ESPIRITUALIDADE DA PESSOA OSTOMIZADA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10515009


Rafael Antonio Servieri Risso1
Gisele Acerra Biondo Pietrafesa2
Eliana Anunciato Franco de Camargo3
Ivana Maria Passini Sodré Siviero4
Simone Albino da Silva5
Erica Ferraz6


Resumo:A pessoa com ostomia intestinal apresenta alteração do seu corpo, podendo desenvolver sentimentos como vergonha, insegurança, vulnerabilidade e não aceitação da condição, necessitando da atenção integrada dos profissionais de saúde e de sua rede de apoio social. A espiritualidade é uma dimensão humana que aprofunda, modela e une toda a experiência da existência. A doença pode levar o indivíduo a inúmeros questionamentos e anseios, podendo trazer uma crise existencial. Objetivou-se compreender a importância da espiritualidade para qualidade de vida de pessoas com ostomias intestinais. Trata-se de um estudo quantitativo, no qual foi aplicado o questionário WHOQOL-SRPB, pessoas com ostomias intestinais de eliminação. Observou-se que houve, enfrentamento, perspectiva de vida e aceitação das condições adquiridas, por meio da espiritualidade, e da fé. Destacou-se o enfermeiro como facilitador deste processo, e seu papel na promoção do autocuidado.

Descritores: Saúde Holística; Estilo de Vida; Autoimagem; Espiritualidade; Colostomia.

1. INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza que saúde não é apenas a inexistência de doença, mas sim um bem-estar físico, psíquico, social e espiritual¹. A qualidade de vida por sua vez é caracterizada por um conjunto de percepções e pensamentos e que envolvem a autossatisfação do indivíduo que integram sua vida, tais como saúde, valores culturais, sociais e psicológicos ².

Uma ostomia de eliminação intestinal trata-se da exteriorização de uma porção do intestino, com a finalidade de permitir a eliminação de fezes através da parede abdominal. Uma ostomia de eliminação intestinal é classificada como uma colostomia, quando se é exteriorizado uma parte do intestino grosso ou uma ileostomia, quando se trata do intestino delgado, e a pessoa submetida a essa cirurgia é denominada “pessoa ostomizada”³.

A pessoa com ostomia intestinal apresenta alteração do seu corpo, podendo desenvolver sentimentos como vergonha, insegurança, vulnerabilidade e não aceitação de sua condição4. Estudo realizado em 2013, com 216 pessoas com ostomias intestinais concluiu que a principal causa para elaboração de um ostomia foram os cânceres colorretais (40,7%)². No Brasil, esse tipo de neoplasia apresenta estimativas de 40.990 novos casos para o triênio de 2020-2022, sendo que 20.520 em homens e 20.470 em mulheres², e estima-se que cerca 300 mil pessoas convivam com uma ostomia intestinal5.

Tendo em vista que há uma alteração importante na anatomia e na função do organismo, a pessoa ostomizada passa pelas fases do luto, negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. O cuidado da enfermagem durante estas fases é essencial, e a compreensão sobre o estado emocional do paciente deve determinar a abordagem6. Assim, os profissionais de saúde devem compreender o indivíduo de forma individualizada, sob os aspectos, sociais, econômicos, culturais2 .

A espiritualidade é uma temática que está sendo muito discutida atualmente no campo científico, principalmente na área da saúde. Inúmeros estudos estão sendo desenvolvidos relacionando a espiritualidade com a qualidade de vida, bem como com o enfrentamento de doenças e a promoção e a reabilitação da saúde. A atenção voltada para a dimensão espiritual torna-se cada vez mais necessária na prática assistencial7.

Dessa forma, a espiritualidade é uma dimensão que aprofunda, molda e une toda a experiencia humana. A espiritualidade pode ser compreendida como um componente vital do funcionamento humano, espiritualidade é uma experiencia emotiva, subjetiva, dinâmica8. Na perspectiva de Vitor Frankl (2017)9, o ser humano é essencialmente espiritual.

A existência humana representa uma existência espiritual, torna-se agora evidente que a distinção entre consciente e inconsciente não constitui apenas um critério relativo, mas, na verdade, nenhum critério para referir-se à existência humana9.

A espiritualidade pode ser compreendida como o “coração e alma” da religião, podendo ser expressa fora, por exemplo, na fé pessoal e por aqueles que não são praticantes religiosos10. A questão da espiritualidade ocorre dentro do contexto de uma tradição religiosa; para outros pode ser como um conjunto de princípios filosóficos ou de experiências significativas11.

A crise existencial trazida pela doença pode levar o indivíduo a inúmeros  questionamentos e anseios sobre sua vida12, a reabilitação da pessoa com ostomia tem sido relacionada mais ao aspecto físico, mas há necessidade de planejar a assistência abrangendo o devido cuidado físico aos aspectos psicológicos, laboral, cultural, social, espiritual e sexual4; a enfermagem, por sua vez, desempenha um importante papel no processo de reabilitação, que é alcançada por meio da minimização das consequências biopsicossociais decorrentes de uma ostomia3.

Integrar todas as dimensões do ser, considerando o humano como objeto essencial do cuidado, remonta a uma transformação pragmática no campo da saúde, evocando uma perspectiva holística para uma nova epistemologia dessa área do saber8. Faz-se fundamental que a equipe de enfermagem esteja apta para atender suas necessidades de forma holística e humanizada, articulando e incentivando ações que garantam uma sobrevida digna e controle adequado dos sintomas físicos, psicológicos e espirituais1.

A mudança no estilo de vida da pessoa com ostomia intestinal e torna um processo de difícil adaptação tanto de si próprio quanto de sua rede de apoio. Com o auxílio da espiritualidade, esta pesquisa subsidia o paciente de modo que possa enfrentar o processo de saúde-doença de maneira mais saudável. Baseando na visão do paciente sobre espiritualidade, questionou-se, nessa pesquisa, a importância da espiritualidade como auxilio na busca de uma melhor qualidade de vida.

A importância deste trabalho se dá pelo fato de que identificar a assistência de enfermagem às pessoas com ostomia intestinal, avaliando sua abordagem integral e holística de sua condição de saúde biopsicossocial, visando estabelecer um enfrentamento, e como isso melhorar a qualidade de vida suprindo suas as necessidades.

Objetivou-se compreender a importância da espiritualidade, além de caracterizar as condições sociodemográficas de indivíduos portadores de ostomas e avaliar a espiritualidade destas pessoas.

Pacientes ostomizados têm uma mudança abrupta em seu estilo de vida, já que o procedimento altera a fisiologia e a autopercepção de seu corpo, além de ser um fator limitante para a sua inserção na sociedade devido ao preconceito social. Com isso a espiritualidade pode proporcionar a estes pacientes e à sua rede de apoio, uma nova visão de sua condição de saúde tornando o enfrentamento e a aceitação do processo de doença mais saudável, para alcançar qualidade de vida, por meio, de forças espirituais positivas que variam de acordo com a sua crença, localidade geográfica e cultura.

2. MATERIAL E MÉTODO

Tratou-se de um estudo descritivo, de abordagem quantitativa, no qual foi aplicado o questionário WHOQOL-SRPB aos pacientes portadores de ostomas intestinais de eliminação. O referido questionário que compreende o Domínio Espiritualidade, Religiosidade e Crenças pessoais, desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS)13, possui 32 perguntas, que estão divididas em 08 facetas que englobam questões como: paz interior, conexão a ser ou força espiritual, admiração, totalidade e interação, força espiritual, sentido na vida, esperança e otimismo e fé. As perguntas possuem valores a serem classificadas de 1 a 5.

Os escores das facetas foram calculados a partir da soma das quatro questões pertencentes a cada faceta, seguido da divisão por quatro. Estes são expressos em uma escala variante entre 1 e 5, em que 1, 2, 3, 4, e 5 correspondem, respectivamente a nada, muito pouco, mais ou menos, bastante e extremamente.

Juntamente foi aplicado um questionário sociodemográfico, com questões como, sexo, idade, raça, escolaridade, estado civil, renda mensal, religião, tipo de ostoma, tempo com o ostoma, classificação e se já recebeu orientação de um profissional de saúde relacionado ao ostoma.

Os pacientes portadores de ostomas intestinais de eliminação foram identificados a partir da relação de retirada dos kits de troca de bolsa e acompanhamento da condição, após autorização do Gestor de saúde do município.

Os mesmos foram abordados e orientados quanto aos objetivos da pesquisa, pelos autores no dia da retirada dos kits em uma Unidade de Atenção Primária à Saúde e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.      

O estudo foi desenvolvido em um município do interior paulista, em pacientes que possuem ostomas intestinais de eliminação.

Os critérios de inclusão desta pesquisa foram todas as pessoas com ostomias intestinais de eliminação, que realizam acompanhamento da condição em uma Unidade de Atenção Primária à Saúde no município de Espírito Santo do Pinhal-SP, no mês de julho de 2022.

Já os critérios de exclusão foram, pessoas que apresentaram outro tipo de ostoma, como urostomia e pessoas que não responderam adequadamente as perguntas ou anularam suas respostas por incapacidades psiconeurológicas.

O mesmo respeitou todos os preceitos éticos e normas regidas na Resolução 466/12, que dita os critérios para pesquisa envolvendo seres humanos, e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FMPFM sob número 5.578.171, CAAE 60961322.3.0000.5425.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Programa de Atenção aos Ostomizados do município em questão tem seu funcionamento centralizado numa Unidade de Saúde com Estratégia de Saúde da Família – ESF, assim, sendo atendidos por um enfermeiro responsável. Em julho de 2022 estavam cadastrados no Programa, 25 usuários ostomizados e urostomizados.

Participaram do estudo 12 usuários ostomizados sendo 08 do sexo feminino (67%), idade predominante entre 60 a 69 anos (42%), 100% de raça branca, 04 (33%) solteiros e 04 (33%) casados, 08 (67%) apresentavam ocupação aposentado, 04 (33%) com ensino superior completo, 05 com renda familiar de até 02 salários mínimos e 11 (92%) se intitulavam católicos.

A mais recente estimativa mundial aponta que, nos homens, ocorreu 1 milhão de casos novos de câncer do cólon e reto, sendo o terceiro tumor mais incidente entre todos os cânceres, com um risco estimado de 26,6/100 mil habitantes. Para as mulheres, foram 800 mil casos novos, sendo o segundo tumor mais frequente com taxa de incidência de 21,8/100 mil14. Estudo realizado em 2013, com 216 pessoas com ostomas intestinais concluiu que a principal causa para elaboração de um ostoma foram os cânceres colorretais (40,7%)2.

Com relação ao tipo de ostomia apresentada, 09 (75%) usuários com colostomia e 03 (25%) com ileostomia, sendo 11 (92%) confeccionados em situação de urgência e apenas 01 (8%) demarcado, com um total de 12 (100%) usuários que foram orientados ao menos uma vez sobre o ostoma por um profissional da saúde.

A crise existencial trazida pelo ostoma pode levar o indivíduo a grandes questionamentos sobre sua vida, neste contexto destaca-se a espiritualidade como instrumento de promoção de saúde e compreensão no modo de lidar com a ostomia e sua nova condição de vida, desta forma a atenção voltada para a espiritualidade torna-se cada vez mais necessária para a pratica assistencial12.

Com base nas respostas dos entrevistados, observou-se que a faceta que obteve maior valor na média (4,64) foi a faceta de número oito correspondendo a Fé (figura 1), uma das formas de enfrentamento da doença e da morte está diretamente ligada à força da fé e a crenças religiosas, ou seja, formas de expressar a espiritualidade15.

No estudo de Crizel et al. (2018)16 afirmam que a Fé conforta e fortalece o indivíduo em seu cotidiano, melhorando seu bem-estar e a forma na qual este aproveita a vida. Observou-se que nas perguntas, “Até que ponto a fé lhe dá conforto no dia-a-dia?” e “Até que ponto a fé o ajuda a gozar (aproveitar) a vida?”, 75% (n=9) dos participantes responderam com pontuação máxima, sustentando o estudo de Rocha et al. (2016)15 onde alega que pessoas que recorrem a espiritualidade para tentar se confortar da consternação gerada pelo convívio com determinada condição, possui um enfrentamento mais sustentável, e com isso, relatam que a fé lhes dá conforto e os ajudam a gozar do dia-a-dia.

A Fé é um sentimento arraigado na cultura e tão essencial quanto outros modos de enfrentamento15. Para os seres humanos, a fé é uma importante ferramenta para o alivio de sua dor, ela faz com que a pessoa busque recursos para o enfrentamento diário de sua nova condição17.

As pessoas mais idosas com condições crônicas de saúde, utilizam da fé em Deus para o enfrentamento de situações adversas, desta forma a fé se tornou um sentimento enraizado na cultura como auxilio no enfrentamento de doenças17.

Desta forma, pode se confirmar nesta pesquisa comparando as medias das idades, da faceta Fé, constatou-se que os indivíduos maiores de 70 anos (n=4) foram os que mais deram pontuação máxima para as perguntas deste domínio, e, portanto, obtiveram a maior média 4,13. Evidenciou-se que o bem estar-espiritual é mais significativo em pessoas mais velhas e com isso obtém uma melhor qualidade de vida18 .

Já a faceta que obteve menor pontuação na média foi a faceta de número quatro correspondendo a totalidade e integração (3,73), representando um sentimento de equilíbrio entre a mente, corpo e alma, de forma a criar uma harmonia entre as ações, pensamentos e sentimentos16, sendo a pergunta, “até que ponto você sente alguma ligação entre sua mente, corpo e alma?”, foi a pergunta que recebeu menor média (3,5) dentro desta faceta. Já Cruz e Pereira Junior (2011)19 relatam em seus estudos que há um consenso acerca da existência de uma relação entre aspectos cognitivos, emocionais e manifestações somáticas, excluindo uma separação funcional entre mente e corpo e com isso os processos emocionais são acompanhados por alterações fisiológicas, demonstrando a interligação entre mente e corpo, indo em sentindo oposto ao demonstrado nesta pesquisa.

Afirmaram neste estudo 100% (N=12) dos indivíduos que receberam orientação quanto aos cuidados com o ostoma. Em uma pesquisa realizada na China mostrou que com níveis mais elevados de conhecimento os pacientes conseguiam alcançar melhor adaptação à colostomia20.

O profissional de enfermagem está em contato direto e frequente com o paciente, o que o torna responsável por ter um olhar holístico sobre ele, e que contemple o processo do cuidar16. Pessoas com ostomas necessitam de fortalecimento no autocuidado para sua reabilitação, e com isso, o enfermeiro tem papel fundamental no ensino do paciente e sua família quanto as mudanças e cuidados tomados21, com linguagem clara e objetiva favorecendo o aprendizado do autocuidado e consequentemente melhorando a qualidade de vida20.

As limitações desta pesquisa foram a baixa demanda de indivíduos portadores de ostomas intestinais que frequentam o serviço público de saúde da cidade, e pelos diversos tipos de ostomas apresentados além dos intestinais.

As contribuições para a pratica deste estudo são de tornar conhecido os aspectos da espiritualidade no enfrentamento de uma nova condição de saúde, dando foco as pessoas ostomizados, e contribuindo no conhecimento de profissionais para que o cuidado se torne cada vez mais humanizado e holístico.

4.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Após análise dos dados coletados, foi possível observar que as mulheres possuem mais ostomas no município em questão, a idade prevalente foi entre 60 a 69 anos, todos os indivíduos de raça branca, em sua maioria aposentados, com ensino superior completo e média salarial de até dois salários mínimos, a maioria se intitulou católicos, e que receberam ao menos uma vez orientação quanto ao ostoma por um profissional de saúde. Já na questão da espiritualidade, notou-se que a Fé, obteve uma maior pontuação pelos participantes, demonstrando que ela os ajuda a enfrentar e gozar do dia a dia, já as questões quanto totalidade e integração obtiveram menor pontuação, indo contra estudos que afirmam uma integração entre corpo, mente e espirito.

            Foi possível observar que o enfermeiro possui um papel como educador, tanto em estratégias com objetivo espiritual quanto no autocuidado, favorecendo e dando subsídios a estas pessoas a obterem uma melhor qualidade de vida.

            Espera-se que esta pesquisa contribua também na formação profissional dos enfermeiros atuantes no serviço, no sentido de buscar atualizações referentes aos assuntos do seu trabalho, pressupondo assim, que haja uma melhora significativa na qualidade do atendimento da pessoa com ostomia.

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