REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7708192
Stefanie Larrhiuo Viana1
Gabryella Tuczynski Carneiro2
Raphaela Giviziez de Abreu Courradesqui3
Rafaella Silva Souza4
Eduardo Sant’anna Nubile5
Maria Gabriela Rímulo Avellar6
Maria Eduarda de Souza Fontes7
Giulio Cesare Pimenta Corrêa8
Iberico Alves Fontes9
Philippe Godefroy Costa de Souza10
Resumo
Introdução: A Hemorragia Pós-Parto (HPP) é a principal causa direta de morte materna em todo o mundo. Sua principal etiologia consiste na perda dos mecanismos de hemostasia após o parto, sendo que todas as pacientes são suscetíveis a esta complicação. A HPP é uma condição prevalente que necessita de preparo adequado das equipes para que haja intervenção eficaz, oportuna e, consequentemente, menores desfechos negativos. Objetivo: Avaliar o panorama de mortalidade materna por HPP no Brasil entre os anos de 2016 – 2020, de acordo com raça e faixa etária. Metodologia: Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo, de caráter transversal, realizado com coleta de dados de janeiro de 2016 até dezembro 2020 dos casos de mortalidade por HPP no Brasil disponibilizado no banco de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS). Resultados e Discussão: Foi evidenciado uma maior incidência de mortalidade materna por causas obstétricas diretas em pacientes pretas e pardas em comparação a pacientes brancas no Brasil, o que se pode associar a questões demográficas e socioeconômicas. O índice de mortalidade materna foi maior na faixa etária dos 30- 39 anos, quando comparada a dos 20-29 anos, tanto na raça branca quanto na raça preta e parda. A idade materna avançada, por si só, aumenta o risco de morte materna, pois tem maior chance de se associar a : pré-natal inadequado, comorbidades médicas, complicações em gestação anterior e tabagismo. Conclusões: a prevalência de HPP é diretamente proporcional à idade materna. Além disso, foi visto que as raças preta e parda são mais vulneráveis a doenças, já que se encontram sob maiores condições de insalubridade e negligência. Assim, é necessário que as equipes multidisciplinares estejam atentas e bem treinadas, tendo em vista que a prevenção da HPP e condução adequada da mesma em cenários de emergência, de modo que hajam desfechos maternos e fetais positivos.
Palavras – chave: hemorragia pós-parto; morte materna; medicina de emergência.
Abstract
Introduction: Postpartum Hemorrhage (PPH) is the main direct cause of maternal death worldwide. Its main etiology is the loss of hemostasis mechanisms after delivery, and all patients are susceptible to this complication. PPH is a prevalent condition that requires adequate preparation of teams so that there is effective, timely intervention and, consequently, fewer negative outcomes. Objective: To evaluate the panorama of maternal mortality due to PPH in Brazil between the years 2016 – 2020, according to race and age group. Methodology: This is a descriptive, cross-sectional epidemiological study, carried out with data collection from January 2016 to December 2020 of cases of mortality due to PPH in Brazil available in the database of the Department of Informatics of the Single System of Health in Brazil (DATASUS). Results and Discussion: There was evidence of a higher incidence of maternal mortality from direct obstetric causes in black and brown patients compared to white patients in Brazil, which can be associated with demographic and socioeconomic issues. The maternal mortality rate was higher in the 30-39 age group, when compared to the 20-29 age group, both in the white race and in the black and brown race. Advanced maternal age, by itself, increases the risk of maternal death, as it is more likely to be associated with: inadequate prenatal care, medical comorbidities, complications in a previous pregnancy, and smoking. Conclusions: the prevalence of PPH is directly proportional to maternal age. In addition, it was seen that the black and brown races are more vulnerable to diseases, since they are under more unhealthy conditions and neglect. Thus, it is necessary for multidisciplinary teams to be attentive and well trained, bearing in mind the prevention of PPH and proper management of the same in emergency settings, so that there are positive maternal and fetal outcomes.
Keywords: postpartum hemorrhage; maternal death; emergency medicine
Introdução
A Hemorragia Pós-Parto (HPP), segundo a World Health Organization – WHO (2012), consiste na perda de 500 ml ou mais de sangue nas primeiras 24h após o parto, sendo esta a principal causa de morte materna em todo o mundo, com aproximadamente 140.000 mortes anuais e com frequência de uma morte a cada quatro minutos (SOSA et al., 2009). No entanto, algumas referências, como o American College of Obstetricians and Gynecologists (2017), definem HPP de acordo com a quantidade de sangue perdida conforme o tipo de parto, sendo considerada quando há perda > 500 ml após parto vaginal ou > 1000 ml após parto cesáreo, sendo que qualquer perda de sangue que cause instabilidade hemodinâmica também pode ser considerada para a definição clínica de HPP.
A principal etiologia da HPP consiste na perda dos mecanismos fisiológicos que promovem a limitação do sangramento após o parto, como a contração miometrial e compressão dos vasos do leito placentário, o que promove hemostasia mecânica e, com isso, inicia-se também a coagulação pela ação de fatores hemostáticos, como plaquetas e fatores de coagulação (FERNANDES, 2021).
É importante ressaltar que cerca de 40% das pacientes com HPP não possuem fatores de risco, sendo que todas devem ser consideradas susceptíveis à ocorrência do evento (FERNANDES, 2021). De acordo com Nyflot et al. (2017) em um estudo de caso controle na Noruega, os casos de HPP mais graves ocorreram em pacientes com história prévia de HPP, cirurgia uterina anterior, alterações uterinas estruturais, anemia, uso de anticoagulantes, história prévia de pré-eclâmpsia grave e síndrome HELLP. Além disso, as pacientes submetidas a indução com ocitocina, parto vaginal instrumental e parto cesáreo tiveram risco aumentado para HPP grave.
A mortalidade materna (MM) por causas diretas é considerada um problema de saúde pública e mundial, sendo que em países subdesenvolvidos a prevalência chega a registrar cerca de 99% de todos os casos (OMS, 2015). É amplamente reconhecido, de acordo com numerosas pesquisas nacionais e internacionais, que as mortes maternas, frequentemente, são sub enumeradas em função da má qualidade do preenchimento das declarações de óbito (DO) por alguns médicos, no que diz respeito às causas de morte, o que levou a OMS a recomendar que fossem estimados fatores de ajuste ou correção para as mortes maternas.
Estes, por sua vez, são calculados pela razão entre o número total real (verdadeiro) de mortes maternas, obtido em algum tipo de investigação, como a metodologia Reproductive Age Mortality Survey (RAMOS), e o número total oficial de mortes maternas, isto é, aquele baseado na apuração das DO oficiais (LAURENTI et al., 2008). Este último é assim referido por corresponder ao valor que aparece nas estatísticas de mortalidade, segundo a causa básica, elaboradas por sistemas de informações sobre mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.
Além disso, a MM pode ser classificada em causas indiretas – por doenças pré existentes e diretas – por intervenções e tratamentos inadequados, sendo essas também conhecidas como morte materna evitável (Picole, 2017). As causas diretas, por sua vez, estão relacionadas aos três períodos gravídicos – puerperal: a gravidez, o parto e o puerpério e são chamadas também de morte materna evitável, por estarem diretamente ligadas aos tratamentos ou intervenções incorretas. As complicações citadas acima deixam sequelas em cerca de 10 milhões de mulheres e matam meio milhão delas em todo o mundo e podem ser analisadas através do indicador Razão de Mortalidade Materna (RMM) (WHO, 2015). Dentre as causas diretas, há a Hemorragia Pós-Parto (HPP), que de acordo com a OMS afeta cerca de 2% das gestantes e associa-se a 1⁄4 de todas as mortes maternas. Ela é determinada pela perda excessiva de sangue em um período de 24 horas após o parto, usualmente devido à falta de contração uterina após a saída do bebê (WHO, 2015).
Observado esse problema de saúde pública, este trabalho se justifica pela relevância e impacto da HPP, tendo em vista que se trata de uma condição prevalente que necessita de treinamento adequado das equipes para que haja intervenção eficaz e, consequentemente, menores desfechos negativos. Com isso, o presente estudo tem como objetivo principal avaliar o panorama de mortalidade materna por HPP no Brasil entre os anos de 2016 – 2020, de acordo com raça e faixa etária.
Portanto, foi elaborada a seguinte pergunta norteadora: Como tem se comportado as taxas de mortalidade materna por HPP e como isso varia de acordo com raça e faixa etária? Assim, o presente estudo tem como objetivo principal avaliar o panorama de mortalidade materna por HPP no Brasil entre os anos de 2016 – 2020 de acordo com raça e faixa etária.
Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo, de caráter transversal, cujos dados serão obtidos a partir do banco de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS, 2022). O período de análise foi de janeiro de 2016 a dezembro de 2020. A partir dos dados obtidos, foram analisadas as variáveis sociodemográficas das gestantes, entre elas: faixa etária, raça/cor e óbitos ocorridos em mulheres entre 20 e 39 anos, no período da gestação, no momento e durante o puerpério, relacionadas a hemorragia puerperal, no período de 2016 a 2020. Com a utilização de dados de domínio público disponibilizados por meio eletrônico, esse estudo é isento de análise pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Além disso, serão respeitadas as diretrizes da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados e Discussão
Entre 2016-2020 houve 5,7% de óbitos em pessoas pretas e pardas na faixa etária de 20-29 anos, sendo que entre 30-39 anos, no mesmo período e em pessoas da mesma raça esse número foi de 7,26%.
Gráfico 1. Óbitos maternos por HPP em relação aos óbitos por causas obstétricas diretas em pretas/pardas e brancas, no Brasil, entre 2016 – 2020.
A hemorragia pós-parto é a segunda principal causa de morte materna no Brasil, precedida apenas pela hipertensão (eclâmpsia, pré-eclâmpsia), o que difere do panorama mundial, tendo em vista que a HPP é a principal causa de MM, com cerca de 140.000 mortes/ano. Nesse sentido, a mortalidade materna constitui um indicador de condições de vida e qualidade de saúde de uma população, sendo que 40-60% das mortes são por causas evitáveis, como a HPP, e a quase totalidade destas mortes ocorre nos países em desenvolvimento. (SOSA et al., 2009; OMS, 2014)
Sob essa perspectiva, no presente estudo foi constatada uma maior incidência de mortalidade materna por causas obstétricas diretas em pacientes pretas e pardas em comparação a pacientes brancas no Brasil, o que se pode associar a questões demográficas e socioeconômicas, sendo que a etnia, por si só, não é um fator de risco, mas a inclusão social adversa do grupo racial constitui-se um fator importante de vulnerabilidade (THEOPHILO et al., 2018). Ademais, outros fatores, como distância geográfica, desinformação e práticas culturais, têm contribuição significativa na problemática abordada.
Além disso, de acordo com Oliveira e Graciliano (2015), os baixos níveis de escolaridade e de renda familiar são importantes fatores de risco a serem considerados diante dos agravos à saúde materna, tendo em vista que tais condições, não obstante, estão associadas a piores condições obstétricas. Vale ressaltar que as mortes maternas em qualquer momento da gestação ou após o parto revela fragilidades importantes nas diretrizes e condutas em relação à saúde da mulher. Isso porque, muitas vezes, a assistência obstétrica oferecida na maioria dos serviços cursa com intervenções excessivas e até mesmo inadequadas.
Ademais, há de se considerar que pacientes pretas apresentam maior risco de desenvolver distúrbios hipertensivos na gestação, como pré-eclâmpsia, que por sua vez são fatores de risco para a HPP (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). Além desses, também constituem risco aumentado: história pregressa de HPP, distensão uterina, distúrbios de coagulação, placentação anormal (placenta prévia e acretismo placentário); grande multíparas, anemia na gestação e primeiro filho após 40 anos de idade.
Sob essa perspectiva, percebeu-se que o índice de mortalidade materna na faixa etária dos 30-39 anos, quando comparada a dos 20-29 anos, tanto na raça branca quanto na raça preta e parda, apresentou-se maior. Isso porque a idade materna avançada, por si só, aumenta o risco de morte materna, principalmente quando maior que 35 anos, sendo que os fatores atribuídos a isso são: pré-natal inadequado, comorbidades médicas, complicações em gestação anterior e tabagismo (BROWN et al., 2022).
Diante do exposto e da importância do tema, todas as instituições e profissionais que manejam pacientes gestantes, devem estar aptos a identificar e tratar um quadro de HPP, já que a maioria desses casos ocorrem em mulheres sem fatores de risco identificáveis. E, além disso, o manejo adequado da HPP na primeira hora (“Golden Hour”) reduz significativamente as chances de morte materna. (BELFORT et al., 2020).
Sob essa perspectiva, em 2018 foi desenvolvida a estratégia Zero Morte Materna por Hemorragia pela Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS, 2018) em conjunto com o Ministério da Saúde (MS), que
Constitui-se de recomendações assistenciais para a prevenção e manejo da HPP. Tal artifício pode ser usado pelas equipes assistenciais para preparo técnico adequado frente a um quadro de HPP, com objetivo de reduzir a mortalidade materna no país e garantir adequado tratamento às pacientes, sobretudo as pretas e pardas, que são as mais acometidas por tais desfechos desfavoráveis.
Conclusões
Com base nos dados do DATASUS e na análise das variáveis sociodemográficas, percebeu-se que a prevalência de HPP é diretamente proporcional à idade materna, ou seja, mulheres de 30 – 39 anos tiveram mais desfechos negativos em relação às de 20 – 29 anos. Além disso, parece haver interferência significativa da raça na ocorrência do quadro abordado, visto que as raças preta e parda são mais vulneráveis a doenças, já que se encontram sob maiores condições de insalubridade e negligência.
Nesse sentido, conclui-se que a mortalidade materna, de modo geral, ainda é uma problemática bastante relevante no Brasil, além de muito recorrente na prática obstétrica. Assim, é necessário que as equipes multidisciplinares estejam atentas e bem treinadas, tendo em vista que a prevenção da HPP se inicia desde o pré-natal, a partir da identificação de fatores de risco modificáveis, o que tem interferência positiva nos desfechos maternos e fetais
Referências
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BROWN, L. H. et al. Overview of maternal mortality. UpToDate, Outubro 2022. Disponível em: UpToDate. Acesso em 01 nov 2022.
Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil – DATASUS (2022). Sistema de informações sobre óbitos de mulheres em idade fértil e óbitos maternos. Brasília-DF: DATASUS. <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvuf.def >.
FERNANDES, C. E. Tratado de Ginecologia Febrasgo. Elsevier , [s. l.], ed. 1, 2021.
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NYFLOT, L. T. et al. Risk factors for severe postpartum hemorrhage: a case-control study. BMC Pregnancy Childbirth. 2017
OLIVEIRA, A. C. M.; GRACILIANO, N. G. Síndrome hipertensiva da gravidez e diabetes mellitus gestacional em uma maternidade pública de uma capital do Nordeste brasileiro, 2013: prevalência e fatores associados. Epidemiologia dos Serviços de Saúde. Brasília, v. 24, n.3, p. 441- 445, 2015.
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WHO, World Health Organization. Trends in maternal mortality: 1990 to 2015: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group and the United Nations Population Division. Geneva, 2015.
1Médica formada pelo Centro Universitário de Valença – RJ (UNIFAA) e residente de Ginecologia e Obstetrícia da Maternidade Escola de Valença.
2Acadêmica de Medicina do UNIFAA
3Acadêmica de Medicina do UNIFAA
4Acadêmica de Medicina do UNIFAA
5Acadêmico de Medicina do UNIFAA
6Acadêmica de Medicina do UNIFAA
7Acadêmica de Medicina do UNIFAA
8Acadêmico de Medicina do UNIFAA
9Professor da Universidade de Vassouras (UV)
10Professor Assistente de Saúde da Mulher do UNIFAA e coordenador da Maternidade Escola de Valença