ESTUDO COMPARATIVO DA FÁBULA “A GALINHA DOS OVOS DE OURO” E DA CRÔNICA “SEGURANÇA”

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7879252


Ivane Câmara Brandão Ramos1
Sílvia Pinho Gama2
Orientadora: Neiva Maria Machado Soares


RESUMO: Este trabalho de conclusão de curso tem por objetivo apresentar uma comparação de textos da tipologia narrativa. Essa comparação focaliza, dentro da esfera Literatura, o gênero “fábula” e “crônica”, por meio de um estudo de corpus, que compreende os seguintes textos: a crônica de Luiz Fernando Veríssimo “Segurança” e a fábula de Monteiro Lobato “A galinha dos ovos de ouro”. O ensino desses gêneros justifica-se dada a importância desses meios culturais de difusão de informações e de conhecimentos na vida contemporânea. Desta forma, realizou-se uma pesquisa de caráter bibliográfico e analítico para chegar à compreensão das definições básicas deste estudo, que teve como base, as ideias de autores como Bakhtin (2011), Bronckart (2009) e Marcuschi (2008). Pôde-se por fim, identificar os elementos característicos da tipologia narrativa presente nos gêneros em destaque, selecionados para o corpus do presente trabalho é ressaltar a importância de estudos como este, para incentivar o senso crítico dos alunos, de forma a fazê-lo pensar e compreender do que se trata o texto que estão lendo e quais as informações contidas por trás das palavras, estimulando-os a pensar, criar e enriquecendo seus repertórios discursivos.

Palavras-chave: crônica; fábula; leitura; produção textual; tipologia narrativa.

1 INTRODUÇÃO

É fato que o ensino da Língua Portuguesa sofreu muitas modificações nos últimos anos, porém o que não mudou foi a necessidade de levar aos alunos o gosto pelos diferentes tipos de leitura, ressaltando que muitos deles lêem apenas o que é visto em sala de aula.

Há muitas décadas, poucas pessoas tinham acesso à escola, no entanto, esta realidade mudou, tornando, hoje, a escola um ambiente para todos, e nesta perspectiva, o perfil dos alunos e a metodologia de ensino também mudaram.

Vê-se a necessidade de desenvolver a competência leitora e escritora dos alunos, para assim, formá-los cidadãos críticos e conhecedores de diferentes tipologias textuais, e principalmente fazê-los reconhecer os textos em que os mesmos se deparam na sociedade em que estão inseridos em nosso cotidiano, à medida que nos comunicamos, seja na escrita ou na fala, utilizamos diversos gêneros, uma vez que, todos os nossos discursos têm formas de textos e características específicas. Desta forma, verifica-se que os gêneros estão o tempo todo modelando nossas práticas comunicativas. Segundo Bakhtin (2011), os gêneros textuais caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais, do que suas peculiaridades linguísticas e estruturais, e por assim ser, os gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados elaborados pelas mais diversas esferas de atividade humana. Assim, é importante construir um currículo que valorize tanto a função social do texto como a sua forma. 

Neste contexto, em busca de contribuir para a melhoria do quadro atual e do desenvolvimento efetivo de alunos, optou-se por dois gêneros textuais da tipologia narrativa: a fábula e a crônica. Utilizando este estudo como eixo condutor de um projeto de intervenção pedagógica, com o objetivo amplo de levar o aluno a compreender, identificar e produzir textos escritos. De acordo com Marcuschi (2002), a escrita apresenta elementos significativos próprios, ausentes na fala, tais como o tamanho tipo de letras, cores e formatos, elementos pictóricos, que operam como gestos, mímica e prosódia, graficamente representados. Portanto, conforme o autor relata, a escrita não é uma esfera tão distante da vida do aluno, uma vez que para o mesmo, seu cotidiano é a oralidade.

A problemática deste artigo faz referência ao tratamento dado aos gêneros textuais em destaque (fábula e crônica), uma vez que, em alguns casos, o texto é tratado apenas como texto e não como gênero textual. Desta forma, como afirma Bakhtin (2011), ignora-se os elementos constitutivos destes gêneros como conteúdo temático, estrutura composicional e estilo, olhando apenas para a compreensão e interpretação.

Diante desta problemática, o professor possui o grande desafio de formar leitores, despertando o interesse pela leitura de maneira que os faça diferenciar os gêneros e tipologias em que estão se tratando, conciliando metodologias que propiciem a aproximação do leitor com o texto favorecendo a interação na sala de aula e oportunizando a socialização de idéias sobre o texto lido, utilizando alternativas de leitura que atendam ao discente aproximando-o de novas leituras para ampliar os conhecimentos.

Partindo do exposto, vê-se como objetivo geral, realizar um estudo comparativo em torno dos gêneros textuais fábula e crônica, quanto a tipologia narrativa, para promover o debate sobre a importância da narração de histórias nos espaços de aprendizagem e estimular o uso da narração no cotidiano da escola.

A delimitação do tema, em torno da crônica, justifica-se por ser um gênero textual que envolve situações concretas de uso da língua, trabalhando com fatos que se relacionam com o interesse do aluno sobre fatos do dia-a-dia deles e de acontecimentos que os mesmos vivem em suas comunidades. Ela foi escolhida por ser um gênero literário muito importante na literatura brasileira, de fácil circulação e aceitação entre os principais veículos de comunicação, como o jornal impresso e o digital.

De mesmo modo, a abordagem didática do gênero textual fábula se justifica, uma vez que, esse possui uma longa trajetória histórica, conforme Costa (2014) “o clássico conceito de fábula que tem sua origem em Esopo (séc. VIa.C) e Fedro (séc. I d.C) e foi retomada, no Classicismo francês por La Fontaine”. Além do mais, esse gênero textual pertence ao repertório cultural de diversos povos, daí expõe-se a importância de abordá-lo.

Desta maneira, os alunos aprendem a reconhecer estes tipos de gêneros textuais, a escreverem diferentes textos e a compreenderem que são os protagonistas de sua história e de sua importância para o mundo. Ressaltando que os mesmos gostam de estudar esses gêneros por se tratar de uma leitura fácil, de linguagem coloquial, e também por ser um texto curto, sem grande complexidade, faltando-lhes apenas uma abordagem que os ensine a comparar e diferenciá-los.

Ao estruturar o presente artigo, teve-se a pretensão de dividi-lo em seções, sendo elas: 

a) Introdução: apontar a contextualização do tema, apresentando a questão norteadora em que se baseia o estudo, os objetivos do mesmo, a justificativa da escolha desta temática e a divisão de sua estrutura;

b) Fundamentação Teórica: apresentar as principais características da Tipologia Narrativa, bem como os principais elementos dos gêneros textuais fábula e crônica;

c) Metodologia: expor a caracterização da presente pesquisa, a técnica de coleta de dados, e a análise e forma de interpretação dos mesmos;

d) Análise do corpus: apresentar o corpus selecionado e identifica as características narrativas presente no mesmo;

e) Conclusão: abordar de maneira clara as considerações finais em torno do presente artigo, mostrando se os objetivos foram alcançados, e argumentar os resultados conclusivos do estudo.

E por fim, são expostas as Referências Bibliográficas, baseadas em livros, artigos e dissertações.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Na fundamentação teórica, serão apresentadas as principais características da tipologia narrativa, bem como a definição de forma sucinta dos gêneros textuais fábula e crônica.

Entende-se por tipologia narrativa aquela em que os verbos indicam ação, aliás, a própria palavra narração contém em seu bojo esta noção, ou seja, “narrar/ação” (COSTA e BORUCHOVITCHB, 2009).

2.1 NARRAÇÃO

Trata-se de uma sucessão de fatos ou acontecimentos vividos, geralmente, por uma personagem, em certo tempo e em um determinado lugar. A tipologia narrativa é estruturada como em um filme, repleto de cenas, cheia de dinamismo, portanto muito movimentada (SILVA, 2007). Destacando-se como um relato organizado de acontecimentos reais ou imagináveis. Sendo o movimento dos fatos, mantendo a atenção do leitor, expondo os acontecimentos com rapidez, tratando-se apenas o que é significativo.

Bronckart (2009) complementa que, na narração, deve-se evitar que os acontecimentos se aglomerem, sem nenhuma acepção.Força-se eleger fatos relevantes e recomenda-se o uso, preferencialmente, de substantivos.Narrar é, portanto, representar fatos reais ou imaginários,que é o relato de ações praticadas pelas pessoas, ou com personagens fictícios que podem até ser reais, mas que não tem necessariamente compromisso com a realidade,utilizando signos verbais e não verbais.Neste último caso, o fato pode ser totalmente inventado ou até baseado na realidade, porém enriquecido pela imaginação de quem relata. Ressalta-se que a linguagem deve ser clara, simples, correta e a história deve parecer real, ser verossímil, isto é, deve dar a impressão de que ela pode ter realmente acontecido.

A principal finalidade do texto narrativo é contar algum fato, como foi visto acima. E a segunda principal finalidade é que esse fato sirva como informação, aprendizado ou entretenimento. Se o texto narrativo não consegue alcançar seus objetivos, perde todo o seu valor. Deste modo, a narração visa sempre um receptor.

          Os principais elementos característicos de uma narrativa referem-se aos fatos narrados. Compreende-se por fatos o conjunto de acontecimentos da história. Serão expostos na Tabela 1, estes elementos e suas definições.

Tabela 1: Elementos característicos da Tipologia Narrativa.

ELEMENTOS DA TIPOLOGIA NARRATIVACLASSIFICAÇÕES
TEMPO– Cronológico: quando marcado pelo relógio, quando percebido na história.- Psicológico: que se refere à vivência dos personagens, ao seu mundo interior.
ESPAÇO– Aberto: quando amplo.- Fechado: quando toda a história se desenrola em apenas um local.
PERSONAGEM– Protagonista: quando fundamentais e principais, no enredo, aquele no qual se centraliza a narrativa.- Antagonista: quando contrária à principal.- Secundária – quando de menor importância, participam dos fatos, mas não se constituem o centro de interesse da narração.
FOCO NARRATIVO– Primeira pessoa: onde o narrador é atuante e participante dos acontecimentos.- De terceira pessoa: onde o narrador é distante e imparcial, sendo apenas um observador dos acontecimentos
TEMA– Explícito: A intenção é exposta diretamente para o leitor.- Implícito: a intenção está exposta indiretamente.
NARRADOR– Observador: narrador de terceira pessoa relata os acontecimentos, como observador. – Personagem: narrador de primeira pessoa sendo um personagem participante da história e ele quem narra os fatos.- Onisciente: é o que sabe tudo sobre o enredo e as personagens, revelando seus pensamentos e sentimentos íntimos.

Fonte: Adaptado de Marcuschi (2008) e Scheneuwly e Dolz (2004).

Dentro da tipologia narrativa há diversos gêneros, porém será exposta, a seguir, a definição dos gêneros que ganharam destaque neste artigo: Crônica e Fábula.

2.1.1 Gênero Crônica

Segundo Houaiss e Villar (2001), a crônica é um gênero literário que tem relação com a ideia de tempo e consiste no registro de fatos do cotidiano em linguagem literária. Trata-se de um gênero textual que surgiu como texto de rodapé de jornais. Esta foi ganhando aceitação da população pela sensibilidade do texto e do olhar atualizado que ela exigia, misturando um registro de fatos do dia-a-dia do autor com o do mundo, e hoje é considerado um gênero literário.  Ressalta-se que ela foi responsável por levar para as páginas dos jornais nacionais, em épocas distintas, grandes autores literários, como José de Alencar, Machado de Assis, Cecília Meireles, Rachel de Queirós, Luís Fernando Veríssimo entre outros.

2.1.2 Gênero Fábula

Quanto à caracterização do gênero textual fábula, este:

Trata-se de uma narrativa quase sempre breve, em prosa ou, na maioria, em verso, de ação não muito tensa, de grande simplicidade e cujos personagens (muitas vezes animais irracionais que agem como seres humanos) não são de grande complexidade. Aponta sempre para uma conclusão ético-moral (COSTA, 2014, p. 124). 

Vale acrescentar que “é um gênero de grande projeção pragmática por seu claro objetivo moralizante e de grande efeito perlocutório, próprio dos textos narrativos, pois vai ao encontro dos hábitos, das expectativas e das disponibilidades culturais do leitor” (COSTA, 2014), isso possibilitará, aos alunos, relacionar o conteúdo das fábulas a serem lidas com seu universo, realizando, assim, uma leitura mais significativa.

A fim de expor a tipologia dos gêneros deste artigo, tem-se a Tabela 2, uma vez que a maioria dos autores consagrados chegam ao consenso que podem fazer o agrupamento dos mesmos, conforme apresenta Koche (2013).

Tabela 2: Gêneros textuais e seus aspectos tipológicos e capacidades dominantes.

ASPECTOS TIPOLÓGICOS E CAPACIDADES DE LINGUAGEM DOMINANTEEXEMPLOS DE GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS E ORAIS
NARRAR
(FICCIONAL)
Conto, conto de fadas, FÁBULA, lenda, narrativa de aventura, narrativa de ficção científica, narrativa de enigma, narrativa mítica, história engraçada, biografia romanceada, novela fantástica, CRÔNICA, anedota, romance e adivinha.
RELATAR
(AÇÃO HUMANA)
Relato de experiência vivida, testemunho, autobiografia, curriculum vitae, notícia, reportagem, crônica social, crônica esportiva, histórico, relato histórico, ensaio ou perfil biográfico e biografia.
ARGUMENTAR
(SITUAÇÕES SOCIAIS, PRÁTICAS DISCURSIVAS)
Textos de opinião, diálogo argumentativo, carta de leitor, carta de reclamação, carta de solicitação, deliberação informal, debate regrado, assembleia, discurso de defesa, discurso de acusação, resenha crítica, artigos de opinião ou assinados, editorial e ensaio.
EXPOR
(CONSTRUÇÃO DE SABERES)
Texto expositivo, exposição oral, seminário, conferência, comunicação oral, palestra, entrevista de especialista, verbete, artigo enciclopédico, texto explicativo, tomada de notas, resumo de textos, resenha, relatório científico e relatório oral de experiência.
DESCREVER AÇÕES
(ETAPAS DE AÇÕES)
Instruções de montagem, receita, regulamento, regras de jogo, instruções de uso, comandos diversos e textos prescritivos.

Fonte: Adaptado de Koche (2013).

Desta forma, prova-se que a tipologia dominante dos gêneros crônica e fábula, conforme os autores é a tipologia narrativa, a qual possui cultura literária ficcional.

2.1.3 Proposta de aplicação didática

Ao considerar a narração de histórias como portadora de significados para a prática pedagógica, destaca-se que a mesma não restringe o seu papel somente ao entendimento da linguagem. Preserva-se seu caráter literário, sua função de despertar a imaginação e sentimentos, assim como suas possibilidades de transcender a palavra (MACIEL, 2010).

A ação de contar histórias deve ser utilizada dentro do espaço escolar, pois é uma metodologia que enriquece a prática docente, ao mesmo tempo em que promove conhecimentos e aprendizagens múltiplas, incentiva a leitura de forma divertida, melhorando assim, significativamente o desempenho escolar dos alunos. Visto que a escola vem perdendo seu papel de estimuladora da literatura para seus educandos.

A narrativa em sala de aula, além de aprimorar percepções, também é uma maneira de enriquecer o repertório discursivo dos alunos, sem ter medo da análise literária. Pois, “longe da crença ingênua de que a leitura literária dispensa aprendizagem, é preciso que se invista na análise da elaboração do texto, mesmo com leitores iniciantes ou que ainda não dominem o código escrito.” (MACIEL, 2010, p. 59). 

Acredita-se que esta tipologia estimula as crianças a imaginar, criar, envolver-se, e assim, se dá um grande passo para o enriquecimento e desenvolvimento da personalidade, por isso, é de suma importância no ambiente escolar. Portanto, nesta perspectiva, será exposta na Tabela 3, a seguir, uma proposta didática, a fim de auxiliar educadores a investir na abordagem da Tipologia Narrativa.

Tabela 3: Proposta de aplicação didática de atividade da Tipologia Narrativa

Fonte: Autoria própria, 2023.

3 METODOLOGIA

O objetivo principal da metodologia é mostrar os procedimentos e métodos usados para elaboração desta pesquisa, bem como a caracterização da mesma.

Esta pesquisa classifica-se quanto à abordagem ao problema científico como qualitativa devido à necessidade de se fazer análises sobre o fenômeno estudado, destacando características que não são observadas em um estudo apenas quantitativo (MOREIRA, 2002). Análises do tipo: o que é tipologia narrativa? Quais as semelhanças e diferenças dos gêneros fábula e crônica? Quais as características de cada um deles?

Em relação aos métodos, o seguinte artigo classifica-se como pesquisa bibliográfica, que de acordo com Lakatos e Marconi (2008), ela é feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos,como livros, artigos científicos, e site de banco de dados como Scielo. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto. E classifica-se ainda como analítica, uma vez que a partir deste levantamento, houve uma seleção e análise do material pesquisado, a fim de distinguir o que tem potencial para acrescentar fundamentos e idéias para o presente artigo. Portanto trata-se de um artigo caracterizado quanto ao método como uma pesquisa bibliográfica e analítica.

Com a finalidade de alcançar os objetivos deste artigo, partiu-se para a coleta do corpus. A crônica que constitui o corpus desta pesquisa é “Segurança”, de Luis Fernando Veríssimo (VERÍSSIMO, L. F. Comédias para se ler na escola. Apresentação e seleção de Ana Maria Machado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.) e a fábula é “A galinha dos ovos de ouro”, de Monteiro Lobato (LOBATO, M. Fábulas. São Paulo: Brasiliense, 1992). A escolha deveu-se principalmente à fácil acessibilidade de leitura que tais gêneros propiciam. 

E por fim, realizou-se a interpretação e discussão do corpus acima. Nesta interpretação, fez-se o emparelhamento das informações, por meio de comparações, convergências e divergências. 

A interpretação visou contribuir com as discussões em torno do interesse pela leitura de forma que faça com que os alunos diferenciam os gêneros e tipologias em que estão se tratando, conciliando metodologias que propiciem a aproximação do leitor com o texto.

4 ANÁLISE DO CORPUS

Nesta seção será feita a caracterização dos textos selecionados para o corpus deste artigo.

4.1 GÊNERO FÁBULA

Inicialmente, será analisada a fábula de Monteiro Lobato, com o seguinte título: “A galinha dos ovos de ouro”. Disponível em: LOBATO, M. Fábulas. São Paulo: Brasiliense, 1992. O autor merece destaque, pois, foi visualizado, ainda, na pesquisa bibliográfica, que esta fábula é escrita por diferentes autores, porém percebeu-se que havia explícitas variações textuais nas mesmas. Acredita-se que isto se dá devido ao contexto social-histórico em que foram escritos, por conta disso, destacou-se qual autor se tratava fábula-corpus deste trabalho.

Serão expostas a seguir, características como enredo, personagens, moral, enfim os elementos que caracterizam tal produção, expondo a narrativa presente na mesma, para isso, primeiramente, será apresentada a fábula para estudo. 

Neste texto, temos a tipologia narrativa em forma de encaixe, no livro Fábulas, em que os personagens de uma história inicial, “O Sítio do Picapau Amarelo”, escutam e conversam entre si, sobre a fábula “A galinha dos ovos de ouro”.

Verifica-se que em relação ao enredo desta fábula, o autor centraliza a narrativa na figura do dono da galinha e na descoberta do ovo de ouro. Esta galinha tem o papel de apenas botar os ovos, não sendo retratada de maneira especial, apesar de ser esta a portadora de um “dom” nada comum. E a fábula se desenvolve com a consequência que esta descoberta causa na vida dos seus donos.

Em relação aos personagens, vê-se que há um detalhamento sobre o personagem que é o dono da galinha, a nomeação “João Impaciente”. Este nome já traz sua característica principal: a impaciência. Pois esta descoberta representa o ganho fácil, a possibilidade de enriquecimento rápido, a melhoria da condição de vida, sendo o elemento que desperta a ganância e a impaciência. Interagindo com o João Impaciente, há a sua esposa, que não foi nomeada.

Em relação ao foco narrativo, verifica-se que se trata de um narrador-observador, pois o narrador conta a história como alguém que observa tudo que acontece e transmite ao leitor, e possui ainda como característica, os verbos na terceira pessoa: “João Impaciente descobriu no quintal uma galinha que punha ovos de ouro […] E matou a galinha […] e João Impaciente continuou na pobreza”.

Quanto ao espaço, percebe-se que a narração se desenvolve no sítio de João Impaciente, se caracterizando assim como espaço fechado.

O tempo desta narrativa é cronológico, uma vez que é percebido na história: “E matou a galinha. Dentro dela só havia tripas, como nas galinhas comuns, e João Impaciente continuou na pobreza, morrendo sem vintém”. 

Em relação a linguagem, pode-se dizer que se trata de uma narrativa informal, como se verifica no seguinte trecho: ” Mato-a e fico o mandão aqui da vizinhança”. Vale ressaltar que o público alvo deste livro de fábulas é infantil, por conta disso que se usa palavras simples e uma linguagem do cotidiano.

Ao analisar o discurso, verifica-se que o texto é escrito em terceira pessoa e o narrador conta a história, porém os personagens têm voz própria. Há ainda a presença de travessão e dois pontos: “João Impaciente descobriu no quintal uma galinha que punha ovos de ouro. Mas um por semana, apenas. Louco de alegria, disse à mulher: — Estamos ricos!”. Sendo assim é uma mistura do discurso direto como indireto: discurso indireto livre.

Esta narrativa tem seu enredo ficcional, pois se trata do mundo da arte, representado ficcionalmente, já que se sabe que não há galinhas que colocam ovos de ouro.

Quanto à narração, percebe-se que se trata de um narrador onisciente, pois ele sabe de tudo que acontece na história: “— Por que matá-la, se conservando-a você obtém um ovo de ouro de sete em sete dias? — Não fosse eu João Impaciente! Quer que me satisfaça com um ovo por semana quando posso conseguir a ninhada inteira num momento? E matou a galinha. Dentro dela só havia tripas, como nas galinhas comuns, e João Impaciente, continuou na pobreza, morrendo sem vintém”.  Sendo ainda de característica neutra, pois ele relata os fatos e descreve os personagens, mas não influencia o leitor com observações ou opiniões.

Ao analisar as funções de linguagem presentes nesta fábula, verifica-se a função emotiva ou expressiva, pois refletiu o estado de impaciência e ansiedade do personagem dono da galinha. E ainda como fática, pois há a comunicação dos personagens, destacando apenas o fato que está ocorrendo.

Na busca de recursos estilísticos, identificou-se o uso de:

Metáfora: “Louco de alegria, disse à mulher”, pois o narrador transfigurou o sentido da palavra “louco”.

Comparação: “Dentro dela só havia tripas, como nas galinhas comuns”. Percebe-se que, como o próprio nome indica, consiste na associação entre dois termos diferentes, mas entre os quais há algo que permite aproximá-los, a galinha dos ovos de ouro e as galinhas comuns.

Símbolo: “João Impaciente descobriu no quintal uma galinha que punha ovos de ouro. Mas um por semana, apenas. Louco de alegria, disse à mulher: — Estamos ricos”. Percebe-se que os ovos de ouro, na narrativa, torna-se a representação significativa da riqueza.

Por fim, a maioria das narrativas traz, explícita ou implicitamente, uma moral/mensagem ao final da história, no caso desta fábula é explícito no próprio texto: “Quem não sabe esperar, pobre há de acabar”. Desta forma, pôde-se expor todos os elementos característicos desta fábula.

4.2 GÊNERO CRÔNICA

A crônica “Segurança” de Luís Fernando Veríssimo, corpus da pesquisa, trata de uma questão muito pertinente à contemporaneidade: a violência nos grandes centros urbanos, e será exposta a seguir.

Percebe-se no texto abordado que o principal destaque na venda das casas do condomínio era a segurança. Porém, mesmo com toda a segurança propagada, os assaltos aconteciam. E cada vez mais se fechava o cerco em relação ao impedimento dos assaltos, mas eles continuavam.  Constata-se que a ampliação dos mecanismos contra assaltos acarretou que os moradores do condomínio terminassem enjaulados impedidos de saírem e receberem visitas. Deve-se evidenciar que a preocupação com a segurança é relatada de maneira progressiva, evidenciando um comportamento cada vez mais neurótico, um isolamento, até o encarceramento dos moradores em suas residências e transformando o condomínio em prisão de segurança máxima. O condomínio transforma-se em um presídio, sendo observados de fora pelos assaltantes entre as grades.

A ideia da segurança do condomínio é discutida em todo o texto. Esse fato permite classificar a preocupação do autor em relação a um contexto atual em relação à segurança pública.

O foco narrativo da crônica é em 3ª pessoa “Os condôminos decidiram colocar torres com guardas ao longo do muro alto”, pois existe um narrador que relata a história, havendo assim um distanciamento entre o fato narrado e quem conta o fato. Entre o enunciado e a enunciação.

Os personagens desta crônica são os próprios condôminos e os ladrões, são os protagonistas no decorrer do texto. E quanto ao espaço, verifica-se que ele se caracteriza como fechado, já que a crônica toda é desenvolvida no condomínio.

Em relação ao tempo desta narrativa, sabe-se que se trata do tempo cronológico, pois o leitor consegue entender a ordem dos fatos, a sequência das ações realizadas para propor mais segurança ao condomínio: “Agora, a segurança é completa. Não tem havido mais assaltos. […]. Mas surgiu outro problema”.

Observa-se que a linguagem utilizada no corpus caracteriza-se como formal, pois se trata de uma situação que requer seriedade, porém o narrador coloca uma leve dose de humor na crônica, característica deste autor. Como exemplo da linguagem formal, tem-se: “Os condôminos decidiram colocar torres com guardas ao longo do muro alto. Nos quatro lados. As inspeções tornaram-se mais rigorosas no portão de entrada. Agora não só os visitantes eram obrigados a usar crachá. Os proprietários e seus familiares também”.

Em relação ao discurso, tem-se a característica de uma crônica discutida de forma indireta, pois além de ser narrada na terceira pessoa, o narrador utiliza as suas próprias palavras para reproduzir a os acontecimentos, atuando como intermediário: “Mesmo se os ladrões ultrapassassem os altos muros, e o fio de alta tensão, e as patrulhas, e os cachorros, e a segunda cerca, de arame farpado, erguida dentro do perímetro, não conseguiriam entrar nas casas”. Desta forma, tem-se um narrador observador, pois ele conta a história como alguém que observa tudo que acontece.

Verifica-se que o enredo desta crônica é linear onde se tem a sequência lógica e progressiva das ações, e ainda objetivo e reflexivo, pois se trata de um assunto que na visão do autor é preocupante, em que a violência passa a expressar a angústia da contemporaneidade. É preciso se trancar, abandonar o direito do homem de ir e vir, da sua liberdade apoiada constitucionalmente, para conservar seu patrimônio e não ser violentado.

As funções de linguagem identificadas foram:

Função referencial ou denotativa, pois a crônica transmite uma informação objetiva sobre a realidade, e coloca em evidência o assunto ao qual a mensagem se refere: a segurança pública.

Função expressiva ou emotiva, pois reflete o estado de medo dos moradores deste condomínio, uma vez que ressalta inúmeras ações dos mesmos para combater os assaltos que sofrem.

Em relação aos recursos estilísticos, identificou-se a existência de Metáfora: “A guarda tem sido obrigada a agir com energia”. O termo serve para dar significado a outra palavra, como por exemplo, agressividade, ou pode ser empregado a palavra alerta.

Desta forma, foi possível caracterizar os dois gêneros que compõem o presente corpus. Procurou-se então, para facilitar os resultados obtidos com o estudo do corpus, reunir as características dos gêneros apresentados, de forma a comparar os mesmos (Tabela 4).

Tabela 4: Esquema comparativo dos gêneros analisados.

Fonte: Autoria própria, 2023.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, verifica-se que o objetivo central deste artigo foi alcançado, pois foram explanadas as características da tipologia narrativa, bem como a importância da sua abordagem na sala de aula. Pois ela possibilita o enriquecimento do repertório discursivo dos alunos, além de estimulá-los a imaginar e a criar, melhorando assim o desempenho escolar dos mesmos. 

Desta forma, expôs-se uma metodologia prática para abordagem desta tipologia no ambiente escolar, de modo que auxiliasse os educandos e alertaram o mesmo sobre a relevância deste estudo.

A partir do estudo do corpus, com base nos gêneros crônica e fábula, foi possível investigar e identificar os elementos característicos da tipologia narrativa em cada um deles.  Verificou-se que a crônica trata de fatos do dia-a-dia do autor e da sociedade em geral, em contra partida, a fábula tem enredo ficcional, em que na maioria das vezes animais irracionais agem como seres humanos, ou agem de forma considerada possível apenas na imaginação.

Pôde-se tabular os dados obtidos com o estudo do corpus, e então comparar as características da crônica e da fábula analisada. Verificou-se que elas diferem apenas na linguagem, pois a fábula possuía uma linguagem informal, não muito culta por se tratar de uma obra destinada a crianças, e a crônica possuía uma linguagem formal, por se tratar de uma situação com seriedade que acomete muitas pessoas: falta de segurança. O discurso também foi um item que se viu controverso, pois na fábula tratou-se de um discurso indireto livre, e na crônica apenas indireto, em que o narrador foi apenas um observador da situação.

O enredo da fábula era ficcional por se tratar de ações plausíveis apenas na imaginação, enquanto que o da crônica baseou-se em um enredo objetivo e reflexivo. As funções de linguagem diferenciam-se apenas na característica fática da fábula, por estimular o diálogo, e denotativa da crônica, por possuir sentido real.

Portanto, percebe-se que se pode extrair muitas informações ao analisar um gênero da tipologia narrativa, ainda que ele se mostre curto, como foi o caso da fábula. No entanto, ressalta-se a importância de estudos como estes, para incentivar o senso crítico dos alunos, de forma a pensar e compreender do que se trata o texto que estão lendo e quais as informações contidas por trás das palavras.

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1https://orcid.org/0000-0002-7006-1146
https://lattes.cnpq.br/8617549693643229
2https://orcid.org/0009-0002-7583-888X
https://lattes.cnpq.br/0095476884370108