REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10067635
Brunna Yasmin Borges Lérias¹
Karina Negrao Zingra¹
Caroline Luiza Dias Pereira¹
Kezia Jahél Santos Tomaz¹
Mayana Grazielle Souza Vieira²
Lorena Penha de Almeida²
INTRODUÇÃO
A hepatite autoimune (HAI) é definida como uma doença inflamatória crônica do fígado, caracterizada por hiperglobulinemia, reatividade para autoanticorpos e presença de alterações histológicas hepáticas compatíveis com hepatite de interface. A etiologia ainda é desconhecida, e sua patogênese é mediada por células T, causada por gatilho ambiental em indivíduos geneticamente predispostos. Apresenta resposta favorável à terapia com corticóides e imunossupressores. A doença pode iniciar como hepatite aguda e progredir para doença hepática crônica (MACK CL, et al., 2019).
A HAI pode ser descrita através de dois tipos, no geral, sendo a HAI tipo 1 caracterizada pelos marcadores anticorpo antimúsculo liso (SMA) e/ou anticorpo antinúcleo (ANA), enquanto a HAI tipo 2 é caracterizada pela presença do anticorpo microssomal anti-fígado-rim tipo 1 (anti-LKM1) e/ou anticorpo anti citosol hepático tipo 1 (anti-LC1). (RAHIM MN, et al.,2019).
A epidemiologia tem predomínio em mulheres, preferencialmente na faixa etária de 5 a 25 anos de idade. A HAI tipo 1, possui relação entre mulheres e homens de 4:1, e a HAI tipo 2, a proporção é de 10:1 (WANG G, et al., 2021).
A HAI possui diversas formas de apresentações clinicas, podendo ser representada por sintomas inespecíficos como anorexia, fadiga, náusea, perda ponderal, prurido, artralgia e dor abdominal. Por outro lado, pode apresentar manifestação clinica de hepatopatia crônica com presença de complicações secundárias a hipertensão portal como esplenomegalia, varizes de esôfago, plaquetopenia e ascite (BALITZER D, et al., 2017).
Em relação ao diagnostico de HAI, é necessário analisar características clinicas, histológicas, sorológicas e exclusão de outras causas de doenças hepáticas. Para facilitar a investigação clinica, o grupo internacional de hepatite autoimune (GIHAI) organizou um escore de pontuação, em 1993 e revistos em 1999, para definir o diagnostico em provável ou definitivo (Tabela 1). Este escore utiliza diversos parâmetros como sexo, valores de aminotransferases e globulinas, autoanticorpo (analise distinta para adultos e crianças), marcadores virais, autoanticorpos auxiliares para pacientes com FAN, Anti LKM1 e SMA negativos, e por fim resposta terapêutica (SOCIEDADE BRASILEIRA DE HEPATOLOGIA, 2015).
A pontuação se divide antes e após tratamento, podendo classificar como diagnóstico definitivo antes do tratamento resultados acima de 15 pontos e 17 pontos após o tratamento, e diagnostico provável antes do tratamento resultados entre 10 a 15 pontos e após tratamento entre 12 a 17 pontos. Este escore expandido pode ser considerado nos casos menos típicos de apresentação clinica da HAI (BOZWARD AG, et al., 2020).
Tabela 1. Sistema de escore revisado para o diagnóstico de HAI de acordo com o Grupo Internacional de HAI, 1999:
Parametros | Pontuação |
Sexo Feminino | +2 |
Fosfatase Alcalina: ALTouAST (número de x acima do normal): | |
<1,5 | +2 |
1,5-3,0 | 0 |
>3,0 | -2 |
Globulinas, GamaglobulinaouIgG (número de x acima do normal): | |
1,5 – 2,0 | +2 |
1,0-1,5 | +1 |
<1,0 | 0 |
Auto-anticorpos – Adultos: ANA, SMA, anti-LKM1 | |
1:80 | +2 |
1:40 | +1 |
<1:40 | 0 |
Crianças: ANA, SMA, anti-LKM1 | |
ANA, SMA, anti-LKM1 >1/20 | +3 |
ANA, anti-LKM1:1/10-1/20 | +2 |
SMA 1/20 | +2 |
SMA 1/10 | +2 |
Marcadores virais: | |
AntiVHA IgM, HBsAg ou antiHBc IgM positivo | -3 |
AntiHCV e RNA para Hepatite C positivos | -3 |
AntiVHA IgM, HBsAg, antiHBc IgM ou antiVHC negativos | +3 |
Outra doença auto-imune no paciente ou em familiar de primeiro grau | +2 |
História de uso recente de drogas hepatotóxicas positiva/negativa | -4/+1 |
Álcool | |
Consumo alcoólico: < 25g/dia | +2 |
Consumo alcoólico: > 60g/dia | -2 |
Histologia | |
Hepatite de Interface | +3 |
Rosetas | +1 |
Infiltrado inflamatório acentuado e predominantemente de Plasmócitos | +1 |
Nenhuma das alterações acima | -5 |
Alterações biliares sugestivas de Colangite biliar primaria e colangite esclerosante primária | -3 |
Outra alteração sugestiva de outra etiologia | -3 |
Auto-anticorpos auxiliares em pacientes com ANA, SMA ou anti-LKM1 negativos: | |
anti antígeno solúvel hepático/fígado pâncreas; anti citosol hepático tipo 1; antiproteína específica hepática; anti-receptor de asialoglicoprotéina; antiantígeno de membrana plasmática de hepatócito humano ou antifração glicoesfingolipídea da membrana plasmática de hepatócito: positivo/negativo | +2/0 |
HLA-DR13 ou DR3 para HAI-1 e HLA-DR7 e DR3 para HAI-2 (adaptados para o Brasil) – em caso de autoanticorpos negativos | +1 |
Resposta Terapêutica: | |
Completa | +2 |
Recidiva após resposta completa inicial | +3 |
Diagnóstico definitivo pré-tratamento | >15 |
Diagnóstico definitvo pós-tratamento | >17 |
Diagnóstico provável pré-tratamento | 10-15 |
Diagnóstico provável pós-tratamento | 12-17 |
Fonte: Sociedade Brasileira de Hepatologia, 2015.
Em 2008, o mesmo grupo desenvolveu um sistema simplificado, de fácil aplicação e maior praticidade, que utiliza de forma resumida somente quatro critérios: reatividade de autoanticorpos, níveis de Imunoglobulina G, histologia e ausência de marcadores virais (Tabela 2). É considerado diagnóstico definitivo pontuação maior ou igual a 7 pontos e diagnostico provável 6 pontos. Estes critérios simplificados auxiliam na exclusão de HAI em pacientes com doença hepática crônica de etiologia desconhecida, associado a doença autoimune (SOCIEDADE BRASILEIRA DE HEPATOLOGIA, 2015).
Tabela 2. Sistema de escore simplificados para o diagnóstico de HAI, pelo GIHAI 2008:
Parâmetros | Pontuação | |
ANA ou SMA | >1/40 | +1 |
ou ANA ou SMA | 1/80 | +2 |
ou anti -LKM1 | > ou = 1/40 | +2 |
ou anti-SLA | Positivo | +2 |
IgG | Acima de 1x VN | +1 |
IgG | >1,1x VN | +2 |
Histologia hepática | compatível | +1 |
Histologi ahepática | típica | +2 |
Virus para Hepatite | Negativos | +2 |
HAI PROVÁVEL | 6 | |
HAI DEFINITIVA | >ou=7 |
Fonte: Sociedade Brasileira de Hepatologia, 2015.
Em relação a biopsia hepática, é fundamental para definir diagnostico, além de ser utilizada para avaliação prognóstica na graduação de fibrose, uma vez que cerca de 30% dos pacientes possuem doença hepática avançada crônica na apresentação inicial. Após, aproximado dois anos de remissão laboratorial, pode ser considerado a realização de novo exame histopatológico, a fim de avaliar a permanência de patologia e ajustes na terapia de manutenção como aumento na dose de medicamentos (BALITZER D, et al., 2016).
O tratamento da HAI tem como objetivo inicial a melhora dos sintomas, queda dos valores de aminotransferases e evitar a progressão de doença para hepatopatia crônica. Pelo GIHAI, a resposta ao tratamento é analisada pela normalização dos valores de aminotransferases e Imunoglobulina G em seis meses do inicio do tratamento, caso contrário, é considerado falha terapêutica, com indicação de reavaliação para ajustes no tratamento imunossupressor. Na maioria dos casos, os pacientes apresentam melhora sintomática e bioquímica cerca de quatro semanas após inicio de terapia com glicocorticóide, no entanto vale ressaltar, que os níveis de autoanticorpos não são utilizados para avaliar monitorização sobre atividade de doença (ANAND L, et al., 2019).
As medidas gerais no tratamento não medicamentoso envolvem encaminhar o paciente ao medico especialista em HAI, cessar etilismo e atualização vacinal (como por exemplo: hepatite A, hepatite B, pneumocócica, antitetânica, influenza) (SCHRAMM, C, et al., 2014).
O tratamento medicamentoso inicial da HAI consiste na utilização de corticosteróide e imunossupressores. O corticosteróide de primeira escolha é a prednisona ou prednisolona, utilizado para induzir a remissão de doença, e o imunossupressor é a azatioprina, sendo esta a droga de escolha para manter a remissão (FALLATAH, H.I, et al., 2012).
A terapêutica indutora de remissão pode ser feita em monoterapia com corticoide ou terapia dupla com imunossupressor. É orientado iniciar com prednisona 30mg/dia associado a azatioprina 50mg/dia, com recomendação para redução semanal da dose de corticóide. Porém, dependendo da avaliação individual de cada paciente, esta diminuição pode ser feita de forma gradual, através da monitorização á resposta bioquímica e aos efeitos colaterais. No tratamento em monoterapia com glicocorticóide a dose inicial recomendada é prednisona 60mg/dia, com também, redução gradual até atingir a resposta bioquímica completa. No tratamento de manutenção, a azatioprina é o fármaco de primeira linha com dose inicial de 50mg/dia, podendo ser ajustada até 1-2mg/kg/dia, conforme resposta individual (FALLATAH, H.I., et al., 2012).
Na HAI o tempo mínimo de terapêutica medicamentosa são vinte e quatro meses, com orientação de repetir a biopsia hepática antes de indicar a suspensão do tratamento nos pacientes com HAI tipo 1. É recomendado que a tentativa de suspensão dos medicamentos seja prosseguida apenas se houver controle de doença no primeiro ano, especialmente, nos primeiros seis meses de tratamento, em virtude do alto índice de recidiva, e nos pacientes com HAI tipo 2 sugere-se manter a terapêutica mesmo após a remissão histológica (BAVEN-PRONK MAMC, et al., 2018).
Em contrapartida, nos pacientes com refratariedade, resposta insatisfatória, e/ou efeitos colaterais ao tratamento convencional deve-se considerar tratamento alternativo com outras medicações como: micofenolato, ácido ursodesoxicólico, agentes anti- TNF alfa, rituximabe, inibidores de calcineurina (ciclosporina ou tacrolimo) e outros. Estima-se que cerca de 9% dos pacientes apresentam refratariedade e 10 a 13% com resposta incompleta necessitando aderir terapêuticas alternativas. Para destacar, a literatura orienta que em caso de intolerância ao uso de glicocorticóide, a medicação recomendada seria o uso de inibidores de calcineurina em conjunto com inibidores de tiopurinas, bem como, a recomendação de micofenolato nos casos de intolerância a azatioprina (ABDEL-RAZIK A, et al., 2017).
Por fim, a HAI pode ocorrer como uma doença isolada ou relacionada com outros fenômenos de autoimunidade extra hepáticos, sendo no geral, os mais comuns doenças da tireóide, diabetes mellitus tipo 1, artrite reumatóide e doença inflamatória intestinal. No Brasil, as manifestações descritas mais frequentes na HAI tipo 1 foram poliartrite soronegativa e artrite reumatóide, enquanto que na HAI tipo 2 foi a tireoidite (SCHRAMM, C.; LOHSE, A.W, 2014).
DESCRIÇÃO DO CASO:
R.D.S, 15 anos, masculino, residente de Teixeiropolis – Rondônia, sem comorbidades prévias. Em janeiro de 2022, iniciou quadro de astenia, prostração, artralgia em articulação de joelhos, tornozelos e cotovelos bilaterais e lesões cutâneas ulceradas em membros inferiores, com fundo limpo, circulares, com dimensões variadas, associado a prurido local, sem fatores de melhora e piora, evoluindo em diferentes graus de cicatrização. Relata episódios recorrentes durante o ano de 2022, sem acompanhamento médico na ocasião.
Em janeiro de 2023, apresentou queixa de hematoquezia, cerca de cinco evacuações/dia, apresentação flutuante e duração superior a quatro semanas, associado a presença de icterícia, dor abdominal, permanência de lesões cutâneas e edema em membros inferiores bilaterais descritas anteriormente. Nesse contexto, realizado atendimento em município de origem, e transferido ao Hospital de Base Ary Pinheiro (HBAP), para enfermaria do serviço de residência médica de clinica médica, a fim de investigação quanto a possibilidade de doença autoimune diante de historia clinica.
No HBAP, identificado alteração em exames de função hepática, como também, imagem sugerindo sinais de hepatopatia crônica, esplenomegalia e ascite. Excluído a possibilidade de infecção por hepatites virais, doenças metabólicas e doenças de depósito, foi aventada a hipótese de hepatite autoimune, com realização de biopsia hepática e aplicação do escore especifico para diagnóstico.
Diante de suspeita clinica, foi inserido o escore dos critérios simplificados para o diagnostico de HAI (2008), totalizando 08 pontos e confirmando o diagnostico através dos seguintes achados: presença de FAN Padrão Nuclear Homogêneo 1/80 ( 2 pontos); Dosagem IgG 3875 mg/dl – valor de referencia 716 a 1711 mg/dL (2 pontos), marcadores virais para hepatite negativos (2 pontos), biopsia hepática com achados histopatológicos típicos de HAI (2 pontos), pela presença de inflamação rica em plásmocitos, hepatite de interface, fibrose e atividade necroinflamatória. Logo, podendo ser classificado como HAI tipo 1.
Em relação as lesões de pele fora realizado exame histopatológico com evidencia para foco de ulceração e reação inflamatória aguda, com ausência de critérios para especificidade. Foi solicitada a revisão de lâmina, no entanto, mantendo resultado inicial.
Concomitante, realizado investigação quanto a presença de hematoquezia. Em exames laboratoriais, solicitado dosagem de calprotectina fecal positiva, que apesar de inespecífica podem estar elevadas em inflamação intestinal. Dessa forma, aventado a hipótese diagnóstica para doença inflamatória intestinal (DII).
Prosseguiu com realização de exames complementares de imagem através de Endoscopia digestiva alta (EDA) evidenciando apenas pangastrite enantematosa leve com componente erosivo, e ausência de varizes de esôfago. Realizado também, colonoscopia com biopsias seriadas de fragmentos da mucosa intestinal, concluindo macroscopicamente, mucosa eritematosa e edemaciada em colón e estudo histopatológico com presença de colite crônica em atividade inflamatória neutrofílica e criptite, favorecendo a hipótese diagnostica de Retocolite Ulcerativa. Podendo confirmar DII pela correlação com quadro clinico.
Além disso, excluído outras causas etiológicas para colite pela historia clinica, uma vez que não apresentava fatores de risco como: história de viagens recentes para áreas endêmicas de afecções parasitárias, uso recente de antibioticoterapia e doença sexualmente transmissíveis.
Nesse contexto, iniciado tratamento para induzir a remissão de doença com uso dos derivados do ácido aminossalícilico (5-ASA) – Sulfassalazina, associado a glicorticoide visto forma moderada de Retocolite ulcerativa.
Ademais, durante internação, foi optado em iniciar tratamento combinado com imunossupressor para HAI, sendo utilizado glicorticoide (prednisona) e azatioprina, associado a suplementação de cálcio e vitamina D como profilaxia para alterações de estruturas ósseas.
Após melhora clinica, o paciente recebeu alta hospitalar em março de 2023 para seguimento ambulatorial com especialidades referentes á gastroenterologia e setor de transplante hepático no município de Porto Velho – Rondônia.
DISCUSSÃO:
No caso exposto podemos evidenciar que o paciente iniciou quadro clinico de astenia, icterícia e prostração associada a lesões cutâneas crônicas em membros inferiores. O inicio da HAI pode ser insidioso, ocorrendo em cerca de 50% dos pacientes a presença de sintomas inespecíficos como astenia, anorexia, fadiga e artralgia, similares ao caso. Ademais, grande parte dos pacientes com esse perfil insidioso pode apresentar icterícia no exame fisico. (BAVEN-PRONK MAMC, et al., 2018).
Pode-se inferir que a forma assintomática ocorre em 15-20% dos pacientes, apresentando apenas elevação em níveis séricos de aminotransferases (WANG G, et al., 2021). Por esta razão, cerca de 30% dos pacientes com HAI apresentam hepatopatia crônica na admissão, enquanto que a forma fulminante, felizmente, é rara. (MANNS, M.P, et al., 2010).
Ainda sobre a clinica, alterações cutâneas podem ocorrer a qualquer momento durante o curso da HAI, sendo relatado na literatura que 8 a 17 % dos pacientes possuem presença de lesões cutâneas inespecíficas (como visualizado em histopatológico de lesão cutânea do paciente), do mesmo modo que, podem ser associadas a outras patologias como líquen plano, eritema nodoso e pioderma gangrenoso (MACK CL, et al., 2020).
Laboratorialmente, pacientes com HAI cuja avaliação inicial apresente sinais de hepatopatia crônica, a elevação sérica de aminotransferases é pouco significativa, sendo fator característico a elevação de Imunoglobulinas (Ig), principalmente pelo aumento de IgG. Os marcadores colestáticos, na maioria dos casos, não apresentam alterações, exceto em casos com associação a colangite biliar primária ou colangite esclerosante primária (THEOCHARIDOU E, et al., 2018).
A hipergamaglobulinemia frequentemente está associada a autoanticorpos circulantes (BOZWARD AG, et al., 2020). Nesse contexto, o padrão sorológico de anticorpos pode ser utilizado para classificar o tipo de HAI, no caso apresentado, o paciente apresenta como determinante FAN positivo e Anti LKM1 negativo, podendo definir como HAI tipo 1.
No entanto, é importante destacar que os autoanticorpos não são específicos de uma única patologia, além disso, durante o curso de doença da HAI, os títulos de anticorpos são flutuantes e valores negativos não excluem a doença nos pacientes com alta suspeita clinica de HAI, e podem equivocadamente serem classificados como hepatite crônica criptogênica. Logo, deve-se posteriormente repetir a dosagem, sendo esta situação mais frequente nas apresentações agudas de HAI (THEOCHARIDOU E, et al., 2018).
Podemos observar que identificar de forma precoce o diagnóstico de HAI é essencial para retardar a evolução da doença para hepatopatia crônica e diminuir as taxas de mortalidade, porém seu reconhecimento pode ser difícil. Nesse sentido, a fim de facilitar no rápido diagnostico de HAI, o GIHAI elaborou o escore simplificado, no caso exposto como citado anteriormente, o paciente totalizou 8 pontos, confirmando o diagnostico de HAI, e iniciado tratamento medicamentoso com glicorticoide e azatioprina.
A HAI possui diversas formas histológicas que variam de acordo com o curso da doença, da apresentação inicial e resposta ao tratamento, de modo que a hepatite de interface e infiltrado de células plasmocitárias é um achado típico da HAI. Porém, vale destacar que nenhum achado é patognomônico da doença, e sua ausência não deve ser utilizada como critério de exclusão para HAI. (ANAND L, et al., 2019).
Infelizmente, neste caso especifico, já apresentava sinais de hepatopatia crônica na avaliação admissional. Por questões sociais, o paciente procurou atendimento médico após cerca de um ano do inicio dos sintomas, buscando ajuda quando apresentou queixa de hematoquezia e quadro de icterícia. Após, iniciado investigação para doença autoimune, e confirmado HAI com sobreposição a Doença inflamatória intestinal.
Para este paciente, o diagnostico de Retocolite ulcerativa foi baseado na evidencia de diarréia crônica com duração superior a quatro semanas, presença de inflamação de mucosa intestinal em exame de imagem e alterações crônicas em estudo histopatológico. A análise das fezes auxilia na exclusão de infecções intestinais e a presença de calprotectina fecal elevada pode direcionar para etiologias de causas inflamatórias (KOTZE PG, et al., 2019).
A gravidade da doença é relevante na orientação do manejo clinico e pode prever resultados a longo prazo. Existem alguns escores utilizados para estratificar de forma objetiva a gravidade de doença como o escore de Mayo, que analisa clinica e exames complementares (Tabela 3), podendo ser graduada em leve, moderada ou grave. Neste caso, o paciente se classifica como atividade moderada de doença (BAIMA JP, et al., 2022).
Tabela 3. Escore de Mayo para a classificação da atividade da doença na retocolite ulcerativa
Parametros | Pontuação |
Frequência de evacuações | |
Normal | 0 |
1 a 2 evacuações/dia a mais que o normal | 1 |
3 a 4 evacuações/dia a mais que o normal | 2 |
> 4 evacuações/dia a mais que o normal | 3 |
Sangramento Retal | |
Normal | 0 |
Fezes com sangue visível em menos da metade do tempo | 1 |
Fezes com sangue visível na metade do tempo ou mais | 2 |
Sangue expelido isoladamente | 3 |
Aparência da mucosa na endoscopia | |
Normal ou doença inativa | 0 |
Doença leve ( eritema, padrão vascular diminuido, friabilidade leve) | 1 |
Doença moderada (eritema acentuado, falta de padrão vascular,erosões) | 2 |
Doença grave ( sangramento espontâneo, ulceração) | 3 |
Avaliação médica da atividade da doença | |
Normal | 0 |
Leve | 1 |
Moderada | 2 |
Grave | 3 |
Remissão clinica | < ou = 2 |
Atividade leve | 3-5 |
Atividade moderada | 6-10 |
Atividade grave | 11-12 |
Fonte: BAIMA JP, 2022.
Pode-se afirmar que cerca de 70% dos pacientes com Retocolite ulcerativa revelam gravidade leve na apresentação inicial, 27% doença moderada e 1% com doença grave (HARBORD M, et al., 2017).
O objetivo principal do tratamento é reduzir a sintomatologia e manter a remissão dos sintomas sem a necessidade do uso de glicocorticóides. O tratamento convencional é baseado no uso de aminossalicilatos (por exemplo, mesalazina e sulfassalazina) por via oral e/ou retal, glicocorticóides e imunossupressores. Nos casos leves a moderados, a terapêutica inicial para a indução da remissão pode ser feita através do uso de aminossalicilatos orais e/ou retais e corticóides. Como tratamento de escolha, é indicado iniciar com o uso de mesalazina retal. A terapia alternativa para aqueles com hipersensibilidade a mesalazina retal ou que não preferem o uso da medicação por essa via, pode ser baseada no uso de glicocorticóide retal ( nos casos de intolerância ao uso de mesalazina retal) ou uso de aminossalicilatos orais. (MOREIRA AL, et al., 2019)
No entanto, para aqueles pacientes que toleram mesalazina retal, porém sem melhora dos sintomas após cerca de quatro semanas, pode ser adicionado ao tratamento o uso de aminossalicilatos orais ou glicocorticóide na forma oral ou retal, dependendo da avaliação individual de cada paciente (FOUSEKIS, FS, et al., 2018).
Após, atingir a remissão clinica, a terapia de manutenção é indicada nos pacientes com proctite ulcerativa e mais de uma exacerbação/ano de doença, proctosigmoidite ulcerativa e colite extensa, podendo ser através do uso de mesalazina retal. A escolha do medicamento pode ser baseada na tolerância e preferência do paciente com o uso dos aminossalicilatos orais ou retais. (HARBORD M, et al., 2017).
A retocolite ulcerativa pode apresentar várias manifestações extraintestinais de caráter autoimune, tendo destaque as doenças hepatobiliares, como a colangite esclerosante primária. No entanto, alguns casos menos frequentes, pode haver correlação com HAI, mesmo na ausência de colangite biliar primária. Geralmente, a apresentação inicial é a HAI. (PORTILHO, D.R; CAIXETA N.G.S, 2019).
Por esse motivo, é recomendado que patologias de caráter autoimune sejam investigadas, como HAI em casos de doença hepática a esclarecer, com análise a coexistência de outras doenças autoimunes. Pois, a HAI pode ocorrer de forma única ou associada a outros fenômenos de autoimunidade. É descrito na literatura que tal correlação ocorre entre 16 a 25% das crianças com HAI. Devendo-se atentar que a coexistência de sintomas clínicos e características histológicas podem dificultar a diferenciação entre essas patologias, e atrasar o diagnóstico da doença sobreposta (CZAJA, A.J, 2010).
Vale ressaltar ainda que quando utilizado tratamento imunossupressor com glicocorticóide a longo prazo, é necessário realizar a prevenção para doença óssea com indicação de suplementação de Vitamina D e cálcio, assim como, orientações para mudanças do estilo de vida com a inserção de hábitos saudáveis. Outro ponto importante é o rastreio anual para doenças oculares como glaucoma e catarata. (RAHIM MN, et al., 2019).
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1 Médica residente em Clinica Médica do Hospital de Base Ary Pinheiro – RO
2 Medica especialista em Clinica Médica do Hospital de Base Ary Pinheiro – RO