ESTABILIDADE EM CIRURGIA ORTOGNÁTICA COM ABORDAGEM DE BENEFÍCIO ANTECIPADO: REVISÃO SISTEMÁTICA

STABILITY IN ORTHOGNATHIC SURGERY WITH SURGERY FIRST APPROACH: SYSTEMATIC REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202410082055


Natália Gonçalves Santana1; Matheus Santos Machado2; Kaisa Emanuele Cabral3; Sara Gomes da Silva4; Nathalia Santos5; Daniela Neres Moita6; Jéssica Altissimo Gontijo Alberto7; Gislane da Silva Rodrigues8; Jorge Henrique Oliveira Leite9


Resumo

A cirurgia ortognática é a intervenção cirúrgica de escolha para tratamento das deformidades dentoesqueléticas. Com o desenvolvimento dos softwares de planejamento virtual e aprimoramento da técnica cirúrgica, novas técnicas surgiram, como a abordagem do benefício antecipado (BA), que consiste na realização da fase operatória antes do término do tratamento ortodôntico. A estabilidade musculoesquelética pós-operatória da abordagem convencional é reconhecida, com fortes evidências científicas sobre os tipos de fixação e variações das osteotomias. Objetivo: A partir desse contexto, surge a necessidade de entender quais situações o emprego do BA proporciona estabilidade adequada no pós-operatório. Métodos: A revisão sistemática foi realizada conforme a declaração PRISMA (PAGE et al., 2020), por meio das bases de dados eletrônicas Scopus, PubMed, Web of Science, Cochrane e Virtual Health Library (VHL). Parâmetros de análise como tipo de abordagem cirúrgica e padrão de avaliação da instabilidade tiveram variação, tornando impossível a realização de uma meta-análise. Resultados: Na presente revisão, 46,66% das pesquisas revelam que ambas as abordagens apresentam estabilidade semelhante no pós-operatório; 13,33% mostram que o benefício antecipado teve maior estabilidade e 40% obteve que a abordagem convencional foi mais estável. Conclusão: o tema carece de estudos relevantes para a avaliação assertiva, no entanto, as evidências atuais se mostram promissoras nos pacientes Classe III, ao apresentarem estabilidade semelhante aos casos realizados com abordagem convencional. Grande parte dos pesquisadores apontaram a execução da ortodontia o ponto mais difícil da abordagem, necessitando de profissionais com vasta experiência para uma correta execução e manejo do tratamento. 

Palavras-chave: Cirurgia ortognática. Benefício antecipado. Estabilidade. Ortodontia.

Abstract

Orthognathic surgery is the surgical intervention choice for the treatment of dentoskeletal deformities. New techniques have emerged with the development of virtual planning software and improvements in surgical techniques, such as the surgery first approach (SF), which consists of performing the surgical phase before the end of orthodontic treatment. The postoperative musculoskeletal stability of the conventional approach is recognized with strong scientific evidence on the types of fixation and variations of osteotomies. Aim: From this context, there is a need to understand in which situations the use of SF provides adequate stability in the postoperative period. Methods: The systematic review was carried out according to the PRISMA statement (PAGE et al., 2020), using the electronic databases Scopus, PubMed, Web of Science, Cochrane, and Virtual Health Library (VHL). Analysis parameters such as type of surgical approach and variation assessment pattern varied, making it impossible to perform a meta-analysis. Results: In this review, 46.66% of the studies revealed that both approaches presented similar stability in the postoperative period; 13.33% showed that the anticipated benefit had greater stability, and 40% found that the conventional approach was more stable. Conclusion: the topic lacks relevant studies for assertive evaluation; however, current evidence shows promise in Class III patients, presenting stability similar to cases performed with the conventional approach. Most researchers pointed out the execution of orthodontics as the most difficult point of the approach, requiring professionals with extensive experience for correct execution and management of the treatment.

Keywords: Orthognathic Surgery. Surgery first. Stability. Orthodontic.

1. INTRODUÇÃO

A cirurgia ortognática é a intervenção cirúrgica de escolha para tratamento das deformidades dentoesqueléticas. A correção cirúrgica das bases ósseas do complexo maxilomandibular busca estabelecer as funções do sistema estomatognático, estética facial e melhorar a patência das vias aéreas superiores. No início, a cirurgia ortognática era realizada após a conclusão do tratamento ortodôntico ou sem ortodontia, em decorrência disso, haviam altas incidências de recidiva e instabilidade oclusal com grandes prejuízos aos pacientes submetidos (HUANG et al., 2014). Posto isso, foi estabelecida uma abordagem padrão de três passos: ortodontia pré-operatória, cirurgia ortognática e ortodontia pós-operatória. Uma vez indicada a cirurgia ortognática, há necessidade de um planejamento individualizado de cada caso, de modo a indicar de forma concisa a abordagem orto-cirúrgica ideal. Partindo desta informação surge o questionamento: “Quando indicar de forma segura a abordagem do BA?”. Na busca de entender mais sobre a temática, foi realizada uma revisão sistemática que teve como objetivo principal levantar dados pertinentes para instruir e orientar a equipe multidisciplinar acerca dessa nova abordagem. A pesquisa permite que cirurgiões bucomaxilofaciais, craniomaxilofaciais e ortodontistas tenham a ensejo de ampliar seus conhecimentos a respeito da técnica, e assim realizar indicações assertivas, maximizando os resultados positivos do tratamento.

Valls-Ontañón et al. (2023) e Piengkwan Altipatyakul et al. (2023) mostraram que o planejamento virtual com o auxílio da tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) somado à impressão 3D das arcadas do paciente, é a melhor escolha nos casos com indicação da abordagem do BA. Essa técnica permite ao cirurgião um melhor planejamento e execução operatória, uma vez que os modelos tridimensionais das arcadas e guias cirúrgicos confeccionados em impressoras 3D possuem variações dimensionais desprezíveis quando comparadas à realidade clínica do paciente. Esses modelos impressos também melhoram a precisão dos movimentos ortodônticos após a cirurgia, e consequentemente, entregam uma oclusão final mais estável aos pacientes. Os principais desafios dos profissionais diante dessa abordagem são: dificuldade em prever o movimentos dos dentes; prevenir a instabilidade oclusal pós-operatória principalmente na mandíbula; aumentar a previsibilidade dos movimentos dentários e esqueléticos; minimizar a incidência de recidivas e de desordens na articulação temporomandibular. O BA é uma abordagem delicada, que requer diagnóstico personalizado das deformidades dentoesqueléticas, considerável experiência e conhecimento entre cirurgiões e ortodontistas. 

2. METODOLOGIA

A pesquisa foi feita a partir da estratégia PICO (STONE, 2002), conforme exigido pelo protocolo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses) (PAGE et al., 2020), descrita na tabela 1. Foi realizado um levantamento nos periódicos indexados nas bases de dados eletrônicas, incluindo Scopus, PubMed, Web of Science, Cochrane e Virtual Health Library (VHL), utilizando os seguintes descritores “Orthognathic Surgery”, “Surgery first “, “Stability” e “Orthodontic”, retirados de descritores em ciências da saúde (DeCs/Mesh).

Tabela 1: Estratégia PICO

Estratégia PICODescrição
PPopulação: pacientes com deformidades dentofaciais
IIntervenção: cirurgia ortognática
CComparação: abordagens de tratamento ortodôntico
OOutcomes (desfecho): quando são indicadas

A seleção dos artigos foi efetuada por dois autores de forma independente, seguindo os critérios de inclusão e exclusão, descritos a seguir. Os artigos que tiveram discordância quanto à elegibilidade foram reavaliados após leitura na íntegra. Os critérios de inclusão foram: estudos classificados como revisões sistemáticas, ensaios clínicos randomizados, estudos de coorte prospectivos e retrospectivos; artigos que respondem a pergunta central do trabalho; artigos publicados no período entre 2004 e 2024; estudos com pacientes com deformidade dentofacial classe II, III e assimetrias faciais, submetidos a cirurgia ortognática pela abordagem de benefício antecipado e osteotomia sagital do ramo da mandíbula. Foram excluídos: revisões de literatura, monografias, relatos de caso; artigos incompletos e sem relevância temática (não relacionados à estabilidade do benefício antecipado); estudos associando cirurgia ortognática com outros procedimentos, como cirurgia de ATM e expansão de maxila assistida cirurgicamente; cirurgia ortognática em pacientes sindrômicos ou com fissura labiopalatina; artigos duplicados.

Idade, sexo, abordagem cirúrgica (apenas Le Fort I e osteotomia sagital bilateral da mandíbula), método de fixação e regime pós-operatório foram medidos. Para cada artigo incluído foram reunidas as seguintes informações usando um formulário específico, projetado para coleta dos dados: título, nome dos autores, desenho do estudo, dados dos pacientes tratados (tipo de deformidade dentoesquelética e abordagem cirúrgica), resultados. Durante a análise metodológica, buscou-se extrair dados dos artigos incluídos na pesquisa, a fim de elaborar uma meta-análise dos dados para inferir quantitativamente as taxas de estabilidade da cirurgia ortognática quando utilizado a abordagem de benefício antecipado. No entanto, alguns fatores impediram o agrupamento dos dados para elaboração da estatística, sendo eles: alguns artigos apresentaram critérios de avaliação de estabilidade diferentes, utilizando instrumentos metodológicos diferentes para avaliação, como exames de imagem diferentes, além de não relatar padronização no processo de intervenção e avaliação (como as estruturas anatômicas, abordagem cirúrgica, método de fixação e período avaliados).

Revisão Sistemática

Os artigos selecionados após a aplicabilidade da metodologia acima citada, foram organizados conforme a Tabela 2.

TABELA 2 – Tabela dos artigos selecionados com informações sobre título, autores, desenho do estudo, pacientes tratados e resultados.

TítuloAutoresDesenho do estudoPacientes tratadosResultados
Are We Correctly Measuring Mandibular Stability After Surgery-First Approach? A Comparative Study Based on Novel 3-Dimensional MeasurementsMANSOUR et al., 2023Estudo retrospectivo comparativoClasse III dentoesqueléticaA abordagem de benefício antecipado apresentou maior estabilidade quando avaliada a relação entre os segmentos mandibulares proximais e distais, e não segundo a descrição clássica entre maxila e mandíbula.
Comparative study of postoperative stability between conventional orthognathic surgery and a surgery-first orthognathic approach after bilateral sagittal split ramus osteotomy for skeletal class III correctionMAH et al., 2017Estudo retrospectivo comparativoClasse III dentoesqueléticaPacientes com má oclusão esquelética de classe III que foram tratados com uma abordagem ortognática de BA mostraram maiores recidivas horizontais e verticais (através de avaliação de imagens de radiografia cefalométrica lateral em T0, T1 e T2) devido à rotação anti-horária da mandíbula do que os pacientes tratados com tratamento ortodôntico antes da cirurgia.
Comparison of mandibular stability after SSRO with surgery-first approach versus conventional ortho-first approachAKAMATSU et al., 2016Estudo retrospectivo comparativoClasse III dentoesqueléticaForam avaliados a partir de cefalometria lateral usando o software de análise CephaloMetrics AtoZ versão 9.1. A recidiva pós-operatória mostrou um movimento na direção vertical significativamente maior no grupo com abordagem de BA, mas sem diferença significativa de movimento na direção horizontal.
Dentoskeletal Stability in Conventional Orthognathic Surgery, Presurgical Orthodontic Treatment and Surgery-First Approach in Class-III PatientsSEIFI et al., 2018Revisão sistemáticaClasse III dentoesqueléticaObservou-se mais estabilidade na abordagem convencional quando comparada com a de BA.
Does Clockwise Rotation of Maxillomandibular Complex Using Surgery-First Approach to Correct Mandibular Prognathism Affect Surgical Movement and Stability?SINHA et al., 2022Estudo coorte prospectivoClasse III dentoesqueléticaA estabilidade esquelética pós-operatória permaneceu a mesma após 1 ano.
Large-Scale Study of Long-Term Anteroposterior Stability in a Surgery-First Orthognathic Approach Without Presurgical Orthodontic TreatmentJEONG et al., 2017Estudo retrospectivoClasse III dentoesqueléticaA análise revelou que a abordagem de BA manteve a estabilidade esquelética anteroposterior a longo prazo, não sendo diferente da abordagem convencional.
Large-Scale Study of Long-Term Anteroposterior Stability in a Surgery-First Orthognathic Approach Without Presurgical Orthodontic Treatment: Part IIJEONG et al., 2017Estudo retrospectivoClasse III dentoesqueléticaA análise revelou que a abordagem de BA manteve a estabilidade esquelética anteroposterior a longo prazo, não sendo diferente da abordagem convencional.
Positional changes in the mandibular proximal segment after intraoral vertical ramus osteotomy: Surgery-first approach versus conventional approachJUNG et al., 2020Estudo coorte retrospectivoClasse III dentoesqueléticaPacientes classe III submetidos a osteotomia vertical do ramo mandibular tiveram alterações posicionais no segmento proximal mandibular semelhantes entre os grupos submetidos a abordagem de BA e abordagem convencional.
Skeletal and Dental Variables Related to the Stability of Orthognathic Surgery in Skeletal Class III Malocclusion With a Surgery-First ApproachKO et al., 2013Estudo coorte retrospectivoClasse III dentoesqueléticaA instabilidade na abordagem de BA está relacionada aos pacientes com uma sobremordida maior, com curva de Spee mais profunda, com sobressaliência negativa maior e com um recuo mandibular maior. A recidiva pode ser prevista nos casos com sobremordida inicial.
Skeletal stability in orthognathic surgery with the surgery first approach: a systematic reviewSOVERINA et al., 2019Revisão sistemáticaClasse III dentoesqueléticaA revisão sistemática sugere que a cirurgia com abordagem de BA é tão estável quanto a cirurgia com a abordagem convencional, mas sugere que mais estudos sejam feitos com acompanhamento de avaliação maior no pós-operatório. 
Skeletal stability of surgery-first bimaxillary orthognathic surgery for skeletal class III malocclusion, using standardized criteriaPARK, SANDOR, KIM, 2016Estudo comparativo prospectivoClasse III dentoesqueléticaA análise da radiografia cefalométrica foi feita em três períodos: antes da cirurgia, 2 meses após e 6 meses após. Não houve diferença significativa nas taxas de recidiva, nem ao menos em termos de estabilidade pós-operatória quando comparados os grupos de abordagem de BA e convencional.
Stability After Bilateral Sagittal Split Osteotomy With Rigid Internal Fixation in Surgery-First ApproachKWON, BAYOME, PARK, 2016Estudo retorspectivoClasse III dentoesqueléticaPacientes com deformidade classe III dentoesquelética foram tratados cirurgicamente com osteotomia sagital bilateral da mandíbula, com fixação rígida no pós-operatório. O estudo não apontou recidiva vertical e horizontal importante, exceto o ponto B que mostrou 1,2 mm de deslocamento superior.
Stability of Mandibular Setback Surgery With and Without Presurgical OrthodonticsKIM et al., 2014Estudo coorte retrospectivoClasse III dentoesqueléticaOs casos tratados com benefício antecipado tiveram mais instabilidade quando comparados aos casos tratados com abordagem convencional. 
Surgery-first/early-orthognathic approach may yield poorer postoperative stability than conventional orthodontics-first approach: a systematic review and meta-analysisWEI et al., 2018Revisão sistemática e meta-análiseClasse III dentoesqueléticaUma menor estabilidade pode ser observada nos casos tratados com benefício antecipado, pois durante o pós-operatório a mandíbula tende a girar mais no sentido anti-horário.
Three-dimensional evaluation of postoperative stability: a comparative study between surgery-first and surgery-late protocols VALLS-ONTAÑÓN et al., 2023Estudo comparativo retrospectivoClasse III dentoesqueléticaA pesquisa demonstrou estabilidade tridimensional equivalente entre os protocolos de BA e convencional, num período de 1 ano de acompanhamento. Ambos os grupos apresentaram uma recidiva do ângulo SNA, sendo mais significativa no grupo de abordagem convencional.

Fonte: Dados da Pesquisa (2024)

3. RESULTADOS 

Na primeira etapa de pesquisa, foram encontrados 758 artigos. Após análise dos títulos, foram selecionados 614 para revisão dos resumos. Os artigos que não se enquadraram nos critérios de inclusão foram excluídos. Para análise de texto completo foram revisados 78 artigos. Após a leitura, foram selecionados 15 estudos (Figura 1).

Figura 1: Diagrama do fluxo de seleção dos artigos para revisão sistemática, recomendações PRISMA (PAGE et al., 2020)

Dentre os 15 artigos avaliados, um total de 1917 pacientes com deformidade dentoesquelética classe III foram avaliados, sendo 816 tratados com abordagem convencional (42,56%) e 1101 com abordagem de benefício antecipado (57,43%), ilustrados no gráfico 1.

Gráfico 1: Distribuição dos pacientes avaliados na pesquisa, que foram tratados com abordagem convencional e com abordagem de benefício antecipado

Fonte: Dados da Pesquisa (2024)

Todos os artigos da pesquisa avaliaram pacientes com deformidade dentoesquelética Classe III, e a abordagem cirúrgica teve variação entre osteotomia sagital bilateral da mandíbula (80%) e osteotomia vertical (20%) (Gráfico 2). O resultado mostrou que 46,66% das pesquisas revelam que ambas as abordagens apresentam estabilidade semelhante no pós-operatório; 13,33% mostraram que o benefício antecipado teve maior estabilidade e 40% obteve que a abordagem convencional foi mais estável (Gráfico 3).

Gráfico 2: Abordagens cirúrgicas realizadas nos estudos incluídos na revisão

Fonte: Dados da Pesquisa (2024)

Gráfico 3: Distribuição dos resultados quanto à estabilidade no pós-operatório comparando as abordagens de Benefício Antecipado e abordagem Convencional.

Fonte: Dados da Pesquisa (2024)

4. DISCUSSÃO

O tratamento orto-cirúrgico convencional é bem conceituado pela literatura por de ser eficaz, e entregar uma oclusão funcional e estável, no entanto necessita de metas ortodônticas para o sucesso, como descompensar os dentes, alinhá-los em suas bases ósseas, evitar movimentações excessivas (intrusões e extrusões),  e mecânicas de classe II e III (a menos que seja necessário para descompensação). Em contrapartida, essa etapa pré-cirúrgica prolonga o tempo de tratamento total, além de agravar as discrepâncias faciais, o que é um fator importante e decisivo para muitos pacientes. A abordagem do benefício antecipado tem se tornado uma opção de tratamento cada vez mais utilizada devido aos avanços ocorridos no âmbito da pesquisa e tecnologias, haja visto que proporcionam planejamentos precisos e resultados  sólidos. Essa abordagem elimina/reduz consideravelmente a fase ortodôntica pré-cirúrgica, fazendo com que o reposicionamento ideal dos ossos do complexo maxilomandibular seja alcançado no período pós-operatório, com o término da ortodontia. A abordagem BA trouxe ao paciente e cirurgião uma opção de tratamento que une tempo de tratamento total reduzido, estabilidade (quando indicado de forma correta) e estética antecipada – pelo não agravamento da discrepância facial no pré-operatório e pelo resultado estético logo após a cirurgia (KIM et al., 2020; PARK et al., 2021). No estudo publicado por AKAMATSU et al. (2015), comparando a estabilidade mandibular entre abordagem BA e a convencional, a estabilidade vertical atingida pelo BA foi superior à convencional, fato que pode ter sido atribuído aos elásticos mais rígidos utilizados no pós-operatório imediato, já a estabilidade horizontal não apresentou diferenças significativas entre as técnicas. Uma observação interessante foi trazida por LEE et al. (2013), sobre o ponto Pogônio quando utilizada a abordagem BA. Eles encontraram alterações na posição após a conclusão do tratamento ortodôntico, do que foi nomeada como rotacional relapse, ou “recaída rotacional”. Isso significa que o Pogônio muda consideravelmente, em números aproximados, de 3,5 para 0,54 mm na direção para frente e de -2,7 (direção para cima) para +0,75 mm (direção para baixo). O estudo feito por KIM et al. (2020) lista alguns fatores responsáveis por  aumentar o tempo de tratamento ortodôntico pós-cirurgia: apinhamento dentário, aumento da discrepância no comprimento do arco, mordida aberta anterior ou sobremordida negativa na configuração de oclusão cirúrgica, presença de desvio da linha média de oclusão cirúrgica, necessidade de expansão do arco maxilar (em casos de atresia), menos pontos de contato (tempo de tratamento diminuiu em aproximadamente 10 meses em pacientes com pelo menos quatro pontos de contatos oclusais bilaterais), necessidade de exodontia (devido ao tempo de reparo e cicatrização alveolar). Contudo, PARK et al. (2021) traz uma alternativa para diminuir o tempo de tratamento, com o uso de outras técnicas ortodônticas, como ancoragem esquelética. YANG et al. (2017) ressalta também que há uma facilidade de movimentação dentária em dentição menos ocluída (que ocorre mais no grupo de BA), e também há um fenômeno de aceleração regional, uma vez que a corticotomia aumenta o metabolismo ósseo locorregional com proliferação celular de osteoclastos e osteoblastos. Esse fenômeno tende a continuar por três a quatro meses no pós-operatório.

Os parâmetros clássicos que avaliam a estabilidade no pós-operatório de cirurgias ortognáticas com a abordagem convencional devem ser feitos com cautela quando na avaliação das cirurgias com BA. A relação dos planos vertical e horizontal da face, que levam em consideração maxila e mandíbula, torna a avaliação do movimento mandibular como uma unidade única, sendo que o movimento mandibular sofre influência de diversos fatores, incluindo movimentação dentária (KWON, Young-Wook, et al.). Com a abordagem do BA, as movimentações ortodônticas se dão principalmente após a cirurgia, fazendo com que o critério tradicional de avaliação determine uma instabilidade decorrente de uma fase do tratamento e não da correção cirúrgica em si. Um estudo retrospectivo realizado por MANSOUR et al. (2023), propôs a avaliação da estabilidade segundo a relação dos segmentos distal e proximal da mandíbula, comparando os grupos de abordagem convencional e abordagem de BA em três momentos diferentes: antes, imediatamente após e um ano após a cirurgia. Segundo esse novo critério de avaliação, que também equiparou idade, sexo, abordagem cirúrgica (Le Fort I e osteotomia sagital bilateral da mandíbula, mesmo método de fixação e regime pós-operatório) o BA mostrou-se altamente estável, com movimentação que não excedeu 0,5 mm após um ano.

5. CONCLUSÃO

Até o momento da escrita desse estudo as evidências se mostram limitadas sobre as melhores indicações do BA. A abordagem vem se mostrando segura, previsível e confiável aos cirurgiões e ortodontistas, porém com ressalvas. Um dos pontos mais importantes para a indicação dessa abordagem, além da questão psicossocial envolvendo a estética, é a questão de problemas associados à deformidade, como o caso de pacientes com distúrbios respiratórios relacionados à Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), causada pela obstrução de via aérea superior, muito comum em pacientes com retrognatismo mandibular. Entretanto, diversas são as dificuldades da técnica, tanto em relação à experiência da equipe que conduzirá o caso, quanto na questão das características individuais do paciente, que podem alterar os resultados cirúrgicos com o desenvolvimento do tratamento ortodôntico pós-cirúrgico. Os melhores resultados foram identificados com pacientes com perfil facial do tipo III, que fizeram concomitantemente retrusão e elevação da mandíbula, sendo necessária a elasticoterapia no pós-operatório imediato para a manutenção dos movimentos executados cirurgicamente. A quantidade de estudos existentes da abordagem do BA em pacientes perfil II se mostrou insuficiente para a incorporação nessa revisão, e também carece de estudos. 

REFERÊNCIAS

AKAMATSU, Tadashi, et al. Comparison of mandibular stability after SSRO with surgery-first approach versus conventional ortho-first approach. Journal of plastic surgery and hand surgery vol. 50,1 (2016): 50-5. 

ATIPATYAKUL, Piengkwan, et al. Three-dimensional evaluation of skeletal stability after surgery-first bimaxillary surgery for class III asymmetry in 70 consecutive patients. Journal of dental sciences vol. 19,1 (2024): 532-541.

HUANG, Chiung Shing et al. Systematic review of the surgery-first approach in orthognathic surgery. Biomedical journal vol. 37,4 (2014): 184-90. 

LEE, Nam-Ki et al. Evaluation of post-surgical relapse after mandibular setback surgery with minimal orthodontic preparation. Journal of cranio-maxillo-facial surgery : official publication of the European Association for Cranio-Maxillo-Facial Surgery vol. 41,1 (2013): 47-51.  

JEONG, Woo Shik, et al. Large-Scale Study of Long-Term Anteroposterior Stability in a Surgery-First Orthognathic Approach Without Presurgical Orthodontic Treatment. The Journal of craniofacial surgery vol. 28,8 (2017): 2016-2020. 

JEONG, Woo Shik, et al. Large-Scale Study of Long-Term Vertical Skeletal Stability in a Surgery-First Orthognathic Approach Without Presurgical Orthodontic Treatment: Part II. The Journal of craniofacial surgery vol. 29,4 (2018): 953-958. 

JUNG, Seoyeon, et al. Positional changes in the mandibular proximal segment after intraoral vertical ramus osteotomy: Surgery-first approach versus conventional approach. Korean journal of orthodontics vol. 50,5 (2020): 324-335. 

KIM, Chin-Soo, et al. Stability of mandibular setback surgery with and without presurgical orthodontics. Journal of oral and maxillofacial surgery: official journal of the American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons vol. 72,4 (2014): 779-87. 

KIM, Jun-Young, et al. Factors Affecting Total Treatment Time in Patients Treated with Orthognathic Surgery Using the Surgery-First Approach: Multivariable Analysis Using 3D CT and Scanned Dental Casts. Journal of clinical medicine vol. 9,3 641. 28 Feb. 2020.

KO, Ellen Wen-Ching, et al. Skeletal and dental variables related to the stability of orthognathic surgery in skeletal Class III malocclusion with a surgery-first approach. Journal of oral and maxillofacial surgery : official journal of the American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons vol. 71,5 (2013): e215-23. 

KWON, Young-Wook, et al. Stability After Bilateral Sagittal Split Osteotomy With Rigid Internal Fixation in Surgery-First Approach. Journal of oral and maxillofacial surgery : official journal of the American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons vol. 74,4 (2016): 828.e1-6.

MAH, Deuk-Hyun, et al. Comparative study of postoperative stability between conventional orthognathic surgery and a surgery-first orthognathic approach after bilateral sagittal split ramus osteotomy for skeletal class III correction. Journal of the Korean Association of Oral and Maxillofacial Surgeons vol. 43,1 (2017): 23-28. 

MANSOUR, Nabil Mokhter, et al. Are We Correctly Measuring Mandibular Stability After Surgery-First Approach? A Comparative Study Based on Novel 3-Dimensional Measurements. The Journal of craniofacial surgery vol. 34,3 (2023): e271-e275.

PAGE, Matthew J, et al. The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting systematic reviews. Value in Health. 2020 May;23(10):S312–3.

PARK, K-H, et al. Skeletal stability of surgery-first bimaxillary orthognathic surgery for skeletal class III malocclusion, using standardized criteria. International journal of oral and maxillofacial surgery vol. 45,1 (2016): 35-40. 

PARK, Young-Wook, et al. Surgery-first approach reduces the overall treatment time without damaging long-term stability in the skeletal class III correction: a preliminary study. Maxillofacial plastic and reconstructive surgery vol. 43,1 27. 17 Jul. 2021

SEIFI, Massoud, et al. Dentoskeletal Stability in Conventional Orthognathic Surgery, Presurgical Orthodontic Treatment and Surgery-First Approach in Class-III Patients. World journal of plastic surgery vol. 7,3 (2018): 283-293. 

SINHA, Suraj Prasad, et al. Does Clockwise Rotation of Maxillomandibular Complex Using Surgery-First Approach to Correct Mandibular Prognathism Affect Surgical Movement and Stability?. Journal of oral and maxillofacial surgery : official journal of the American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons vol. 81,1 (2023): 32-41.

SOVERINA, D, et al. Skeletal stability in orthognathic surgery with the surgery first approach: a systematic review. International journal of oral and maxillofacial surgery vol. 48,7 (2019): 930-940.

STONE, Patricia W. Popping the (PICO) question in research and evidence-based practice. Applied nursing research : ANR vol. 15,3 (2002): 197-8. 

VALLS-ONTAÑÓN, A, et al. Three-dimensional evaluation of postoperative stability: a comparative study between surgery-first and surgery-late protocols. International journal of oral and maxillofacial surgery vol. 52,3 (2023): 353-360. 

WEI, Hongpu, et al. Surgery-first/early-orthognathic approach may yield poorer postoperative stability than conventional orthodontics-first approach: a systematic review and meta-analysis. Oral surgery, oral medicine, oral pathology and oral radiology vol. 126,2 (2018): 107-116. 

YANG, Le, et al. Does the Surgery-First Approach Produce Better Outcomes in Orthognathic Surgery? A Systematic Review and Meta-Analysis. Journal of oral and maxillofacial surgery : official journal of the American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons vol. 75,11 (2017): 2422-2429.


1Cirurgiã-dentista pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). E-mail: bmfnatalia@gmail.com 
2Cirurgião-dentista pelo Centro Universitário Newton Paiva. E-mail: dr.matheussmachado@gmail.com
3Pós-graduanda em Ortodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB/USP)
4Graduanda em Odontologia pela Faculdade de Sete Lagoas (FACSETE)
5Cirurgiã-dentista pelo Centro Universitário de Maceió (UNIMA/Afya)
6Graduanda em Odontologia pela Universidade de Fortaleza
7Residente em Atenção Básica/Saúde da Família pela Prefeitura de Campinas
8Cirurgiã-dentista pelo Centro Universitário UniFTC
9Cirurgião-dentista pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA