ESQUISTOSSOMOSE ECTÓPICA NA PRÓSTATA: RELATO DE CASO DIAGNOSTICADO NA CORE BIOPSY

REGISTRO DOI: REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8066065


João Pedro Barbosa Carvalho1
Adriano Silva Carvalho2
Paulyana Fernandes Barbosa Quintino3
Ana Paula Fernandes Barbosa3


RESUMO:

A esquistossomose é uma doença causada por parasitas do gênero Schistosoma. O relato de caso descreve um paciente masculino de 47 anos que vive em uma área endêmica de esquistossomose em Alagoas, Brasil. O paciente estava sendo acompanhado por um urologista devido ao aumento dos níveis de PSA. Foi realizada uma core biopsy prostática e os resultados mostraram a presença de ovos de S. mansoni. O paciente recebeu tratamento com praziquantel e seus níveis de PSA diminuíram gradualmente. Embora infrequente, a esquistossomose ectópica na próstata pode ser considerada como uma possível causa de prostatite que cursa com aumento dos níveis de PSA em áreas endêmicas, e a presença de ovos de S. mansoni na core biopsy pode confirmar o diagnóstico.

INTRODUÇÃO:

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a esquistossomose é a segunda doença infectocontagiosa mais importante, estimando-se que 200 milhões de pessoas são afetadas por ela. A esquistossomose é uma doença granulomatosa causada por helmintos do gênero Schistosoma, sendo a espécie S. mansoni encontrada no Brasil. Dezenove estados brasileiros são considerados regiões endêmicas, incluindo Alagoas, que apresenta 72 cidades em zonas de risco para esquistossomose.1

Cerca de 20% dos pacientes infectados apresentam ovos ou vermes adultos fora do sistema portal, dando-se o diagnóstico de esquistossomose ectópica, que pode acontecer isoladamente ou em associação com a infecção intestinal ou hepática. O diagnóstico geralmente é realizado na avaliação histopatológica, onde encontram-se granulomas contendo ovos ou fragmentos de ovos do S. mansoni envoltos por infiltrado inflamatório misto com linfócitos, histiócitos, eosinófilos e células gigantes multinucleadas. 1

O presente relato descreve o caso de um paciente morador de zona endêmica de esquistossomose no estado de Alagoas que apresentou altos valores do PSA sérico, com demais exames normais, e no qual o histopatológico da biópsia prostática evidenciou a presença de ovos compatíveis com S. mansoni.

RELATO DE CASO:

Paciente do sexo masculino, 47 anos, sem queixas clínicas, em acompanhamento com urologista por aumento progressivo e rápido do PSA sérico, (máximo de 4,20 ng/ml), com exame digital da próstata por toque retal sem achados patológicos. Realizada biópsia prostática sob sedação anestésica por via transretal (após preparo intestinal na véspera do exame e antibiótico profilaxia com levofloxacino). Obtidos 14 fragmentos da próstata (3 de base à direita; 2 de terço médio à direita; 2 de ápice à direita; 3 de base à esquerda; 2 de terço médio à esquerda e 2 de ápice à esquerda). O exame histopatológico observou, nos fragmentos de terço médio e ápice à esquerda, tecido prostático exibindo infiltrado inflamatório granulomatoso, composto por células epitelioides, além de linfócitos, histiócitos e eosinófilos, envolvendo ovos compatíveis com S. Mansoni (figuras 1, 2, 3 e 4). Havia, ainda, infiltrado inflamatório linfocítico difusamente que envolvia as glândulas prostáticas. Demais fragmentos demonstraram tecido prostático exibindo infiltrado inflamatório mononuclear que envolviam as células prostáticas. O diagnóstico de prostatite crônica granulomatosa por esquistossomose ectópica foi concluído nas amostras de terço médio e ápice à esquerda, sem sinais de neoplasia em toda a amostra. O paciente negou viagens ao exterior do país. Iniciou-se tratamento clínico, sendo prescrito praziquantel 600 mg em dose única, via oral (40mg/kg – peso do paciente 103 kg). Após 6 meses, paciente apresentou PSA total sérico de 3,17 ng/ml, com redução gradativa ao valor mínimo de 2,04 ng/ml (exame realizado 27 meses após medicação). O paciente segue em acompanhamento clínico com exame digital da próstata, ultrassonografias, e PSA sérico anualmente, sendo o último valor encontrado (seis anos e dois meses após medicação) de 2,61 ng/ml.

DISCUSSÃO:

Aumento de níveis de PSA sérico é, tradicionalmente, uma das indicações gerais de biópsia prostática.2 Infecção prostática por S. haematobium e S. mansoni podem cursar com aumento dos níveis séricos de PSA.3 Formas ectópicas de esquistossomose por S. mansoni em órgãos genitais masculinos já foram descritas nos testículos, pênis, epidídimo, vesícula seminal e próstata, sendo neste último, diagnosticado mais frequentemente em peças de prostatectomia por processos neoplásicos. 1,3,4 Lambertucci et al. publicaram relato de esquistossomose prostática por S. mansoni em material de core biopsy da próstata no sudeste do Brasil em 2006.5

Com exceção dos casos de carcinoma de células escamosas na bexiga e infecção por S. haematobium, esquistossomose não é considerado atualmente fator de risco para o desenvolvimento de neoplasias malignas nos órgãos genitourinários, embora haja relatos de concomitante infecção por S. mansoni e neoplasias malignas.5 Lima et al. publicou uma série de casos de esquistossomose ectópicas em Alagoas que inclui um caso de esquistossomose em pênis ressecado por carcinoma de células escamosas. 1

CONCLUSÃO:

O diagnóstico da esquistossomose ectópica na próstata causada pelo S. mansoni em regiões endêmicas tem um padrão bem estabelecido devido à presença de ovos viáveis do parasita circundados por infiltrado inflamatório granulomatoso fora do sistema porta-cava.  Em regiões endêmicas de esquistossomose, pacientes com aumento dos níveis séricos de PSA devem incluir entre as hipóteses diagnósticas da etiologia da alteração laboratorial a infecção por S. mansoni.

LEGENDA DAS FIGURAS:

Figuras: Exame histológico de core biopsy de próstata evidenciando ovos de S. mansoni envolvidos por infiltrado inflamatório granulomatoso. Hematoxilina e eosina. Aumentos de 50x (figura 1); 100x (figura 2); 200x (figura 3); 400x (figura 4).

REFERÊNCIAS:

1. Lima CWR, Oliveira NMC, Silva SVDD, Duarte MEL, Barbosa APF. Ectopic forms of schistosomiasis mansoni in the second macroregion of Alagoas: case series report and review of the literature. Rev Soc Bras Med Trop. 2017 Nov-Dec;50(6):812-818. doi: 10.1590/0037-8682-0087-2017. PMID: 29340459.

2. Streicher J, Meyerson BL, Karivedu V, Sidana A. A review of optimal prostate biopsy: indications and techniques. Ther Adv Urol. 2019 Aug 28;11:1756287219870074. doi: 10.1177/1756287219870074. PMID: 31489033; PMCID: PMC6713958.

3. Peiffer LB, Poynton SL, Ernst SE, Hicks JL, De Marzo AM, Sfanos KS. Inflammation-associated pathologies in a case of prostate schistosomiasis: Implications for a causal role in prostate carcinogenesis. Prostate. 2019 Aug;79(11):1316-1325. doi: 10.1002/pros.23841. Epub 2019 Jun 18. PMID: 31212384.

4. Gomes ECS et al. First record of prostatic schistosomiasis in Pernambuco, Brazil: Signs of chronicity in an endemic disease. Rev Patol Trop 2016 jan-mar Vol. 45 (1): 132-138. doi: 10.5216/rpt.v45i1.40095 

5. Lambertucci JR, Voieta I, Barbosa AJ. Schistosomiasis mansoni of the prostate. Rev Soc Bras Med Trop. 2006 Mar-Apr;39(2):233-4. English, Portuguese. doi: 10.1590/s0037-86822006000200021. Epub 2006 May 5. PMID: 16699658.

ANEXOS:

Figura 1

Figura 2

Figura 3

Figura 4


1Acadêmico de Medicina do CESMAC
2Médico assistente
3Professora de Medicina do CESMAC