ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS: ENTRE ESTÁGIO DOCÊNCIA EM CONTEXTO TECNOLÓGICO E ATUAÇÃO DOCENTE NO ENSINO REMOTO¹

DIDACTIC STRATEGIES: BETWEEN TEACHING INTERNSHIP IN A TECHNOLOGICAL CONTEXT AND TEACHING CHALLENGES IN REMOTE TEACHING

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10076933


Vanessa Luciene Pereira Araujo2
Williany Miranda da Silva3


RESUMO: 

O cenário escolar nunca esteve tão próximo da emergente necessidade de difundir espaços de rede sem fio por todos os lugares do mundo. Há uma urgência em ampliar o uso das ferramentas digitais, rediscutir os calendários convencionais e ressignificar os programas pré-estabelecidos para os contextos de ensino (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016). Com base nisso, deparamo-nos com o estágio e atuação docente associados à construção identitária dos sujeitos em meio a tantas transformações e transições paradigmáticas. Ao considerar essa realidade, constituem-se como perguntas para esta pesquisa: Que desafios foram enfrentados por participantes do Projeto “Enem na palma da mão” no processo migratório para o ensino remoto? e; quais foram os impactos dessa participação para a atuação remota? No propósito de respondê-las, instituímos como objetivo geral analisar o posicionamento dos sujeitos acerca da experiência de estágio em contexto tecnológico em comparação com o ensino remoto e, como objetivos específicos, identificar as estratégias utilizadas pelos participantes na execução do estágio e atuação remota, enquanto professores; bem como suas impressões para atuação na vida profissional docente. Trata-se de um estudo de caso, com viés descritivo-interpretativista, cuja análise faz uso de questionários respondidos pelos sujeitos em processo longitudinal. Ancoramo-nos teoricamente em Schön (2000); Moita Lopes (2006); Pfromm Netto (2011); Tardif (2012); Freire e Leffa (2013); Nóvoa (2017), entre outros. Os resultados apontam desafios vivenciados no referido projeto e no ensino remoto, associados aos aspectos tecnológicos, físicos, didáticos e financeiros. 

Palavras-chave: estágio docência; atuação docente; contexto tecnológico; ensino remoto; estratégias didáticas. 

SUMMARY:

The school scenario has never been closer to the emerging need to spread wireless network spaces all over the world. There is an urgency to expand the use of digital tools, re-discuss conventional calendars and re-signify pre-established programs for teaching contexts (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016). Based on this, we are faced with the teaching internship and performance associated with the identity construction of the subjects in the midst of so many paradigmatic transformations and transitions. When considering this reality, the following questions are constituted for this research: What challenges were faced by participants of the “Enem in the palm of the hand” Project in the migratory process to remote teaching? and; What were the impacts of this participation for remote work? In order to answer them, we established as a general objective to analyze the positioning of the subjects about the internship experience in a technological context compared to remote teaching and, as specific objectives, to identify the strategies used by the participants in the execution of the internship and remote work, as teachers; as well as their impressions for acting in the teaching professional life. It is a case study, with a descriptive-interpretative bias, whose analysis makes use of questionnaires answered by the subjects in a longitudinal process. We are theoretically anchored in Schön (2000); Moita Lopes (2006); Pfromm Netto (2011); Tardif (2012); Freire and Leffa (2013); Nóvoa (2017), among others. The results point to challenges experienced in the aforementioned project and in remote teaching, associated with technological, physical, didactic and financial aspects.

Keywords: teaching internship; teaching performance; technological context; remote teaching; didactic strategies.

Introdução

A participação nas disciplinas de estágio e a atuação docente não podem deixar de ter correspondência com o que de fato tem sido vivenciado pelos professores em exercício. É imprescindível olhar e ouvir esses professores e suas reais necessidades. Ao considerar a inserção de recursos tecnológicos no âmbito escolar, deparamo-nos com um processo educacional desconectado do tempo de aquisição de habilidades e competências para a linguagem tecnológica. Embora alunos e professores estejam inteirados com o uso de aplicativos, jogos, plataformas, entre outros, observar o contexto escolar destituído das aulas presenciais de modo tão acelerado, como em 2020, exigiu uma adequação e imersão digital sem precedentes. O tempo tem sido atropelado pela urgência em lidar com planejamentos, gravações e aulas remotas que excedem e põe em evidência uma formação docente em concomitância com a atuação profissional.

Nesse contexto, este artigo objetiva dar visibilidade aos discentes (hoje docentes que atuaram no ensino remoto) de uma disciplina de estágio de Língua Portuguesa no ensino médio, da Universidade Federal de Campina Grande-PB, em 2016, com o uso de recursos tecnológicos (elaboração de módulos e videoaulas). Na época, o estágio foi realizado com 17 alunos e envolveu a construção de materiais didáticos digitais sobre conteúdos da área de linguagens abordados no Enem (Leitura multimodal; Variação linguística; Concordância verbal e nominal; e Produção do texto dissertativo-argumentativo), intitulado Projeto “Enem na palma da mão”. A experiência não fazia parte do componente curricular do curso de letras da unidade, mas tornou-se uma opção, a partir de sinalizações de greve nas escolas estaduais em 2016. O propósito deste trabalho visa comparar os desafios enfrentados no cenário vivenciado no estágio docência e o que seria realidade em 2020 com o ensino remoto. Sendo assim, partimos dos seguintes questionamentos: Que desafios foram enfrentados por participantes do Projeto “Enem na palma da mão” no processo migratório para o ensino remoto? e; quais foram os impactos dessa participação na formação docente para a atuação remota? No propósito de respondê-las, instituímos como objetivo geral analisar o posicionamento dos sujeitos a partir da experiência de estágio em contexto tecnológico em comparação com o ensino remoto e, como objetivos específicos, identificar as estratégias utilizadas pelos participantes na execução do estágio e atuação remota enquanto professores; bem como suas impressões para a atuação na vida profissional docente.

Trata-se da análise de dois questionários, o primeiro deles aplicado durante pesquisa em nível de mestrado com questões relacionadas ao Projeto “Enem na palma da mão” e, o segundo, aplicado durante investigação no doutorado, comparando a experiência de estágio com recursos tecnológicos com a atuação remota vivenciada pelos docentes ao longo do período pandêmico. Com base na Linguística Aplicada, desenvolvemos um estudo qualiquantitativo, sob um viés descritivo-interpretativista, cujo corpus abarca pontos positivos e negativos vivenciados na experiência de estágio, disciplinas do currículo acadêmico que contribuíram com o projeto e desenvolvimento dos materiais didáticos, além de desafios enfrentados e comparados com o processo do ensino remoto.

Como forma de compreendermos melhor o desenvolvimento do estágio de Língua Portuguesa que, posteriormente, tornou-se o Projeto “Enem na palma da mão”, bem como  dar visibilidade à atuação dos ex-estagiários em sua prática docente com o ensino remoto, esse artigo além de trazer essa introdução, segue com a apresentação da metodologia, fundamentação teórica e análise. 

1 Metodologia 

Nesta seção, apresentamos as questões metodológicas que embasaram a nossa pesquisa, com destaque para sua natureza e geração de dados

1.1 Natureza da pesquisa

Como forma de desenvolvermos esta pesquisa, alicerçamo-nos no paradigma emergente por sua coadunação com os desafios sociais contemporâneos, cujas exigências relacionam-se à superação da fragmentação do conhecimento (BEHRENS, 2013). Tal inserção nos conscientiza acerca da “necessidade de convivência com a incerteza, imprevisibilidade e instabilidade” e associa-se aos estudos da Linguística Aplicada que têm como objetivo essencial a problematização da prática de uso da linguagem na práxis humana (FREIRE, LEFFA, 2013, p. 59; MOITA LOPES, 2015). 

Baseada nessa perspectiva, a investigação tem características de natureza quali quantitativa, uma vez que para se analisar o posicionamento de sujeitos participantes de uma disciplina de estágio com uso de recursos tecnológicos e atualmente professores no ensino remoto o pesquisador tanto perpassa pela quantificação dos dados por meio de uma identificação e análise “de forma acurada, dados de difícil mensuração” (SIMÕES; GARCÍA, 2014), como também está empenhado na interpretação, na subjetividade e na flexibilidade da pesquisa.

Com a intenção de atender ao questionamento de pesquisa já expresso no resumo e introdução, e dada a natureza do estudo, buscamos desenvolver essa investigação sob um viés descritivo-interpretativista, objetivando descrever os objetos de estudo, por meio da observação, levantamento de dados e entendimento de suas peculiaridades (GERHARDT; SILVEIRA, 2009).

Quanto ao seu conjunto de dados, é formado pela elaboração de dois questionários de perguntas abertas aplicadas com os participantes do projeto “Enem na palma da mão”, tendo em vista o atendimento à pergunta de pesquisa e objetivos empreendidos. Tais questionários foram aplicados em momentos distintos. O primeiro deles, baseou-se apenas em questões relacionadas à participação no estágio de Língua Portuguesa, realizado em 2016, com a produção de módulos e videoaulas, cuja participação possibilitou o surgimento do projeto. Ele foi enviado pelo Facebook e e-mail e respondido por cinco estagiários que se disponibilizaram em participar da pesquisa. 

O segundo, por sua vez, abarcou perguntas relacionadas à atuação dos ex-estagiários, hoje professores, no ensino remoto vivenciado durante a pandemia e foi respondido por 4 estagiários que aceitaram contribuir com a investigação. Acerca disso, Santade (2014, p. 69) enfatiza que o questionário é organizado pela relação de perguntas ordenadas “que devem ser respondidas por escrito pelo informante, sem a presença do pesquisador”. Por serem questões abertas, asseguram uma abrangente variabilidade interpretativa (GERHARDT; SILVEIRA, 2009). Vale ressaltar que os dois questionários foram enviados juntamente com o termo de consentimento para participação na pesquisa.

1.2 Contexto de geração de dados

O contexto de geração de dados desta investigação situa-se em diferentes cenários e momentos de atuação, mas com os mesmos participantes e com a utilização de recursos tecnológicos. O primeiro cenário ocorreu em 2016 com sujeitos ainda graduados em uma disciplina de estágio de Língua Portuguesa, na Unidade Acadêmica de Letras da Universidade Federal de Campina Grande. O estágio se deu sob supervisão da professora da disciplina, com 17 estagiários e elaboração de módulos e videoaulas com conteúdos abordados na prova de Linguagens e Redação (Leitura Multimodal; Variação Linguística; Concordância Verbal e Nominal; e Texto dissertativo-argumentativo). Ao término do processo de desenvolvimento dos materiais, foi criado um canal no YouTube, intitulado Projeto “Enem na palma da mão”, cujos materiais postados objetivaram contribuir com candidatos ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). A realização desse estágio com produção de módulos e vídeo aulas foi uma experiência isolada, não faz parte da grade acadêmica do Curso de Letras, porém visou atender ao momento vivenciado no período 2015.2 que enfrentou rumores de greve na educação pública, inviabilizando um estágio presencial.  

Quanto ao segundo cenário, especificamente 2020, deparamo-nos com o Brasil e o mundo diante de uma guerra com um vírus chamado Covid-19 que tem atingido todos os setores da sociedade. Isso não seria diferente para a educação que, ao seguir o cumprimento de isolamento instituído pelo Ministério da Saúde, como forma de proteção para os cidadãos brasileiros, precisam iniciar uma maratona de adaptações, com professores utilizando recursos virtuais para manutenção de socialização interativa com seus alunos. Nesse contexto, estão presentes os sujeitos participantes do projeto “Enem na palma da mão”, em 2016, porém agora perante o ensino remoto, como professores atuantes que precisaram lidar com ferramentas digitais que faziam parte da sala de aula como complementares para o processo de ensino-aprendizagem, principalmente, quando nos referimos à educação básica.

2 Ressignificação da Formação Docente

O terceiro milênio, evidenciado por Pfromm Netto (2011) como uma trajetória marcada por transições, rupturas e inovações tem sinalizado a elaboração de uma formação docente renovada e questionadora (FREIRE; LEFFA, 2013). De acordo com Nóvoa (2017, p. 1112), é preciso intensificar as dimensões profissionais no processo de formação de professores, distanciados de uma visão limitada, porém em busca de modelos que “renovem a profissão e que sejam renovados por ela”. Nessa direção, as reflexões acerca da sua ressignificação estão presentes nas discussões de alguns autores que defendem tal proposta. 

Segundo Schön (2000), em seu texto “Preparando os profissionais para as demandas da prática”, é preciso observar, no âmbito profissional, a existência de dilemas que apontam para uma nova epistemologia da prática e um repensar da educação em função da prática reflexiva. Ele menciona que, nos últimos anos, tem crescido a percepção de distanciamento entre pesquisadores e profissionais. Significa dizer que a pesquisa não está apenas separada da prática profissional, porém também tem apresentado divergências no que se refere às necessidades e interesses dos profissionais atuantes. Para tanto, Schön (2000) propõe que a formação profissional deve inserir a experiência de aprender através do fazer e enfatiza a presença do talento artístico para uma boa instrução. Sendo assim, será imprescindível a busca por exemplos em lugares como: “currículo dual das escolas, nos aprendizados e nas atividades de ensino prático que os profissionais encontram ou criam para si mesmos e nas tradições divergentes de ateliê e conservatório” (Schön, 2000, p. 25). Além do foco na prática como forma de amenizar o distanciamento entre academia e escola, o autor sugere que os profissionais devem ser preparados para o imprevisível, e não apenas com investimentos técnicos e instrumentais, tendo em vista a recorrência de zonas indeterminadas da prática que escapam aos modelos da racionalidade técnica. 

A proposta de Schön (2000) dialoga com as discussões empreendidas por Freire e Leffa (2013) que abordam a emergência de um paradigma complexo, interligado com a incerteza, imprevisibilidade e instabilidade.  De acordo com os autores, o paradigma tradicional apresentou méritos, viabilizou a democratização do conhecimento, além de proporcionar legitimação pública e científica, entretanto sua trajetória histórica simplista e sequencial conduziu a sociedade a uma concepção de vida alicerçada em “competitividade, isolamento, individualismo e materialismo extremado” (FREIRE, LEFFA, 2013, p. 63). Com base nisso, faz-se necessário construir paradigmas associados aos padrões e modelos que interpretem a realidade vivenciada. Tal convicção é sugerida por Freire e Leffa (2013) a partir da priorização do sujeito e da sua ação sobre si mesmo.

Ao pensar na formação docente relacionada ao paradigma da complexidade, os autores partem da teoria tripolar, desenvolvida por Pineau (1988) é caracterizada por três movimentos: personalização, socialização e ecologização, são eles que originam, respectivamente, três polos de formação: a) autoformação – indivíduo responsável pela sua própria formação, há uma ação do eu; b) heteroformação – ação dos indivíduos uns sobre os outros, há uma dimensão social, conformação; e c) ecoformação – ação do meio ambiente sobre os indivíduos, dimensão ambiental. A teoria tripolar não ocorre de modo isolado, em dada situação uma pode até se destacar em relação às outras, mas há complementaridade dos polos de formação, garantindo assim, constituição unitária nos processos formativos. 

Ainda com relação à ressignificação da formação docente, Nóvoa (2017) parte do conceito de “posição” com o intuito de apresentar cinco importantes dimensões que associam a vida pessoal com a vida profissional e a vida profissional com a ação pública. Em seu artigo, intitulado “Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente”, o autor defende que o conhecimento científico e cultural deve ser o alicerce para a formação profissional universitária, principalmente, quando se trata do ensino, uma vez que tudo passa a ser “volátil, enganador, etéreo, dificultando o esforço de educar” (NÓVOA, 2017, p. 1120). 

No que se refere às cinco dimensões propostas para a formação de professores, temos: disposição pessoal; interposição profissional; composição pedagógica; recomposição investigativa; e exposição pública. 

A primeira, “Disposição pessoal: como aprender a ser professor?”, enfatiza a necessidade de espaços e tempos que possibilitem um trabalho de autoconhecimento, de autoconstrução. Faz-se imprescindível um acompanhamento e reflexão acerca da profissão desde o primeiro dia de aula na universidade, como forma de combate à evasão e, consequentemente, à “desmoralização” e ‘mal-estar” dos docentes. Para tanto, aprender a ser professor demanda três dimensões centrais: a) desenvolvimento de uma vida cultural e científica própria. Os professores precisam de uma densidade cultural para dialogar com os alunos, ou seja, um contato constante com a ciência, com a literatura e a arte; b) dimensão ética, por considerá-la importante na vida profissional do professor, como um compromisso com a educação dos alunos; e c) preparação do professor para agir num ambiente de incerteza e imprevisibilidade. O dia a dia o conduzirá a situações e decisões inesperadas, exigindo uma dimensão humana para atender a determinadas responsabilidades. 

A segunda, “Interposição profissional: como aprender a sentir como professor?”, sugere uma formação de professores em contato com a profissão. Não há formação sem a participação de outros profissionais da área. Nóvoa (2017) defende a construção de um ambiente formativo com a presença da universidade, escolas e professores. Esta parceria evidencia a distinção das funções dos envolvidos no processo, porém respeita a igualdade entre todos e a capacidade real de participação. Esse equilíbrio evita a transformação das escolas em um “campo de aplicação” e permite uma significativa formação docente. 

A terceira, “Composição pedagógica: como aprender a agir como professor?”, reconhece que, se esse terceiro conhecimento não for levado em consideração, a formação de professores se reduz entre o conhecimento das disciplinas e o conhecimento pedagógico. Nessa direção, o autor a define a partir de três aproximações distintas: A primeira, baseada em Spinoza, faz referência a três gêneros do conhecimento: a) um professor despreparado em sala de aula lida com situações externas, demarcadas pelo comportamento dos alunos e atitudes involuntárias; b) domínio da sala e suas relações; e c) compreensão acerca do ensino. A segunda aproximação parte do conceito de tato pedagógico, utilizado por Herbart, e compreende o senso, inteligência ou compostura pedagógica, associada à ação exercida pelos professores. A última, por sua vez, aborda a ideia de discernimento, cujo professor, ao lidar com o conhecimento, lida também com as situações de relação humana. Abrange a “capacidade de julgar e de decidir no dia a dia profissional” (NÓVOA, 2017, p. 1127). 

A quarta, “Recomposição investigativa: como aprender a conhecer como professor?”, assegura que o que mais interessa é o modo como a própria profissão insere em seu cotidiano uma prática de pesquisa, uma reflexão profissional própria, realizada com base na análise sistemática do trabalho, por meio de trabalho colaborativo com os colegas da escola.

Uma profissão precisa registrar o seu patrimônio, o seu arquivo de casos, as suas reflexões, pois só assim poderá ir acumulando conhecimento e renovando as práticas. É uma questão decisiva que deve estar presente desde o início da formação de professores. Uma profissão que não se escreve também não se inscreve, nem se afirma publicamente (NÓVOA, 2017, p. 1129). 

Por sua vez, a quinta, “Exposição pública: como aprender a intervir como professor?”, menciona que a educação tem vivido tempos de incerteza e grandes transformações. O advento do mundo digital pode facilitar e apresentar mudanças no contexto escolar, entretanto também pode trazer consigo a mobilização de ações sociais fora dela. Portanto, a profissão docente não se encerra dentro do âmbito profissional, se estende para o espaço público, através da vida social pela composição do coletivo. Por isso, a profissão docente posiciona-se no interior da profissão e posiciona-se publicamente. 

Com base nas discussões empreendidas pelos autores mencionados acima, pode-se dizer que a formação docente vivencia momentos de transição paradigmática. Não há como visualizar as universidades e o contexto escolar distanciados das urgentes necessidades de mudança. Nesse processo, o professor e os discentes em formação entram como importantes aliados que devem não mais ser apenas objetos de investigação, mas participantes dessa busca pela ressignificação da formação de professores. Para tanto, suas vozes precisam ser ouvidas e os espaços acadêmicos ampliados. 

3 Subjetividade e docência

A visibilização dos docentes atuantes e discentes em formação é discutida por Moita Lopes (2006) que, fundamentado na Linguística Aplicada, aponta um posicionamento responsivo à vida social. O autor defende uma teorização que relacione teoria e prática incluindo a “multiplicidade dos contextos sociais e daqueles que os vivem” (MOITA LOPES, 2006, p. 101). Seu direcionamento para as “vozes do Sul” assegura que a produção do conhecimento que destitui o sujeito, apaga a sua história e não dá conta das reais necessidades contemporâneas. Para ele, a construção do saber é uma maneira de autoconhecimento e criação de oportunidades para compreensão da vida social. Sendo assim, as questões identitárias estão presentes em pesquisas que proporcionam “pensar outras sociabilidades para a vida social, o que é o principal projeto político da atualidade” (MOITA LOPES, 2006, p. 104). 

No âmbito das tarefas cotidianas dos docentes, saberes são mobilizados. A fundamental posição do professor e sua relação com o conjunto de agentes escolares evidenciam seus conhecimentos e práticas, por isso, é preciso considerar a subjetividade dos professores no centro das pesquisas sobre o ensino (TARDIF, 2012). 

De acordo com Tardif (2012), os docentes não podem ser reduzidos a técnicos ou agentes sociais que aplicam conhecimentos externos. A concepção tradicional que aborda uma relação dicotômica entre teoria e prática com professores reduzidos a meros aplicadores do conhecimento produzido nas universidades não contempla a voz dos atores, sujeitos cujas práticas são portadoras de saberes. 

Nessa direção, Tardif (2012) propõe uma nova concepção de ensino a partir da recolocação da pesquisa universitária em ciências da educação, ressignificação da formação de professores e reorganização do ensino no ambiente escolar. Para o autor, é necessário desconstruir uma visão da profissão docente como objeto de pesquisa, os profissionais devem ser considerados como sujeitos do conhecimento. A produção de saberes sobre ensino não deve ser uma exclusividade dos pesquisadores, estes também precisam reconhecer os professores como detentores do saber associado à sua prática e ação. Tal proposta faz com que os docentes sejam inseridos como colaboradores ou até mesmo copesquisadores. Seus interesses, pontos de vista e linguagens também devem ser considerados. Além disso, para que haja uma inserção e apropriação da pesquisa por parte desses profissionais, eles devem esforçar-se para agir como tais, “atores capazes de nomear, de objetivar e de partilhar sua própria prática e sua vivência profissional” (TARDIF, 2012, p. 240). 

Desse modo, ao abordar a profissão docente, dirigimo-nos para a sua formação que, conforme Nóvoa (2017), apresenta uma relação intrínseca, cuja imagem sinaliza as instituições universitárias. Acerca desse processo de formação, Tardif (2012) supõe mudanças, entre elas: o direito de voz aos graduandos que envolve o poder de determinar, em conjunto com outros atores da educação, os conteúdos e formas; a incorporação de conhecimentos oriundos da profissão, em vez da priorização de conteúdos e lógicas disciplinares; bem como a abertura de espaço para o conhecimento dos formandos, tendo em vista que não são espíritos virgens, mas comportam crenças, expectativas cognitivas, sociais e afetivas que contribuem com o recebimento e processamento dos conhecimentos e informações. 

Nas palavras de Gonçalves, Silva e Góis (2014), os sujeitos alicerçados no paradigma emergente de pesquisa fazem parte de comunidades minoritárias, compreendidos como sem visibilização. São participantes de grupos desprestigiados que provocam o esboço de áreas de atuação para a Linguística Aplicada, cujo esforço engloba, entre outros, a legitimação das identidades docentes, as quais não usufruem de valor simbólico vivenciado por outros profissionais ou grupos sociais. 

4 Sistematização dos dados e Análise

Reiterando as nossas questões de pesquisa: Que desafios foram enfrentados por participantes do Projeto “Enem na palma da mão” no processo migratório para o ensino remoto? e; quais foram os impactos dessa participação na formação docente para a atuação remota?, objetivamos atentar para o posicionamento dos sujeitos do primeiro cenário (Projeto “Enem na palma da mão”) e para a atuação destes, no segundo cenário (enquanto professores, no ensino remoto), a partir das respostas apresentadas nos questionários aplicados, levando em consideração a sua formação identitária. Para tanto, sistematizamos os posicionamentos longitudinalmente, sinalizando pontos associados ao processo acadêmico de formação, aos pontos positivos e negativos vivenciados no estágio e ensino remoto; bem como aos desafios presentes nos referidos cenários. Ademais, utilizaremos trechos das respostas dos sujeitos participantes, cuja sinalização, em função do número de participantes, se dará por meio de numerações. Em se tratando dos estagiários: E1, E2…; os docentes (ex-estagiários), por sua vez, usaremos: D1, D2..

Nesse sentido, dispusemos sua organização em três categorias de análise: “Da grade curricular ao estágio”; Dos destaques positivos aos negativos”; e “Entre formação e atuação”. Essa disposição pode ser evidenciada na Fig. 1 que segue. 

Figura 1 – Sistematização do posicionamento dos sujeitos 

Fonte: elaborada pelas autoras

Apoiados nesta representação, compreendemos que os sujeitos participantes abordam em suas respostas um olhar reflexivo para a participação no estágio, realizado em 2016, e para o exercício do ensino remoto em 2020. Além disso, é possível verificar uma relação comparativa e desafiadora nos dois cenários vivenciados. A partir disso, faz-se necessário observar cada categoria em seus respectivos momentos de atuação. 

4.1 Projeto “Enem na palma da mão”: Da grade curricular ao estágio

A primeira categoria evidencia que os estagiários desenvolveram módulos e vídeo aulas no projeto “Enem na palma da mão”, direcionados para candidatos ao ENEM, tendo por base formativa disciplinas presentes na grade curricular do curso de Letras-Língua Portuguesa da Universidade Federal de Campina Grande. Tal identificação pode ser exemplificada no Trecho 1, a seguir: 

Trecho 1:

E1: […] Todas, de um modo geral, contribuíram para a realização do projeto. Destaco algumas que, em minha opinião, foram cruciais: a começar pelo Planejamento e Avaliação, que foi essencial para grande parte do projeto, já que tudo envolvia planejar, pensar no aluno, cruzar o tradicional com o novo etc. Outras duas disciplinas que me ajudaram, sobretudo porque meu grupo ficou com a elaboração do módulo de produção textual, foram as de Leitura e Escrita: Teorias Sociocognitivas e Sociointeracionistas. E, sem dúvidas, a experiência anterior com Estágio de Língua Portuguesa: Ensino Fundamental foi essencial para termos uma base de como funciona a escola e, assim, realizar o projeto. Poderia destacar outras, como as de língua, a saber: Sintaxe Oracional e Interoracional. Enfim, toda a formação que tivemos antes do projeto nos auxiliou para a realização do mesmo.

A partir desta colocação da E1, no Trecho 1, é possível identificar uma trajetória acadêmica que contribuiu para a sua experiência de estágio com produção de módulos e videoaulas, cuja realização envolve disciplinas específicas para o desenvolvimento dos materiais didáticos trabalhados durante o projeto. Tal posicionamento evidencia o que Tardif (2012) discute acerca da presença dos saberes no contexto de formação dos professores. De acordo com o autor, é esse conjunto de conhecimentos que fazem parte do seu processo formativo, entre eles os saberes transmitidos pelas instituições de formação. Nesse sentido, a E1 elenca disciplinas como Planejamento e avaliação, Leitura e Escrita: Teorias Sociocognitivas e Sociointeracionistas, Estágio de Língua Portuguesa: Ensino Fundamental e Sintaxe Oracional e Interoracional como alicerce para a desenvoltura em estágio com produção de materiais didáticos digitais. Mesmo sabendo da necessidade de ressignificação da formação docente envolta de um melhor diálogo entre academia e escola, não se pode negligenciar os saberes científicos, tendo em vista que são participantes dessa articulação entre os conhecimentos produzidos pelas universidades a respeito do ensino e os saberes formulados pelos docentes em suas práticas de ensino (TARDIF, 2012). Ainda acerca dessa contribuição curricular, temos o Trecho 2 da E2.

Trecho 2:

E2: […] A disciplina “Elaboração de material didático”, optativa no curso de Letras- Língua portuguesa, foi bastante útil para a elaboração das aulas e dos exemplos a serem utilizados no módulo e no vídeo. O estágio de língua portuguesa no ensino fundamental, no qual ministrei aulas de produção escrita, me ofereceu base para continuar os estudos na área e colaborar com a produção do módulo sobre escrita do projeto ENEM na palma da mão.

De modo semelhante, porém interligado com a prática, a E2 destaca as disciplinas optativas do currículo de Letras-Língua Portuguesa que não são obrigatórias, mas contribuem com o processo formativo dos graduandos, principalmente, quando auxiliam de modo tão direto com o contexto de ensino. Ao participar de um projeto que visou a construção de materiais didáticos, a E2 enaltece a utilidade da disciplina cursada, por conta das suas colaborações. Além disso, a E1 menciona a importância do estágio anterior atrelado ao tratamento da produção textual em cenário presencial como algo positivo para o virtual. Com base nesses trechos, evidenciamos uma recorrência de disciplinas teóricas e práticas que se complementam, cooperando assim, com o diálogo entre universidade e escola. Mesmo tratando-se de sujeitos na graduação, os estágios, por representarem o mundo escolar, trazem a realidade e demandas da prática (SCHÖN, 2000).

4.2 Projeto “Enem na palma da mão” e Ensino remoto: Dos destaques positivos aos negativos

Esta seção destaca o olhar avaliativo para os pontos positivos e negativos, experienciados no Projeto “Enem na palma da mão” enquanto estagiários, e, posteriormente, enquanto docentes, no Ensino remoto. De modo geral, os sujeitos apontam que a zona de conforto é desestabilizada em função de desafios típicos do paradigma emergente, que inspira a experiência docente, vinculada às demandas das mudanças sociais e, consequentemente, transformações do contexto escolar em contato com os recursos tecnológicos, conforme conseguimos perceber no Trecho 3.

Trecho 3: 

E3: Quanto aos módulos, o desafio foi produzir um material atrativo e com uma linguagem jovial, mas que ao mesmo tempo contemplasse as dimensões teóricas necessárias para apreensão do conteúdo. […]. Na gravação da videoaula, a minha maior dificuldade era expor o conteúdo sem a interação com o aluno. […]. Dar aula em frente às câmeras me fez sentir falta desse retorno, e foi difícil acostumar-me a expor o conteúdo a um público “desconhecido”. Após algumas tentativas, foi possível gravar com naturalidade e o resultado, para mim, pareceu satisfatório. A participação no “Enem na palma da mão” foi enriquecedora para os meus conhecimentos, e me possibilitou fazer coisas que ainda não havia experimentado, como aprender a se portar diante das câmeras, produzir um material didático autoral, acompanhar os views do vídeo e o alcance dos downloads dos módulos, utilizar a minha videoaula e dos outros participantes, como também os módulos em salas de aulas quando necessário. […]. 

A partir do posicionamento da E3, no Trecho 3, é possível identificar a apresentação de pontos positivos e negativos em momentos sequenciados de produção dos materiais. Inicialmente, a E3 se refere à produção dos módulos e suas dificuldades em torno da busca por um material mais instigante, com diferencial, com linguagem próxima à idade e realidade dos alunos, sem fugir do objetivo em atender aos conteúdos exigidos no exame. 

Quanto aos desafios enfrentados na gravação das videoaulas, percebemos uma alusão à ausência de interatividade entre professor e aluno, tão característica das aulas presenciais, compreendendo-a como parte fundamental no processo de ensino-aprendizagem. Além de sentir falta da interatividade com os alunos, há também uma menção à dificuldade com a fluidez diante das câmeras ou a timidez em se expor, tendo em vista que a videoaula tem como característica uma acessibilidade imensurável. Ressalta também a experiência de se tornar autora numa rotina de criação de material didático, propiciadora de grande contribuição para a sua formação. 

Desse modo, são elucidadas peculiaridades próprias da utilização do meio virtual, caracterizando um sujeito que é desafiado a produzir e lidar com o novo em seu processo de formação profissional. Para Schön (2000), a experiência profissional deve trabalhar o processo de aprendizagem por meio do fazer, de modo a preparar os discentes para o imprevisível e não apenas envolto de técnicas ou instrumentalizações. O estágio realizado pelos sujeitos revelou-se preponderante para o que o Brasil e o mundo precisaram vivenciar a partir de 2020. Lidar com materiais digitais, videoaulas, exposições, diferentes formas interativas em ambiente virtual são algumas das transições em um curto espaço de tempo. É o chamado contexto de incerteza e imprevisibilidade mencionado por Nóvoa (2017). Ainda acerca dessa segunda categoria, seguem as palavras do E4, como podemos perceber no Trecho seguinte.

Trecho 4:

E4: Benefícios: gravação da primeira videoaula de língua portuguesa. Dificuldades: espontaneidade na frente das câmeras.

Em relação ao Trecho 4, temos um estagiário que faz alusão ao seu primeiro contato com a gravação de videoaulas como algo positivo em sua formação. Quanto ao lado negativo, assim como a E3, reporta-se às dificuldades em lidar com a exposição diante das câmeras. Acerca disso, Freire e Leffa (2013) apontam para uma trajetória docente questionadora em meio a contextos transitórios e inovadores para a formação docente. Tais benefícios e dificuldades retratam um discente em contato com as exigências sociais e, consequentemente, escolares. A contemporaneidade tem deixado essa realidade a cada dia mais evidente. Não lidamos mais com uma formação distanciada das necessidades da prática, não há mais tempo para preparar-se para um futuro apontado pelos autores, pois ele tornou-se presente antes mesmo do tempo de aquisição de habilidades e competências tecnológicas. No que concerne à atuação no ensino remoto, temos as colocações da D5, conforme Trecho que segue.

Trecho 5: 

D5: O principal desafio foi lidar com tantas gravações, planejamentos, reuniões e produção de material semanal. Tudo foi muito exaustivo! Atualmente não estamos mais gravando, então a pressão diminuiu, mas deu lugar a outras porque faz parte de todo esse processo. A principal diferença entre os desafios de 2016 e os de 2020 é o fato de que no Projeto não precisávamos gravar uma infinidade de vídeos ou produzir uma série de manuais didáticos, uma vez que era apenas um por aluno. No início do ensino remoto essa prática era constante. 

De acordo com a D5, o processo de atuação remota não foi fácil, as atividades docentes desse ambiente virtual acarretaram momentos de exaustão. Entretanto, apesar dos momentos desafiadores e negativos para o professor, essas exigências foram sendo amenizadas com o passar do tempo. Ademais, ela aponta diferenças entre o ano de 2016, no estágio, e ano de 2020, com o ensino remoto, as propostas daquele não se comparam com as exigências deste, porém foram sendo adaptadas ao longo do processo. Mais uma vez deparamo-nos com o que Freire e Leffa (2013) chamam de convivência com o imprevisível, incerto e instável. Nesse mesmo sentido, acerca do que está sendo visto no ambiente remoto, a D6 aponta desafios, vejamos no Trecho 6 a seguir.

Trecho 6:

D6: O principal desafio para minha prática em 2020 foi o fator econômico e social que impossibilitou 80% de meus alunos de acompanharem as aulas remotas. A falta de acesso às TICs e à internet foi um desafio para o ensino remoto no contexto do Sertão Paraibano. 

Nas palavras da D6, presenciamos a menção aos problemas socioeconômicos característicos da realidade de algumas escolas públicas brasileiras. É possível dizer que a pandemia agravou ainda mais as desigualdades escolares, tendo em vista o relato da D6. Tal posicionamento indica um olhar preocupante da professora e com resolução dependente do âmbito governamental, mas que também engloba a quinta dimensão apresentada por Nóvoa (2017), uma vez que mobiliza o professor a pensar no seu posicionamento profissional e público, individual e coletivo. 

4.3 Projeto “Enem na palma da mão” e Ensino remoto: Entre formação e atuação

No que tange à terceira categoria, com foco no questionário aplicado aos sujeitos, enquanto professores, após participação e realização do Projeto “Enem na palma da mão” na qualidade de atuantes no ensino remoto, destacamos a utilidade da experiência no projeto para o que o ano de 2020 trouxe com as aulas remotas. Desse modo, ressaltamos o Trecho 6 que enfatiza o posicionamento da D6.

Trecho 6:

D6: […] O planejamento para aulas síncronas e assíncronas, assim como a elaboração de material didático, além disso, trabalhei também com os módulos que foram produzidos na época, principalmente, o de Leitura Multimodal. 

No que toca ao aproveitamento da produção de materiais didáticos digitais, no Projeto “Enem na palma da mão”, constatamos que a D6 relata que conseguiu basear-se na experiência de planejamento, desenvolvimento de materiais, além de utilizar os próprios módulos produzidos em suas aulas remotas. Com base na identificação desses fatores, deparamo-nos com uma professora que fez uso não apenas da experiência de estágio com recursos tecnológicos, mas ampliou a visibilização do projeto em suas aulas remotas, conseguiu evidenciar uma academia em parceria com a escola, com as necessidades e urgências da contemporaneidade. Uma das dimensões propostas por Nóvoa (2017), com base no conceito de “posição”, é a “Interposição profissional: como aprender a sentir como professor?” que está intrinsecamente relacionada à formação de professores em contato com a profissão, sem comportar-se com meras aplicações. Nesse contexto, a dimensão da interposição aproxima-se do comportamento da E5 ao trazer sua formação para a prática, evitando tornar as atividades realizadas na graduação distanciadas dos desafios enfrentados rotineiramente no cotidiano docente. Outros benefícios do projeto para o ensino remoto podem ser verificados nas palavras da D5, de acordo com o Trecho 7. 

Trecho 7:

D5: A confecção dos slides para as aulas e elaboração de material didático, sem dúvida! Com o Projeto eu pude descobrir muitas ferramentas excelentes para produzir uma boa aula e, mesmo depois de alguns anos, percebo que isso não se perdeu, mas foi melhorado. 

Conforme destaques da D5, houve um aproveitamento da vivência e tratamento dos materiais desenvolvidos para a sua atuação. Além disso, a experiência impulsionou a docente a continuar buscando inovações para a sua prática de ensino, revelando um acompanhamento do novo e emergente cenário escolar.  

Considerando o que fora registrado pelos sujeitos nos trechos destacados, na seção de análise, observamos que o percurso entre 2016 e 2020 confirma o que os teóricos apontam para um possível futuro emergente. Com necessária formulação e ressignificação da formação docente, em parceria com o contexto profissional, os sujeitos participantes são convocados a desafios frequentes e diários no exercício cotidiano de suas atividades. O estágio que idealizou o Projeto “Enem na palma da mão” caracteriza-se como uma experiência à parte, inspirada com relação à situação do estágio docente, embora não fazendo parte do Currículo de Letras- Língua Portuguesa da instituição de ensino onde estes sujeitos concluíram sua graduação. Mesmo assim, esta idealização respondeu a uma demanda que poderia inviabilizar o estágio naquele momento. Coube à professora, em 2020, mobilizar-se, desafiar-se e ressignificar-se, para uma dada situação que, como constatado, orientou a migração dos docentes (outrora estagiários), permitindo, como a professora da formação, a readaptação, e a ressignificação de suas práticas, conforme os trechos constatam.

Considerações Finais

A ressignificação da formação docente para atender às necessidades da atuação tem sido fundamental para os discentes e, posteriormente, docentes. O diálogo entre academia e escola já não configura contextos distantes, porém em processo de transição e transformação. Os desafios são parte do processo, uma vez que a mudança paradigmática se dá de modo gradativo, porém determinante para uma realidade que não é mais futura, faz parte do nosso presente. Nesse sentido, os currículos acadêmicos caminham para esse atendimento emergente, embora o Projeto “Enem na palma da mão” tenha sido uma experiência desafiadora e à parte, sinalizou uma urgência sem precedentes. Sem falar que isso se confirma a partir do ano de 2020, os professores viveram e estão vivendo uma realidade remota que ampliou a necessidade de inserção dos recursos tecnológicos no âmbito escolar. Ou melhor, a inclusão de professores e alunos neste ambiente, tornamo-nos dependentes do ensino remoto. Para tanto, é preciso visibilizar esse novo contexto educacional remoto e a construção desses sujeitos discentes e docentes no interior dessas mudanças em meio ao uso dos recursos tecnológicos. 

REFERÊNCIAS

DUDENEY, G. HOCKLY, N. PEGRUM, Mark. Letramentos digitais; tradução MARCIONILO, M. – 1. Ed.- São Paulo: Parábola Editorial, 2016.

FREIRE, M. M. LEFFA, V. J. A auto-hetero ecoformação tecnológica. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). Linguística aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani. – 1. Ed. – São Paulo: Parábola Editorial, 2013, p. 59-78.

GONÇALVES, A. V. SILVA, W. R. GÓIS, M. L. S. (Orgs.) Visibilizar a linguística aplicada: abordagens teóricas e metodológicas. – Campinas, SP: Pontes Editores, 2014. 

MOITA LOPES, L. P. Linguística aplicada e vida contemporânea: problematização dos construtos que têm orientado a pesquisa. In:_______ MOITA LOPES, L. P. (Org.) Por uma linguística aplicada indisciplinar. – São Paulo: Parábola Editorial, 2006, p. 85-107. 

NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de pesquisa. V,47 n.166 p.1106-1133 out./dez. 2017. 

PFROMM NETTO, S. Telas que ensinam: Mídia e aprendizagem: do cinema às tecnologias digitais. – 3ª edição – Campinas, SP: Editora Alínea, 2011. 

Projeto “ENEM na palma da mão”. Disponível em: <https://www.youtube.com/channel/UCSkVZmh0xB2ddNZ73_f_8LQ>Acesso em 24 de nov. de 2017.

SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem; tradução Roberto Cataldo Costa – Porto Alegre: Artmed, 2000. 

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 14. ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.


1 Este artigo faz parte de estudos coordenados no contexto do projeto de pesquisa “CONFIGURAÇÕES DA PRÁTICA CONTEMPOR NEA DE ATUAÇÃO E DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUAS”, (PPGLE/ UFCG, 2023-2027), cuja discussão tem filiação com uma pesquisa que está sendo empreendida em nível de doutorado e que também está inserida nas discussões em torno da formação e atuação docente em contexto tecnológico, sob a orientação da Profa. Dra. Williany Miranda da Silva.
2 Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Linguagem e Ensino (PPGLE), da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG); Campina Grande-PB. Professora da Educação Básica no Sesc-Centro Campina Grande. E-mail: vanessalpsilva12@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/6489861031623591 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5333-4894.
3 Professora titular da Unidade Acadêmica de Letras e membro do Programa de Pós-graduação em Linguagem e Ensino (PPGLE) da Universidade Federal de Campina Grande, na área de estudos linguísticos. Campina Grande-PB. E-mail: williany.miranda@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/0044907035446244 ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6667-2385.