REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7158188
Autora:
Danielle Pereira Paiva
Resumo
O artigo pretende analisar a ética e a imparcialidade judicial, a partir dos artigo 8° e 9° Código de Ética da Magistratura Nacional, por ser um ato normativo capaz de convalidar a interpretação do juiz, externalizada em decisões equânimes, sobre o que é o direito e que direito é cabível às partes. Serão interpretados os artigos 125,I e 127 do Código de Processo Civil e o artigo 1°,§6° da lei n° 12.694, de 12 de julho de 2012, que dispõe sobre o processo e julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas a fim de promover a contextualização da deontologia jurídica.O artigo promoverá a relação entre justiça e imparcialidade; entre autonomia e a autoridade judicial; entre igualdade e equidade judicial para que seja compreendida a pergunta: o que é ser justo?
Palavras chave: ética, justiça, imparcialidade.
Abstract
The article analyzes the ethical and judicial impartiality, from Article 8 and 9 of the Code of Ethics of the National Judiciary, as a normative act able to validate the interpretation of the judge, externalized in equitable decisions about what is the right and that law is applicable to the parties. Will be interpreted Articles 125, 127 I and the Civil Procedure Code and Article 1, § 6 of the Law No. 12,694, of July 12, 2012, which provides for the prosecution and trial in the first collegiate degree of jurisdiction of crimes committed by criminal organizations to promote the contextualization of legal ethics. O Article will promote the relationship between justice and impartiality; between autonomy and judicial authority; between equality and equity court to be understood the question: what is to be fair?
Keywords: ethics, justice, impartiality.
Introdução
A compreensão da ética judicial, que implemente a imparcialidade exigida pela lei, inclui o entendimento de que o ato de julgar assimila a personalidade do juiz por haver a exposição de sua concepção particular de justiça, nas decisões proferidas, em que a reflexão sobre os textos legislativos aplicáveis a situação litigiosa, nunca é puramente legalista.
A autonomia do juiz é limitada pelos regimentos normativos que regulamentam a sua atividade jurisdicional. Assim, a proposta deste artigo é avaliar os artigos 8° e 9° do Código de Ética da Magistratura Nacional, visto como um instrumento capaz de incrementar a confiança da sociedade em sua autoridade moral.
A partir disto, como a autonomia do juiz poderá ser entendida através da autoridade moral e ética, também limitada pelo sistema legislativo, que conduz o exercício da imparcialidade do magistrado, se a lei não é mais suficiente para garantir a segurança jurídica?
Antes de adentrar neste questionamento de autonomia versus autoridade, é sabido que, conforme o entendimento de Humberto Theodoro Júnior (2009,p.228), “no comando do processo, o juiz está dotado de duas espécies de poderes: o de dar solução à lide, e o de conduzir o fato segundo o procedimento legal, resolvendo todos os incidentes que surgirem até o momento adequado à prestação jurisdicional”.
Por este entendimento, será considerada, apenas, a condução da situação litigiosa que segue um procedimento legal. Isso justifica o mencionado nos artigo 8° e 9° do CEM[1].Dessa forma,a insuficiência da lei será complementada pela racionalidade interpretativa do magistrado, para que os preceitos éticos sejam aplicados, a fim de que as instituições públicas estejam subordinadas ao Direito e o serviço público prestado pelo juiz corresponda aos valores pertinentes ao Estado Democrático de Direito.
1. Justiça versus imparcialidade
Para sustentar a aplicação de uma justiça judiciária eficiente, é preciso ver que a sociedade está inserida em um contexto histórico-politico-social-econômico dinâmico. Com isso, imparcialidade judicial, por atender as nuances do Estado Democrático de Direito, também é suscetível a esta mutabilidade, refletindo a normatividade do mundo ético.
A Justiça aplicada pelo magistrado, em sua atividade jurisdicional, terá que promover a redução da desigualdade social, tendo em vista o bem comum. Reconhece-se, portanto, a impossibilidade da existência de um juiz capaz de dar a perfeita solução às questões suscitadas pelas partes antagônicas, em um litígio processual, vislumbrando uma total igualdade entre as partes, por não ser um juiz onipotente.
Durante produção do ato decisório, por meio de uma argumentação bem fundamentada, independente e transparente, o magistrado estará sendo imparcial por atender às necessidades de sua função resguardada pelos poderes instrutórios sedimentados na Constituição Federal e consubstanciado nos códigos processuais e de Ética da Magistratura Nacional.
A imparcialidade é melhor analisada quando se considera o contexto histórico-poltico-social da sociedade em questão, por refletir o sistema democrático adotado e o poder estatal em jogo. Esse entendimento é importante para compreender o lugar ocupado pelo Poder Judiciário, por ser um servidor do Estado, tendo seus requisitos de validade no estatuto legal, que busca a concretização da Democracia.
O magistrado imparcial pratica uma responsabilidade ética, e presta conta dos atos cometidos e conhece a existência de paradoxos éticos, que exercem forças contraditórias, que poderá induzi-lo a cometer atos injustos. Essa discussão interna, que estruturará o raciocínio do juiz será externalizado na argumentação proferida na decisão judicial que é incessante e contínua.
Exigi-se do magistrado uma racionalidade interpretativa capaz de afastar a estupidez, mesquinharia e um individualismo despótico no agir de forma a defrontar-se com a seguinte situação, o juiz ter que saber responder o que é certo fazer para dar fim a um dilema judicial sem afetar a sua imparcialidade.
Para isso, é aconselhável associar os princípios constitucionais processuais (devido processo legal, juiz natural, contraditório, ampla defesa, acesso à justiça, motivação das decisões, publicidade, inafastabilidade, independência do julgador e do Poder Judiciário, da inércia, da igualdade) com os princípios dispostos no Código de Ética da Magistratura Judicial (independência, conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro) para que o objetivo fim da atuação do magistrado seja atingido, ou seja, o agir imparcial.
Esse “conselho” contribui para a melhor aplicação a um processo da regra do artigo 8° e 9° do Código de Ética da Magistratura Judicial, sem exigir a perfeição técnica do julgador.
Observa-se, que para se chegar à imparcialidade judicial, um longo caminho argumentativo é percorrido, por abarcar a aplicação de vários princípios. Assim, diante da atividade desempenhada pelo juiz, a imparcialidade deverá abarcar a idéia de que as leis apresentam lacunas, inconsistências e que o juiz poderá estar diante de um arcabouço jurídico insuficiente para sentenciar. Descarta-se, portanto, os dois opostos: a figura de um juiz onipotente e neutro, em defesa de uma sociedade democrática. Daí, a busca pela verdade dos fatos é uma trajetória que preconiza o preceito de que todos têm o direito a igual consideração quanto ao acesso à justiça.
Pelo que se detraí do artigo 9° do CEM, é preciso associar a responsabilidade ética do juiz ao principio ético da igualdade das partes, por ter que examinar qualquer preconceito existente, para atingir o equitativo e o justo, ao exercer o seu poder de julgar; assim, antecipadamente, considera-se que não há espaço para a concepção em abstrato da norma jurídica porque ela só se compreende enquanto referida a fatos objeto de adequada valoração. O fato só adquire significado real enquanto visualizado segundo a perspectiva valorativa que a norma legal consagra. Assim ao interagir com a jurisdição, que é ato existencial de participação à vida de outrem, o juiz declara o que é direito e julgará com base no alegado e provado, mas deve levar em consideração a realidade onde se situa os autos (motivos sociais, econômicos e transpessoais) que vão além da pessoa do autor e do réu.
Código de Ética da Magistratura Nacional favorece a compreensão do que venha a ser a imparcialidade judicial por meio da associação valorativa entre os termos ética, justiça e moral na busca por uma ordem jurídica justa.
2. Autonomia versus autoridade judicial
A decisão do juiz não é uma recomendação por exercer força cogente, optando por determinados valores em detrimento de outros, aí ocorre à autoridade ética, focando naquilo que é socialmente reconhecido como direito.
SCHMIDTZ (2009, p.4-7)em seu livro Os elementos da justiça, compara a figura da justiça a um mapa geográfico, que representa um setor da superfície terrestre, delimitando o seu perímetro urbano. Há inúmeros tipos de mapas que registram o quadro sinóptico de uma área, mas nenhum deles tem pretensão de ser o mais correto, e sim atender às necessidades de um determinado tipo de governo, com suas ambições políticas e econômicas.
O conceito de justiça, de maneira similar, reflete o mesmo feito, e induz ao questionamento: Qual será o melhor conceito de justiça que atenderá eficazmente a sociedade, em suas pretensões?
O primeiro passo é ter em mente o aspecto deontológico do termo justiça, para que haja a prevalência de procedimentos éticos e morais na magistratura.
O segundo passo é perceber que a responsabilidade ética do juiz está associada ao principio ético da igualdade das partes, por ter que examinar qualquer preconceito existente, para atingir o equitativo e o justo, ao exercer o seu poder de julgar.
O terceiro passo é ver que a justiça relaciona-se com a política, mas sem querer substituí-la. A associação dos termos autoridade, poder e obediência com implemento do princípio da dignidade da pessoa humana, permite a compreensão da ação exercida pelo magistrado, destinado administrar o bem comum, dentro daquilo que é tido como direito para uma determinada sociedade[2].
Conforme REALE (1994, p.131), a ética é “a ciência normativa da conduta”, e apresenta como idéia central a normatização referente à disciplina do agir, havendo uma expectativa de que determinadas diretrizes consideradas necessárias ao aperfeiçoamento humano sejam seguidas, orientando a conduta a ser adotada pelo homem.
A ação humana, na qual é inerente o principio da responsabilidade, é permeada por escolhas feitas que conduza o indivíduo a agir num determinado campo de atuação que o colocará em confronto com um conjunto de regras ou modelo.
Ao conceber o Direito como instituto vinculado à moral e à ética, o Código de Ética da Magistratura Nacional é a forma legitima que ampara o funcionamento da justiça, por ver que o Direito é uma prática interpretativa e argumentativa que exige do magistrado decisões não tendenciosas.
A Ética possui um campo de atuação abrangente, por selecionar os valores embutidos no exercício de qualquer atividade humana; e o Direito filtra os aspectos relacionados ao agir jurídico para uma determinada comunidade. Por exemplo, se por ventura o indivíduo proceder em discordância com o que dele é esperado, a sua postura será criticável, a fim de entender e\ou sanar a discrepância, dentro do que é considerado como permissível para uma sociedade, na qual este indivíduo se encontra inserida.
Assim, em aspectos jurídicos, os comportamentos tipificados em regras e princípios, encontrariam na a ética o âmbito de atuação do agir humano, com o objetivo de buscar a justiça. Isso é relevante, quando se depara com a corrupção, política de favoritismo, atentados que violem a integridade física e moral dos indivíduos e tantos outros atos que denigrem as legislações normativas, porque além de contrariarem tais preceitos contidos nos ordenamentos, estariam negando a eficácia dos princípios éticos, que disciplinam o modo de agir do aplicador do direito, no exercício de sua função.
A Justiça é fundada em leis, e a argumentação usada por uma autoridade judicial dotado de virtude, será capaz de avaliar o direito pretendido por cada demandante em um litígio, sem exercer abuso de poder.
O juiz virtuoso é aquele que emprega a sua excelência moral e ética, adquirida ao longo de sua trajetória pessoal e profissional, para produzir decisões equânimes, sem querer que um alto grau de perfeição técnica diminua o valor das interpretações de circunstâncias que acompanham o fato pertinente ao processo.
O estado dos fatos em determinado momento irá condicionar a decisão do juiz, devido à mutabilidade da história, da política e da sociedade. Daí, a justiça por estar em conformidade com o Direito, se modifica para adequar-se a ele. Vale ressaltar o entendimento de GARAPON (1999, p.182, grifo nosso) sobre o tema:
A justiça é guardiã do direito, quer dizer, dos pactos anteriores aos quais somos ligados. Ela garante a identidade da democracia, entendida como uma forma que não permanece a mesma através dos tempos, mas “se mantém como uma promessa feita”. Quer se trate de crime contra a humanidade, do sujeito de direito ou da Constituição, o juiz exerce sua autoridade ao proteger a memória dessa promessa inicial por tudo e contra tudo, inclusive contra a vontade do titular em exercício da soberania nacional. A vontade individual expressa nos direitos subjetivos é tão frágil quanto a vontade coletiva encarnada no soberano: as duas podem afundar na servidão involuntária. O Juiz, seja constitucional ou judiciário,nada mais é do que avalista dessa promessa de liberdade feita por cada um. A autoridade assegura a continuidade do sujeito de direito e, portanto, da democracia. Ela liga o presente ao passado.
De acordo com este autor, a justiça é cria um espaço, em que há a obrigação de se praticar a democracia, de maneira que os cidadãos possam exigir de seus governantes o cumprimento dos preceitos contidos nos sistemas jurídicos. Assim, as promessas contidas nas leis devem ser executadas, como por exemplo, o acesso de todos à justiça, o direito de serem tratados como iguais. Isso exibirá o cenário de discórdia entre os litigantes, que para serem ouvidos judicialmente, fazem uso de recursos, mostrando o inconformismo com o resultado do processo. Daí o poder atribuído aos juízes terá que evitar o desgaste da democracia, procurando nas interpretações sociopolíticas e jurídicas a coexistência harmônica entre um caminho que leve o desenvolvimento igualitário das partes e a manutenção da liberdade.
A realidade concreta de uma sociedade engloba hábitos, organização social, estrutura de dominação, instituições políticas de um povo, e inclusive a relação do Estado com a sociedade. Isso se transforma com o tempo, por isso a democracia liga o presente ao passado, revelando que o Direito está em constante debate, configurando-o como um processo universal.
A sociedade será bem constituída quando for presidida por uma autoridade legítima que salvaguarde as instituições e dedique o necessário trabalho ao bem comum. Chama-se “autoridade” a qualidade em virtude da qual pessoa ou instituições fazem leis e dão ordens a homens, e esperam obediência da parte deles.
A autoridade só é exercida legitimamente se procurar o bem comum do grupo em questão e se, para atingi-lo, empregar meios moralmente lícitos. Se acontecer que os dirigentes promulguem leis injustas ou tomem medidas contrárias à ordem moral, estas disposições não poderão obrigar as consciências. Nesse caso a própria autoridade deixa de existir, degenerando em abuso de poder. De acordo com GARAPON (1999, p.177):
A autoridade é aquilo que exprime poder, os vínculos sociais e o sujeito, aquilo que os dispõe num espaço comum. A autoridade marca a diferença entre esses vínculos e a simples justaposição de indivíduos. Ela é a parte comum indispensável a toda e qualquer diferença, o mínimo de senso partilhado, necessário à expressão de pontos de vistas opostos. A autoridade encarna igualmente o principio e os princípios do poder, ela confere a cada um sua identidade e distribui seus estatutos. Ela é a referência resultante da contratualização democrática, quadro que permite o debate, proibição que constitui o sujeito. A autoridade indiscutível da tradição é substituída na sociedade democrática pela autoridade de discussão, quer dizer, autoridade sempre subordinada á discussão. De uma legitimidade concedida sem restrições, a autoridade se transforma em debate permanente sobre a legitimidade. A autoridade passa a ser quadro, permitindo assim a deliberação infinita. A autoridade situa-se antes do debate democrático, como se fosse sua orientadora. Por isso ela se liga mais ao registro pré-político, isto é, ao que é anterior à troca política e à relação de forças. Não pode haver debate, por exemplo, se nenhuma autoridade é constituída para dar um fim à argumentação que, sem isso, seria infindável. É o lugar do poder em relação a seu exercício. Dessa maneira, confundiu-se o político com o exercício do poder sem que se percebesse que também era necessária uma exposição, uma referência.
A autoridade legitima-se ao expressar o poder, os vínculos sociais entre os indivíduos, permitindo e orientando o debate, discussão entre os sujeitos, em que a interlocução promovida pelos mesmos, irá dimensionar o direito cabível a cada um.
É desejável que cada poder seja equilibrado por outros poderes e outras esferas de competência que o mantenham no seu justo limite. Este é o princípio do Estado de Direito, no qual é soberana a lei, e não a vontade arbitrária dos homens. O exercício da autoridade visa tornar manifesta uma justa hierarquia de valores, a fim de facilitar o exercício da liberdade e da responsabilidade de todos.
A sociedade garante a justiça social, quando realiza as condições que permitem às associações e a cada membro seu obter o que lhe é devido conforme sua natureza e sua pretensão. A justiça social está ligada ao bem comum e ao exercício da autoridade.
Em conformidade com a natureza social do homem, o bem de cada um está necessariamente relacionado com o bem comum. Este só pode ser definido em referência à pessoa humana e pode ser entendido como conjunto daquelas condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem de maneira mais completa os seus ideais.
O bem comum exige prudência da parte de cada um, e mais ainda da parte dos que exercem a autoridade. Comporta três elementos essenciais:
Supõe, em primeiro lugar, o respeito pela pessoa como tal. Em nome do bem comum, os poderes públicos são obrigados a respeitar os direitos fundamentais e inalienáveis da pessoa humana. A sociedade é obrigada a permitir que cada um de seus membros realize sua vocação. Em particular o bem comum consiste nas condições para exercer as liberdades naturais indispensáveis ao desabrochar da vocação humana.
Em segundo lugar, o bem comum exige o bem estar social e o desenvolvimento do próprio grupo. O desenvolvimento é a viabilização de efetivar de forma progressiva os direitos e os deveres sociais. É claro, que cabe à autoridade servir de árbitro, em nome do bem comum, entre os diversos interesses particulares, mas ela deve tornar acessível a cada um aquilo de que precisa para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário, saúde, trabalho, educação e cultura, informação conveniente, direito de fundar um lar e etc.
Por fim, o bem comum envolve a paz, isto é, uma ordem justa duradoura e segura. Supõe, portanto, que a autoridade assegure, por meios honestos, a segurança da sociedade e a dos seus membros, fundamentando o direito a legitima defesa pessoal e coletiva.
Se cada comunidade humana possui um bem comum que lhe permite reconhecer-se como tal, é na comunidade política, que encontramos uma realização mais completa. Cabe ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade, dos cidadãos e dos organismos intermediários.
Os cidadãos devem, na medida do possível, tomar parte ativa na vida pública. As modalidades de tal participação podem variar de um país para o outro ou de uma cultura para outra. O imprescindível nesta atitude, da participação de todos na realização do bem comum, é a presença do dever ético da realização da justiça.
Só se pode conseguir a justiça social no respeito à dignidade transcendente do homem. A pessoa representa o fim último da sociedade, que por sua vez lhe está ordenado. O respeito pela pessoa humana implica que se respeitem os direitos que decorrem de sua dignidade de criatura. Esses direitos são anteriores à sociedade e se lhe impõem. São eles que fundam a legitimidade moral de toda autoridade. Sem esse respeito, uma autoridade só pode apoiar-se na força ou na violência para obter a obediência de seus submetidos.
O juiz presta serviço público de distribuir a justiça e, concomitantemente, a sociedade tem que confiar em sua autoridade moral a fim de promover o fortalecimento e a legitimidade do poder Judiciário. Nestas condições, a concepção de justiça apresenta três pontos de sustentação: moral, ética e jurídica.
A primeira manifestação de justiça pelo magistrado dá-se por meio de seu ato de julgar, moldado pela união entre o entendimento sobre o fato e a vontade[3]de tomar posição em relação a ele. Daí formará o juízo, que promoverá a distribuição da justa parte cabível a cada litigante, dentro de uma relação jurídica processual.
O juízo constituirá a fundamentação racional, que é uma exigência tanto do código de ética da magistratura quanto do Estado Democrático de Direito porque ao proferir uma decisão, o juiz deve fazer uso do melhor conhecimento dos fatos fundamentais no conflito, já que seu compromisso é deixar evidente a verdade, sem a qual não se consegue fazer justiça, para cuja realização se idealizou a tutela jurisdicional do Estado.
Inferi-se, daí, o conceito formal de justiça, que para HELLER (1998, p.15 e 20), é obtido a partir de todos os conteúdos normativos, critérios e procedimentos de justiça que permitem as construções de tipos ideais, significando
(…)a aplicação consistente e contínua das mesmas normas e regras a cada um dos membros de um agrupamento social aos quais elas se aplicam.(…) O conceito formal de justiça é a máxima da justiça; a consequência da não observância é a autocontradição.
A autoridade do juiz, portanto, reflete a figura do terceiro imparcial, que diferentemente das partes que litigam no processo, deverá dar resposta ao conflito, conforme ao procedimento legal adotado. A dúvida que surge é se esse procedimento legal irá diminuir a sua autonomia.
Autonomia concebida como algo inserido ao seu agir como pessoa e como servidor público. O motivo deste desmembramento de raciocínio é que o Código de Ética da Magistratura Nacional denomina esta autonomia como sendo um de seus princípios, independência.
Há dois aspectos da independência, a externa que é prevista no artigo 2° da CF, conferindo a cada um dos Poderes da União independência; a interna que se refere a do Poder Judiciário refletida na figura do juiz.
O que interessa para a análise da imparcialidade judicial é o aspecto interno da independência, de maneira que o magistrado, de acordo com o artigo 4° do CEM, será independente até o momento que não interfira na atividade jurisdicional de outro colega, exceto em situações em que a lei permita a tal interferência. Assim, não será permitido que ele receba influências contrárias a justa convicção para a motivação de suas decisões, como prevê o artigo 5° do CEM, sob pena de nulidade, conforme dispõe ao artigo 93, IX da CF.
Do exposto nota-se que a autonomia do juiz é limitada, por não haver uma total liberdade de julgar os atos. E o princípio da transparência irá verificar se o magistrado agiu conforme estabelecido pelos estatutos legais, por exigir que o mesmo documente os atos praticados mesmo não estando previsto em lei, por ser uma maneira de constatar o agir imparcial .
É um modo de se aplicar o devido processo legal para que ninguém seja privado de seus bens sem um justo julgamento (artigo 5°, LIV), tornando exequível, simultaneamente o acesso à justiça pelos litigantes em processo judicial e administrativo, garantindo-lhes o contraditório e ampla defesa. Assim, autor e réu terão os mesmos direitos de serem ouvidos e de estabelecerem as defesas necessárias (artigo 5°,LV ,da CF) contra o que lhes foram dirigidos, respeitando logicamente, os prazos legais para o exercício de tal direito.
O que restringe a autonomia plena do julgador é a publicidade de seus atos, que é um preceito constitucional (art.93,IX), assegurando que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário sejam públicos, sob pena de nulidade, exceto nos casos elucidados pela lei. Dessa forma o princípio da transparência controla o procedimento judicial, e de forma correlata, a imparcialidade.
A autonomia do juiz poderá ser entendida através da autoridade moral e ética porque sem esta a primeira não existiria, pois a imparcialidade Judicial só será aceita, se houver um filtro disciplinador, como os princípios da Independência, Transparência e Publicidade.
3. Igualdade versus equidade
A condição inicial para a imparcialidade judicial é que o magistrado tenha noções precisas de igualdade e equidade devido às suas diferenciações conceituais entre estes termos para que seja promovida a justiça.
Ilustrativamente, serão observados os artigos 125, I e 127 do CPC. De acordo com o artigo 125, I do CPC o juiz tem a responsabilidade de conduzir o processo de acordo com as disposições do CPC de maneira à “assegurar às partes igualdade de tratamento”. Assim, não é pelo fato de o juiz garantir às partes igualdade de tratamento ele estará promovendo a justiça, por ser um dever agir desta forma para haver um exercício regular de sua função. O que é considerado justiça, é aplicação correta de uma diretriz que determina a maneira como devem ser tratados todos os membros de uma determinado grupo . A igualdade, portanto, para ser considerada como sinônimo de justiça, teria que conceber os integrantes de um determinado grupo, como iguais.
Conforme o artigo 127, CPC “o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”. Nota-se a relação de dependência entre o sujeito (juiz) e o seu objeto (lei), ou seja, a atuação do Poder Judiciário está estritamente condicionado ao que o Poder Legislativo prevê, em termos normativos.
A partir disso, vê-se que é difícil determinar o que é ser justo no universo da imparcialidade judicial, por não haver nas regras jurídicas especificações concretas e sim genéricas das situações que devam receber tratamento equânime e igualitário. Para facilitar o estudo em questão, será adotado as noções de PERELMAN (2005,p.6) compreende que a concepção de justiça,
passa pelo ponto comum dos estudos da filosofia que é o estudo sistemático das noções confusas”. Isso ocorre quando é feito o emprego de palavra com carga emotiva, na qual se imprime uma idéia que se tem de uma coisa, onde o objeto material é capaz de representar qualquer coisa imaterial, tornar-se-á, portanto, confuso o ato de defini-la por haver falta de método que elimine o desordenado. Assim, sistematizar é atribuir ordenamento ao que é confuso por sua natureza conceitual.
O aspecto confuso do termo justiça é notado pelo confronto entre o que cabe ao juiz e ao legislador praticar no exercício de suas funções, independentemente das motivações que possam levar ao juiz a adentrar na esfera de atuação do legislador. Poderá até ser imprescindível que o juiz modifique a lei, para haver a efetivação da função social do processo, que é a de viabilizar o acesso à justiça por quem quer que seja, mas esta necessidade poderia quebrar a imparcialidade judicial, que é um dos princípios fundamentais na atividade instrutória do juiz que é submetida à requisitos legais previstos em códigos processuais, Código de ética da Magistratura Nacional, Constituição Federal e outras leis extravagantes que tratam sobre o tema em litígio.
PERELMAN (2005,p.9), a fim de limitar o estudo sobre justiça, recorreu às seis concepções mais correntes sobre o termo: A cada qual a mesma coisa; a cada qual segundo seus méritos; a cada qual segundo suas obras; a cada qual segundo suas necessidades; a cada qual segundo sua posição; a cada qual segundo o que a lei lhe atribui.
O que é útil para o estudo da imparcialidade é a última concepção, ou seja, a cada qual segundo o que a lei lhe atribui, por conferir como justo o juiz que aplica às mesmas situações as mesmas leis, aplicando por fim as regras adequadas da legislação de um determinado sistema jurídico, sem distorcê-las.
A aplicação da idéia de igualdade na concepção de justiça permite reconhecer que há um elemento indeterminado que é variável de acordo com o grupo, que abrange indivíduos que receberam igual tipo de tratamento. Quando este elemento tornar-se determinado fornecerá uma concepção de justiça, que será composta por uma parte formal e uma concreta.
A justiça formal é o elemento base para todas as concepções de justiça por definir o que é ser justo, que para PERELMAN ( 2005,p.18-19)
é tratar de forma igual os seres que são iguais em certo ponto de vista,que possuem uma mesma característica, a única que se deva levar em conta na administração da justiça. Essa característica será qualificada de essencial .Os seres que têm em comum uma característica essencial farão parte de uma mesma categoria, a mesma categoria essencial (…) Justiça formal é um principio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma.
A partir desta concepção, justiça concreta será o que especificará a justiça formal, no sentido de atribuir-lhe uma visão de mundo aplicável a situação litigiosa, por expressar quando os indivíduos farão parte de uma mesma categoria essencial para que seja conhecido o tipo de tratamento que estes deveriam receber. Assim, aqueles que estão submetidos a mesma justiça concreta, deverão ter a mesma apreciação dos fatos , quando submetidos a juízo.
O magistrado, neste sentido, considera a regra estabelecida e não as suas preferências sobre qual tipo de concepção de justiça ele escolherá para aplicar. Com isso, a classificação dos indivíduos em categorias essenciais lhe é imposta. Vale destacar, um entendimento de PERELMAN (2005, p.28, grifo nosso) sobre a diferenciação feita entre a concepção moral e jurídica de justiça, no que tange à liberdade de escolha de aderir ou não a determinada fórmula de justiça:
Esta é a distinção fundamental entre uma concepção moral e jurídica de justiça. Em moral, a pessoa é livre para escolher a formula de justiça que pretende aplicar e a interpretação que deseja dar-lhe; em direito, a fórmula da justiça é imposta e sua interpretação sujeita ao controle da corte suprema do Estado. Em moral, a regra adotada resulta da livre adesão da consciência; em direito, cumpre levar em conta a ordem estabelecida. Aquele que julga em moral, deve primeiro determinar as categorias aplicáveis aos fatos; em direito, o único problema que se deve examinar é o de saber como os fatos considerados se integram no sistema jurídico determinado, como os qualificar. Em direito moderno, as duas instâncias, a que determina as categorias e a que as aplica, são rigorosamente separadas; em moral, estão unidas na mesma consciência.
A partir deste momento, a avaliação da concepção de justiça sob o prisma ético é crucial por conferir conteúdo ao ato “de saber como os fatos considerados se integram no sistema jurídico determinado, como os qualificar”. Isso ocorrerá por meio da adoção dos princípios éticos presentes, por exemplo no CEM. Assim, a visão de mundo do magistrado, como de qualquer outro indivíduo, é composta por uma parte subjetiva, que evidencia a sua opinião particular de justiça; e objetiva, adequada ao que é estabelecida em leis e em certos casos, ancorada pela interpretação realizada pela jurisprudência que busca retirar a confusão jurídica presente em determinados preceitos normativos quando defrontados com situações concretas.
É pertinente salientar que a justiça não poderá opor-se ao Direito, porque é nele que ocorrerá a legitimação dos atos praticados pelos aplicadores do direito, dessa forma a justiça formal é imutável, modifica-se apenas a justiça concreta aplicável, por abranger uma determinada escala de valores, de forma categórica, mas sem haver um grau de hierarquia entre eles, e sim o que é mais producente aplicar para favorecer um agir imparcial, por exemplo.
Valores embutidos em princípios como conhecimento e capacitação, transparência, segredo profissional, prudência, diligência, integridade profissional e pessoal, dignidade, honra e decoro são ponderados pela imparcialidade para que o juiz realize com presteza a sua função jurisdicional. Desta forma, ao ser movido por estes princípios, as questões confusas de direito, proveniente de sua visão de mundo que confronta a justiça formal com a concreta, são minoradas ou eliminadas, por depender da hermenêutica utilizada pelo magistrado.
Diante da contradição entre duas leis ou princípios que interferem na aplicação da justiça formal, a hermenêutica judicial deverá fazer uso da equidade por ser concebido, por PERELMAN (2005, p.36)
como amuleto da justiça, é complemento indispensável a justiça formal, todas as vezes que a aplicação desta se mostra impossível. Consiste ela numa tendência a não tratar de forma por demais desigual os seres que fazem parte de uma mesma categoria essencial. A equidade tende a diminuir a desigualdade quando o estabelecimento de uma igualdade perfeita, de uma justiça formal, é tornado impossível pelo fato de se levar em conta, simultaneamente, duas ou várias características essenciais que vêm entrar em choque em certos casos de aplicação.
Observa-se com isso, que deve haver o abandono ao formalismo jurídico quando este acarreta antinomias, ou melhor, deverá haver, quando possível a escolha da característica essencial que melhor aprouver a situação jurídica. Será observado o grau de importância que é atribuído a cada uma delas, para que a pergunta o que é ser justo? Seja o ato de aplicar a regra adequada a justiça concreta.
Um exemplo desta situação é lei n° 12.694, de 12 de julho de 2012, que dispõe sobre o processo e julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas. Ao comparar o seu artigo 1°,§ 6° com os entendimentos previstos nos artigos Capítulo II e IV do Código de Ética da Magistratura Nacional, que se referem à atuação eticamente independente e transparente do magistrado ao proferir a decisão judicial há contradição entre leis.
Abaixo há transcrição dos artigos da referida lei e do Código de Ética da Magistratura Nacional, para melhor elucidar a situação jurídica suscitada:
LEI 12.694:
Art. 1o Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:
§ 6o As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.
OBS: Código de Ética da Magistratura Nacional.
Capítulo II – Independência:
Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas legais.
Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.
Art. 6º É dever do magistrado denunciar qualquer interferência que vise a limitar sua independência.
Capítulo IV- Transparência
Art. 10. A atuação do magistrado deve ser transparente, documentando-se seus atos, sempre que possível, mesmo quando não legalmente previsto, de modo a favorecer sua publicidade, exceto nos casos de sigilo contemplado em lei.
Art. 11. O magistrado, obedecido o segredo de justiça, tem o dever de informar ou mandar informar aos interessados acerca dos processos sob sua responsabilidade, de forma útil, compreensível e clara.
Art. 14. Cumpre ao magistrado ostentar conduta positiva e de colaboração para com os órgãos de controle e de aferição de seu desempenho profissional.
A independência do Poder Judiciário é refletida na figura do Juiz, ao evidenciar a sua função de julgar e de administrar a coisa pública, contextualizando a lei aplicável ao caso concreto. Isso não diminui a carga própria de valores intrínseca a qualquer ser humano, de maneira que a carga valorativa individual se contrapõe à carga valorativa do que é aceito socialmente, conforme aquilo que foi estabelecido pela sociedade sobre o que é justo. É preciso aferir e garantir o que a sociedade, num determinado momento histórico admitiu como justo.
Em função disso que não pode admitir qualquer forma de pressão e interferência vinda externamente, de terceiros e até mesmo na atividade de outro colega, como elucida o parágrafo 6° da lei 12694, a não publicação do voto divergente de qualquer membro do colegiado que proferiu a decisão.
A consciência do juiz é a única aliada sobre o que está sendo objeto de julgamento, encontrar respaldo naquilo que o direito estabelece como justo. Há um perigo em assumir posições admitidas pela sociedade que contrariem o direito posto, por ferir o princípio do Estado Democrático de Direito, ao deixar de lado o que seria juridicamente correto em nome de anseios populares. O juiz exerce uma função pública de manutenção da ordem jurídica.
O juiz, ao interpreta uma lei ordinária, opta por uma das interpretações possíveis, que seja legalmente justa, mudando de alguma maneira a vida social. Daí observa-se que toda decisão tem caráter político.
Em um partido político, pode haver compromisso com valores positivados ou até mesmo com valores ainda não concretizados (que poderiam um dia ingressar no ordenamento). A esfera da política partidária é capaz de tornar dinâmico o Direito, a partir da discussão promovida.
O compromisso do juiz é com aquilo que está concretizado, por isso não pode haver adesão do juiz ao partidarismo. Quando o juiz concede um direito, não claramente previsto em lei, mas fazendo uma interpretação em favor da isonomia da Constituição, não está criando algo imprevisto e sim estendendo algo já estabelecido pelo Direito.
O artigo 1°,§6° é uma forma de partidarismo político exercido pelo colegiado que julga crimes praticados por organização criminosa, que contribui para a quebra da independência, transparência e publicidade dos atos proferidos na decisão judicial. E de maneira correlata, quebra-se o principio da imparcialidade judicial.
Ao considerar a realidade brasileira, a respeito da repercussão na vida dos magistrados, dos julgamentos de crimes praticados por organizações criminosas, vê-se que a proteção de membros do colegiado, que por ventura divergiu do voto da maioria é importante, de modo que o próprio poder Judiciário, que sentencia por meio de seus legitimados, seja capaz de assegurar a integridade física e profissional dos mesmos, evitando qualquer revanchismo por parte do desfavorecido com a decisão judicial, e inclusive perda de garantias conferidas à Magistratura pela Constituição Federal.
Assim, apesar de haver previsão legal, que resguarde o votante divergente é preciso considerar que a publicidade dos atos judiciais diminui o déficit de legitimidade do Poder Judiciário, porque os seus membros não são eleitos. A publicidade viabiliza a abertura comunicativa às partes ao processo. Sem publicidade, a decisão judicial se exaure nos efeitos interpartes.
O judiciário será mais democrático quando possibilita maior acesso ao conteúdo do processo. Desta forma, é crucial que se faça referência ao voto divergente, na decisão proferida no acórdão. Busca-se, com isso a justiça aplicável ao caso concreto, em favor da equidade.
A partir do confronto entre estas duas leis, que tratam respectivamente processo e julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas e do Código de Ética da Magistratura Nacional observa-se que a antinomia foi resolvida pela adoção preferencial do Código de ética para haver defesa da imparcialidade judicial embasada em princípios éticos, dotados de valores plausíveis para a aplicação da justiça concreta adequada .
A justiça formal aplicada pelo juiz imparcial condiz com o seu dever ético de exercer o serviço público jurisdicional, quando solicitado por uma das partes em litígio, sem favorecer as mesmas com as suas idiossincrasias. A justiça concreta abarca os valores democráticos para que a atividade judicial respeite a Constituição Federal e as demais leis vigente.
4. Conclusão
No Estado Democrático de Direito, de acordo com a Constituição Federal, o principio da igualdade orienta o Estado no sentido de buscar a igualdade material considerando que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. De modo que o caput do artigo 5°, quando entregue a apreciação judicial induz ao juiz ter, ao longo de todo o processo, uma distância equivalente das partes, entendimento também previsto no artigo 8° do CEM. Assim a conformação da conduta a uma norma e a eficiência desta no sentido de viabilizar a relação justa entre os litigantes e o juiz remete a simbologia da balança, espada e a venda nos olhos que representam a justiça.
A impressão de uma figura artística é a realização de algo abstrato e a apreciação da mesma como estética ou beleza deve ser consciente e lógica. Essa é a parte mais crítica e fundamental, por representar traços de personalidade do artista e de quem a observa. A arte não é somente inspiração ou simples transmissão de mensagem emotiva, ou velocidade da moda e sim exposição do intelecto, dos anseios de uma determinada sociedade diante de um sistema.
Desta maneira, BRUNO AMARO LACERDA (2012, p.49), em seu artigo Balança, Espada e venda: a justiça e a imparcialidade do juiz, entende ser crucial a associação entre a arte e o Direito “por tomar o universo jurídico (e seus dramas) como elemento constante de suas representações, problematizando-o e refletindo as angústias da sociedade”. Daí, a balança, “como símbolo do julgamento e da justiça”, a espada associada a “idéia de força”, e a venda nos olhos, representando o juiz, sem envolvimento emocional com as partes, que se importa com os fatos do julgamento, sem privilegiar ninguém são os três pontos que sustentam o seu artigo (2012, p.36, 41 e 45) a fim de salientar que a balança e a espada e não apenas a venda figura a imparcialidade por construírem em conjunto o exercício da atividade judicial, em nome da distância equivalente entre as partes no processo, para que a sentença proferida gere uma consequência favorável à realização da justiça.
Ética e imparcialidade judicial remete a simbologia da justiça por meio desta representação gráfica personificada induz a uma imparcialidade presumida, levando a entender que as regras jurídicas incorporadas nos dispositivos legais, por meio de sua força coercitiva irão, de forma associada ao agir interpretativo do juiz, reparar as diferenças entre as partes, dando a cada um, o que é seu por direito. Desviando o olhar e indo contra a parcialidade, vista como justiça comprometida, tendenciosa por causar prejuízo a quem está submetida a ela.
Assim, pela obviedade do conceito, imparcial é o que não é parcial, mas para ser justo é preciso não ser neutro. O juiz por representar um poder público é a autoridade da qual se espera um ponto pacífico no conflito desenvolvido no processo, daí é rechaçada a neutralidade judicial.
Com neutralidade, não seria possível exercer influências sobre as partes litigantes, por seus méritos conquistados pelo exercício de uma autoridade moral e ética, mesmo que para isso haja limitação de sua autonomia por ter que prestar contas de seus atos praticados.
Há, portanto, uma autonomia limitada por não ser dotado de uma organização individual plena no exercício de sua profissão, já que não julga por leis próprias e sim por aquelas estabelecidas no ordenamento jurídico. O que lhe é permitido fazer, de forma livre, é apenas professar opiniões próprias, bem fundamentadas de acordo com o procedimento legal escolhido.
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[1] Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.
Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento,vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.Parágrafo único. Não se considera tratamento discriminatório injustificado:I – a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado;II – o tratamento diferenciado resultante de lei.
[2] O acesso a este bem comum é observado, por exemplo, no artigo 3° incisos I, II, III e IV da Constituição Federal, pois a atuação do Poder Judiciário preserva a Soberania Estatal, na medida em que contribui para a manutenção do Estado Democrático de Direito: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” O fundamento da dignidade da pessoa humana é questionável porque tudo parece ser justificado a luz deste preceito. Isso tem parecido uma ferramenta pouco funcional. É preciso delimitar o que seria dignidade da pessoa, que hoje em dia não passou a ser algo crucial e, que não pode ser pensado no sentido redutivo, tendo que ser pensado no valor da maioria. Há uma questão de o juiz usar valores subjetivos dele próprio enxergar o que seria a dignidade da pessoa humana, mas teria que ser embasado a partir do que foi posto pelo direito. A Constituição Federal é fundamento de validade de toda a estrutura normativa, de onde se extrai o principio da moralidade, pelo artigo 37, caput da CF e por meio do artigo 1° da CF há a adoção da dignidade da pessoa humana como verdadeiro supraprincipio. Isso contribui para a legitimação do Poder Judiciário, na medida em que o jurisdicionado busca a fundamentação jurídica de suas decisões na lei, tornando transparente o funcionamento da justiça.
[3] De acordo com Paulo Ricoeur,em O justo ou a essência da justiça “ o juízo procede da conjugação do entendimento e da vontade:o entendimento que considera o verdadeiro e o falso – a vontade que decide”.Esta idéia faz parte da construção do termo usual Julgar, por meio de uma ordem crescente de força :opinar;avaliar ;encontro entre o lado objetivo ,que quando alguém toma uma proposição por verdadeira e o lado subjetivo,quando ele adere a proposição;o juízo” (p.163-164).
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2013). Possui especialização latu sensu em MBA em Direito Tributário oferecido pela Fundação Getúlio Vargas ( 2016); Especialização latu sensu em Relações Internacionais oferecida pela Faculdade IBMEC São Paulo e Instituto Damásio de Direito ( 2018); Especialização Lato Sensu em Direito e Negócios Imobiliários oferecido pela Faculdade IBMEC São Paulo e Instituto Damásio de Direito ( 2020); Especialização latu sensu em Direito Notarial e Registral oferecido pela Faculdade IBMEC São Paulo e Instituto Damásio de Direito (2020). Possui experiência Profissional na área do Direito, com ênfase em Direito Tributário, Direito Imobiliário, Direito Registral e Notarial, Sucessório, Direito bancário, Regularização fundiária, Mediação extrajudicial e Conciliação.