LEGAL STRUCTURE IN THE SOCIAL REALITY OF FAMILY AGRICULTURE IN THE STATE OF SAO PAUL0
ESTRUCTURAS JURÍDICAS QUE ACTÚAN EN LA REALIDAD SOCIAL DE LA AGRICULTURA FAMILIAR EN EL ESTADO DE SÃO PAULO
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506301035
Josimar Rodrigues1
Francisco Alves da Silva2
RESUMO
Este artigo analisa a atuação das estruturas jurídicas sobre a agricultura familiar no Estado de São Paulo, com ênfase nas lacunas entre o marco legal e sua efetivação nos territórios rurais. A pesquisa, de natureza qualitativa, adota uma abordagem exploratória e descritiva, com base em revisão bibliográfica e análise documental. O estudo parte da compreensão da agricultura familiar como um fenômeno multifuncional e central para o desenvolvimento sustentável, a soberania alimentar e a coesão social. Ao investigar as normas, programas e instituições voltadas ao setor, identificam-se entraves como a fragmentação normativa, a baixa articulação entre esferas governamentais, a escassez de assistência técnica e jurídica e o distanciamento entre políticas públicas e a realidade dos agricultores. Também são discutidos os limites de acesso aos programas federais e os obstáculos enfrentados por práticas emergentes como a agroecologia. A análise aponta para a necessidade de reconfigurar o papel do Direito, de forma a torná-lo mais responsivo às dinâmicas territoriais e às demandas sociais do campo, por meio de políticas participativas, integração institucional e valorização dos sujeitos rurais.
Palavras-chave: Agricultura familiar; Direito agrário; Políticas públicas; Sustentabilidade rural; Governança territorial.
ABSTRACT
This article examines the influence of legal structures on family farming in the state of São Paulo, highlighting the gap between formal regulations and their implementation in rural territories. The study adopts a qualitative approach, using exploratory and descriptive methods grounded in bibliographic and documentary research. It considers family farming as a multifunctional phenomenon crucial for sustainable development, food sovereignty, and social cohesion. By analyzing laws, public programs, and institutional frameworks, the research identifies critical challenges such as normative fragmentation, limited coordination among government levels, lack of technical and legal assistance, and insufficient participation of rural communities in policymaking. The study also discusses restricted access to federal programs and legal barriers affecting innovative practices like agroecology. The findings suggest the need to reshape legal frameworks to be more responsive to local realities through participatory policies, institutional integration, and recognition of rural subjects as active political agents.
Keywords: Family farming; Agrarian law; Public policies; rural sustainability; Territorial governance.
RESUMEN
Este artículo analiza el desempeño de las estructuras legales sobre la agricultura familiar en el Estado de São Paulo, con énfasis en las brechas entre el marco legal y su eficacia en los territorios rurales. La investigación cualitativa adopta un enfoque exploratorio y descriptivo, basado en la revisión de la literatura y el análisis de documentos. El estudio parte de la comprensión de la agricultura familiar como fenómeno multifuncional y central para el desarrollo sostenible, la soberanía alimentaria y la cohesión social. Al investigar las reglas, programas e instituciones enfocados en el sector, se identifican barreras como la fragmentación normativa, la baja articulación entre las esferas gubernamentales, la escasez de asistencia técnica y legal y el distanciamiento entre las políticas públicas y la realidad de los agricultores. También se discuten los límites del acceso a los programas federales y los obstáculos que enfrentan las prácticas emergentes como la agroecología. El análisis apunta a la necesidad de reconfigurar el papel de la Ley, a fin de que responda mejor a la dinámica territorial y a las exigencias sociales del campo, mediante políticas participativas, integración institucional y valorización de los sujetos rurales.
Palabras-clave: Agricultura familiar; Derecho agrícola; políticas públicas; sostenibilidad rural; gobernanza territorial.
INTRODUÇÃO
A agricultura familiar desempenha um papel estratégico na garantia da segurança alimentar e na promoção da sustentabilidade nos territórios rurais do Estado de São Paulo. Nesse contexto, as estruturas jurídicas exercem um papel relevante ao estabelecer diretrizes para o fortalecimento e a proteção desse setor produtivo. O presente estudo tem por objetivo examinar os marcos legais e institucionais que impactam diretamente os agricultores familiares, destacando a Lei nº 11.326/2006, programas estaduais e políticas públicas voltadas ao acesso à terra, crédito rural e assistência técnica. Além disso, analisa entraves recorrentes, como a burocracia excessiva, a desigualdade informacional e os desafios na efetivação de direitos no campo. A pesquisa também considera a importância das organizações locais — como cooperativas e conselhos — na mediação entre as normas legais e as práticas cotidianas, apontando caminhos para uma cidadania rural mais efetiva e inclusiva.
O reconhecimento jurídico da agricultura familiar, especialmente com a promulgação da Lei nº 11.326/2006, posicionou esse segmento como destinatário preferencial das políticas públicas. Contudo, a criação de leis, por si só, não tem sido eficaz para alterar os padrões de exclusão social e econômica historicamente impostos aos pequenos produtores rurais. Questões como a fragmentação administrativa, a escassez de assistência técnica, a ausência de apoio jurídico e a burocratização dos processos de acesso a programas governamentais seguem limitando a eficácia das ações públicas.
No caso paulista, as dificuldades se acentuam diante de um cenário de crescente valorização imobiliária em áreas rurais, da expansão do agronegócio e do desmonte de serviços públicos essenciais voltados ao campo. As comunidades agrícolas enfrentam barreiras para acessar terra, crédito e mercados, o que compromete não apenas sua permanência no meio rural, mas também a continuidade de saberes e práticas essenciais à diversidade agrícola, alimentar e cultural.
Esta pesquisa parte da hipótese de que as estruturas jurídicas atualmente disponíveis não têm sido capazes de responder adequadamente às demandas da agricultura familiar paulista. Ao analisar dispositivos legais, programas institucionais e a atuação de órgãos públicos, o estudo busca compreender como o Direito pode atuar como ferramenta de promoção da justiça agrária ou, ao contrário, perpetuar assimetrias já consolidadas. O foco está em investigar o grau de aderência entre o discurso normativo e a realidade enfrentada pelas famílias agricultoras, identificando limites e possibilidades de fortalecimento jurídico desse segmento.
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 A Agricultura Familiar no Estado de São Paulo: Perfil e Desafios
A agricultura familiar desempenha um papel central na produção de alimentos no Brasil, estando presente em diferentes regiões e ecossistemas do país. Em São Paulo, esse setor possui especificidades marcadas pela urbanização intensa, valorização dos imóveis rurais e a predominância de um agronegócio voltado à exportação. Dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE, 2019) indicam a existência de cerca de 84 mil estabelecimentos classificados como familiares, representando aproximadamente 64% do total, embora ocupem somente 17% da área agrícola disponível. Esse dado revela a disparidade no acesso à terra.
Tal desequilíbrio evidencia uma contradição relevante: embora numericamente expressiva, a agricultura familiar é espacialmente marginalizada. A concentração de terras, o fracionamento das propriedades e a valorização imobiliária nas regiões próximas a grandes centros urbanos e industriais dificultam a permanência das famílias no campo. Áreas como o Vale do Paraíba, o entorno da capital e o interior paulista refletem bem essa situação.
Outro desafio enfrentado é o acesso limitado a políticas públicas. Embora iniciativas como o Pronaf tenham alcance nacional, muitos agricultores esbarram em burocracias e na ausência de serviços de assistência técnica. Oliveira e Santos (2022) destacam que mais de 40% das famílias agricultoras no estado encontram dificuldades em obter crédito devido à irregularidade fundiária e à falta de apoio técnico.
Além disso, observa-se uma migração contínua de jovens do campo para as cidades, impulsionada não apenas pela falta de atratividade econômica, mas também pela carência de políticas voltadas à juventude rural. Fatores como infraestrutura precária nas áreas de educação, cultura e conectividade agravam esse processo. Alves e Pereira (2023) apontam que esse êxodo juvenil também se relaciona com a ausência de políticas inclusivas adaptadas às necessidades dos jovens do campo.
Apesar dessas adversidades, há experiências inovadoras e resilientes em curso no território paulista. Práticas agroecológicas, cooperativas de base solidária, sistemas agroflorestais e canais de comercialização direta vêm ganhando força. Exemplos como o Polo Agroecológico de Parelheiros e a atuação da Cooperadas, na zona sul da capital, evidenciam o potencial transformador da agricultura familiar, mesmo em contextos hostis.
1.2 Estruturas Jurídicas E Institucionais: Leis e Programas em Vigor
O marco jurídico voltado à agricultura familiar no Brasil encontra-se em processo contínuo de consolidação. A Lei nº 11.326/2006 foi um marco na formulação de políticas públicas voltadas à agricultura familiar, ao definir parâmetros claros para identificar esse público. Contudo, a simples existência desse marco legal não garante sua plena eficácia, especialmente diante da fragilidade na coordenação entre os diferentes níveis de governo, o que compromete a concretização das ações previstas.
No âmbito paulista, algumas ações complementares foram desenvolvidas, como o Programa Paulista da Agricultura de Interesse Social (PPAIS), instituído pelo Decreto nº 56.507/2010. A proposta do programa é adquirir alimentos de produtores familiares para abastecimento de instituições públicas. Contudo, sua operacionalização encontra entraves como a baixa adesão municipal, falhas na comunicação com os agricultores e desafios logísticos.
A Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS), vinculada à Secretaria de Agricultura, desempenha um papel importante na estrutura de apoio ao setor, oferecendo serviços de assistência técnica, capacitação e apoio à comercialização. No entanto, essa atuação tem sido prejudicada por restrições orçamentárias, redução de pessoal técnico e interrupções de gestão. Segundo o TCE-SP (2023), os investimentos em ATER sofreram redução de 37% entre 2018 e 2022.
Em nível federal, programas como o PAA e o PNAE são fundamentais para garantir o escoamento da produção familiar por meio de compras públicas. Segundo a legislação vigente, ao menos 30% dos recursos voltados à alimentação escolar devem ser destinados à compra de alimentos provenientes da agricultura familiar. No entanto, conforme apontado por Martins e Souza (2024), essa meta é alcançada por menos de 60% dos municípios de São Paulo, o que demonstra o descompasso entre a norma legal e sua implementação prática.
Um desafio recorrente diz respeito à regularização fundiária e ambiental das propriedades familiares. A complexidade dos processos e os altos custos envolvidos dificultam o acesso a políticas públicas e financiamentos, perpetuando a insegurança jurídica no campo e limitando as oportunidades de desenvolvimento.
1.3 Mulheres na Agricultura Familiar: Protagonismo e Invisibilidade
O papel das mulheres na agricultura familiar é fundamental para garantir a segurança alimentar, preservar o meio ambiente e sustentar as economias locais. Apesar disso, sua atuação cotidiana ainda é pouco reconhecida, tanto nas estatísticas oficiais quanto nas formulações de políticas públicas, o que contribui para sua invisibilidade institucional.
As desigualdades de gênero se manifestam de maneira acentuada no meio rural, seja na dificuldade de acesso à terra, ao crédito e à assistência técnica, seja na limitada participação em espaços decisórios. Muitas agricultoras ainda não são reconhecidas formalmente como trabalhadoras rurais, o que dificulta sua inclusão em programas governamentais e comprometem direitos como aposentadoria e acesso a benefícios sociais.
Diante dessa realidade, surgem políticas específicas com foco na valorização das mulheres do campo. A Lei nº 14.829/2024, por exemplo, criou linhas de financiamento exclusivas para agricultoras, representando um avanço. Entretanto, para que essas medidas sejam efetivas, é essencial capacitar os agentes públicos, ampliarem a difusão de informações acessíveis e garantir uma abordagem institucional sensível às realidades femininas.
Além das ações estatais, o fortalecimento de redes de mulheres agricultoras têm se mostrado uma resposta eficiente à marginalização social e econômica. A Rede Agroecológica de Mulheres do Vale do Ribeira é um exemplo de como a troca de saberes, a organização coletiva e as práticas sustentáveis contribuem para a autonomia produtiva e para a soberania alimentar.
Ao assumirem posições de liderança, promoverem inovações produtivas e transmitirem conhecimentos ancestrais, as mulheres do campo se consolidam como agentes transformadoras. Assim, enfrentar as desigualdades de gênero é um passo indispensável para consolidar uma agricultura familiar mais justa, inclusiva e resiliente.
1.4 Agroecologia e Sustentabilidade: Caminhos Jurídicos para o Futuro
A agroecologia surge como uma resposta crítica aos padrões dominantes da agricultura industrial, oferecendo um modelo de produção que valoriza a diversidade ecológica, os conhecimentos tradicionais das comunidades rurais e a integração harmoniosa entre ser humano e natureza. Para os agricultores familiares, essa abordagem representa uma via viável de geração de renda com menor impacto ambiental, aliando sustentabilidade produtiva e inclusão econômica.
Apesar de seu potencial transformador, as políticas públicas paulistas ainda não conferem à agroecologia a estrutura normativa e orçamentária necessária para sua expansão. A criação do Plano Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (PLEAPO), em 2020, indicou uma mudança de paradigma, mas sua execução tem sido limitada por obstáculos como a escassez de verbas, a descontinuidade administrativa e a fragilidade dos mecanismos de gestão compartilhada.
Um dos entraves mais citados é a dificuldade de obtenção de certificações orgânicas. O processo, além de custoso, exige conhecimento técnico e adequações legais que muitos pequenos produtores não conseguem cumprir sem apoio especializado. As políticas de compras institucionais, embora relevantes, ainda carecem de ajustes que considerem as especificidades da produção agroecológica, como o uso de sementes crioulas, o manejo agroflorestal e a baixa escala produtiva.
De acordo com dados recentes do Instituto Kairós (2023), a maioria dos municípios paulistas não possui ações contínuas de fomento à agroecologia. A ausência de assistência técnica específica, combinada à precariedade da infraestrutura local e à falta de planejamento intersetorial, dificulta o avanço de modelos produtivos sustentáveis no campo.
Para que a agroecologia se consolide como uma diretriz efetiva da política agrária estadual, é essencial ampliar os investimentos em capacitação de técnicos, fortalecer redes de comercialização de base solidária e garantir mecanismos simplificados de acesso aos programas governamentais. Reformular instrumentos como o PAA e o PNAE, priorizando alimentos oriundos de sistemas agroecológicos, pode ser decisivo para garantir escoamento da produção e estimular novos empreendimentos. Além disso, a criação de centros de formação territorializados, voltados à experimentação agroecológica, pode contribuir significativamente para a construção de um modelo rural mais justo, resiliente e sustentável.
1.5 Comercialização e Acesso a Mercados: Alternativas Solidárias à Marginalização Econômica
A comercialização da produção continua sendo um dos maiores desafios enfrentados pelos agricultores familiares no Estado de São Paulo. As exigências do mercado convencional — como formalização fiscal, cumprimento de padrões sanitários rígidos, capacidade de produção em escala e eficiência logística — tornam-se barreiras quase intransponíveis para muitos pequenos produtores, que frequentemente acabam excluídos das cadeias formais e recorrem à venda direta ou à intermediação pouco vantajosa com atravessadores.
Diante desse cenário, alternativas baseadas em circuitos curtos de comercialização têm ganhado relevância. Experiências como feiras agroecológicas, grupos de consumo consciente, entregas de cestas organizadas por redes comunitárias e vendas realizadas por plataformas digitais têm contribuído para aproximar produtores e consumidores, fortalecer vínculos locais e valorizar alimentos de base familiar e sustentável.
No entanto, mesmo nesses canais, persistem entraves que limitam sua expansão. A dificuldade de emitir documentos fiscais, a ausência de orientação contábil acessível e a rigidez das normas legais aplicáveis à agricultura familiar criam obstáculos à formalização desses empreendimentos. A falta de políticas adaptadas às particularidades desse segmento evidencia a urgência de ajustes legais, como a criação de regimes tributários simplificados e serviços de assessoramento jurídico voltados à realidade rural.
Um exemplo inspirador é o da Cooperapas, cooperativa agroecológica atuante na periferia sul da capital paulista. A organização coletiva permitiu ampliar a renda dos cooperados, fortalecer redes comunitárias e consolidar canais próprios de venda com apoio institucional. Casos como esse demonstram que políticas públicas orientadas para o fortalecimento de empreendimentos autogeridos e de base territorial podem gerar impactos significativos na autonomia econômica das famílias agricultoras.
Para ampliar esse potencial, é essencial que o poder público atue de forma ativa na construção de condições favoráveis à comercialização da produção familiar. Isso inclui oferecer infraestrutura adequada — como pontos fixos de venda e centros de distribuição —, assistência técnica especializada, apoio logístico e edital voltado a cooperativas e produtores independentes. O incentivo aos mercados locais deve ser tratado como componente estratégico do desenvolvimento rural sustentável, promovendo inclusão produtiva, segurança alimentar e valorização da produção campesina.
1.6 Educação e Juventude no Campo: Perspectivas para Permanência e Sucessão Rural
A permanência da juventude no meio rural é um dos principais desafios para a continuidade da agricultura familiar no Estado de São Paulo. A falta de oportunidades educacionais compatíveis com o contexto do campo tem levado muitos jovens a migrar para os centros urbanos em busca de perspectivas profissionais e culturais, provocando o esvaziamento social de comunidades agrícolas.
Mesmo com a garantia legal do direito à educação no campo, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), sua efetivação ainda é limitada. A desativação de escolas em áreas rurais e a precariedade das estruturas educacionais em funcionamento resultam em trajetos longos, desmotivação e dificuldades de aprendizado para os estudantes. Essa realidade é agravada pela baixa oferta de cursos voltados às especificidades da vida rural, como formação técnica em agroecologia, gestão da produção e empreendedorismo agrícola.
Superar esse quadro exige políticas que reconheçam a diversidade socioterritorial dos jovens rurais e promovam uma educação que dialogue com suas vivências. É necessário investir em propostas pedagógicas que incorporem os saberes locais, valorizem a cultura camponesa e ampliem o acesso à tecnologia, à comunicação e às expressões culturais. A criação de escolas com enfoque agroecológico, programas de extensão universitária e iniciativas de ensino digital adaptado ao campo são caminhos possíveis e eficazes.
Parcerias entre universidades públicas, movimentos sociais e comunidades rurais podem impulsionar práticas formativas que não apenas transmitam conhecimento técnico, mas também reforcem o pertencimento e o compromisso com o desenvolvimento local. A inserção dos jovens em redes de produção sustentável, em experiências de cooperação e em projetos comunitários fortalece sua identidade e abre possibilidades de futuro no campo.
Adicionalmente, a educação jurídica popular dirigida à juventude rural pode desempenhar papel fundamental na formação de sujeitos conscientes de seus direitos e capazes de intervir nas decisões que impactam seus territórios. Essa formação crítica, quando aliada à organização coletiva, contribui para o surgimento de uma nova geração de lideranças comprometidas com a justiça social e com a construção de um campo mais democrático, inclusivo e sustentável.
1.7 Conflitos Fundiários e a Reforma Agrária em São Paulo
Embora São Paulo não seja frequentemente citado entre os estados com maior incidência de conflitos agrários, há regiões em seu território onde as disputas por terra permanecem acentuadas. O Pontal do Paranapanema e o Vale do Ribeira, por exemplo, concentram litígios históricos envolvendo populações tradicionais, comunidades quilombolas e famílias que vivem em assentamentos rurais. Nessas localidades, são recorrentes os relatos de invasões, remoções forçadas e pressões crescentes do agronegócio e do mercado imobiliário.
A atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no estado tem se mostrado limitada diante da demanda por titulação definitiva e estruturação dos assentamentos. O cenário é agravado pela carência de recursos financeiros e pela redução da capacidade operacional do órgão, dificultando avanços concretos no processo de democratização do acesso à terra.
A presença estatal, nessas regiões, costuma ser irregular e insuficiente para garantir a proteção dos direitos coletivos. Embora instituições como a Defensoria Pública e o Ministério Público desempenhem papel relevante na mediação de conflitos, suas ações esbarram em limitações institucionais e na dificuldade de alcançar áreas remotas ou desassistidas.
Nesse contexto, é necessário reconfigurar a concepção da reforma agrária, superando a visão restrita de distribuição de terras para compreendê-la como parte de um projeto abrangente de desenvolvimento rural. Isso implica assegurar políticas integradas que envolvam educação de qualidade, infraestrutura básica, serviços de saúde, orientação técnica e estímulos à produção sustentável.
O reconhecimento legal de formas coletivas de posse e gestão da terra, como os territórios de uso comum, representa uma alternativa eficaz para a proteção de grupos historicamente vulneráveis. A construção de políticas públicas voltadas ao território deve partir da escuta ativa das comunidades envolvidas, respeitando suas formas de vida, práticas produtivas e vínculos indenitários com o espaço rural.
2. METODOLOGIA E MÉTODOS
A condução desta investigação baseou-se em uma abordagem qualitativa, com enfoque exploratório e descritivo, buscando analisar criticamente os mecanismos legais e institucionais que incidem sobre a agricultura familiar no Estado de São Paulo. A escolha metodológica se justifica pela intenção de compreender os significados atribuídos pelos sujeitos do campo às normas que moldam suas práticas, relações sociais e estratégias de sobrevivência — aspectos que dificilmente seriam captados por métodos quantitativos tradicionais.
A estrutura lógica da pesquisa seguiu um caminho dedutivo, iniciando-se pela análise de marcos legais amplos, como a Lei nº 11.326/2006 e os principais programas federais e estaduais relacionados à agricultura familiar, para então alcançar a forma como tais instrumentos são percebidos, acessados e aplicados em contextos territoriais concretos. Essa trajetória analítica permitiu explorar se as diretrizes normativas dialogam efetivamente com as especificidades socioeconômicas e culturais dos territórios rurais paulistas.
O embasamento teórico-jurídico foi construído a partir de levantamento bibliográfico e análise documental. Foram examinados textos legais, pareceres técnicos, relatórios institucionais e publicações acadêmicas, além de materiais produzidos por movimentos sociais e organizações civis engajadas na pauta do desenvolvimento rural e da agroecologia. O corpus documental incluiu fontes provenientes da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS), do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) e de universidades públicas.
Complementarmente, foi realizada uma análise qualitativa de políticas públicas selecionadas, com ênfase na identificação de seus efeitos concretos, potenciais transformadores e limitações estruturais. Foram considerados critérios como clareza normativa, barreiras burocráticas, adequação territorial, acesso por diferentes segmentos da agricultura familiar e presença institucional nos municípios. Embora não tenha havido realização de entrevistas, a análise apoiou-se em fontes secundárias confiáveis, como estudos de caso documentados e dados oficiais amplamente reconhecidos.
Ao adotar uma perspectiva crítica, esta pesquisa propõe-se a não apenas descrever os mecanismos legais existentes, mas também interrogar seus impactos sociais, suas omissões e suas contradições, refletindo sobre o papel do Direito na conformação de uma política agrária justa, efetiva e sensível às realidades do campo.
3. REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 Desafios Jurídicos Persistentes na Agricultura Familiar Paulista
Apesar dos avanços promovidos desde a promulgação da Lei nº 11.326/2006, o arcabouço jurídico que regula a agricultura familiar no Brasil ainda enfrenta obstáculos consideráveis em sua aplicação prática, especialmente em território paulista. Um dos entraves mais relevantes diz respeito à insegurança jurídica no meio rural, frequentemente associada à lentidão nos processos de regularização fundiária. Em regiões como o Vale do Ribeira e o Pontal do Paranapanema, é comum encontrar famílias ocupando terras há gerações sem a devida titulação, o que dificulta o acesso a políticas públicas e compromete a sustentabilidade de suas atividades no longo prazo.
Outro ponto crítico é a fragmentação normativa. A sobreposição de legislações federais, estaduais e municipais, muitas vezes sem articulação entre si, gera confusão tanto para os produtores quanto para os gestores públicos. Como observa Rocha (2022), a existência de normas contraditórias contribui para uma paralisação institucional e aumenta a insegurança jurídica dos beneficiários das políticas rurais.
A escassez de serviços de apoio jurídico especializado também compromete o acesso a direitos no campo. Em diversos municípios do interior paulista, a ausência de profissionais capacitados em direito agrário dificulta a mediação de conflitos fundiários, o acesso a benefícios previdenciários rurais e a constituição legal de cooperativas e associações.
Adicionalmente, há um déficit no reconhecimento jurídico da multifuncionalidade da agricultura familiar. As normativas legais geralmente não contemplam a complexidade dessa prática, que envolve simultaneamente a produção de alimentos, a proteção ambiental, a valorização cultural e a geração de renda. Como resultado, tanto as políticas públicas quanto as decisões judiciais frequentemente deixam de considerar essa diversidade funcional.
3.2 Políticas Públicas: Avanços, Limites e Oportunidades.
Nas últimas décadas, iniciativas voltadas à agricultura familiar foram implementadas pelo governo paulista, como o PPAIS e programas conduzidos pela CDRS. No entanto, a descontinuidade administrativa e a presença desigual desses serviços nos territórios rurais comprometem sua eficácia. Muitos municípios carecem de técnicos preparados para auxiliar na elaboração de projetos voltados ao Pronaf ou na inserção dos agricultores nos programas de compras governamentais.
Além disso, observa-se uma falta de articulação entre políticas setoriais. A atuação isolada das políticas agrícolas em relação às áreas de saúde, educação e meio ambiente dificulta o desenvolvimento de estratégias integradas voltadas ao meio rural. Um exemplo dessa desconexão é a ausência de sinergia entre o Plano Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (PLEAPO) e as ações de compras públicas estaduais.
Outro entrave recorrente são os critérios burocráticos e operacionais impostos por esses programas, que muitas vezes não dialogam com a realidade dos pequenos produtores. Agricultores com baixo nível de escolaridade ou em situação informal enfrentam grandes dificuldades para participar de editais, preencher formulários digitais e atender às exigências sanitárias, especialmente quando não contam com apoio técnico.
Apesar desses limites, há experiências locais que vêm demonstrando potencial transformador. Municípios como Botucatu, Piracicaba e o distrito de Parelheiros têm promovido boas práticas por meio da articulação entre instituições públicas, universidades e organizações da sociedade civil. Essas parcerias vêm fortalecendo redes agroecológicas, feiras populares e bancos de sementes crioulas, sinalizando que políticas públicas adaptadas às especificidades locais podem gerar impactos positivos concretos.
3.3 Propostas de Melhoria para o Fortalecimento Jurídico e Político da Agricultura Familiar
Diante dos desafios apresentados, é possível delinear uma agenda de ações distribuídas em três eixos fundamentais: atualização normativa, fortalecimento das instituições públicas e ampliação da participação social.
3.3.1 Atualização Normativa
A revisão das legislações agrária e ambiental deve ter como foco a desburocratização dos processos de regularização fundiária, com atenção especial a áreas ocupadas por comunidades tradicionais, assentamentos coletivos e empreendimentos familiares. A valorização de práticas jurídicas baseadas no costume pode contribuir para ampliar a segurança jurídica nas zonas rurais.
A criação de um estatuto estadual específico para a agricultura familiar também se mostra necessária. Esse instrumento teria a função de unificar e sistematizar os dispositivos legais vigentes, assegurando princípios fundamentais como a função social da terra, o direito à assistência técnica gratuita e o acesso preferencial aos mercados institucionais.
3.3.2 Fortalecimento das Instituições
É essencial investir na valorização e ampliação das estruturas públicas voltadas ao atendimento do agricultor familiar, como os escritórios regionais da ATER e os serviços oferecidos pela CDRS. A realização de concursos públicos, capacitações continuadas e a recomposição orçamentária dessas instituições são medidas prioritárias.
Destaca-se, ainda, a importância da atuação da Defensoria Pública com foco em questões agrárias, sobretudo em regiões marcadas por disputas fundiárias. A formação de núcleos de assessoramento jurídico no meio rural, em parceria com universidades e entidades da sociedade civil, pode garantir atendimento jurídico gratuito, formação cidadã e acompanhamento das demandas locais.
3.3.3 Participação Social e Controle Democrático
O êxito das políticas públicas está diretamente ligado à presença ativa dos agricultores familiares nos espaços de decisão. Isso implica na criação de condições para o acesso à informação, formação política e estímulo à organização comunitária.
É preciso institucionalizar mecanismos de escuta e participação, como audiências públicas, fóruns territoriais e conferências regionais, de modo a alinhar as políticas às reais necessidades do campo. A construção coletiva dessas ações fortalece a legitimidade das políticas e garante maior aderência territorial.
Em síntese, para que a agricultura familiar paulista atinja seu pleno potencial, é necessário que o sistema jurídico vá além do formalismo legal e reconheça o protagonismo dos sujeitos rurais. Com leis adaptadas à realidade do campo, políticas públicas integradas e participação ativa da população, será possível construir um modelo de desenvolvimento rural mais justo, resiliente e inclusivo.
4. CONCLUSÃO
A agricultura familiar segue sendo um componente essencial para assegurar a alimentação da população, preservar o meio ambiente e manter o equilíbrio social e econômico das zonas rurais, sobretudo em São Paulo, onde a expansão urbana e as dinâmicas do agronegócio impõem desafios constantes. Embora o marco normativo brasileiro, representado por instrumentos como a Lei nº 11.326/2006, reconheça formalmente a importância desse segmento, a distância entre os dispositivos legais e a sua concretização no cotidiano das famílias agricultoras ainda é significativa.
Os resultados deste estudo revelam que os mecanismos jurídicos e institucionais voltados à agricultura familiar enfrentam entraves estruturais persistentes, como a fragmentação entre os níveis federativos, a escassez de recursos para execução de políticas e a ausência de assistência técnica e jurídica eficaz nos territórios rurais. Além disso, destaca-se a limitada inclusão dos próprios agricultores nos espaços de formulação e deliberação das políticas que os afetam diretamente — fator que compromete a legitimidade, a efetividade e a territorialização das ações públicas.
No estado de São Paulo, tais desafios se intensificam diante da valorização do mercado fundiário, do avanço do agronegócio e da urbanização desordenada, que tendem a desarticular as formas tradicionais de ocupação e uso da terra. A pesquisa de Ferreira e Lima (2023) demonstra que, apesar do arcabouço jurídico existente, os pequenos produtores seguem enfrentando dificuldades sistêmicas para permanecer no campo de forma digna, produtiva e sustentável. Tal constatação indica a necessidade de se revisar não apenas as leis, mas também os modelos de governança pública que conduzem sua aplicação.
Iniciativas federais como o Pronaf, o PAA e o PNAE representam avanços no apoio à produção e à inserção comercial da agricultura familiar. No entanto, sua efetividade ainda é limitada por entraves burocráticos, exigências incompatíveis com a realidade rural e dificuldades de acesso às tecnologias digitais por parte dos agricultores do interior paulista. Os dados apresentados por Oliveira e Santos (2022) reforçam esse cenário, ao apontarem que uma parcela expressiva das famílias agricultoras permanece à margem das políticas de crédito e incentivo.
Também foi identificado um déficit normativo em relação às novas práticas e arranjos produtivos, como a agroecologia, a produção orgânica e os circuitos alternativos de comercialização. A legislação atual ainda adota uma lógica pouco flexível, não contemplando de forma adequada as dinâmicas territoriais e socioculturais específicas que caracterizam os sistemas agroalimentares familiares. Nesse sentido, como destacam Martins e Souza (2024), é essencial que as estruturas jurídicas dialoguem com as realidades locais e reconheçam as múltiplas dimensões da produção rural familiar.
Diante desse panorama, propõe-se um avanço simultâneo em três frentes: a simplificação do acesso aos dispositivos legais e aos programas públicos; o fortalecimento das instituições locais e regionais, com foco na prestação de serviços integrados; e a criação de políticas participativas que partam das demandas efetivas das comunidades rurais. A superação da distância entre norma e realidade exige escuta ativo protagonismo social e inovação na gestão das políticas públicas.
Para que a agricultura familiar se afirme como motor de um desenvolvimento rural equitativo e sustentável em São Paulo, é preciso ir além da legislação formal. Isso implica em ações institucionais coerentes, integração entre as diferentes políticas públicas e valorização dos conhecimentos e das formas de vida construídas no campo. O Direito, nesse contexto, deve ser entendido como ferramenta de transformação social — capaz de garantir direitos, promover equidade e sustentar novos paradigmas de relação entre sociedade, natureza e produção.
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1Concludente do Bacharelado em Engenharia Agronômica no Centro Universitário de Caratinga UNEC – Caratinga – MG – matrícula 018054; josimarrodrigues108@gmail.com; https://lattes.cnpq.br/9022006345035351
2Advogado e Mestre em Estudos Jurídicos Avançados, pela Universidad del Atlántico – UNEATLANTICO, Santander – Espanha; Doutorando em Derecho, na Universidad Internacional Iberoamerica – UNINI México; https://orcid.org/0000-0001-9803-2964; franciscoalves.adv@hotmail.com