianças que receberam o diagnóstico de microcefalia e nasceram entre os meses de agosto e outubro de 2015, em oito estados brasileiros. Em tal amostra, 25 crianças (71%) apresentaram microcefalia grave (Z<-3) e 17 (49%) tiveram ao menos uma anormalidade neurológica. Ressalta-se que tais anormalidades contribuem para um aumento da morbidade, além de significativos atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) desses pacientes, ocasionando maiores taxas de internamento e impactando a saúde pública no país WHEELER et al (2020) . 

Com relação ao peso ao nascer, podemos dizer que a SCZ também cursa com RCIU, já que quase um quarto dos participantes nasceram com peso abaixo de 2500g, percentual acima do esperado para a população geral VALENTINE et al (2018). Estudo transversal realizado por CARVALHO-SAUER et al (2019) com 393 crianças com SCZ que residiam no estado Bahia, revelou um percentual ainda maior de peso abaixo do esperado ao nascer (37,2%), reforçando o comprometimento do crescimento intra-uterino na SCZ. Quando considerados pacientes prematuros com SCZ, a prevalência de BPN foi de 81%. Por outro lado, no caso de recém-nascido a termo e pós-termo, a prevalência foi de 28%. Já no estudo realizado por MOURA DA SILVA et al (2016), em uma coorte de 45 crianças com síndrome congênita do zika, foi evidenciado baixo peso em 19,6% dos recém-nascidos. Outrossim, durante o acompanhamento prospectivo dessas crianças, estas mantiveram o baixo peso aos 8 meses de idade. Quanto à evolução do peso dos pacientes até os 4 anos de idade, os resultados de acordo com os auxogramas de BROOKS et al (2011), demonstraram que aos 2 anos de idade 14% dos pacientes estavam abaixo do percentil 20. Aos 3 anos de idade o percentual subiu para 16% e aos 4 anos de idade 24% dos pacientes encontravam-se abaixo do percentil 20, constatando uma tendência à evolução desfavorável do peso nesse grupo de pacientes. 

No que concerne à estatura, a média global ao nascimento do presente estudo foi de 46,3±3,3 cm. Semelhantemente foi observado no estudo de SILVA et al (2017) realizado com 8 crianças do Rio Grande do Norte, em que a estatura média ao nascer foi de 47,50 cm. MOURA DA SILVA et al (2016) evidenciou que das 45 crianças estudadas em sua coorte, 43,2% eram caracterizadas como de baixo comprimento ao nascimento. Entretanto, quando avaliados os anos subsequentes, percebe-se no presente estudo uma evolução positiva, pois não houve registro de pacientes classificados abaixo do percentil 10 em nenhuma idade posterior. DOS SANTOS et al (2019) realizou estudo com 65 bebês diagnosticados com SCZ e que foram acompanhados ambulatorialmente desde o nascimento até completar 23 meses. Notou-se uma diminuição significativa dos escores z de peso, altura e perímetro cefálico (PC) desde o nascimento até o momento da consulta. Sendo o PC mais afetado, visto que houve um aumento no percentual de crianças com escore z < -3, passando de 61,5%, ao nascimento, para 87,7% no intervalo de 12-23 meses. Nesse mesmo período, 56,9% dos pacientes foram classificados como baixa estatura para idade, divergindo deste estudo, em que a maioria das crianças apresentou uma evolução favorável na estatura. 

O acometimento da função motora grossa acaba sendo importante nos pacientes diagnosticados com SCZ. Tal informação pode ser ratificada através deste estudo, em que aos 24 meses de idade, 100% dos pacientes da coorte haviam sido caracterizados como GMFCS IV-V. Resultados semelhantes foram observados no estudo de PEREIRA et al (2020), no qual pacientes com SCZ foram avaliadas através de escalas neurológicas, como a GMFCS, e os resultados mostraram que todos os 75 participantes receberam pontuação 5 na escala supracitada, caracterizando-as com acometimento neurológico grave PALISANO et al (2008). HERRERA-ANAYA et al (2016) realizou estudo na Colômbia que constatou a associação desse comprometimento motor grosso em crianças com paralisia cerebral. Das 177 crianças avaliadas, 48,0 % foram caracterizadas como GMFCS IV-V. 

O estado nutricional é comprometido em pacientes com SCZ, como demonstrado no presente estudo, em que aos 4 anos 42% dos pacientes foram classificados com magreza, sendo 5 desses, magreza acentuada. Resultados semelhantes foram encontrados no estudo realizado por LOPES et al (2021) com crianças do Mato Grosso diagnosticadas com SCZ. Das 12 crianças, 8 (67%) apresentaram valor de IMC abaixo do esperado durante as suas evoluções até os 24 meses de idade. Em contrapartida, estudo realizado por PEIXOTO et al (2023) acompanhou a evolução de crianças com SCZ no estado do Amazonas. Durante os 42 meses de acompanhamento, a maioria das crianças apresentou valores normais de IMC/I, sendo 48 (67,6%) crianças eutróficas, 1 (1,4%) com magreza e 22 (31%) com IMC/I inadequado (risco de sobrepeso/sobrepeso e obesidade). 

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Os pacientes diagnosticados com a SCZ apresentam comprometimento do peso e da estatura ao nascer, além da microcefalia.

O perímetro cefálico tem uma evolução negativa em pacientes com a SCZ, visto que aos 2 anos, 100% dos pacientes foram classificados como escore-Z < 3, caracterizando-os com microcefalia grave. 

Com relação ao peso, nota-se uma tendência da persistência de peso inadequado para idade, visto que ao nascimento quase um quarto dos pacientes foram classificados como baixo peso e aos 4 anos de idade 24% dos pacientes estavam abaixo do p20 nos auxogramas de BROOKS et al (2011)

Em contrapartida, a evolução da estatura mostrou-se favorável, pois nenhuma criança foi classificada abaixo do percentil-10 em nenhuma idade.

Com relação ao IMC, constatou-se uma evolução desfavorável, pois com 1 ano de idade 38% dos pacientes eram classificados com magreza ou magreza acentuada. Já aos 4 anos, esse percentual subiu para aproximadamente 42%, representando quase metade dos pacientes com estado nutricional inadequado.

Além disso, os dados descritos demonstram que o acometimento neurológico costuma ser grave no período pré-escolar – como foi evidenciado através da escala que avalia a função motora grossa. 

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1Acadêmica de Medicina da Universidade Tiradentes 
Instituição: Universidade Tiradentes(UNIT) 

2Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Sergipe
Instituição: Universidade Tiradentes (UNIT)

3Médico pela Universidade Federal de Sergipe