ESTUDO DA RELAÇÃO ENTRE ANSIEDADE AUTORREFERIDA E CÁRIE DENTÁRIA

STUDY OF THE CORRELATION BETWEEN SELF-REPORTED ANXIETY AND DENTAL CARIES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10393528


Eduardo Partelli Frassi,
Melissa Luz Francischetto,
Patryck Langamer,
Yara Vitória Ferreira Campos Nascimento,
Ester Correia Sarmento Rios


Resumo

Com a pandemia da COVID-19 (Coronavirus disease – 2019), houve um aumento significativo no número de indivíduos considerados ansiosos ou que apresentam sintomas desse transtorno. Sabe-se que os transtornos de ansiedade podem se manifestar em forma de sintomas físicos como as tensões musculares, insônia, úlceras aftosas recorrentes, síndrome da ardência bucal, líquen plano oral, dentre outras perturbações da mucosa e elementos bucais. Nesse contexto, o objetivo do trabalho foi verificar a possível correlação entre o número de lesões cariosas e o diagnóstico de transtornos de ansiedade, a fim de possibilitar o tratamento e a prevenção da patologia, em sua totalidade, e a promover a saúde bucal. Ao todo, 106 pacientes do Núcleo de Atendimento Odontológico (NAO) da Faculdade Multivix em Nova Venécia, Espírito Santo, Brasil, que, a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, aceitaram participar da pesquisa, foram submetidos a aferição de pH bucal através de fita medidora e aplicação de questionário sobre ansiedade e lesões bucais. Desses pacientes, 75% se declararam ansiosos. Quanto à manifestação de lesão cariosa, 75% dos pacientes analisados apresentaram mais de uma lesão cariosa corrigida ou não. Desse grupo, o maior número de cáries estava estatisticamente associado a uma acidez bucal com pH entre 5 e 6. O grupo que apresentava sintomas de ansiedade mais recentemente teve uma discreta redução na média de lesões cariosas comparada aos indivíduos que apresentam sintomas de ansiedade há mais de 5 anos. O presente estudo sugere que há uma relação entre ansiedade, alteração de pH e aumento do número de cáries. Outras lesões bucais podem estar associadas à alteração de pH nesses pacientes e o controle de acidez bucal através de alternativas terapêuticas para ansiedade podem auxiliar o cirurgião dentista na promoção da saúde bucal.

Palavras chave: ansiedade; cárie dental; promoção da saúde.

Abstract

The COVID-19 pandemic resulted in a significant national and worldwide increase in the percentage of individuals who consider themselves anxious or have symptoms of this disorder. It is known that anxiety is associated to physical symptoms such as muscle tension, insomnia, recurrent aphthous ulcers, burning mouth syndrome, oral lichen planus, among other disorders of the mucosa and oral elements. In this context, the objective of this study was to verify the possible correlation between the number of carious lesions and the diagnosis of anxiety disorders. This aim is important to allow the treatment and prevention of the pathology in its entirety and to promote oral health. The number of 106 patients from the Dental Care Center at Multivix College in Nova Venécia, Brazil, signed the Free and Informed Consent Form and were submitted to oral pH measurement and application questionnaire about anxiety and oral lesions.75% of these patients declared themselves anxious. Also, 75% of the patients analyzed had more than one carious lesion, corrected or not. The highest number of caries was statistically associated to a oral acidity with a pH between 5 and 6. The group that had symptoms of anxiety more recently had a slight reduction in the number of carious lesions compared to individuals who have symptoms of anxiety for more than 5 years. The data indicate a relationship among anxiety, pH alteration and an increase in the number of caries lesions. Other oral lesions may be associated with changes in the pH caused by anxiety. Therefore, to control oral acidity through therapeutic alternatives for anxiety can help dentists to promote oral health.

Keywords: Anxiety; dental caries; oral health.

1 INTRODUÇÃO

Segundo a OMS, após a pandemia de COVID-19, cerca de 10 a 20% de brasileiros se consideram ansiosos ou apresentam algum sintoma da patologia. Segundo a organização, o Brasil é o país com a maior taxa de pessoas ansiosas no planeta (PEREIRA et al., 2021). Um estudo realizado na região de Pelotas/RS com 1923 jovens entre 18 e 24 anos, mostrou que, ao menos 20,9% destes, afirmaram apresentar algum transtorno de ansiedade ou sintoma do transtorno. Um dado alarmante deste estudo é que, entre aqueles que alegam ter ansiedade, ao menos 8,6% encontram-se em risco de suicídio (RODRIGUES et al., 2012).

De acordo com dados apresentados pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), em 2022, ocorreu um superávit de 25% nos casos de ansiedade e depressão a nível global, o que levou a grande maioria dos países a incluírem apoio psicossocial e saúde mental como planejamento para a pandemia (OPAS, 2022).

Para se classificar os níveis da ansiedade enquanto patologia, deve-se avaliar o período de duração e manifestação dos sintomas, estabelecer a relação com estímulos e verificar se existe autolimitação. Para ser compreendida como patologia, os sintomas devem começar a se apresentar de forma demasiada, desproporcional ou exagerada (CASTILLO et al., 2000). Os transtornos de ansiedade podem ainda se manifestar em forma de sintomas físicos como as tensões musculares, insônia, úlceras aftosas recorrentes, síndrome da ardência bucal, líquen plano oral, dentre outras perturbações da mucosa e elementos bucais. Tais sintomas podem intervir na qualidade de vida dos indivíduos acometidos (ZUARDI, 2017; OSTROSK et al., 2012).

O transtorno de ansiedade pode acarretar diversos distúrbios fisiológicos, devido às diversas sintomatologias associadas. Tais alterações estão, comprovadamente, ligadas diretamente ao estado emocional dos indivíduos. No âmbito odontológico, é comum pacientes desestabilizados passarem por tratamentos que poderiam ter um índice maior de aproveitamento, considerando todo o aspecto e limitações que as diversas nuances da ansiedade promovem. Os sintomas, em geral, são considerados prejudiciais e correlacionados a algumas patologias orofaciais como bruxismo, disfunções na ATM, entre outras. Considerando o alto teor degenerativo do transtorno de ansiedade, é de suma importância o envolvimento multidisciplinar de profissionais da área da saúde na busca de alternativas para minimizar os impactos na saúde e qualidade de vida dos acometidos (BOHNEBERGER et al., 2017).

A saúde oral é parte integral e indispensável para garantia de saúde geral, que afeta os aspectos sociais, psicológicos e pessoais da vida de um indivíduo (DANGORE-KHASBAGE, 2012). De acordo com tal premissa, doenças da mucosa oral estão, em sua maioria, associadas a doenças sistêmicas (PORTER et al., 2017). Dentre as patologias orais, a cárie dentária é caracterizada como uma doença infecciosa, de origem multifatorial e transmissível. A cárie é caracterizada como uma destruição do tecido do esmalte, ocasionada por ação de ácidos orgânicos provenientes da fermentação microbiológica. Interação de microrganismo, dieta e dente suscetível são os fatores preponderantes para a instalação do processo carioso. O tempo é outro fator indispensável para a progressão da doença (LIMA, 2007). A etiologia cariosa está diretamente associada a presença de biofilme bacteriano, sendo este compreendido como indispensável para sua evolução, estando ainda associado à desmineralização da superfície dental em decorrência de alterações significativas decorrentes no pH salivar. Todavia, neste mesmo ambiente, a saliva apresenta-se com papel etiológico relevante por manifestar capacidade tampão e composição que interferem diretamente no pH do meio bucal (BRANCHER et al., 2014).

O equilíbrio do potencial hidrogeniônico, ou pH, regula a hematose, ou seja, as trocas gasosas entre sague e ar atmosférico, os processos metabólicos das células, a homeostase hídrica, entre outros processos. Aumento ou diminuição das concentrações do íon hidrogênio são denominadas alcalose ou acidose, respectivamente, e alteram os processos acima descritos entre outros (BUCIOLI; MÉLLO, 2019).

A queda no pH produz desmineralização dentária oriunda do acúmulo de placa, enquanto o pH quase neutro de uma placa desprovida de carboidratos promove um período de repouso ou mesmo de remineralização da superfície dentária. Tais flutuações de pH intercaladas com os períodos de remineralização culminam em lesões cariosas e sabe-se que a saliva é um dos componentes principais na estabilização do pH (FRANCA et al., 2022). O pH salivar, por sua vez, pode ser alterado por diversas patologias, bem como por efeitos colaterais de medicamentos e terapias, além de alterações no sistema imunológico (PETRONI et al., 2014; RODRIGUES, 2008).

Diversas patologias estão associadas a alterações da mucosa oral concomitantes a alterações na acidez salivar. A Síndrome de Sjögren, por exemplo, é uma condição autoimune que implica em boca seca (xerostomia) e olhos secos (ceratoconjuntivite seca), fato este proveniente da infiltração linfocítica das glândulas salivares e lacrimais que causam consequente diminuição do pH salivar (FOX et al., 1984). A hipossalivação também ocorre frequentemente em pacientes que apresentam tumores malignos na região da cabeça e pescoço, tratados com radioterapia. Essa redução quantitativa e qualitativa do fluxo salivar está, normalmente, associada à diminuição do pH (GONÇALVES, 2015).

Ainda, alterações na atividade de glândulas salivares associadas à hipertensão podem favorecer o surgimento de doenças sistêmicas e na cavidade bucal (RODRIGUES et al., 2008). O lúpus eritematoso, por sua vez, é considerado patologia crônica que afeta diversos órgãos. Em suas manifestações orais têm sido encontradas infecções recorrentes ou úlceras bucais, osteonecrose da mandíbula, gengivite grave, hipossalivação, cárie dentária excessiva, dentre outros (YANG et al., 2018).

Outra patologia associada a alterações do pH e do volume salivar é o refluxo gastroesofágico, caracterizado pela movimentação espontânea do conteúdo gástrico do estômago para o esôfago e descrito como a patologia gastrointestinal mais prevalente da atualidade. A patologia tende a ocasionar o aumento da secreção de saliva e decréscimo do pH salivar comparado a indivíduos que não possuem refluxo (ECKLEY e COSTA, 2006).

O tabagismo é considerado um problema de saúde pública e pode ser relacionado a diversas doenças como neoplasias malignas, infertilidade, alterações cardiovasculares, além das alterações bucais que, em geral, agravam a morbidade do paciente. O tabagismo é caracterizado como uma doença crônica e apontado como uma das maiores problemáticas de saúde no país e no mundo, haja visa que o cigarro contém mais de 4000 elementos de natureza tóxica. Dentre as complicações ocasionadas pelo tabaco na cavidade bucal, pode-se observar problemas salivares como a xerostomia, inflamação da mucosa, atrofia das papilas gustativas, fissuras e edemas. A xerostomia é ocasionada pela alteração das glândulas salivares, através do contato com as substâncias tóxicas. A saliva possui componentes moduladores do pH bucal, e com a redução desta acaba por danificar a sua capacidade tampão (OLIVEIRA; LIMA, 2018).

A trissomia do cromossomo 21 ou síndrome de Down é a alteração cromossômica numérica mais recorrente na espécie humana, sendo que os indivíduos com esta síndrome apresentam alterações no sistema imunológico que os tornam mais suscetíveis a infecções. O organismo pode sofrer com algumas alterações como a abertura bucal incessante, fissura labial, anomalias no palato e na língua, patologias periodontais e maior risco com relação ao desenvolvimento de cárie. Estudos mostram que a síndrome de Down está atrelada a alterações no pH bucal, logo, nota-se que o efeito tampão da saliva é prejudicado, refletindo assim, diretamente na resistência para doenças como a cárie e a periodontite (SOUZA; GIOVANI, 2016).

A sialorreia, descrita como uma perda de saliva involuntária, implica em diversas alterações na vida dos indivíduos portadores, desde na saúde corporal propriamente dita, até na socialização e, portanto, na saúde mental. Estas alterações salivares podem acarretar halitose, além de diminuir a resistência do organismo a agentes agressores, como o refluxo gastroesofágico. A sialorreia pode estar, também, atrelada a complicações como lesões pulmonares, frequentes pneumonias e paralisia cerebral. Em geral, um indivíduo adulto deglute por volta de 600 ml até 1000 ml por dia. Entretanto, em indivíduos que apresentam a doença, ocorrem alterações constantes no volume a ser deglutido. Neste sentido tal patologia altera toda a fisiologia da salivação, além das contínuas variações diárias atreladas ao humor, cansaço, ansiedade e sede. Em diversos casos, a saliva dos portadores de sialorreia se mostra incapaz de agir em defesa do organismo às infecções bucais (DIAS, 2016).

A gengivite e a periodontite estão entre as doenças que mais acometem os tecidos do periodonto. A gengivite é consequência de processo inflamatório, que acomete o epitélio juncional e, em seu estágio mais avançado, evolui para periodontite, onde há destruição de ligamento periodontal e osso alveolar, prejudicando a sustentação do elemento dental. Tais doenças são de origem microbiana onde, além de originar destruição de tecidos periodontais, também alteram significativamente o ambiente bucal pelo metabolismo bacteriano, gerando uma modificação do fluido salivar e, consequentemente, de seu pH. Estudos mostram que pacientes com lesões periodontais apresentam aumento de pH (SCHÜTZEMBERGER et al., 2007).

A doença renal crônica normalmente surge em decorrência de patologias que alteram a fisiologia corporal. É caracterizada como uma deficiência de néfrons renais, que ocorre de maneira lenta e contínua. Estas podem acarretar alterações dos eletrólitos sanguíneos e hemostáticas da água, que modificam o ambiente oral, gerando desidratação, e altos índices de ureia na saliva. Quando o pH se eleva, devido a altas concentrações de ureia, o tamponamento salivar sofre modificações (ARAÚJO, 2021).

A bulimia é caracterizada por uma série de condutas pelas quais o indivíduo busca evitar o ganho de peso. Como manifestações orais deste transtorno, destacam-se a sialodenose, alteração não inflamatória de tumefação da glândula parótida associada à diminuição do fluxo salivar. A irritação da mucosa, oriunda dos quadros de vômitos ácidos, provoca a xerostomia, aumento das papilas gustativas e queilite (POPOFF et al., 2010). Outros estudos também mostraram diminuição do pH salivar de pacientes com bulimia (BELTRÃO, 2016). Pacientes que apresentam doenças infectocontagiosas, principalmente a AIDS, podem desenvolver uma série de alterações bucais oriundas do envolvimento do sistema imunológico (PETRONI, et al., 2014). As manifestações mais frequentes em tais pacientes são queilite angular, candidíase bucal, aumentos de volume nas glândulas parótidas e o eritema gengival linear (DÁVILA; GIL, 2011).

São várias as evidências da relação entre patologias sistêmicas e alteração do pH salivar. A ansiedade, por sua vez, está relacionada a uma ampla e difusa sintomatologia. Tendo em vista que patologias sistêmicas alteram a salivação e o pH bucal e que a ansiedade pode ser considerada uma patologia que afeta os sistemas corpóreos de maneira abrangente, o presente trabalho analisou a associação entre ansiedade e alterações no fluido salivar e pH bucal. Uma vez que a cárie é uma patologia de origem multifatorial e que a saliva está fortemente relacionada à progressão dessa patologia, o presente artigo também se propôs a verificar a correlação entre o transtorno de ansiedade e consequente modificações na salivação e pH bucal com a frequência, progressão e quantidade de lesões cariosas.

2 METODOLOGIA

No presente projeto, pacientes com mais de 18 anos, atendidos de janeiro a agosto de 2023 no Núcleo de Atendimento Odontológico da Faculdade Multivix em Nova Venécia, Espírito Santo, Brasil, esclarecidos quanto aos objetivos e metodologia do projeto e em concordância escrita em participar através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foram submetidos à aplicação de um questionário (anexo A) e à medição de pH. A aferição do pH foi realizada através de papel indicador de pH estéril posicionado por estudantes de odontologia devidamente paramentados na região de fundo de saco do vestíbulo posterior bucal do paciente. Para análise do resultado, foi utilizada a tabela guia presente na embalagem de papel para comparação da colorimetria apresentada na fita. Em seguida o dado obtido através do teste foi incluso no questionário.

Os dados de valor de pH, quantidade de cáries, alterações salivares e sintomas de ansiedade obtidos dos grupos Controle (pacientes que não se autodeclararam ansiosos) e Ansiosos Autorreferidos foram comparados e as correlações estatísticas entre taxa de cáries e ansiedade entre os grupos foram realizadas através de Test T.  Os dados número de cáries e valor de pH aferido foi submetido à teste de correlação de Pearson para cada paciente. Seus escores variam de -1 a +1, com os mais altos valores refletindo um aumento na concordância observada.

3 RESULTADOS
3.1 Análise do pH bucal

A análise do número de indivíduos com pH salivar neutro (igual a 7), ácido (menor que 7) ou básico (maior que 7) mostrou que a maioria dos indivíduos, cerca de 77%, apresentou acidez salivar (figura 1).  A análise da média de pH entre os grupos de pacientes autodeclarados ansiosos e não ansiosos apresentou uma discreta diferença de 0,154 maior no segundo grupo.

Figura 1: Porcentagem de indivíduos cuja aferição de pH salivar foi neutra (igual a 7), ácida (menor que 6,5) ou básica (8). 77% dos indivíduos analisados apresentou acidez bucal.

3.2 Análise da relação entre pH e número de cáries

A figura 2 demonstra a relação entre pH e a presença de cáries, observada a partir da análise de correção de Pearson da série n° absoluto de cáries e valor de pH. Os dados apontam para uma concentração marcante do número de cáries em pacientes com pH mais acidificado. Trinta e quatro (34) pacientes com lesões cariosas corrigidas e não, apresentaram pH bucal menor que 7. Dez pacientes com lesões cariosas estavam com pH bucal neutro e 2 pacientes apresentaram lesões cariosas e alcalose.

Figura 2: Relação entre pH e número de cáries. Gráfico elaborado pelos autores a partir da análise dos pacientes entrevistados e submetidos à aferição de pH e questionário após consentimento livre e esclarecido.

3.3 Análise da relação entre ansiedade e presença de cáries

No grupo não declarado ansioso, o número de cáries também apresenta-se reduzido. Entre os pacientes entrevistados e analisados quanto ao número de cáries, mais de 75% apresentou lesões cariosas e sintomas de ansiedade (figura 3).

Figura 3: Relação entre ansiedade e a presença de cárie sendo Ansiosos AD o grupo de pessoas que se autodeclararam ansiosos. A análise dos dados demonstra uma relação entre sintomatologia de ansiedade e presença de cáries. Ambas as análises, a saber, presença de lesões cariosas e sintomas de ansiedade, demonstram em torno de 75% indivíduos declarando tanto ansiedade quanto presença de cáries.

3.4 Análise da porcentagem de indivíduos que apresentam alterações bucais quando ansiosos

Não foram observadas relações significativas na porcentagem de indivíduos que apresentam alterações bucais quando ansiosos (figura 4), após a correlação com o grupo controle.

Figura 4: Porcentagem de indivíduos que apresentam alterações bucais quando ansiosos. 58% dos entrevistados não apresentam alterações bucais quando percebem que estão com sintomas de ansiedade.

3.5 Número de indivíduos autodeclarados ansiosos com sintomas recentes (SR) ou sintomas antigos/crônicos (SC)

A quinta análise dos dados (Figura 5) demonstra que indivíduos autodeclarados ansiosos antigos/crônicos (SC) superam o número dos que se autodeclaram ansiosos recentes (SR), ou seja, em apenas 24% dos entrevistados, os sintomas de ansiedade surgiram há dois anos.

Figura 5: Número de indivíduos autodeclarados ansiosos com sintomas recentes (SR) ou sintomas crônicos (SC).

3.6 Média de cáries em indivíduos com sintomas crônicos de ansiedade e com sintomas recentes

A Figura 6 mostra que a média de cáries em indivíduos autorreferidos ansiosos crônicos/antigos supera a média contabilizada entre os indivíduos que se identificam como ansiosos recentes, ainda que a discrepância entre SC e SR seja discreta em decorrência do número de pacientes analisados.

Figura 6: Média de cáries em indivíduos com sintomas crônicos (SC) de ansiedade e com sintomas recentes (SR).

4 DISCUSSÃO

Saliva e volume salivar são pilares para o equilíbrio bioquímico intraoral de forma que o pH salivar deve ser um dos critérios para avaliação de possíveis desequilíbrios presentes na boca. O valor referencial para pH neutro é compreendido entre 6,8 e 7,2 e promovido pelo efeito tampão da saliva (MAGALHÃES et al., 2017).

Os dados do presente projeto demonstram que 77% dos pacientes não apresentam o valor referencial de pH, apresentando, entretanto, uma acidez salivar que pode acarretar, entre inúmeros problemas, susceptibilidade a cáries. De fato, a figura 2 demonstra uma relação entre pacientes que apresentam pH ácido e a presença de cáries.

Quando há ocorrência de cáries, uma das manifestações marcantes na saliva é a diminuição do pH, causada pela presença do biofilme bacteriano, que ao metabolizar os componentes presentes, produzem e liberam ácido lático, levando à acidificação e valores de pH mais próximos de 5, gerando alterações do equilíbrio mineral, acarretando desmineralização e origem de diversas lesões (MAGALHÃES et al., 2017).

Corroborando os achados de Magalhães e colaboradores (2017), a presente pesquisa demonstra uma correlação positiva entre o número de cáries e acidez salivar. A ocorrência de cáries ainda que com pH igual a 7 demonstra que mesmo com o efeito tampão da saliva outros fatores podem estar agindo na desmineralização do esmalte e alteração do biofilme. Por outro lado, salivas que apresentem concentrações de pH abaixo dos percentuais de neutralidade apresentam tendência a contribuir com a desmineralização do esmalte (MONTEIRO, 2014).

Sabe-se que indivíduos acometidos por distúrbios psiquiátricos encontram dificuldades em realizar o seu autocuidado negligenciando a higiene pessoal e em especial a higiene bucal. Estes distúrbios podem representar uma gama de patologias psiquiátricas (ULISSES et al., 2020).  A ansiedade é considerada um transtorno mental quando desempenha um papel patológico (LENHARDTK; CALVETTI, 2017). Pacientes portadores de patologias psiquiátricas obtiveram maior índice de extração provenientes de um ciclo restaurador recorrente devido a cárie dentária, levando a posterior perda dos elementos acometidos (BESERRA et al., 2022). Em concordância, Carvalho e colaboradores (2001) afirmam que o principal motivo da perda dentária em pacientes com distúrbios psíquicos esteve associado a cárie e a doença periodontal (CARVALHO et al., 2001).

Um indivíduo ansioso apresenta transtornos e sintomas que além de psíquicos são perceptíveis fisicamente (ROMÃO et al., 2018), além de ser considerado um agravante para muitas condições sistêmicas, sendo comuns as associações de tais transtornos com as condições de saúde bucal (HUGO et al., 2012). Entretanto, ao analisar o gráfico da porcentagem de indivíduos que apresentam alterações bucais quando ansiosos (figura 4), não foi possível observar alterações relevantes, visto que apenas 46,6% dos entrevistados relataram ter alterações notáveis na cavidade oral quando em crise de ansiedade.

Outros autores afirmam que ansiedade e os quadros de estresse desencadeados pela mesma podem, além de interferir na saúde sistêmica, agravar e desencadear problemas nos tecidos, nos dentes e nas demais estruturas presentes na cavidade oral. Normalmente, essas alterações são consequência da diminuição da produção salivar, queda de imunidade e até a deficiência de higienização proporcionados pela condição patológica descrita (ULISSES, 2020).

Uma patologia que frequentemente se associa a alterações fisiológicas degenerativas é a doença periodontal. Esta apresenta agravamento significativo quando acompanhada de comprometimentos de caráter psicológico como estresse, depressão ou ansiedade (ALMEIDA; GUIMARÃES; ALMEIDA, 2018). Vale enfatizar que fatores decisivos no desenvolvimento da periodontite são também observados na formação de lesões cariosas como a formação do biofilme e as migrações bacterianas que afetam diretamente a saliva (KUBO; MIALHE, 2011).

A psicossomatização se firma como processo agravante no fator de adoecimento, uma vez que os processos psíquicos do indivíduo tendem a exacerbar o quadro patológico e físico. O organismo humano demonstra três vias distintas no que concerne a resposta para as alterações psicológicas, sendo estas a orgânica, a ação e o próprio pensamento do indivíduo. Diante de determinados processos mentais degenerativos, o sistema pode ser afetado com maior potencial patogênico. Neste sentido o fator que determinará como o paciente acometido responderá as alterações físicas é justamente a sua individualidade, originando a variante patológica, sendo esta perceptível de forma distinta e única em cada quadro (CAPITÃO et al., 2006). Dentre os fatores que podem ser responsáveis pela variação de patologias sistêmicas relacionadas à ansiedade é o tempo que o paciente apresenta o distúrbio. Vale ressaltar que a maioria dos indivíduos analisados no presente trabalho manifesta sintomas de maneira crônica. Nesse grupo nota-se uma média de cáries maior do que indivíduos autodeclarados ansiosos recentemente (há menos de 5 anos). Fréo (2014) também observou que pacientes portadores de patologias crônicas demonstram uma preponderância elevada de problemas na mucosa oral como cáries, formação de cálculo dentário e ocorrência de doença periodontal. Portanto, possivelmente a ansiedade crônica e não crises pontuais e agudas de ansiedade está associada a manifestações bucais.

Suresh e colaboradores (2015), também observaram a manifestação de doenças bucais nos pacientes portadores de ansiedade com cerca de 15 pontos percentuais de diferença em comparação ao grupo controle. Os autores ainda destacaram que as patologias psicológicas podem ocasionar uma alteração dos biomarcadores relacionados ao estresse (catecolaminas). O aumento e/ou diminuição nos níveis destes biomarcadores, podem culminar o início ou mesmo na exacerbação dos processos patológicos presentes na cavidade oral.

Outros trabalhos são necessários para investigar o mecanismo de ação que conecta patologias psíquicas, alterações de pH e patologias bucais, em especial as lesões cariosas e perda dental. Entretanto, é notável a necessidade de investigação do mecanismo pelo qual distúrbios de ansiedade alteram o pH para além das alterações nos hábitos de vida como consumo de água e alimentação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo corrobora trabalhos anteriores com descrições da fisiopatologia e etiologia das lesões cariosas. Para além disso, os dados apontam, de diferentes maneiras, a relação da cárie com distúrbios de natureza psicossomática como o transtorno de ansiedade, corroborando dados da literatura que associam outros transtornos psíquicos com patologias bucais. E ainda, de maneira inicial, os dados preconizam o mecanismo da relação entre patologias bucais e psíquicas em decorrência da análise que mostrou a evidente correlação entre acidez bucal e ocorrência de lesões cariosas. A cárie é um problema de saúde pública associada à diminuição da qualidade de vida em decorrência de inúmeros fatores. Essa patologia, de natureza complexa, exige novas abordagens terapêuticas que levem em consideração a organização social atual e consequentes distúrbios na saúde e equilíbrio mental. O indício de uma associação entre ansiedade, acidez bucal e facilitação de lesões cariosas abre novos caminhos para o estudo de métodos de prevenção e tratamento da cárie. Para além disso, essa associação se consolida como uma justificativa para investimentos em terapias preventivas da ansiedade a fim de evitar a diminuição da qualidade de vida em decorrência do aumento no número de perdas dentárias por lesões cariosas.

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ANEXO A

QUESTIONÁRIO

Dados do Paciente:

Numeração atribuída:__________________________________________________________

Idade:______________________________________________________________________

Sobre a ansiedade:

1 – Se considera uma pessoa ansiosa? ( ) sim  ( ) não

Se sim, quando começaram os sintomas?

 (  ) há cerca de 2 anos atrás;

(  ) há meses atrás;

(  ) há muitos anos atrás;

(   ) não me recordo;

___________________________________________________________________________

2 – Quais destes sintomas você apresenta ou já apresentou? (marcar com um X cada sintoma apresentado)

(  ) Palpitações    (  ) dores de cabeça   (  ) insônia    (  ) crises de pânico    (  ) Tensões musculares  (  ) Ranger os dentes   (  ) Arritmia/taquicardia   (  ) vertigens   (  ) Tonturas  (  ) Boca seca  (  ) sensação de medo/aflição   (  ) sensação de sufocamento   (  ) Falta de ar   (  ) Falta de apetite   (  ) Náuseas  (  ) Outros

Se “Outros”, citar:

___________________________________________________________________________

3 Você faz ou fez algum tipo de acompanhamento psicológico, psiquiátrico ou neurológico para ansiedade? ( ) Sim  ( ) Não

Faz o uso de alguma medicação para ansiedade? ( ) Sim ( ) Não     Qual(is)?

___________________________________________________________________________

Já buscou tratamento para algum sintoma da ansiedade? ( ) Sim   ( ) Não

Ao se sentir ansioso, se recorda de realizar a higienização dos dentes? ( ) Sim   ( ) Não

___________________________________________________________________________

Condição de saúde geral

4 – O paciente apresenta alguma patologia sistêmica? ( ) Síndrome de Sjögren, ( ) xerostomia, ( ) hipertensão, ( ) lúpus, ( ) refluxo gastresofágico, ( ) tabagismo, ( ) síndrome de Down, ( ) sialorreia, ( ) gengivite, ( ) periodontite, ( ) doença renal crônica, ( ) bulimia, ( ) AIDS, ( ) outros.

Se outros, citar

5 – Passou, ou passa por tratamento de tumores malignos na cabeça ou pescoço? ( ) Sim ( )Não

Sobre a condição bucal

6 – Percebe alguma alteração bucal quando está ansioso? ( ) Sim ( ) Não  

Qual (ais)?_______________________

Desde o início dos sintomas da ansiedade, tem notado presença de cárie? ( ) Sim   ( ) Não

Desde o início dos sintomas de ansiedade, tem sentido dores dentárias? ( ) Sim   ( ) Não

Você nota alteração no volume salivar, ao se sentir ansioso? ( ) Sim     ( ) Não 

Se sim, o volume salivar: ( ) aumenta ou ( ) diminui.

Desde o início dos sintomas, você tem tido mal hálito? ( ) Sim   ( ) Não. ___________________________________________________________________________

Aos exames clínicos e radiográficos:

7 – O paciente possui incidência de cáries? ( ) Sim   ( ) Não   Quais os dentes afetados: _________________________________________.

O paciente possui restaurações? ( ) Sim   ( ) Não     Em quais dentes:_____________________________8 – Após utilizar a fita indicadora de pH, compare com a tabela guia da embalagem e escreva aqui o resultado: ______________


FILIAÇÃO