ESCUTA QUALIFICADA PARA ESTUDANTES DE MEDICINA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10050499


Marta Midori Yoshijima1
Laura Do Val Del Chiaro2
Sandra Regina Mota Ortiz3


RESUMO

A trajetória dos estudantes de medicina é caracterizada por demandas acadêmicas rigorosas e exposição a contextos complexos. A literatura científica ainda apresenta lacunas a respeito de medidas que promovam o equilíbrio emocional dos futuros médicos. Justificativa: a carência de estudos para compreensão e aprimoramento do bem-estar dos futuros médicos. Objetivo: avaliar a eficácia da escuta qualificada  na qualidade de vida dos estudantes de medicina. Metodologia: pesquisa-ação mista, com 48 estudantes, com uso do WHOQOL-Abreviado e escuta qualificada. Resultados: a pontuação geral do WHOQOL-Abreviado apresentou média de 13,57, que reflete avaliação moderada dos estudantes de medicina. Já nas escutas, a grande maioria dos estudantes se sentiu positivamente afetada pela sua realização. Análise dos Resultados: os participantes tendem a ter uma melhor qualidade de vida no domínio do Meio Ambiente, enquanto os domínios Psicológico e Relações Sociais apresentam avaliações moderadas. Contribuição: este estudo assume relevância ao corroborar que a qualidade de vida, desempenha papel fundamental na trajetória acadêmica dos estudantes de medicina e em sua futura prática profissional. Conclusão: embora as limitações vinculadas ao tamanho da amostra sejam reconhecidas, achados deste estudo fornecem indícios sólidos da validade da escuta qualificada como instrumento eficaz para melhorar a condição psicológica dos estudantes de medicina.

Palavras-chave: Saúde mental, Educação superior, Estudantes de medicina, Escuta qualificada.

1 INTRODUÇÃO

No atual contexto do ensino superior há uma tendência crescente à ênfase na eficiência, competição e produtividade na formação acadêmica. Esse cenário leva à padronização e quantificação do conhecimento, frequentemente em detrimento de abordagens centradas no indivíduo (Jesus; Oliveira; Azevedo; Santos; Nogueira, 2022) [1]. 

Verificam-se impactos profundos no ensino de saúde, levando a altos níveis de estresse, ansiedade e exaustão emocional entre estudantes de medicina, com consequente deterioração da saúde mental. Estudos evidenciam que essa realidade é preocupante em várias partes do mundo, incluindo a Universidade de Zimbabwe, onde 64% dos estudantes de medicina do 1º período apresentam depressão e/ou estresse, e nos Estados Unidos, onde 46% enfrentam estresse, ansiedade e fadiga. No Brasil, essa situação é igualmente problemática, com estudantes de medicina apresentando indicadores de saúde mental mais altos que a população em geral (Conceição; Batista; Dâmaso; Pereira; Carniele; Pereira, 2019) [2].

Esses achados ressaltam a importância de abordar o bem-estar dos estudantes de medicina, de forma a mitigar os efeitos negativos do ambiente acadêmico, promovendo uma abordagem mais integrada na formação médica. Essa ação considera importante não apenas a produtividade, mas também a saúde mental dos futuros profissionais de saúde (Paro; Perotta; Enns; Gannam; Giaxa; Arantes-Costa; Mayer; Martins; Tempski, 2019) [3].

Portanto, o problema central deste trabalho visa responder à seguinte indagação: como as demandas acadêmicas intensas afetam os níveis de estresse, ansiedade, exaustão emocional, depressão e síndrome de Burnout entre esses estudantes, contribuindo para uma deterioração significativa de sua saúde mental? 

O objetivo geral desta pesquisa é investigar os efeitos da escuta qualificada em estudantes de medicina. Os objetivos específicos são: avaliar a qualidade de vida nos aspectos físicos, psicológicos, sociais e ambientais; os efeitos da escuta qualificada; e a correlação desses achados. Estes objetivos buscam oferecer uma compreensão das questões relacionadas à saúde mental dos estudantes de medicina e oferecer diretrizes para melhorar seu bem-estar ao longo de sua formação acadêmica.

2 METODOLOGIA

A presente pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e obteve o Parecer nº 5.794.883 e o CAAE nº 65572022.6.0000.5510. 

Trata-se de uma pesquisa-ação mista, com métodos quantitativos e qualitativos. 

Na etapa quantitativa, foi feita aplicação do WHOQOL-Abreviado, que é uma versão reduzida do WHOQOL-100 (World Health Organization Quality of Life), desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 1994)[4], constituído por 26 questões, com respostas pontuadas em uma escala de Likert de 1 a 5, em que as mais altas indicam uma melhor condição de vida. 

Na etapa qualitativa, foram realizadas três sessões de escuta com cada participante, com duração média de 40 minutos cada uma, num total de 142 escutas. Procurou-se revelar as ideias, experiências individuais e perspectivas que tinham sido quantificadas durante a etapa anterior. 

A população-alvo incluiu 782 estudantes do curso de medicina do Campus Centro da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Na definição do tamanho da amostra, foi aplicada a técnica de amostragem por conveniência, com nível de confiança de 85% e uma margem de erro de 10%. O cálculo amostral resultou em um tamanho mínimo de amostra de 49 indivíduos. Entretanto, a amostra final foi composta por 48 estudantes, selecionados por critérios de conveniência. 

Além disso, os participantes precisaram atender simultaneamente aos seguintes critérios de inclusão: idade superior a 18 anos, não utilização de farmacoterapia para transtornos de ansiedade, depressão e psicoses, bem como ausência de dificuldades cognitivas, conforme comprovado mediante laudo médico fornecido pela própria instituição de ensino. Os estudantes que concordaram em participar deste trabalho assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). 

3 DESENVOLVIMENTO E DISCUSSÃO

Os resultados indicam que os estudantes de medicina avaliam moderadamente sua qualidade de vida em diferentes domínios (físico, psicológico, relações sociais, meio ambiente e autoavaliação da qualidade de vida), com variações consideráveis nas respostas. A pontuação total do Whoqol-Bref apresenta média de 13,57, que reflete avaliação moderada. O coeficiente de variação de 15,18% indica variabilidade moderada nas respostas, e a amplitude de 8,00 mostra que as pontuações variaram em um período de tempo razoável.

A análise dos domínios revela que os participantes tendem a ter uma melhor qualidade de vida no domínio do Meio Ambiente, enquanto os domínios Psicológico e Relações Sociais apresentam avaliações moderadas. A variabilidade nas respostas é mais pronunciada nos domínios Psicológico, Relações Sociais e Autoavaliação da Qualidade de Vida, indicando que esses domínios são percebidos de maneira mais diversa pelos participantes. 

Embora tenha sido detectado viés de interpretação nas respostas da Avaliação das Escutas, pois alguns estudantes entenderam que a avaliação se referia a seu estado de ânimo no momento, outros compreenderam corretamente e a avaliaram a experiência com as escutas. A despeito deste incidente, ainda assim, os resultados evidenciaram a eficácia da escuta qualificada enquanto suporte psicológico valioso para estudantes de medicina. A maioria dos participantes (75,6%) expressou alto grau de satisfação e benefício com as sessões, o que indica que estas forneceram espaço significativo para enfrentar e lidar com estresse, pressões acadêmicas e demandas do ambiente universitário. A totalidade dos estudantes entende que o serviço de escuta qualificada precisa ser implantado na faculdade de medicina e 93,8% utilizariam esse serviço, caso estivesse disponível na faculdade. 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esses resultados traduzem a relevância da escuta qualificada como instrumento eficaz para melhorar a condição psicológica dos estudantes de medicina. No entanto, é vital abordar preocupações diante da minoria que respondeu “não” para garantir que o serviço seja promovido e acessível a todos os estudantes que possam precisar dele.

Uma das principais limitações deste estudo foi o tamanho da amostra. Embora os resultados sejam encorajadores, a generalização para população mais ampla de estudantes de medicina deve ser feita com cautela. E novas pesquisas precisam sanear o viés de resposta que afetou a precisão dos resultados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] JESUS. Ana M. V de; OLIVEIRA, Halley F.; AZEVEDO, Maria R. D. de.; SANTOS, Ramilly G. A.; NOGUEIRA,  Hortência G. Análise da qualidade de vida em estudantes de medicina: revisão sistemática. Research, Society and Development, ISSN 2525-3409, v. 11, n. 8, p. 1-9, 2022. 

[2] CONCEIÇÃO, Ludmila de S.; BATISTA, Cássia B.; DÂMASO, Juliana G. B.; PEREIRA,  Bruna S.; CARNIELE,  Rafael C.; PEREIRA,  Gabriel dos S. Saúde mental dos estudantes de medicina brasileiros: uma revisão sistemática da literatura. Avaliação, ISSN 1414-4077, v. 24, n. 03,  p. 785-802, 2019. 

[3] PARO, Helena B. M. da S.; PEROTTA,  Bruno; ENNS, Sylvia. C. ; GANNAM, Silmar; GIAXA, Renata R. B.; ARANTES-COSTA, F. M.; MAYER, Fernanda B.; MARTINS,  Milton de A.; TEMPSKI, Patrícia Z. Qualidade de vida do estudante de medicina: o ambiente educacional importa? Rev Med. ISSN 1679-9836, v. 98, n. 2, p. 140-147, 2019.

[4] OGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Divisão de Saúde Mental. Grupo WHOQOL: versão em português dos instrumentos de avaliação de qualidade de vida. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1994.


1Universidade Municipal de São Caetano do Sul,  São Caetano do Sul, Brasil

2Universidade Municipal de São Caetano do Sul,  São Caetano do Sul, Brasil

3Universidade Municipal de São Caetano do Sul,  São Caetano do Sul, Brasil