REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7817127
LYGIA NAZARÉ MARCELO CASSIANO BEZERRA
RESUMO
O presente trabalho tem por fim analisar as vozes poéticas e identificar o conteúdo implicado na construção do poema que surge dos processos criativos em sala de aula, através da postura. A arte literária é relevante na formação do sujeito, é uma via que o leva a ser protagonista não só na leitura, mas na escrita literária, valorizando suas opiniões, reflexões, saberes e experiências expressadas poeticamente, de forma autoral. As análises das produções poéticas feitas pelos alunos participantes do projeto Minhas Palavras serão ponderadas através do que o eu lírico desvela, dos conteúdos expressos, das vozes alçadas, da subjetividade que o aluno-poeta expressa o mundo exterior, que se converte em vivência interior. Portanto, nesta dissertação, a Poetura será a estrada por onde o aluno caminhará, degustando da leitura, interpretação, do contato com o texto literário, provocando processos que desenvolve a percepção, a criatividade, o raciocínio, a sensibilidade, a imaginação, a liberdade (re)criadora e o senso crítico, permitindo, nesses processos, que se deixe fruir as emoções, sentimento, pensamento e sensações do educando, desaguando na arte da criação de textos literários autorais, despertando, dessa forma, o talento para a produção artístico-literária do aluno.
Palavras-chave: literatura; poema; escrita autoral; poesia; poetura.
ABSTRACT
The work aims to analyze the poetic voices and identify the involved in the construction of the that arises from the creative processes in the classroom, through Poetura. Literary relevant in the formation of the subject, it is a way that leads him to be a not in, but in literary writing, valuing his opinions, reflections, knowledge and experiences expressed poetically, in an authorial way. The analysis of the poetic made by the students participating in the Minha Palavras will be pondered through what the lyrical self reveals, the expressed, the raised voices, the subjectivity that the student poet expresses the outside world, which becomes an inner experience. Therefore, in this dissertation, Poetura will be the road the student will, tasting the, interpretation, contact with the literary text, provoking processes that develop perception, creativity, reasoning, sensitivity, imagination, freedom (re)creator and the critical sense, allowing, in these processes, to let the, feelings, thoughts and sensations of the student be enjoyed, flowing into the art of creating authorial literary texts, thus awakening the for artistic production -literary of the student.
Keywords: literature; poem; authorial writing; poetry; poetura.
1 MINHAS PRIMEIRAS PALAVRAS
Nasci e me criei na ilha de Soure. Esse espaço é meu lar, é meu berço. Por esse cordão umbilical consigo compreender as angústias de meus pares, de meus irmãos, estar próxima das expressões plurissignificativas, de ler e interpretar essas necessidades que se vive nesta ilha. Todavia, cortou o cordão umbilical para aprimorar uma visão científica, um olhar técnico e desafiador, de pesquisadora para escrever os Anais das Minhas Palavras.
A vida é constituída de desafios. Desafios que muitas vezes nos dão uma trabalheira, nos tira da zona de conforto e nos fazem ter medo do por vir, mas esses mesmos desafios nos fazem crescer, documentar, inspirar, registrar, aprender, ensinar e nos tornam seres construtivos, mas não é nada fácil. Transformar pensamentos, sentimentos, lembranças, ações em registros não é tarefa efêmera, mas é uma das melhores experiências de um profissional de Letras, que tem a Palavra como ferramenta de seus múltiplos trabalhos. No entanto, essa tarefa ultrapassou os limites do verbo e ganhou voz, vez, valorização artística.
Desde criança eu escrevo. Escrevia para aliviar a alma no meu querido amigo diário, às vezes obrigada pela minha mãe, mas foi por ela que peguei o gosto da escrita, de ler, de ensinar. Passei a escrever com o coração, procurando fazer da vida um fardo mais leve, mais fácil de carregar, mais sutil, mais livre, raiz que extrai da terra água, nutrientes, vida, nuvem que está no céu, mas com conexão com o acima e o abaixo.
A leitura, a escrita e poesia sempre foram uma paixão, mas para mim que nasci e me criei no Marajó, mais especificamente em Soure, que sempre fui aluna de escola pública, por quase todo o ensino básico, como era possível fazer dessa paixão um instrumento de transformação?
Mas a paixão, tão avassaladora e efêmera, inicia e logo tem fim, as vezes da pior maneira possível, ou mesmo esfria, acaba! Então troquei a paixão pelo amor que “tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”1. Sabia da complexidade do que estava por vir, das angústias que iam gerar, das expectativas que iriam causar. Todavia caminhei por uma estrada sem volta, e por onde passei plantei rosas para alegrar e perfumar a vida, algumas vezes me ferir nos espinhos, tudo parte do processo movente.
Ao entrar na faculdade de letras, percebi que a caneta pesa bem menos que a culpa de não documentar o sentimento, a emoção, o encantamento pela palavra, pela vida, dela surge o mais sensível do meu olhar, do meu ser, do meu ver, do meu crer e do meu viver. Então conheci, nessa trajetória, inúmeros artistas da palavra, que me fizeram voar sem asas, viajar sem sair do lugar, de encontrar encantamento e conhecimento nos versos entoados.
Então um dia perguntei a mim o que era esse ver diferente em meio às adversidades. A resposta soou suave e sutil: Sou riqueza, espólio de guerra, sou verdade que anda vestida de ficção, sou luz em meio a escuridão, mas para alguns sou sombria, pois brinco, invento e reinvento. Ignoro a ignorância, pois em tudo há valor. Sinto pena de quem não sabe me ter, me amar, me apreciar ou mesmo me odiar. Estou no teu olhar, em todo lugar. Eu sou a poesia.
Li que no olhar do poeta o inútil é útil, o pequeno é grande, o insensível é sentimento, o processo é a parte mais importante entre o início e o fim, na verdade o alfa sempre está e o ômega nunca vai findar, são fontes inesgotáveis, poder começar, recomeçar, infinitamente.
Cheguei à conclusão de que a poesia é um princípio, é pureza, é sentimento, é ciência humana, é matéria-prima sublime no ser de carne, sangue, razão, intelecto, alma, espírito, essência divinal de ação, criatividade, é encorajamento, é deslumbramento, é fascinação, é inocência, é ingenuidade, é ver que em tudo há valor, é ser tudo onde não Não há nada.
Como guardar esse conhecimento só para mim. Não coube! Quanto mais se usa, mais se ganha, mais se tem, não dá para guardar, nem esconder, é preciso dividir, partilhar, compartilhar. Foi aí que nasceu o Projeto literário “Minhas Palavras”, ainda sem um público específico, mas com a certeza de que seria executado.
Para ensinar a ler e escrever é preciso saber ler, saber escrever, isso é óbvio. Mas A proposta era ler e escrever artisticamente. Isso eu sabia fazer. Apesar de não ter publicado nenhum livro, eu sempre escrevi para mim e isso me satisfaz, no entanto eu queria ensinar essa técnica, para aqueles que quisessem aprender. Para sentir que sua a voz deve ser a primeira a ser ouvida por você mesmo.
Foi lá, lá na Universidade que concretizei o que era só um interesse por fazer algo pela minha comunidade, a partir da preocupação de que a região do Marajó é conhecida pelo baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e por ter um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, um cenário desafiador, que inicie a escrita de um projeto, ainda sem nome, mas com objetivos e ações projetadas para além de uma simples escrita, para a expressão criativa.
Mas foi quando iniciei minha carreira como professora efetiva da Secretaria de Educação do Estado do Pará, que comecei a pôr em prática a busca de formar cidadãos críticos e de despertar neles a consciência de que precisamos melhorar esses índices para mudar a qualidade de vida da nossa população. Para isso consumou-se o que era só uma ideia para implementar na escola o projeto literário “Minhas Palavras”, o qual falaremos mais adiante.
Todavia, apesar de concursada no cargo de professora de Português, a única disciplina que não fui lotada foi Língua Portuguesa, pois os professores mais antigos no cargo, não abriam mão da disciplina de formação para pegar Literatura e Arte, as quais seriam uma insegurança na carga-horária, no caso de Arte, pois poderia ser contratado um profissional da área a qualquer momento pela Seduc, o que acarretaria em perdas salariais, e a literatura seria um trabalho a mais na formulação de planos de aula.
Confesso que houve um choque entre o que aprendi na academia e o percurso educacional na realidade da escola. Meus olhos tão acesos ao processo ensino aprendizagem viu que há um apartheid curricular, em especial no caso a literatura e das artes. Mas o que é literatura? Não seria arte que se expressa através de palavras faladas, escritas? Eu vou além, arte que se expressa através de palavras faladas, escritas, pensadas, lapidadas, desenhadas, harmônicas, que surgem não apenas de um processo cognitivo, mas de um processo criativo, memorial, cultural, indenitário, simbólico, que expressa a profundidade do universo individual e coletivo.
Logo, assumi todos esses desafios. Fui lotada apenas com as disciplinas Literatura e Arte, na Escola Gasparino Batista da Silva, Escola Sede do município. Então elaborei o projeto com o intuito de inserir alunos do Ensino Médio na arte da criação e recriação de textos literários, na perspectiva deles absorverem bagagem cultural, artística, histórica e linguística, através da leitura, interpretação e produção de textos literários, além de despertar o talento artístico para a produção poética e teatral e assim, inseri-los na sociedade como artistas, escritores, poetas ou, simplesmente, alguém que ver na sua língua uma ferramenta de ascensão pessoal e social.
Neste processo de identificação, consequentemente, o prazer estético é manifestado pelo vínculo criado entre o texto e o leitor. Assim, para os PCNs (2000, p52) a literatura é um processo “da educação de sensibilidade, como um meio de conseguir o conhecimento tão importante como a científica”, através da literatura, os alunos trabalham sua criatividade, sua cognição, percepção e entre outros aspectos ligados para o seu crescimento pessoal.
As disciplinas de literatura e arte na escola, contribuem sobremaneira para fomentar a leitura e, por conseguinte, promove um aprendizado mais significativo nos aspectos culturais, artísticos e históricos, além de orientar o aluno a produzir textos literários, através de reescritas, paráfrases, paródias, intertextos baseados em textos escritos por autores renomados da literatura universal nas mais variadas épocas e estilos literários , também tem por objetivo fazer com que o aluno desenvolva/aprimore técnicas de escrita autônoma (produção textual independente) a partir do(s) gênero(s) literário que se identifica.
Este trajeto no ensino aprendizado no contexto escolar contribui para aumentar o vocabulário linguístico dos alunos, melhorar a competência leitora e a habilidade de escrita, assim são estimulados e motivados a aplicar conhecimentos para escrita de um pequeno livro de sua própria autoria, preservando seu vocabulário, as variantes que utiliza, fazendo dessas vozes licença poética.
Quando se valoriza a própria realidade e a própria identidade cultural do aluno, a tarefa se torna menos árdua e mais significativa. Isso nos remete aos pensamentos de Paulo Freire no fazer pedagógico, no educar, valorizando o saber de mundo do educando. Então eu tomei como ponto de partida os aspectos culturais da Amazônia Marajoara, sua própria realidade, a qual será registrada em verso e prosa sob olhar poético de cada aluno envolvido durante as aulas.
Na ilha marajoara de Soure, vivencia-se a simplicidade da cultura local, tais costumes tornam-se um acervo cultural muito rico que deve ser mantido e passar de geração para geração de forma valorizada, e acredito que o ambiente da sala de aula é o melhor lugar para essa valorização e para pesquisar tais aspectos ligados a cultura local, pois como afirma Câmara Cascudo:
Nascemos e vivemos mergulhados na cultura da nossa família, dos amigos, das relações mais contínuas e íntimas, do nosso mundo afetuoso. O outro lado da cultura (cultura, fórmula aquisitiva de técnicas, e não sinônimo de civilização) é a escola, universidade, bibliotecas, especializações, o currículo profissional, contatos com os grupos e entidades eruditas e que determinam vocabulário e exercício mental diversos do vivido habitualmente. Vivem numa coexistência harmônica e permanente, as duas forças originárias e propulsoras de nossa vida mental. Non adversa, sed adversa. Potências de incalculável projeção em nós mesmos, o folclore e a cultura letrada, oficial, indispensável, espécie de língua geral para o intercâmbio natural dos níveis da necessidade social. (CASCUDO, 2012, p. 17).
A dualidade cultural a que Cascudo (2012) se refere, parte do princípio de que a cultura está no universo do aprendizado, onde o ser está mergulhado, seu olhar não está estacionado na cultura erudita, tão pouco na popular, nem que uma seja superior a outra, e sim que a cultura que carregamos está na soma dos ambientes de aprendizado, seja eles quais forem, pois, esse processo é múltiplo e significativo. Nesse contexto o que se torna mensurável é a valorização da cultura que vai do erudito ao popular.
Convém nos aproximarmos do local de investigação e nos achegarmos a diálogos mais próximos à cultura(s) local, peculiar, respeitando o processo constitutivo e relacionada entre o Homem e seu território, que “situado diante de uma natureza magnífica, de proporções monumentais, além de criar e desenvolver processos altamente criativos e eficazes de relação com ela, construiu um sistema cultural singular. Uma cultura viva, em evolução, integrada e formadora de identidade” (PAES LOUREIRO, 2015, p. 31)
No momento em que se toma consciência do seu espaço de cultura no universo, emerge a consciência de que o “sistema cultural” homogeneizador, não se aplica à um sistema cultural local, tão pouco haja somente um sistema cultural constituído, pois, essa composição não é estagnada, é movente. Todavia, o que não se pode contrapor é que aprendizagem ( e não utilizo, nem rebaixo o aprender), gera cultura.
Este projeto de pesquisa se coaduna com o que está previsto no Plano Nacional de Educação: igualdade e equidade na formação humana. Segundo o MEC, (2018), embora a BNCC, não defina uma metodologia de ensino, a formação do aluno caracterizado nas dez competências só pode ser alcançada por meio de metodologias ativas.
Neste contexto, o projeto Minhas Palavras é um instrumento de metodologias ativas para garantir as aprendizagens, assim como as aquisições de habilidades e competências garantidas ao progresso educacional dos alunos no ensino básico nos termos da Lei, de sua regulamentação e encaminhamento, assumindo a responsabilidade de garantir equidade ao ensino disposto na Lei de Diretrizes e Bases ( LDB) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no ensino das Linguagens.
Neste sentido, considerou-se que a Arte literária, incluindo a Leitura, a Escrita atuam como vias significativas para a formação do sujeito, que através do contato com o texto literário surpreende-se na identificação de seu reflexo, de seu mundo, ora representado. Às vezes, uma imitação promíscua, outras uma ilustração quase idêntica do que ele é ou pensa. Assim os PCNs (2000, p. 52) a literatura “como um meio de educação da sensibilidade; como meio de atingir um conhecimento tão importante quanto o científico”, pois pela literatura o aluno em pleno exercício de liberdade trabalha sua criatividade, seu cognitivo, a percepção dentre outros aspectos ligados ao seu crescimento pessoal.
Na particularidade deste estudo que ocorre na Ilha do Marajó, o espaço da escola é o laboratório adequado para investigar, experimentar e estudar o processo de ensino- aprendizagem da arte literária como agente transformador de vidas, da sociedade e seres humanos. É neste contexto é que se idealizou a presente proposta, tornando a escola um local de reflexão sobre a vida e sobre eventos sociais e culturais, constituindo um legado de um povo letrado, e em processo de escolarização, que por meio do processo artístico-literário pode fazer literatura autoral.
O projeto literário Minhas Palavras, faz parte do Plano de Ação da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Prof Edda de Sousa Gonçalves e Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Prof. Gasparino Batista da Silva, desde o ano de 2011. Ambas instituições de ensino estão localizadas na Ilha do Marajó – Soure.
O projeto “Minhas Palavras” é um elo transdisciplinar de linguagens e expressões artísticas. Passei a trabalhar a literatura-arte não como disciplinas separadas, mas como segmentos artísticos, afinal não são? São sim! A escola e os currículos os separam, mas na prática, os professores formados em língua portuguesa, geralmente por falta de profissional de arte nos interiores dos brasis, ministram a disciplina arte, mas que como eu não tem formação formal para atuar como professor de Arte. Será?
Há diferentes linguagens da arte e a literatura é uma delas, apesar de que há cursos acadêmicos diferentes para eles. Para a literatura o curso de letras é para arte o curso de arte que se desmembra em diversos segmentos como música, artes visuais, dança, teatro, mas na realidade da grande maioria das escolas públicas de ensino básico no Brasil, mas especificamente em Soure, onde essa pesquisa está sendo realizada, o professor de letras trabalha arte poética, arte literária a arte de criar e recriar através das palavras.
Todo início de ano letivo o projeto entra em vigor em sala de aula e tem atividades mensais, visando a confecção de um mini livro literário que será orientado no decorrer das aulas. Dentre as ações do projeto tem as leituras em classe, e a extraclasse, as produções, paródias e paráfrases em classe, a partir de leituras orientadas, produções dirigidas e registros autônomos como relatos, diários, narrativas, lembranças, pensamentos. Todas essas produções são acompanhadas, reescritas, se for necessário, respeitando o gênero proposto.
No período do quarto bimestre essas produções são catalogadas e consistirão em um pequeno livro produzido por cada um dos envolvidos. Em qualquer de suas modalidades, isso significa preparar para a vida, qualificar para a cidadania e capacitar para o aprendizado permanente, seja no eventual prosseguimento dos estudos, seja no mundo do trabalho, os alunos têm a oportunidade de registrar em verso e em prosa sua identidade cultural.
Essas produções em classe e extraclasse, são catalogadas individualmente, de acordo com a participação dos alunos nas atividades propostas, como exemplo, no mês de fevereiro, início do ano letivo, dá-se abertura ao projeto convidando, incentivando e conscientizando os alunos das ações a serem desenvolvidas. Cada uma das propostas de produção está presente no Plano de Ação das escolas. Por exemplo no mês de março fazemos produções em verso voltadas para homenagear o Dia internacional da Mulher e o Dia da Poesia, há a culminância nas ações da escola e as produções apresentadas já são acondicionadas para a produção do minilivro que tem de conter no mínimo dez (10) títulos, para alunos do 1º ano, e no máximo (30) títulos, para alunos do 3º ano, uma vez que eles podem reeditar suas publicações dos anos anteriores, se já forem integrantes do projeto.
Neste cenário, em cada mês há uma programação que resulta em uma produção poética. Direcionada, mas não com interferências, ou seja, a produção é alicerçada nas leituras literárias proporcionada pela ação, livre, ressoando a voz do educando, seus conceitos, pensamentos, seu modo de se ver parte da sua comunidade, sociedade.
Neste processo criativo a língua não exerce apenas uma função comunicativa, mas também formula conceitos, abstrai, generaliza a realidade por meio de atividades mentais enquanto sistema simbólico. É voz, é resultado, é discurso carregado de múltiplos significados e saberes. É importante por ser verbal e enquanto o desenvolvimento das operações intelectuais é importante por ser responsável pelo controle do próprio pensamento, como aponta Vigotsky (1987, p. 87):
A formação de conceito é o resultado de uma atividade complexa em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido à atenção, à associação, à formação de imagens, à inferência ou às tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como meio pelo qual se conduz nossas operações mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que enfrentamos.
No quarto bimestre, de cada ano letivo, essas produções são reunidas e passam a consistir em um pequeno livro produzido por cada um dos envolvidos. Faço a orientação para composição estrutural do livro como capa, folha de rosto, sumário, dedicatória, autobiografia, contra capa e ilustrações, além de como devem organizar as produções. Cada aluno tem a liberdade de produzir sua própria capa, suas ilustrações, seja digitado ou mesmo manuscrito.
O ápice do projeto se dá, geralmente, na última semana do ano letivo com realização da Semana Literária, evento da escola onde ficam em exposição todas as obras produzidas pelos alunos. Durante três dias os alunos da escola participam de atividades como sarau, oficinas, palestras “contação de histórias”, teatro e mostras de trabalhos, além de contar com professores – palestrantes, artistas e convidados.
Fig. 1. – Exposição da produção dos cordéis – 2015
Fonte: acervo pessoal
A figura acima, é um registro da memória escrita dos alunos que produz ao longo desse processo alguns textos, através de reescritas, paráfrases, paródias, intertextos baseados em textos escritos por autores renomados da literatura universal nas mais variadas épocas e estilos, literários, também tem por objetivo fazer com que o aluno desenvolva/aprimore técnicas de escrita autônoma (produção textual independente) a partir do (s) gênero(s) literário que se identificar.
Os jovens participantes do projeto literário “Minhas Palavras”, têm acesso à leitura e à informação, tendo maior possibilidade de aprender e de enfrentar os desafios tanto no campo pessoal, quanto no profissional ou em qualquer área que dela for necessária. Pois, ler é tarefa primordial na sala de aula, além do resgate dessa capacidade de mover-se entre o imaginário e o criativo, que nossos jovens estão perdendo, marcando a importância da literatura na cultura e na formação do sujeito, conduzindo os jovens à apreciação desta. Ressalto que os depoimentos dos alunos se encontram no quarto capítulo desta pesquisa.
2. O RUMO QUE MINHAS PALAVRAS TOMAM: O CONTEXTO DA PESQUISA
Nesse trabalho é pertinente um diálogo com vários teóricos da área das linguagens, da educação, das artes e antropologia. A consideração desses campos para a pesquisa vai além de possibilitar um estudo voltado às práticas de linguagem, de expressão em sala de aula. Envolve conhecimentos e habilidades mais contextualizados e complexos, envolve vozes a serem ouvidas e estudadas através do texto literário.
Ao compreender que a arte, em seu sentido mais amplo, registra experiências, memórias, sentimentos, fantasias, realidade, ficção e consciência, razão pela qual acredito que deve ser valorizada, preservada e registrada no âmbito acadêmico ou não.
Nesse contexto surge a Poetura. A Poetura é uma das ações do projeto Minhas Palavras que trabalha a criatividade, a sensibilidade, a escrita artística, a memória dentre outras potencialidades do educando através da poeticidade do poema, da leitura literária e de seu pertencimento cultural.
A palavra Poetura é uma combinação das palavras poesia, poema, leitura, literatura e cultura em processo artístico-literário e metodológico utilizado em sala de aula que fomenta a criatividade e legitima o aspecto autoral da arte produzida na escola pelos alunos, ajudando-os a refletirem a sua própria cultura. Ressalto a prática da leitura de textos literários como base para a produção de poemas autorais, despertando uma visão poética e cultural do mundo em que os educandos vivem, além disso, a importância do gosto pela leitura se estabelece como algo essencial.
A Poetura está incutida na ação que geralmente se dá no mês de agosto. A proposta de atividade de produção poética visa iniciar os alunos a produzirem um poema (paráfrase) a partir da temática: Minha terra, meu chão, meu, eu. Em geral, a temática é por mim selecionada, pela qual, busca-se poemas que revelam a identificação dos traços culturais marajoaras imanentes a memória pessoal, coletiva, econômica, geográfica e religiosa, que deve permear a consciência dos alunos.
Todavia, há de se indagar qual o problema da pesquisa, uma vez que problematizar para se obter resultados é necessário. Nesse âmbito, será que a produção artístico-literária em poema pode ser uma ferramenta para a consideração e expressão de identidades e culturas de uma sociedade fletida na escola?
Pressupomos que através da produção artística dos alunos envolvidos seja possível nos depararmos com a identificação dos traços culturais marajoaras nas artes reproduzidas, em identificação com a expressão de um discurso cultural significativo em sua marca como a memória cultural e social, que deve permear a consciência dos alunos, contribuindo não apenas para uma apreciação, mas também para o conhecimento da gramática, da linguística, da literatura, expressando e valorizando sua cultura nos versos do poema.
Para a realização desta pesquisa, analisei alguns poemas produzidos pelos alunos inseridos no Projeto Literário Minhas Palavras, desde o início do projeto no ano de 2012, até o ano de 2021, totalizando 10 poemas.
O critério usado para a seleção dos poemas tem a ver com o tipo de proposta de produção poética apresentada nas atividades em sala de aula, como por exemplo, sobre o que narra o conteúdo, do registro feito pelo Eu autoral do aluno, de sua visão e releitura da realidade em que vive ou que viveu em suas memórias, do que ouviu de seus antepassados, ou mesmo, um resgate memorial coletivo refletido nos fazeres e saberes culturais do povo sourense.
Para alcançarmos o objetivo de investigação da realidade mencionada decidimos pelo procedimento técnico de pesquisa de estudo de caso, que segundo Severino (2007, p.124), a coleta de dados e análise são semelhantes à de uma pesquisa de campo, porém essa pretende buscar a informação específica, diretamente com o indivíduo, comunidade ou grupo pesquisado. Ela exige do pesquisador um encontro mais direto e seus dados devem ser registrados rigorosamente.
Gil (2002) diz que a pesquisa de estudo de caso tem como objetivo aprofundar a descrição de determinada realidade. Ele define estudo de caso como uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade ou múltiplos casos que se analisa profundamente. A pesquisa de caso deste trabalho se dará nas Escolas Estaduais de Ensino Fundamental e Médio “Profª Edda de Sousa Gonçalves” e Profº. Gasparino Batista da Silva”, no município de Soure, Estado do Pará.
Nesse caso, o pesquisador precisa ir aonde o fenômeno ocorreu, ou ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem documentadas. Logo, eu, como pesquisadora deste trabalho artístico-literário, debruçar-me-ei na procriar tesia, ou seja, processo de criação criativa em arte-poesia. Este será um dos meios de observação dos resultados da pesquisa, onde todo o processo será interpretado, lido e registrado, abordando qualitativamente o processo, tendo como pressuposto de que uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, que visa descrever a complexidade de certos fenômenos sociais, históricos, antropológicos não captáveis por abordagens quantitativas, no intuito de estabelecer relações entre teoria e a realidade apresentada durante a pesquisa.
Como estratégia de coleta de dados, optei pelo levantamento bibliográfico, aula sobre os temas abordados no processo de produção, aula sobre a estrutura poética solicitada, realização das produções poéticas em classe, observação, correção das produções e catalogação dos dados.
Nesse sentido busquei apoio no método etnográfico para descrever as observações, discussões, reflexões e percalços que direcionaram a construção do presente trabalho, bem como a superação das dificuldades no processo investigativo. Pois como afirma Fazenda 2005, p28: “Quando o pesquisador iniciante defronta-se com o dilema da pesquisa, é prisioneiro do desejo de ir além, de criar, de inovar, de caminhar na direção do que ainda não é”.
No princípio desta pesquisa busquei em repositórios referências para embasar esse trabalho em artigos, teses, dissertações, mas foi em meus escritos acadêmicos, nos cursos de capacitação e livros que já tinha na minha trajetória acadêmica, na minha experiência docente, no projeto que desenvolvo em sala de aula que achei o caráter, a essência desse trabalho.
Eu, arte-educadora, me localizo como participante dessa pesquisa, não como mera expectadora e analista, mas como uma das protagonistas. Escrevo essa trajetória desde quando ainda sonhava com ser professora, até a minha localização no espaço da escola com a responsabilidade de ensinar conteúdos, mas de ensinar a registrar a vida. Uma trajetória movente e que não se contentou com a estabilidade empregatícia, mas que se valeu dela para ir além.
Logo, partir para rever meus arcabouços teóricos, parte da minha trajetória acadêmica, que me deram direcionamento para criar o projeto “Minhas Palavras” e fundamentar minha prática. Encontrei muitos, dentre eles Coutinho (1950), que contribui para esse trabalho quando reafirma os conceitos aristotélicos, dizendo que a literatura é a transfiguração da realidade através da visão do poeta, do escritor, mas perdendo uma vez, a veracidade do fato social real e ganhando a realidade fictícia, própria literatura como arte. Através da literatura, o artista cria e recria novas realidades, julgamentos e conceitos manipulados por ele.
O embasamento teórico deste trabalho se deu ainda na academia quando me deparei com as obras de Stuart Hall, Guetz, Terry Engleton, Vigostky, Afrânio Coutinho, Antônio Cândido, Roberto Damata, Câmara Castudo, Regina Zilberman, Roque de Barros Laraia, dentre outros fundamentais, no entanto, a inspiração dessa escrita foi proporcionado nas aulas de metodologia da pesquisa, já no Mestrado, quando fui apresenta a Michel Foucault, Gaston Bachelard, Cecília Salles, Fayga Ostrower, Paul Zumthor e João de Barros onde me encontrei na escrita poética.
Nesta trajetória, foram muitas as intenções de pesquisa para se chegar ao estado da arte dessa pesquisa, nada fácil nem rápido, busquei em repositórios, bibliotecas virtuais, google acadêmico, encontrei muitos e distintos caminhos, no entanto ainda não eram os caminhos que queria trilhar, mas foi no direcionamento da disciplina Experiências Artísticas que consegui alcançar uma certa autonomia na escritura desse trabalho autêntico, que me torna também protagonista da pesquisa que já dura uma década dentro da escola e que agora se completa numa escrita acadêmica no âmbito da arte.
Nesse sentido, defendo a investigação como ato de construção, em que cada elemento envolvido não é apenas mais uma informação, mas fator contributivo de valor singular para o desenvolvimento de uma investigação científica intimamente ligada ao compromisso assumido em relação ao objetivo pesquisado.
2.1 O lugar de minhas palavras
Fig. 2 – Frente da cidade de Soure
Fonte: acervo pessoal
É de suma importância conhecermos o local onde se constitui a pesquisa, de onde as vozes são alçadas, de onde os alunos são nativos, o território de expressão, pois através da localização, história, dados…pode-se compreender o processo de constituição cultural dos envolvidos e se chegar a interpretação dos resultados.
“O Marajó é uma coisa fantástica, só você vendo… E depois de ver, é capaz de não acreditar. Você vê, sente, vive o Marajó; contar é difícil. Adianta?” 2[…] Quando falamos em Marajó, muitas coisas vem a memória: os saberes, os modos de vida, a diversidade e imensidão do maior arquipélago flúvio-marítimo do mundo. A Ilha de Marajó é banhada pelo Oceano Atlântico e pelos rios Amazonas e Tocantins, e está localizada no Pará. Dada a sua dimensão e a diversidade de sua cultura, saberes, identidades e artes, se faz necessário delimitar a cultura marajoara da qual se refere este trabalho, pois como enfatiza XIMENES (2005), o Marajó não é uma só coisa. Tem o Marajó dos campos, o Marajó dos lagos, o Marajó oceânico, o das ilhas menores. O Marajó que se relaciona mais com Amapá, como em Mexiana e Caviana. São vários Marajós. Logo refere-se a cultura marajoara sourense, a cultura local do município de Soure, uma das ilhas do arquipélago marajoara, como uma cultura e identidade singular da região.
Vale ressaltar que não temos o propósito neste estudo de maior contextualização da Ilha do Marajó e, sim, de localizar o lugar da pesquisa em sua espacialidade, pois neste campo de estudos há significativas bibliografias que tratam os aspectos sociais, políticos e culturais desta região. Todavia, devo partilhar uma preocupação no que se refere aos baixos índices de desenvolvimento que são apresentados pela região do Marajó em escala Nacional e Estadual.
“ […] dê uma olhada em Soure, isto sim, nominho portuga até dizer chega, pois Você não vê que vem de Saurium, e remonta à ocupação romana em terras lusíadas?” 3 Soure, território e fala dos alunos engajados no projeto, fica no extremo norte do Brasil, é uma das 16 ilhas se tornaram município no Estado do Pará, que compõem o arquipélago de Marajó, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020), o maior arquipélago flúvio marítimo do planeta, pertencente ao patrimônio da União, conforme o que estabelece o Art. 20, 1, da Constituição Federal, combinado com art,1o, c, Decreto-lei 9.760-46. Unidade de conservação ambiental nacional, na Amazônia legal, componente da microrregião do Arari , e na nova divisão geográfica proposta pelo IBGE em 2017, Soure faz parte do Marajó Oriental, com aproximadamente 25,752 mil habitantes em um espaço territorial de 2.857,349 km2 , todavia somente 3.513 Km 2 é ocupado pela zona urbana do município, a área subjacente é ocupada por fazendas, campos, matas, mangues e praias, segundo dados oficiais do município, no departamento de patrimônio da Prefeitura Municipal.
Segundo os últimos dados do IBGE (2020), a população sourense é a mais desenvolvida da região do Marajó, com cerca de 97,6% dos estudantes de 06 a 14 anos na escola e que o público de 10 a 19 anos, que é a maior parte da população, estão nas salas de aula. No município o Índice da Educação Básica (IDEB) na rede pública (rede única no município) está entre 3,3 e 4,0, considerado regular, mas que pode ser melhorado. Na busca de formar cidadãos críticos é que precisamos melhorar esses índices para mudar a qualidade de vida da população através da leitura, da escrita, da reinvenção artística e valorização da cultura local.
Bases históricas revelam que Soure surgiu da ocupação portuguesa, em especial nessa região do Pará, por ser considerada rica e possível porta de entrada de invasores, devido à sua localização. Por volta do século XVIII, padres jesuítas chegaram na região com a missão de catequizar os nativos e ocupar o território. Essa ocupação que iniciou geograficamente distante da sede do município na atualidade, compreende a ocupação territorial onde hoje é Joanes, denominado Monforte. Já ao que concerne a sede territorial do município foi dado o nome de Aldeia de são José dos Mundis, mais tarde, em Freguesia do Menino Deus, e em 1757 passou a condição de vila com o nome de Soure. Mas foi em 1859 que se tornou município.
O nome Soure foi uma alusão a antiga Vila de Soure, distrito de Coimbra em Portugal, terra do colonizador, mas antigos registros contam que essa relação do nome com o território foi feita porque na então Aldeia dos Mundis havia grandes quantidades de jacarés, sugerindo o que significa a origem da palavra latina Saurium, que significa lagarto.
Para chegar a Soure só há duas formas: pelo céu ou pelo rio-mar, a estrada de águas do marajoara, que dependendo da época do ano, se torna perigosa, pois barco, navio, lancha ou balsa segue num banzeiro tortuoso em seu percurso, por conta dos ventos fortes vindo do Atlântico Norte. Em outra época do ano, as chuvas e tempestades que castigam a região no inverno amazônico, também deixam as viagens arriscadas.
Todavia, a paisagem vislumbra rios e embarcações a navegar, mangues, cidades, comunidades ribeirinhas, ilhas, praias, pássaros, floresta, além do homem marajoara em seu trajeto.
Com a chegada do colonizador, chegou também, sua cultura, tradições, costumes, religião, língua, arte…. A chegada portuguesa, trouxe também a essa terra os negros africanos como serviçais dos sesmeiros. Todavia, aqui já habitavam as tribos: Mundis e Maruanezes, povos indígenas, que já tinham um legado cultural, dando origem a um multiculturalismo local.
Na ilha de Soure, vive-se de forma simples, porém peculiar. A fauna, a flora, o clima, a economia, a geografia e localização, as crenças e costumes são refletidos no viver, nos saberes, nas histórias, nos mitos, nas lendas, nos hábitos desse povo. O vaqueiro, o pescador, o caranguejeiro, os mangues, os rios, as matas, as praias, fazendas, os búfalos, as aves se tornam um patrimônio cultural passado de geração para geração e que precisa ser valorizado.
Soure é uma ilha e, como todo lugar possui uma significação de vivência que o torna singular e valorizar e preservar é necessário para concretizar uma referência para o lugar ou região, definidora de uma identidade que vem constituir pertencimento pelas práticas exercidas no cotidiano da comunidade é que Assunção (2003, p.51) entende que é necessário “envolver o indivíduo e a comunidade como agentes ativos, na preservação sustentável e na gestão do patrimônio cultural”. Considera-se então que é de fundamental importância o envolvimento da comunidade escolar na documentação da identidade cultural.
Neste contexto, objetivando contribuir na formação dos sujeitos sourenses, concebi e elegi o projeto Literário Minhas Palavras, como objeto desta pesquisa, cuja finalidade é analisar e partilhar as vozes poéticas e identificar o conteúdo implicado na construção do poema que surge dos processos criativos em sala de aula.
Nessa ação pedagógica, a participação efetiva dos alunos na busca de caminhos para seu próprio aprendizado é motivada e apoiada pelo professor e pela escola, valorizando suas opiniões, reflexões, saberes e experiências, surgindo dessa forma o protagonismo estudantil, hoje muito mais presente no cotidiano escolar, rompendo, sobretudo, com a pedagogia tradicional, estabelecendo metodologias ativas no processo ensino-aprendizagem.
2.2. Uma conversa teórica
Este trabalho tem duas formas de embasamento: teórico e documental. Além de uma abordagem de cunho didático-pedagógica, visto que a sala de aula é o laboratório para essa experiência, a qual a literatura atua como um instrumento de trabalho de utilidades múltiplas para a formação e identificação do sujeito, pois através do contato com o texto literário o educando recria realidades em prosa e verso.
É pertinente delimitarmos o significado de cultura que se quer analisar nessa pesquisa. Definir o que é cultura não é uma tarefa simples. Partiremos do sentido etimológico da palavra cultura que significa “cultivo” isto sugere que esse processo é um processo sequencial em qualquer âmbito, no caráter cultural que aqui nos interessa, significa uma sequência de saberes, de conhecimento, diferentemente de outros tipos de “cultivo”, deve ser passado é preservado de geração em geração. Segundo Laraia (1986) ao introduzir e discutir o conceito aponta que o termo cultura é de origem inglesa culture, que é uma abreviação resultante da ligação de colere e kultur. Colere tem origem no latim, e significa especificamente cultivar, habitar, proteger, já a palavra, kultur provém de origem alemã, significando civilização. “Quanto à palavra francesa Civilization referia-se especialmente às realizações materiais de um povo. Contudo Ambos os termos foram sintetizados por Edward Tylor” (LARAIA, 1986, p. 25). Todos esses saberes se transformam em identidade cultural, conjunto de característica de um povo.
Corroborando com a ideia ora apresentada, Da Matta (1986) apresenta duas perspectivas de sentido para a palavra cultura: uma que recai sobre o senso comum e o outro, que atinge ao que nos interessa que são os “modos de vida”, do ponto de vista antropológico. Ele disserta que cultura é sempre um processo dinâmico.
Castells (1999) valida a identidade como um processo de construção de significado com base na construção cultural do ser humano dentro do grupo social a que pertence. Pode-se ressaltar que a identidade de um grupo é construída socialmente, e que se constrói a partir da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, memória coletiva, aparatos do poder, etc. que processados pelo indivíduo, grupos sociais e a sociedade, organizam seu significado, dentro da estrutura social e na visão de tempo e espaço desta sociedade.
Identificar e interpretar a concepção de cultura não seria tão simples assim, porém, Laraia (1986, p. 20) ressalta que “São as investigações históricas — reafirma Boas— o que convém para descobrir a origem deste ou daquele traço cultural e para interpretar a maneira pela qual toma lugar num dado conjunto sociocultural”. As teorias de Lévi-Strauss, conforme aponta Laraia (1986, p. 29), considera que a cultura surgiu no momento em que o homem convencionou a primeira regra, a primeira norma e que o “O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado”.
Laraia (1986), certifica que a cultura influencia o comportamento social de seus participantes, isso que diversifica os variados grupos sociais na humanidade, pois a riqueza está nas diferenças, nas várias cores de um arco-íris cultural. Corroborando,Geertz (1989), diz que a cultura é o elo entre o poder e o objetivo de sua ação. Logo essas premissas passam a ser vistas como um conjunto de significados transmitidos historicamente, ou seja, os comportamentos são materializados através de símbolos incutidos. Logo sugere-se que sem o ser humano, não existiria cultura, porém de forma alguma, sem cultura não haveria o homem.
É relevante entender o conceito da expressão “cultura” usando Geertz (1989), onde a cultura é vista numa perspectiva semiótica, como uma ciência interpretativa à procura de significado e que também é a própria condição de existência dos seres humanos, processo dinâmico de relações simbólicas, isso permite ao sujeito social interpretar e identificar sua identidade dentro de seu grupo social.
Todavia é pertinente levar em consideração a visão de Bhabha (1998), pois ao invés de ver a cultura como uma via una, ele considera que o conceito de cultura foi criado para legitimar um discurso que , muitas vezes, não corresponde à realidade social, ou seja, é contestável, pois busca homogeneizar um povo, uma comunidade.
Logo a interculturalidade vai fundamentar-se na troca e no reconhecimento dos saberes e das identidades plurais, abolindo a monocultura do saber.
Para Barbosa, s/a, p.3, “a arte na educação como expressão pessoal e comoultura é um importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento”, além de ser a ferramenta que legitima o resultado desse processo criativo. Com essa ação, a leitura, a escrita e a criatividade fluem e, consequentemente o deleite pelo texto artístico-literário se manifesta pela ponte criada entre o texto e o leitor, resultando em um artista que tem a palavra como seu principal instrumento de trabalho.
3. MINHAS PALAVRAS: RESSONÂNCIAS NA ESCOLA PÚBLICA EM SOURE – UMA DÉCADA DE (RE)EXISTÊNCIA
O projeto Minhas Palavras, no âmbito escolar, inaugura outra dinâmica no ensino aprendizado. É, portanto, uma prática que inseri os alunos do Ensino Médio na produção artística, aumentando o seu interesse pela produção literária, o que contribui para o seu conhecimento de autores renomados da literatura universal nas mais variadas épocas e estilos literários. Outro aspecto a ser pontuado é o desenvolvimento e aprimoramento das técnicas de escrita autônoma levando o aumento do vocabulário linguístico do aluno.
No ano de 2012, às ações do projeto iniciaram em classe, como ora determinado, no início do ano letivo. Apresentei aos alunos o projeto, ainda em fase de aprimoramento, e com receio de não atingir a todos quantos estariam engajados, já que tinha uma carga-horária de 280 h, mensais, com um total de mais ou menos 15 turmas, isso significa dizer aproximadamente 600 alunos. Apesar de no papel a ações estarem formalizadas, o projeto iniciou tímido, no ambiente da sala de aula. Com as leituras, as produções, confecção dos livrinhos originais, criativos, mas, com medo de errar, de ser julgado.
A gestão da escola, bem como a coordenação pedagógica, apoiou e incentivou a execução do projeto. Todavia, os materiais didáticos para iniciarmos as ações de leitura em sala de aula com os alunos, precisavam ser pesquisados, digitados e estruturados para ser xerocado, pois a escola não dispunham dos textos, livros que continham os poemas a serem usados em classe. Trabalho que eu, como propositora da atividade tive que executar sozinha, mesmo sem ter dispensa de horários, muito menos de disponibilidade de hora atividade, tendo que fazer esse trabalho em meu horário de folga, no final de semana e usando meus recursos.
Apesar das adversidades, o resultado do referido projeto foi construtivo, participativo e integrador, correspondendo ao que foi idealizado. Naquele período, eu trabalhava nos três turnos na Escola Gasparino Batista da Silva e Edda de Sousa Gonçalves. Então, experimentalmente, a produção em classe correspondeu ao que foi planejado. Confesso que não foi tarefa fácil ler, corrigir e orientar a produção de tantos alunos, mas foi muito relevante estimular o gosto pela leitura e perceber o potencial criativo de cada aluno.
Os livrinhos foram apresentados em uma pequena amostra de trabalhos no hall da escola. Sendo visualizado pela comunidade e valorizado pelos atores escolares. A partir desse ano a direção da escola sede, na época, inseriu o projeto no Projeto Político Pedagógico da Escola. Não houve uma temática que dirigisse as produções, logo cada ação partia do estilo de época, escola literária ou movimento artístico que se estava trabalhando no conteúdo da disciplina literatura, das datas comemorativas valorizadas no espaço escolar.
A poesia e sua escrita eram companheiras das leituras em classe. E a leitura, direito universal do ser humano, é processo indispensável ao conhecimento e todos devem dominar essa competência, mas é preciso ser realidade na prática de sala de aula como tarefa essencial.
No ano de 2013, às ações do projeto em sala de aula foram baseadas nas produções poéticas de Vinícius de Moraes, em várias fases de sua produção. A escolha do tema foi uma inovação que surgiu de uma enquete em sala de aula sobre que poeta brasileiro os alunos do 3o ano do ensino médio gostariam de ler. Nessa enquete os alunos escolheram dentre alguns poetas do Modernismo brasileiro, os quais estavam apresentando seminários.
Os desafios para a manutenção do projeto, que não tem financiador, são diários, além da falta de recursos para xerocar material individual para os alunos, os alunos, muitas vezes não tem como custear os textos, as escolas também não dispõem de recursos, cabe a mim achar parcerias que possam ajudar. Nesse ano, busquei com colegas de trabalho e alunos que pudessem ajudar com doações de cotas para xerocopiar materiais, papéis e outros materiais.
Todas as ações do projeto culminaram com a I Semana Literária, que homenageou Vinicius de Moraes, temática das produções durante o ano letivo. Logo a temática ficou assim nomeada: Vinícius de Moraes, vida e obras. Realizou-se em três dias, de 04 a 06/12/2013, na escola Gasparino, finalizando com a noite de autógrafos.
Estiveram presentes escritores da terra como Ailton Favacho, Ivone Gaia, Maria de Nazaré Barbosa, Marcio Vitelli, lançamento do livro Lamparina, do escritor paraense Daniel Leite, a participação do Projeto de Leitura OCA da Pedagoga Marcia Oliveira Costa e o Pré-lançamento da historiografia da Escola Gasparino Batista da Silva.
Fig. 3 – Flayer – I Semana Literária – 2013
Fonte: acervo pessoal
No ano 2014, durante o ano letivo trabalhamos poemas do poeta brasileiro Gonçalves Dias, poeta homenageado na II Semana Literária. A temática escolhida pelos alunos do 2o ano do ensino médio foi “Um Brasil brasileiro: A influência da poesia de Gonçalves Dias na cultura brasileira”. Houve ciclo de palestras sobre o Romantismo brasileiro e no encerramento mostra de trabalhos escolares como teatro e curta metragens, tendo como base alguns poemas como Marabá e I Juca Pirama. Foi nesse ano que o projeto se integrou a Escola Edda de Sousa Gonçalves, com a participação tímida, mas valiosa para a comunidade escolar.
Os desafios em trabalhar o projeto com duas escolas foi tamanho, uma vez que todo os reveses se multiplicam, todavia a experiência do exercício do fazer já nos ajudava a superar as dificuldades e os percalços. Como no início do projeto, a gestão e a coordenação da escola Edda apoiará a implementação do projeto na escola.
As obras dos alunos ficaram expostas no hall da escola durante todos os turnos por três dias. A visitação foi intensa e a degustação foi observada por todos os agentes escolares. Os alunos das escolas envolvidas compartilharam conhecimentos através da visitação aberta, o qual puderam apreciar as obras por eles escritas.
A exposição no hall da escola motivou o interesse de outros alunos a participarem do projeto. Este aspecto é positivo na aproximação entre os alunos, entre obra e autor (a) e, estabelece um campo de relação estético-criativo no ambiente escolar.
Na imagem abaixo, notamos os alunos manuseando o livro com certa atenção no que estão vendo e lendo e, mesmo que seja um breve contato com a obra, fica o registro na memória e no imaginário subjetivo de quem está diante da produção na exposição.
Fig. 4 – Exposição – hall da escola Edda de Sousa Gonçalves – 2014
Fonte: acervo pessoal
No ano de 2015, após uma greve de 51 dias letivos e muitas conturbações na escola, no primeiro semestre não houve atividades do projeto. O desinteresse de todo corpo escolar por conta dos conflitos gerados pelas perdas salariais, falta de valorização, a precariedade da estrutura física da escola Gasparino, mudança de gestão e das perdas de aula por conta da greve foram alguns dos muitos fatores negativos que muito interferiu nas ações do projeto.
Contudo, no retorno das aulas, no segundo semestre, a retomada foi caótica, pois teríamos que trabalhar todos os conteúdos atrasados. Então reestruturando o projeto e ficamos apenas com a ação intitulada Minha terra, Meu Chão, Meu, Eu. E foi incluído a produção do cordel para produção do poema. Neste sentido, os alunos tiveram aulas sobre a estrutura métrica do cordel, leituras de cordéis do escritor marajoara Juraci Siqueira e, dessa forma, proporcionamos a produção intertextual do cordel em sala de aula.
A temática foi o cordel marajoara. Trabalhamos apenas essa temática durante os meses seguintes. Daí surgiu as minhas primeiras impressões de que trabalhava uma metodologia ativa dentro de outra a metodologia ativa, a Poetura, dada a tão significativa expressividade dos textos produzidos. Houve dessa forma, uma ruptura com a programação primária, o que foi uma inovação, por acaso, por medidas de fazer com que o projeto não desistisse neste ano.
A III Semana Literária homenageia o poeta paraense Juraci Siquereira e trouxe como proposta de produção O cordel. Realizou-se no período de 13 a 15/01/2016, sendo que o autor nos presenteou com sua ilustre presença no último dia. Nesse ano houve uma amostra de trabalhos literários produzidos pelos alunos da Escola Edda de Sousa Gonçalves, os quais foram convidados a estar presentes na Escola Gasparino para conhecer o autor.
Durante todo o período que antecedeu a III Semana Literária, os alunos prepararam, em equipes formadas e orientadas por mim, as faixas de divulgação do evento, os murais e as montagens dos painéis com os trabalhos feitos em sala de aula como: linha do tempo das obras de Juraci Siqueira, desenhos e pinturas como ilustração semiótica do trabalho do autor, ensaio de danças e dramatizações baseadas nas obras lidas e pesquisadas do autor. As imagens a seguir são retratos dessas produções.
Fig. 5 – Divulgação
Fonte: acervo pessoal
Fig. 6 – Mural: Cordel – III Semana Literária-2015
Fonte: acervo pessoal
Fig. 7 – Sala de aula
Fonte: acervo pessoal
Em 2016, aconteceu o inesperado: Perdi 90% da minha carga-horária de literatura na escola Gasparino e assumi as turmas de Língua Portuguesa do ensino médio e fundamental na escola Edda. A disciplina que tanto almejei no início de minha carreira, agora era desafio para mim. Então disse para mim mesma: Calma! É preciso se reinventar! Iniciei o ano tentando ser a melhor professora de português, mas me vi ensinando gramática, regras, normas…passei um semestre inteiro sem ter tempo para a produção poética, outra quebra no projeto. Precisei sair de férias. Saí da escola, mas a escola não saiu de mim. E o Enem? E a redação? E o que vão falar de mim trabalhando poesia, poema?
No retorno do segundo semestre iniciei as leituras literárias. Foram produzidos dois poemas na sala de aula. Um em outubro com a temática: Quem sou eu? e outro em novembro com a temática : minhas memórias, saudade! Todavia as leituras iniciaram em agosto contando com poemas: Espelho, de Roseana Murray, Quem sou eu? de Pedro Bandeira e Meus oito anos, de Casemiro de Abreu, fazendo uma provocação a refletirem sobre a sua identidade. Houve dessa forma, uma nova ruptura com a programação primária, mas de certa forma, uma ótima experiência no fazer Poetura.
A partir de então, esses poemas se tornaram partes das ações do Projeto, uma vez que vi que as provocações foram respondidas com produções criativas, únicas. Indo além do que pensei e imaginei. Todavia, não foi rápido que saísse o primeiro verso, pois muitos nunca tinham sido provocados a pensar em quem realmente eram, a acionarem suas memórias a registrar poeticamente quem são em uma sala de aula.
Realizou-se nos dias 01 a 03/12/2016 na escola Edda de Sousa Gonçalves. No dia 04/12 tivemos a culminância dos trabalhos com os alunos da escola Gasparino Batista da Silva, no turno da tarde.
Fig. 8 – Exposição dos livrinhos – 2017
Fonte: acervo pessoal
Fig. 9 – Mural: Eu poético – IV Semana Literária
Fonte: acervo pessoal
Em 2017, os trabalhos de sala de aula contaram com as obras de Machado de Assis. Teve como temática: Nessa vida, Machadiando eu vou. A V Semana Literária Navegou nas obras Realistas de Machado de Assis. A escola Edda de Sousa Gonçalves proporcionou um construtivo protagonismo discente em suas apresentações literárias.
Contou também com um Júri Simulado da obra “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Além da palestra do Dr. Américo Leal, advogado criminalista, que palestrou sobre descriminalização x moral e ética social. Durante esse ano retomamos as ações iniciais do projeto “Minhas Palavras”, mas incorporamos a ação temática Quem sou eu?
Na verdade, ela fundiu-se com a ação Minha terra, meu chão, meu, eu. E transformou-se em: Quem eu sou nesse espaço de Cultura? Continuamos fazendo Poetura.
Fig. 10 – Recital Poético – V Semana Literária
Fonte: acervo pessoal
No ano de 2018, Carlos Drummond de Andrade foi o homenageado na VI Semana literária, bem como suas obras serviram de base para realização de peças teatrais, danças, releituras poéticas literárias e artes plásticas. A temática teve por base o conto A moça contou, de Carlos Drummond de Andrade, onde Drummond fala do Marajó em Soure e Salvaterra com tanta propriedade, que seria difícil acreditar que não esteve aqui ou não conhecia esses lugares, logo a proposta de produção foi lançada para se falar desses lugares a partir da experiência nativa.
As ações do “Minhas Palavras” foram seguidas como de início, mas a inovação foi que não tomamos por base poemas, tomamos por base a prosa machadiana para a produção de poemas. Uma outra inovação, pois a intertextualidade agora perpassa por uma mudança de gênero literário. Com resultados inovadores.
E no ano de 2019, o projeto deu enfoque a literatura paraense, novamente, agora nas produções de Walcyr Monteiro, onde os alunos-protagonistas puderam trabalhar releituras próximas da realidade fantástica do marajoara em prosa e em verso. A prosa contemplou o gênero narrativo lendo e poemas a partir dessas histórias. Essa terra é permeada por essas memórias imaginárias, ficcionais, logo essa inovação textual foi algo muito construtiva e integrador, pois os alunos, principalmente os do fundamental, se sentiram à vontade para registrar as lendas que conheciam, floreando essas narrativas com o imaginário e as memórias acionadas.
Fig. 11 – Exposição dos livrinhos
Fonte: acervo pessoal
Os alunos do ensino fundamental produziram um folheto poético com lendas da região sob seus olhares e criatividade, uma tarefa tímida, mas integradora, inovadora no projeto. Essa atividade foi diferente das ações do projeto para o ensino médio. A partir da leitura das narrativas A moça do Taxi e Matinta Pereira, de Walcir Monteiro, os alunos foram direcionados a seguintes atividades e ações: contações de histórias, poemas, roda de conversas, pesquisas extraclasse, entrevistas com membros da família e da comunidade sobre as lendas da região.
A VII Semana Literária realizou-se no período de 11 a 14/12/2019. Nesse ano houve integração do ensino médio e fundamental no turno manhã e noite na escola Edda. Na escola Gasparino B. da Silva, o evento se deu no dia 14/12 somente com as turmas do ensino médio.
Fig. 12 – Sarau poético – VII Semana Literária
Fonte: acervo pessoal
Fig. – 13 Recital Poético – VI Semana Literária
Fonte: acervo pessoal
Fig. 14 – Abertura da exposição dos livrinhos – 2019
Fonte: acervo pessoal
No ano de 2020, o projeto iniciou com a temática: O corpo: uma expressão de alegria, poderes e saberes, o qual foi trabalhada as paródias carnavalescas, além das produções em verso para o Dia internacional da Mulher e para o Dia Nacional da Poesia, o qual estava marcado para o dia 20 de março, mas por conta do atual cenário da pandemia do coronavírus não se realizou.
Neste processo pedagógico, o desafio agora é manter as ações através de orientação remota, algo muito novo para mim e para os alunos. No decorrer do ano, sem o contato pessoal dos alunos e passando pelas necessidades de isolamento como
Fig. 15- Carnaval na escola Edda: última ação presencial de 2020
Fonte: acervo pessoal
protocolos de combate a disseminação do vírus, começamos um trabalho novo, e os Medos e angústias entornaram um turbilhão de emoções. Como fazer? Como localizá-los? Parar então? Já que tudo parou!
Como iniciei esse trabalho volto a dizer:
“A vida é constituída de desafios. Desafios que muitas vezes nos dão uma trabalheira, nos tira da zona de conforto e nos fazem ter medo do por vir, mas esses mesmos desafios nos fazem crescer, documentar, inspirar, registrar, aprender, ensinar e nos tornam seres construtivos, mas não é nada fácil”.
No início do ano, os alunos das turmas de 3o ano do turno da manhã da escola Edda de Sousa Gonçalves montaram um grupo de WhatsApp para tirar dúvidas, publicar avisos e assim nos mantermos em contato, tarefa que para eles é um prazer, pois o ambiente virtual é algo de sua geração, o que facilita a interação de todos os envolvidos. E foi dessa forma que resolvi continuar as tarefas, não no mesmo ritmo do presencial, mas à medida que foram fluindo as atividades do projeto conseguimos então fazer não apenas um poema, mas um poema-arte audiovisual, midiático que foi publicado na página do projeto no Facebook4. A temática então ficou: Em tempos de pandemia, A poesia inspira a vida.
Fonte: acervo pessoal
Fig.16 – Flyer – VIII Semana Literária: EaD
Não houve, um escritor, poeta específico que inspirasse as produções. Mas usamos textos não literários que provocam reflexões a respeito do atual cenário epidemiológico, das medidas sanitárias tomadas ao enfrentamento da pandemia, momento nunca vivido por essa geração. Para essa produção partimos da estrutura poética básica do gênero literário lírico: versos, estrofes, rimas, título, mas nada engessado, poesia livre.
Na primeira semana de dezembro publiquei os textos audiovisuais. Alguns recitaram, outros leram, outros editaram o audiovisual. E assim foi a VIII Semana literária. Somente os alunos da escola Edda de Sousa Gonçalves, das turmas do terceiro ano de ensino médio, do turno matutino participaram das atividades virtuais.
A participação nas orientações para a atividade foi bastante expressiva, todavia os trabalhos finalizados foram poucos. Afinal entendo que não foi tarefa fácil para nenhum, uma vez que não foi cedido pela escola ou mesmo pela rede estadual de ensino nenhum suporte tecnológico para a realização desse trabalho.
Em 2021, ensino híbrido, muitos desafios e o projeto não perdeu seu rumo. Com as atividades remotas tive que readaptar o projeto. Volto a enfrentar novos labores, mas “a vida é constituída de desafios”. Iniciamos o ano letivo com compêndios de atividades em quatro blocos para primeira avaliação, então no último bloco acrescentei a apresentação do projeto para os alunos engajados nas turmas contempladas com as ações e um poema provocando a refletirem sobre a sua identidade. Em seguida uma atividade dirigida para produção de um poema autoral com a temática: Quem eu sou nesse espaço de Cultura? Uma atividade que, normalmente faríamos no segundo semestre, se tivéssemos um ano letivo normal. Todavia, o retorno dessa ação foi pouco expressivo, porque a maioria dos alunos não fizeram a produção, o que me deixou muito desanimada.
Além disso, para segunda avaliação, estava programado três compêndios de atividades, porém apenas um compêndio de atividades foi entregue para os alunos, não contemplando nenhuma ação do projeto, acarretando, dessa forma, atraso das ações já programadas. Logo, precisei mais uma vez, reinventar, inovar, repensar, adequar.
Retomamos as atividades presenciais em agosto, em formato híbrido, experimental, com poucos alunos em sala de aula e muitos sem acompanhar as aulas remotas por motivos que não cabem aqui serem enumerados, mas não podemos perder tempo, então tivemos que fazer como aquele homem que caminhava todos os dias na beira-mar, retornando as estrelas do mar que encontrara para dentro da maré. Mas havia alguém, que só o observava, nada fazia. Um dia o observador chamou o homem indagou o porquê de perder tanto tempo em voltar as estrelas para o mar, se ao sair do sol, todos os dias, morriam centenas delas na beira da praia. Mas aquele homem, muito sábio lhe respondera: _sei que não posso salvar todas, porém aquelas que voltei para o mar, fiz a diferença. Digo que todos, mesmo poucos, aqueles que consegui atingir os objetivos do projeto, nesses fiz a diferença.
Fonte: acervo pessoal
Fig. 17 – Exposição dos livrinhos – IX Semana Literária- 2021
Nesse retorno experimental, apresentei o projeto e estamos fazendo a ação. Com o novo normal, conseguimos reorganizar uma nova proposta para a programação do projeto.
Em dez anos de projeto trabalhado dentro e fora de sala de aula, promovendo produções em verso e prosa, posso dizer que sou realizada com a promoção linguística, artística, cultural e literária que tenho proporcionado aos alunos que a nós são confiados através da metodologia ativa desenvolvida pelo “Minhas Palavras”.
3.1 Poesia e escola: da resistência ao letramento
A escola é espaço democrático, vivo, em plena movência da vida, das sensações, das emoções e da razão. Espaço de formação, diálogos, conscientização para todos os atores, uma via de mão dupla. É nesse espaço que se deve “desmistificar e questionar, com o aluno, a cultura dominante, valorizando a linguagem e a cultura deste, criando condições para que cada um analise seu contexto e crie sua cultura.”(MIZUKAMI, 1986, p. 99)
A poesia tem um papel fundamental e emancipadora no espaço escolar, essencial para o desenvolvimento da criatividade, da inovação, do pensamento crítico, além de desenvolver competências socioemocionais na formação do ser. No entanto, qual o espaço da poesia nesse território?
A poesia é essencial na expressão dos sentimentos, das ideias, dos (des)valores humanos, da crítica social, mas também é o espaço devido que se dá aos sonhos, ao devaneio, a criação e recriação da realidade. Ler e escrever poeticamente, é mais que colocar em palavras o pensamento, de caráter implícito, no papel. É transpor vida, é mergulhar no universo do ser explicitamente.
Neste contexto, a poesia é ferramenta de diálogo e escuta, de resistência, de criatividade. A escola que dá o devido espaço à poesia forma para a vida, pois supera as expectativas primitivas e quebra os paradigmas, dando voz (cri)ativa aos educandos.
No exercício do fazer, tenho observado que a poesia é vista por muitos componentes do espaço escolar como: alunos, professores, coordenadores pedagógicos, gestores…, como coisa supérflua ao aprendizado, que se deve dar mais atenção ao cumprir o planejamento curricular, que por sua vez não prioriza tempo-espaço devido, essencial a poesia, dessa forma, resistindo ao deleite literário.
Tomando por bases a ideias de Antônio Candido, leitura, e grifo aqui a leitura literária, deve ser estrategicamente planejada como prática cotidiana, não com fins teóricos como estilo, época, período…mas de forma a ampliar competências leituras e produtoras de literatura. Dessa forma, Geraldi(2013) discorre sobre o papel do professor nesse processo de promover letramento nas práticas escolares:
Nas práticas escolares de leitura, pensar o professor como mediador da relação do estudante com o texto, e através deste com seu(s) autor(es), é já afirmar um ponto de vista sobre a aprendizagem: ninguém aprende a ler sem debruçar-se sobre textos. E este debruçar-se pode ser individual ou coletivo. Não é o professor que ensina, é o aluno que aprende ao descobrir por si a magia e o encanto da literatura. Mediar esse processo de descobertas é o papel do professor, que só pode fazê-lo também ele como leitor. (GERALDI, 2013, p. 25)
Trata-se de um ensino, onde a leitura do texto poético não é um mero exercício de erudição, mas sim de promover letramento literário, de garantir um direito que é do aluno, fazendo com ele perceba a importância do letrar(se).
Letramento literário é o foco de se trabalhar literatura no contexto da Poetura, privilégio de laborar a arte com a matéria-prima que singulariza o Homem: a palavra, lida, escrita, falada, pensada. “ Esse aprendizado crítico de leitura literária, que não se faz sem o encontro pessoal com o texto enquanto princípio de toda experiência estética é o que denominamos aqui letramento literário”. (COSSON, 2009, p. 120).
Nessa conjuntura surge o poema. O poema é um texto escrito em versos, e engajado dentro do gênero literário lírico, e que apresenta uma série de peculiaridades e “como toda obra de arte, o poema tem uma unidade, fruto de características que lhe são próprias”.(GOLDSTEIN, 2006, p. 5).
O poema, no âmbito da Poetura, é o objeto de estudo dessa pesquisa, a análise a fazer a partir deles vai além do aspecto estético, linguístico, é o aspecto subjetivo do eu lírico, que é a alma do poema, que nos conduzirá a interpretações. Goldstein (2006) define como se pode analisar o poema:
Ao analisar um poema, é possível isolar alguns de seus aspectos, num procedimento didático, artificial e provisório. Nunca se pode perder de vista a unidade do texto a ser recuperada no momento da interpretação, quando o poema terá sua unidade orgânica restabelecida. (GOLDSTEIN, 2006, p. 5)
A intenção da produção do poema, nessa ocasião, é não alienar produção textual a poesia, mas associar a leveza da escrita poética a expressão do eu lírico, buscando na plurissignificação das palavras a intenção poética.
3.2 As reações esperadas e refletidas no poema
A primeira de muitas reações a estímulos de leitura em sala de aula é o Letramento literário sobre a formação escolar do leitor jovem. Uma outra reação muito proveitosa é o não ter medo do que do que produzirá, sem medo de errar, depois do contato concreto com o texto, o educando o usa como base, como modelo, como exemplo para sua escrita. O que criamos ou recriamos é único, pois olhamos o nosso redor para criar novos conceitos novas formas. A forma que ninguém leu. É criar o extraordinário originalmente de forma criativa, autoral no espaço escolar. E o poema será sua voz, seu discurso, o traçar de seu percurso. Como discorre Bachelard:
As ressonâncias se dispersam nos diferentes planos da nossa vida no mundo a repercussão nos chama um aprofundamento de nossa própria existência na ressonância ouvimos o poema na repetir repercussão nosso falamos, pois é nosso a repercussão opera uma revirada do circo parece que o ser do poeta é nosso ser. (BACHELARD, 2005, p. 187)
A criatividade é outro aspecto de ração significativa na concepção de poemas através da intertextualidade, aumentando a habilidade de escrita, pois escrever liberta, faz com que o indivíduo exercite o pensar, o imaginário, a fantasia, o devaneio. O pensamento expresso em poemas sobre coisas, sobre pessoas e até sobre ele mesmo, refletindo dessa forma uma escrita autoral e original. Essa escrita acaba por revelar que sua vida importa. Isso é peculiar de seres autênticos. Isso permite se enxergar em seu espaço e apreciar. Conduz a dizer quem ele é nesse universo de cultura, expressando uma subjetividade singular, revelando dessa forma ao leitor sua imagem refletida. Como diz Bachelard “O poeta não me confere o passado da sua imagem e, no entanto, ele se enraíza imediatamente em mim. A comunicabilidade de uma imagem singular é um fato de grande significação ontológica”. (2005, p. 2)
A linguagem verbal expressa pelo poeta é sentida ou não pelo leitor. Sem linguagem nada há a linguagem é essencial a vida é indispensável ao homem ela o torna social ela é intercessora do que quer, do querer e do fazer, do sentir e do ignorar, do tempo e do espaço, do ser e do não existir. A linguagem é comunicação é início da interação. A língua é uma das muitas faces da linguagem, sem dúvida a que mais distancia e aproxima seus usuários, pois ela, assim como a linguagem, tem várias faces padrão, culta, coloquial, falada, escrita.
No caso dos poemas produzidos pelos alunos, importa muito mais o conteúdo, o subjetivo das produções poéticas do que a própria técnica. No entanto descrevê-la como O processo para se chegar ao resultado da pesquisa é primordial. Não é sobre por limites na escrita, mas justamente por transcriar, pois mesmo em processo criativos, eles podem ser uma agonia, uma aflição, pois ao medo da repulsa do outro, seja leitor ou espectador desse trabalho autoral.
Esse é trabalho de educação literária e artística em uma realidade complexa, sem acervos, alunos que, em muitos dos casos, não tem nem alimento, nem o café matinal, quanto mais um livro. Mergulhados num sistema escolar onde o texto e visto como pretexto para aulas de regras gramaticais. Numa escola onde falta tantas coisas. No entanto, o que realmente falta é a oportunidade de degustar o texto por prazer, sem ser testado, avaliado. Falta é aproveitar a oportunidade o tempo na escola pra ler em um momento só do aluno e do texto, falta aproveitar o espaço onde há uma cadeira, ventilador, iluminação e silêncio o texto a leitura o cuidado o afeto de manter esse espaço como um santuário que eleva a criatividade para criar, recriar, vivenciar, registrar o real pelo fictício construindo não só um produto escolar que contribui para as sociedades mais um registro a sua própria sociedade através de poesia com funções múltiplas e simultâneas e transformadoras da escola, do aluno, da sociedade, da vida.
Em uma sociedade pobre, miserável, que busca a sobrevivência, onde as pessoas vivem sem segurança alimentar por falta de geração de emprego, de renda, arte é vista como algo suprfluo. Fazer arte na escola é transcender a visão, é fazer a diferença na vida, nos corpos, sobretudo, no intelecto de seres humanos, jovens que serão protagonistas da sociedade desenvolvendo o papel de cidadão.
Mas é necessário dar ao aluno o poder de ler. O poder da leitura literária em sala de aula dá acesso ao aluno a cultura letrada trabalhada artisticamente aumentando sua carga cultural e esse aluno também tem interesse de leitura que depende de sua faixa etária e de suas aspirações. O professor necessita ajustar a sua prática, isso é um desafio. Integrar na sua prática metodologias que dialogue com leitura, cultura, poema e poesia é democratizar o ensino e a política de leitura em sala de aula, é proporcionar ao educando poder.
Essa prática de consolidação e ampliação da leitura em sala de aula garante, também, que todos os alunos de forma democrática tenham acesso a materiais escritos reconhecidos e valorizados pela sociedade em que vive e baliza também a aprendizagem de leitura que um ou mais aluno tenha, além de despertar uma reflexão, uma visão valorizada do ato de ler na vida quotidiana e consequentemente na compreensão literária da literacia do texto.
Os encontros durante o referido projeto é uma rica oportunidade de compartilhar conhecimento, de protagonizar experiências vivenciadas no cotidiano escolar e fora dele, de explorar infinitamente a linguagem, que nos torna humanos.
Nesse prisma a escrita é a luz do que perpassa transformando o que se escreve em um arco-íris de fenômenos sociais, filosóficos, culturais, científicos e empíricos, diacrônicos, sincrônicos, ambíguos, exatos, indefinidos, que pode ser visto, porém jamais explicado sem análise epistemológica. A língua vai muito além do saber gramática, ela é um instrumento que materializa registra o sentimento, pensamento, a vida. Ela é instrumento de comunicação, de entendimento, de registro, de ensino e de aprendizagem, mas sobretudo é um instrumento que discorre o pensamento do que você é, sente, crer, ver, reconhecer, vive, ou seja, de sua cultura, de sua identidade.
Para um justo entendimento, Santos (1996) remete que as peculiaridades de cada cultura devem ser respeitadas e interpretadas para que se encontre sentido em seus fazeres, saberes, conceitos e transfigurações. Tais transformações que se desenvolveram e que foram trazidas por uma geração passam para a geração seguinte, e se programam ao melhorar aspectos para futuras gerações. As culturas ajudam a definir as identidades das pessoas e, muitas vezes, influenciam os estilos de vida e as escolhas. Ao que se conclui que, a nos referirmos ao termo, cabe ponderar que existem distintos conceitos de cultura:
[…] Por vezes se fala de cultura para se referir unicamente às manifestações artísticas, como o teatro, a música, a pintura, a escultura. Outras vezes, ao se falar na cultura da nossa época ela é quase identificada com os meios de comunicação de massa, tais como o rádio, o cinema e a televisão. Ou então cultura diz respeito às festas e cerimônias tradicionais, às lendas e crenças de um povo, ou a seu modo de se vestir, à sua comida, a seu idioma. (SANTOS, 1996, p. 22).
Mediante a essas concepções, pode-se dizer que a cultura, está sempre em evolução, além de ser plural por originalidade, ela transforma-se em meio às constantes transmutações na contemporaneidade. Logo se pode afirmar que a escola tem papel fundamental na valorização e propriedade da cultura em que o educando está inserido, sobretudo, em registrar o seu fazer artístico-literário de forma autêntica, de fazer ouvir suas vozes, seus gritos, seu discurso. Proporciona autoconhecimento, constrói, registra sua identidade.
O educando vem do mundo fora da escola, traz conhecimentos para dentro de sala de aula, mas também leva o conhecimento também para fora dos muros da escola. A leitura, dentre as atividades do “Minhas Palavras”, continua a surtir efeitos ,pois os alunos continuam sendo estimulados as práticas de leitura, em casa, na família, na vizinhança, com os avós com os líderes de comunidades, por exemplo, eles têm de indagar aos mais antigos sobre as narrativas de memória que se tem nesses locais para que possam registrar através da escrita esse legado, formando um clima social favorável a leitura impactando as famílias, as comunidades locais e a população em geral com atividades e práticas de literacia não só no ambiente escolar, mas em sua comunidade, como agentes atuantes.
Muitas vezes os alunos não têm acesso a textos literários ou não tem contato em seu cotidiano familiar e social uma vez que essas obras não fazem parte do seu cotidiano familiar, logo o projeto Minhas Palavras surge como uma estratégia de cuidados de integração, transição e progressão das aprendizagens do currículo de forma transdisciplinar aos bens culturais nacionais na literatura.
4. OUÇA MINHA VOZ, OUÇA MINHAS PALAVRAS: A POETURA
Pensar, escrever, transformar ideias em palavras, mas não qualquer palavra, palavras elaboradas, criativas, são transformações. Faz com que se aprenda a raciocinar, um desafio que envolve uma gama de ações corporais, emocionais, intelectuais, cognitivas…logo há mudanças de comportamento na mente, no corpo. E se não for no plano do saber, com certeza será no plano do sabor. Essa transformação tem efeito no mundo real, no ser, no espaço em que atuam na sociedade, pois a leitura literária leva a escrita, que leva a aprender a pensar com o pensamento poético, esteticamente comprometido com a arte.
Todavia é essencial que se dê vez e voz ao educando, e que, sobretudo, se ouça essa voz no ambiente da escola. Contudo, não é qualquer discurso, não são as asneiras, Os conceitos pré-formulados, discriminatórios, ignoráveis que se quer ouvir. Queremos ouvir as vozes que revelam seus conhecimentos. Como argumenta Foucault (2002, p.37) sobre a interdição ou liberação da fala.
[…] ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo. Mais precisamente: nem todas as regiões do discurso são igualmente abertas e penetráveis; algumas são altamente proibidas (diferenciadas e diferenciantes), enquanto outras parecem quase abertas a todos os ventos e postas, sem restrição prévia, à disposição de cada sujeito que fala.
A mudança de comportamento no processo de silêncio físico para ouvir a voz do texto poético é essencial em todas as fases do ser humano, pois o contato como o texto literário, através de sua leitura e da produção autoral deve ser despertado em todos e em qualquer fase da vida, pois
(…) a leitura do texto literário é, pois, um acontecimento que provoca reações, estímulos, experiências múltiplas e variadas, dependendo da história de cada indivíduo. Não só a leitura resulta em interações diferentes para cada um, como cada um poderá interagir de modo diferente em outro momento de leitura do mesmo texto. E é dessa troca de impressões, de comentários partilhados, que vamos descobrindo muitos outros elementos da obra. (PCNs de Literatura, 2006, p. 67):
O trabalho com a literatura é essencial na sala de aula, porque quem não sabe ler literatura, ou melhor, quem não tem contato com o texto literário em sua leitura não consegue entender sua linguagem, não consegue mergulhar nas metáforas, não consegue entender a plurissignificação das palavras, pois o refinamento sensível que só o texto literário requer para um entendimento proficiente tem a ver com seu contato.
Logo a aliança entre o ler e o escrever poeticamente é um processo exercitável, que precisa ser estimulado para se ter resultados, assim como uma performance física, afinal é. Há na leitura e na escrita uma mudança de postura física, comportamental, cognitiva, emocional. E essas mudanças falam. Devemos ouvir sua voz.
Poderia aqui buscar fazer uma “colcha de retalhos” de referências para falar de escrita, de leitura, de produção textual, mas o que quero é mostrar uma prática, metodologias aplicadas na minha sala de sala de aula, experiências educacionais de abaixo a ditadura do silêncio, do cale-se, do cale a boca.
Dirigir uma produção onde as palavras, ou melhor, sua voz, a voz própria, singular, autêntica, aquela que Bagno defende como uma gama de diversidade de falares em língua Portuguesa no Brasil. Esta língua é a língua que eu sei, é a língua que eu falo bem, e por ser a minha língua ela não é difícil. Difícil, sim, é uma língua que não tem eco na minha vivência, na minha experiência, que não traz à tona as minhas lembranças, que não abala os meus sentimentos, uma língua que não me fala ao coração, que não faz vibrar as cordas do meu ser. E, no entanto, é essa língua estranha, estrangeira, que vou ser obrigado, sujeitado e quase torturado a aprender.
Neste contexto, o pensamento existe na mente como signo em estado de formulação e para ser conhecido precisa ser exteriorizado por meio de linguagem, seja ela verbal ou não. Mas que para ter a liberdade do discurso é necessário a liberdade de sua forma de expressão, seja ela qual for.
Para Moran (2017), quando o aluno é instigado pelo professor a pensar, refletir, documentar, expressar-se, o processo ensino – aprendizagem se torna mais significativo e colaborativo, construindo conhecimento, desenvolvendo diferentes competências, além de valorizar e aprimorar o conhecimento que o educando traz consigo.
Neste mesmo sentido Freire (1996) corrobora com a ideia defendendo um “saber libertador”, onde todos aprendem e ensinam através de seus saberes, sejam científicos, empíricos, a sala de aula é tida como partilha de conhecimentos, através da produção de poemas autorais.
No caso do projeto Minhas Palavras, essa liberdade se dá no direcionamento do aprender a aprender: falar, silenciar para pensar, pensar para expressar, palavras, suas palavras, minhas (próprias) palavras, sua língua, liberdade de expressão, vez, voz.
O conhecimento de uma língua consiste num complexo conjunto de saberes linguísticos e sócio comunicativos constitutivos da capacidade humana para produzir e compreender enunciados numa língua, segundo Botelho (2000) tais saberes são de natureza variada como o saber cognitivo – relativo à aptidão humana .
O saber antropológico- pertinente às peculiaridades da língua que falamos como certo modo de expressar a realidade; O saber histórico- referente às nossas condições de “depositários” de textos integrantes de uma memória coletiva; O saber léxico-gramatical – referente ao domínio das palavras dos recursos sonoros mórficos e sintáticos que formam as frases; O saber sociolinguístico relativo às funções da língua como forma de convívio e interação social; E por último saber textual – relativo ao domínio dos procedimentos de construção dos textos.
Esses saberes precisam estar juntos e misturados para que a voz do educando seja ouvida sem ruídos, sem interferências. Logo é de extrema importância que o professor tenha consciência do dever de trabalhar habilidades e competência textuais e valorizar esse processo individualmente, pois a sala de aula nunca será homogênea. Então por que não dizer que na minha docência sou uma cientista por natureza, afinal eu trabalho no laboratório de vivências, experimentos, onde as análises são provenientes de ambiente heterogêneo, social, em todos os seus aspectos, uma vez que é da escola a responsabilidade de ensinar as competências linguísticas aos alunos. E é na produção textual que torna concretas as vozes socioculturais de cada um. Esse registro, bem como sua leitura e valorização são indispensáveis.
No que diz respeito à relação escola, sociedade e cultura, Zilberman (1991) afirma que a escola atua como mediadora, por ser instituição social, e o elo entre o indivíduo e a sua cultura. Dessa forma, a leitura, a interpretação e a produção artística são pontes entre ambas, funcionando como porta de entrada do jovem no universo do conhecimento sensível, flexível. Além de deixarem registrados suas memórias e traços culturais, através de suas produções. Daí a importância de trabalhar a expressão artística de modo a resgatar a memória, a identidade ou identificações, valorizar a cultura coletiva.
4.1 Os caminhos da poetura
O primeiro passo rumo a escrita é a motivação, mostrar aos alunos que entre eles e o artista literário não há divinização. O que há é leitura, conhecimento, estímulo, técnica, sensibilidade, criatividade. Então a motivação, é também essencial para que os alunos encontrem o caminho de escrever, de produzir arte literária é, assim, um dos passos rumo ao poema com liberdade criativa, onde podem expressar seus pensamentos marcados por sua própria voz.
Nessa descrição metodológica, utilizarei dois tipos de discurso: um em primeira pessoa, quando descrevo minhas sensações de atuações no processo docente, e outro em terceira pessoa, falando como o professor, ele, em terceira pessoa, pois todo professor pode aplicar a Poetura em sua sala de aula com a sequência didática.
Na caminhada iniciada partimos para a leitura, para o contato com o texto, o aluno é levado a experienciar o texto escrito, visto, ouvido, lido, sentido, percebido. Para isso lhes é apresentado textos no decorrer do caminho, sendo ligados pela intertextualidade, paródia e paráfrase. O primeiro texto apresentado é o poema Canção do exílio, de Gonçalves Dias, onde degustamos da leitura silenciosa, individual, de reconhecimento, de contato direto com as palavras, com a forma, com o vocabulário.
Neste percurso a leitura é feita pelo professor, valorizando toda expressividade do poema, leitura cadenciada, harmoniosa, em voz alta, performática, na companhia dos ouvidos atentos dos alunos que acompanham com os olhos e a criatividade vai aflorando, um ritual poético. Segundo Zumthor, a performance e a poesia estão profundamente ligadas.
(…)A “poesia” (se entendemos por isto o que há de permanente no fenômeno que para nós tomou a forma de “literatura”) repousa, em última análise, em um fato de ritualização da linguagem. Daí uma convergência profunda entre performance e poesia, na medida em que ambas aspiram à qualidade de rito. (ZUMTHOR, 2007, p. 45)
Na sequência, os alunos são motivados a lerem em grupos, por estrofes que pode ser: as vozes femininas iniciam a primeira estrofe do poema e continuam na terceira estrofe, as masculinas com a segunda e a quarta estrofe e todas as vozes juntas com a quinta estrofe, sendo assim, todos têm voz ativa na leitura em voz alta na sala de aula.
Todavia, isso não se aplica a uma metodologia rígida, fixa, pode ser a melhor maneira que o professor encontrar para integrar. Descrevo esta porque sempre aplico, porque os alunos se sentem parte da obra com suas vozes, a pesar de que os alunos tendem a ter vergonha de fazerem a leitura oral, individual por medo de errar, de não conseguirem valorizar as rimas, de perder a cadência do poema, logo suas vozes juntas acabam ocultando esses possíveis erros, não deixando assim que apenas um aluno se exponha à leitura, mas que todos façam parte desse processo.
A leitura não é um ato separado nenhuma operação abstrata: só há pouco tomamos consciência disso: a época na qual entramos não está mais em condições de nos ocultar esse fato. (ZUMTHOR, 2007, p. 62)
A partir do poema de Gonçalves Dias e de toda a exploração poética, estética, sonora… de explorar ao máximo suas potencialidades, introduz-se o poema de Oswald de Andrade: Canto de regresso à pátria. Os alunos tecem então os primeiros contatos com o texto, observando as aproximações e distanciamentos do texto original, surgindo, dessa forma os conceitos de textualidade e intertextualidade: paródias, paráfrases, plágio, originalidade, além das questões estéticas do texto literário como a presença de versos, livre, característico do modernismo, onde o artista literário rompe com a estética clássica e ganha a liberdade da escrita, do pensamento e da voz.
Ressalto que é importante no processo de escrita deixar o aluno perceber que é livre para criar, para escrever, para alçar sua voz no seu poema, ganhando autonomia na escrita. No percurso da caminhada a leitura do Hino Nacional Brasileiro é bagagem a ser carregada com leveza, e refletida, percebendo, dessa forma, a citação literária feita na composição musical, bem como a análise semiótica e semântica do trecho poético dentro da composição, tornando-a uma paráfrase do poema de Gonçalves Dias com citação direta com a mesma intencionalidade, reafirmando as ideias de ufanismo e patriotismo, características do Romantismo do início do século XIX no Brasil. Daí a importância dos estudos literários e históricos para essa compreensão.
E para garantir que a intertextualidade é a arte da recriação, transcriação, criação autônoma e autêntica do poeta, e que para isso é necessário leitura, de contato com outras fontes para produzir, escrever e alçar voz ao poema, proporciona-se nessa caminhada aos alunos a epígrafe de Goethe usada por Gonçalves Dias no início do poema “Canção do exílio” retirada da Balada de Mignon, do romance “Os anos de aprendizagem”, de Wilhelm Meister, traduzido por Manoel Bandeira, garantindo que o poeta, que o artista literário precisa ler, é imprescindível ter na caminhada a bagagem com leituras, os encontros com o que os poetas produzem, como afirma Zumthor sobre a estética da recepção na visão de Wolfgang Iser:
(… ) Iser parte da ideia de que a maneira pela qual é lido o texto literário é que lhe confere seu estatuto estético; a leitura se define ao mesmo tempo como absorção e criação, processo de trocas dinâmicas que constituem a obra na consciência do leitor.(ZUMTHOR, 2007, p. 51)
Mais um passo na rota da Poetura é andar rumo a sua própria realidade, ao caminho que nos leva para casa, com setas que orientam esse caminhar, onde se reconhece a paisagem e surge a alegria do conhecido, do que é seu, do que faz parte de nós, logo apresento de forma reflexiva, a sua própria terra, o seu território de habitação, o seu lugar de fala, sua cultura e tradições através de um questionamento: Como você descreve poeticamente sua terra?
É importante ressaltar que o quer não se quer é uma mera imitação, mas sim um poema original, pois esse é um processo de criação e “criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a algo novo. ” (OSTROWEL, 1987, pág. 9)
Neste sentido, após a metodologia aplicada, o tempo para escrita é necessário, pois é um processo que envolve tempo, criatividade, inspiração, de forma individual. Logo, não é um processo rápido e acaba em 1 hora aula, por exemplo. Contudo, é necessário delimitar tempo para que o aluno-poeta se disponibilize a alçar sua voz, através da escrita poética, buscando em si seu potencial criativo. Ostrower (1995, p. 247)) considera o potencial criador como:
…disponibilidade interior, está plena entrega de si e a presença total naquilo que se faz. Ela vem acompanhada do senso do maravilhoso, da eterna surpresa com as coisas que se renovam no cotidiano, ante cada manhã que ainda não existiu e que, não existirá mais de modo igual, ante cada forma que, ao ser criada, começa a dialogar conosco. É nossa sensibilidade viva, vibrante.
Mediante a isso é de suma importância o aluno, em breve o poeta, saber o que é um poema, mas que ele não precisa estar preso a uma forma, engessado a um gênero lírico, todavia os versos que os compõem são essenciais para produzir seu poema. Então são ensinados a fazer o cordel e o poema livre.
Em seguida, e último passo para Poetura, fazemos a roda de conversa da cultura local, momento onde os alunos são estimulados a falar sobre as histórias locais de fundação do município, bem como o que sabem sobre a localização, etnias que compõem a formação popular da ilha, as histórias que permeiam o imaginário desse lugar, os costumes, as artes produzidas, os modos de vida, as comidas típicas, a fauna e flora que compõem as paisagens desse território, a religiosidade, além de se localizarem nesse universo de vivências.
Para Cecilia Sales , fundamental é que o artista em criação esteja num contato dinâmico com as culturas: tanto a sua , quanto as que o circunda , para poder criar inovações:
Imerso e sobredeterminado pela sua cultura ( que por seu estado de efervescência possibilita o encontro de brecha para a manifestação de desvios inovadores , está o artista em criação. Ele interage com seu entorno. (SALLES, 2006, p. 26 )
Sobretudo, essa conversa é o elo para que o aluno possa refletir sobre a sua diversidade cultural, o multiculturalismo, o pluriculturalismo e o interculturalíssimo.
Nesse processo, as singularidades não serão vistas como melhor ou pior, mas como parte da interação com as culturas.
4.2 A poetura
Considerando os poemas abaixo, produto, Poetura, investigaremos o conteúdo de forma a identificar marcas culturais identitárias nas vozes poéticas dos alunos, objetivo dessa pesquisa, além da identificação da relação de cultura e identidade local, do território de fala dos alunos-poetas.
O tema é pertinente a todas as produções da Poetura nos anos distintos: Minha terra, meu chão, meu eu, cabendo aos alunos-poetas dar um título ou não à sua produção.
POEMA I
BELEZAS DA MINHA TERRA
Soure terra querida
Sua localização
Na Ilha do Marajó
Com tradição
Meu Marajó
No meu coração
Sou sourense
Terra maravilhosa
Terra encantada
Terra amorosa
Terra hospitaleira
Terra calorosa
Nos campos do marajó
Anda o vaqueiro imponente
No seu cavalo castanho
Faz o seu trabalho no campo friamente
e independente
Solitário e bravamente
Rio Paracauari
Rio amoroso
Muitas vezes
Bem misterioso
Mas também
Muito perigoso
Rio Paracauari
Onde o boto aparecia
Vestia tudo de branco
Na nossa baía
Conquistava as mulheres da festa
E desaparecia
No Rio Paracauari tinha outras aparições
Como de um toco misterioso
Que as pessoas tinham muito medo
Diziam que era perigoso
E muitas vezes para nós marajoaras
Anos atrás era pavoroso
Também gostamos de danças
Como do carimbó
Dança tradicional
Da Ilha do Marajó
Dança maravilhosa
Existe aqui só
Praia da Barra Velha
Praia glamurosa
Muitas vezes deserta
Praia formosa
Praias com belezas naturais
Praia grandiosa
O cavalo marajoara
Imponente
Poderoso
Encara os campos do Marajó bravamente
Trabalho após trabalho
Cavalo lindo e resistente
O búfalo considerado como o símbolo marajoara
Rústico animal
É dócil e forte
Um animal sem igual
Animal grandioso
Considerado como o tal
(Renan Rodrigues. Belezas da minha terra. 2012)
“Belezas da minha terra” foi escrito no ano de 2012 pelo aluno-poeta Renan Rodrigues, estudante do terceiro ano do ensino médio da escola Edda de Sousa Gonçalves. A lírica tem caráter ufanista. A partir do título, se pode analisar o pertencimento de sua voz através do pronome possessivo “minha”, revelando a subjetividade do poema.
O poema é composto por 10 sextilhas, como esquema de rima AB CB DB , onde o eu lírico expressa o ufanismo, nesse caso um orgulho exacerbado de sua terra de origem e de todos os elementos que a compõem no poema.
A lírica desvela em seus versos representatividades simbólicas e localidades próprias desse lugar como o vaqueiro, homem que cuida da manada de búfalos nos campos, o cavalo marajoara, animal de raça que aguenta o serviço rústico nas planícies campestres da ilha, que vai do campo ao alagado, dependo da estação do ano, o búfalo, animal que adaptou a esse ambiente, sendo fonte de renda, alimento e trabalho, o rio Paracauari, o rio que banha a cidade, o carimbó, dança “tradicional” e a praia da Barra velha e suas belezas naturais.
O poeta-aluno tem um discurso de pertencimento dessa terra, exemplifica-se quando diz “sou sourense”, logo pode falar sobre o que vê e pensa desse lugar de fala, desse território de vivências.
Uma outra característica marcante é a musicalidade da escrita – a lírica contém rimas, mas não com o rigor da métrica forma e com muitos adjetivos (localização, tradição e coração; maravilhosa, amorosa e calorosa; imponente, friamente e bravamente; amoroso, misterioso e perigoso; aparecia, baía, desaparecia; misterioso, perigoso, pavoroso; carimbó, Marajó, só; glamurosa, famosa e grandiosa; independente, bravamente resistente; animal, igual, tal)
A dança faz parte da sua identidade, não só dele, mas do coletivo, pois usa o verbo gostar na primeira pessoa do plural, é o que se constata e no verso: “Também gostamos de danças”. É de se sublinhar também que praticamente todos os verbos do poema estão no tempo presente do indicativo, o que demonstra que o aluno-poeta pretendia evocar o aqui e o agora, só mudando esse foco na quinta e sexta estrofe, quando se refere às lendas que giram em torno do rio Paracauari.
POEMA II
BELEZAS CULTURAIS
Ilha do Marajó
Terra de muitas belezas
Praias e córregos
Linda natureza
Vivo em uma cidade
Cheia de beleza
Terra de culturas
Carimbó te rebolado
Saias até ao pé
Todas dançam no compasso
De onde vem tal cultura
De nossos antepassados
Comidas típicas
Tacacá e açaí
Tem chibé com camarão
E também tem tucupi
Hum que delícia
Camarão com açaí
Cerâmica
Muiraquitã e colarzinhos
Na forma e no fogo
Saem todos marronzinhos
Índios também fazem
Vasos perfeitinhos
Na praia
Com a família
Vendo a paisagem
Nesta bela ilha
O Boto a passar
Mais que bela vista
Tudo
Tudo que imagina
Você pode encontrar
Nesta bela ilha
Guará e garças
Que maravilha
Pessoas do mundo
Do mundo inteiro
Vem até aqui
Para curtir o passeio
Na Pérola do Marajó
Onde é belo e festeiro
Esta beleza
Que encanta
Que revigora
Que emociona
No Marajó
Tal beleza se encontra
Danças culturais
De todos os tipos
Hip hop, funk e outros
Mas já tenho um preferido
Todos adoram
Carimbó com o mestre Diquinho
Povo marajoara
Povo de muita fé
A tomar café
Nossa Senhora
Da Boa Fé
(Milene Tavares. Encanto Marajoara. 2013.)
O poema “Belezas culturais” foi composto através da Poetura no ano de 2013, a poeta-aluna Milene Tavares revela em seus versos um “Marajó” caracterizado pela natureza: pássaros, paisagens, praias, como o eu lírico afirma subjetivamente “linda natureza”, atrativos desse lugar.
A construção do poema é feita com base numa apresentação desse lugar, como um roteiro turístico, onde o interlocutor há de se encantar pela caracterização da terra, do povo e de alguns de seus costumes como as danças, as comidas, o artesanato.
Na terceira estrofe o eu poético faz uma pergunta retórica “de onde vem tal cultura/de nossos antepassados”, isso significa dizer que cultura se trata de uma herança somada ao longo dos anos, e que deve ser preservada, pois é uma discussão entre o natural e o artificial, ou seja, o que o se recebe e o que devolvido, marcas deixadas e marcas estornadas, o que se dá e o que recebe culturalmente. São nesses sentidos que a natureza tal qual ela se apresenta e age sobre os sujeitos. Logo a palavra “cultura” se desdobra em múltiplas leituras e interpretações.
Belezas culturais é uma criação poética livre, sem esquema de rimas formais, com 16 estrofes, com composição variada de 8, 6, 5 e 2 versos, marcada pela individualidade e subjetividade do sujeito poético, como se vê nos seguintes versos: “ vivo em uma cidade cheia de beleza”, revelando uma visão romantizada desse lugar.
POEMA III:
SOURE
Minha Soure primeira
Morena faceira
Dos olhos azuis
De pele dourada
Do sol bronzeada
Dengosa menina
Que me ensina
Como cantar
A tua beleza
Para te exaltar
Exuberante tu és
Da cabeça aos pés
O luar te ilumina
E a tua beleza refina
Como cantar-te
Sem o teu nome falar
Seria negligência
Não te apresentar
Sou donzela nativa
Orgulho do Pará
Universo da beleza
Rainha do rio-mar.
(Romoaldo de Jesus Pontes dos Santos. Minhas Poesias. 2014 )
“Soure” é um poema que aborda o território de fala do aluno-poeta. Nele o eu-lírico sublinha a necessidade de viver e sentir o lugar personificado como uma mulher atraente, com beleza exótica que envolve as etnias constituintes desse território: brancos, índios e negros e as miscigenações dessas etnias obtidas.
O poema foi produzido durante a aplicação da Poetura , no ano de 2014, na escola Gasparino Batista da Silva. O aluno-poeta era estudante do terceiro ano do ensino médio. O poema faz parte do livro Minhas Poesias, produto do projeto Minhas Palavras na escola.
O título do poema (Soure) quer dizer literalmente a cidade. Possivelmente é uma alusão ao gesto do eu-lírico de refletir sobre o lugar de vivencia e fala. Um canto de exaltação a essa terra, todavia esse lugar não é atualizado, é o lugar originário, primitivo, que acolheu os nativos (morena faceira) e os chegados (dos olhos azuis), como revela o primeiro verso: “Minha Soure primeira”.
POEMA IV:
Arquipélago de pureza encanto
De beleza irradiante
Cheiro de terra molhada
Almejada, de povos distantes
Lugar de rios e lagos cristalinos
Marajoara por ser brilhante, desfruta dessa terra deslumbrante
Cada lugar uma cultura
Miscigenada por seus ritmos
Carimbó melody
De balance e encante
Grandes e pequenos cantores
Onde cada batida forma-se um som diferente
Tão grande quanto sua história
De pele e olhos brilhantes
Rios poços e fios de cabelo
É uma guardiã de histórias de encante
Poços tão fundos como o rio
Onde cada história se torna um diamante
Terra pequena de muitas histórias
Encantada pelas fascinantes lendas
Matinta Pereira e Pretinho da bacabeira
Trás consigo o encanto por suas belezas
Eternas memórias
Contadas com muita pureza
Terra de grande simplicidade
Destaca-se por sua culinária
Turu, tacacá e maniçoba
Que não existe em outro lugar
Passada de geração em geração
Para preservar a cultura desse lugar
Terra fértil e diversificada
Frutas de grande sabores
Bacuri, cupuaçu e mangaba
Saboreada com muitos amores
Terra de grandes farturas
E motivos de felicidades
Marajó, terra de raras belezas
Praias com belezas naturais
Araruna, Barra Velha e Pesqueiro
Onde não há outras iguais
Povos de belezas eternas
Privilegiada de belos manguezais
Com variedade de riquezas
Desperta curiosidades
Grandes e belas fazendas
Que encanta e trás felicidades
Tramite ar puro e alegria
Aos visitantes
Novembro o mês em que pessoas
Se juntam em uma só fé
Para pagar promessa a nossa mãezinha
E agradece a virgem de Nazaré
É a união de um povo promesseiro
Para provar sua grande fé
Povo de grande coração
Trás dentro de si o amor
Luta por mudanças
Povo muito acolhedor
Possui simplicidade e alegria
Nesta terra de grandes lutadores.
(Katilene Almeida Melo. Sonhos e Histórias, 2015.)
O poema produzido pela aluna-poeta Katilene Melo, no ano de 2015, não tem um título. Faz parte do livro Sonhos e Histórias, fruto do projeto Minhas Palavras. A composição tem 10 sextilhas e esquema de rima que varia entre AB, CB, DB, e outras que não fizeram o par de semelhança sonora adequadamente, por vezes apresenta rimas pobres, outras não apresenta rima. O conteúdo subjetivo tem caráter comunitário, pois desvela em seus versos uma visão não individual do eu lírico, mas coletiva, principalmente pela várias vezes que usa a palavra “povo”.
A voz poética, de caráter antagônico, fala em arquipélago de Marajó, há várias ilhas que o compõem, logo o “povo” a quem se refere é o marajoara, bem como o cenário bucólico que apresenta se refere a essa imensidão fluviomarítima, o que é contrastado no verso primeiro da quarta estrofe: “terra pequena de muitas histórias”, sugerindo dessa forma que Marajó para autora se refere a uma cidade, nesse caso a Soure, terra de onde ela fala, isso se afirma quando apresenta lugares localizados em Soure na sétima estrofe: “Praias com belezas naturais/Araruna, Barra velha e Pesqueiro”.
Para cada estrofe a poetisa aborda um aspecto do lugar, da “terra”, como se refere ao território de onde fala, que vai da beleza a cultura: “cada lugar uma cultura/ miscigenada por seus ritmos”, que não é homogênea, que não é singular, mas plural, diversificada.
As histórias que permeiam o imaginário, na voz do eu poético também é uma marca das narrativas locais como “Pretinho da bacabeira”, uma lenda local, com personagem encantado que só acontece no município, no local conhecido como estiva, embaixo de um pé de bacabeira, atualmente não existe mais, mas no local foi erguido um prédio de vendas de suvenir com o mesmo nome. Todavia, essas narrativas marcam territórios de memórias do local, da cidade de Soure.
POEMA V:
MINHA TERRA, PATRIMÓNIO MEU
I
Em uma bela ilha eu moro
Como a Pérola do Marajó sou conhecida
Águas que banham é do Paracauari
Pelos habitantes sou querida
Meus encantos vão da comida ao turismo
Com muitas variedades minha família é merecida.
II
Nessa ilha há de tudo
Um povo alegre e hospitaleiro
casas pequenas e grandes e até ribeirinhos
É diversão o ano inteiro
Não existe nada melhor
Do que visitar a praia do Pesqueiro.
III
Minhas praias são belíssimas
Como elas não existem outras iguais
É Pesqueiro, Barra Velha e Araruna
Passeios de canoas em suas ondas são legais
Não esqueça da praia do Céu e Caju-Una
Nossa! Essas maravilhas são sensacionais.
IV
O forte desse lugar é a sua crença
De um povo religioso isso é
Tem respeito a todos os santos
Isso que é fé
A maior demonstração de amor
É na procissão do círio de Nazaré
V
Nossa dança é contagiante
Tem lundu e o carimbó
Quando toca o pandeiro, tambor e o chocalho
Ninguém fica parado e nem só
Abre a roda oh meu povo!
Isso é um tesouro do Marajó.
VI
O búfalo é o maior símbolo desse lugar
Mas também a garça e o guará
Variedades de peixes e mariscos
Comidas típicas como filé de boi e o tacacá
É de dar água na boca
Viva ao Marajó que é do Pará.
VII
Meu folclore, minha cultura
São lendas ricas e surpreendentes
O Boto, o Toco, a Mulher cheirosa
Não para por ai, minha gente
Pretinho da bacabeira, Cobra grande e muito mais
Eita cultura diferente.
VIII
As frutas desse lugar
É uma variedade tropical
É tucumã, açaí , cupuaçu e abacaba
Além das cores seu sabores não tem igual
A manga, o muruci, o caju e muito mais
Da até pra fazer enredo de carnaval.
IX
Quem visita uma vez
Quer voltar
Quando volta
Já quer morar
Quando mora
Convida outros pra vir visitar.
X
Esse paraíso é único
Faz o pulmão sossegado respirar
Suas águas calmas e puras
Faz um pequeno barco navegar
Esse lugar é lindo sonho
Do qual nunca quero acordar.
(Cladilene Silva. Meu Patrimônio, minha cultura, 2016)
A aluna Claudilene Silva, estudante do 3o ano, do ensino médio da escola Gasparino Batista da Silva produziu o poema “Minha terra, patrimônio meu” que está no livro Meu Patrimônio, minha cultura, de 2016.
A poeta-aluna tem um discurso de pertencimento dessa terra, exemplifica-se quando utiliza em muitos versos o pronome possessivo em primeira pessoa “ meu/minhas/nossa”, que se repete na maioria das estrofe: “meus encantos”, “minhas praias, “meu folclore”, “nossa dança”, caracterizando um discurso subjetivo.
O poema como um todo tem um caráter informativo, como uma apresentação ao receptor que não conhecesse a terra do eu lírico, logo o discurso é uma apresentação lírica desse lugar e de tudo que o sujeito poético considera louvável, como se vê nos versos a seguir: “não existe nada melhor/Nossa! Essas maravilhas são sensacionais/Isso é um tesouro do Marajó/Eita cultura diferente”.
Um dos recursos estilísticos usado pela estudante-poetisa é a colocação de números romanos para separar cada estrofe, dando a entender que são cantos, como nas epopeias. Logo isso sugere que a obra tem cantos alusivo às representatividades, localização, caracterização do povo e suas religiões, praias, danças, comidas típicas, narrativas, fauna e flora, cores e sabores de Soure.
A persuasão utópica é mencionada na última estrofe do poema: “esse lugar é um lindo sonho/ Do qual nunca quero acordar”, apesar da positividade e singularidade exibidas no poema, o eu lírico revela a ficcionalidade ideológica, que prefere sonhar do que está atenta a realidade, as mazelas, aos desenganos, aos sofrimentos passados nessa terra.
POEMA VI:
MEU POVO
Soure a capital do Marajó
Onde as meninas dançam sem parar
E o carimbó está no sangue
E de se acabar de tanto dançar e logo dou passo na praia
Para poder relaxar
Aqui é um lugar maravilhoso
Impossível sair sem se encantar
São pessoas alegres e de sorriso fácil
Com certeza você já ouviu falar
De um povo carismático com um brilho no olhar
Em Belém você toma o tacacá
Em Soure é a carne do búfalo
Tem também o turu
E não é só
Você prova o queijo
Único daqui do Marajó
(Karla Moraes, 2017)
A estudante do 2o ano de ensino médio da escola Edda de Sousa Gonçalves compôs o poema “Meu povo”, com a temática proposta pela Poetura em 2017. O poema aborda de forma lírica a cidade de Soure, apresentando-a como “a capital do Marajó”, como é conhecida essa cidade.
O poema é composto por três estrofes: dois quintetos e uma sextilha, onde revela um olhar romantizado sobre esse lugar: “…um lugar maravilhoso/ impossível sair sem se encantar”.
Destaca-se no poema, além da dança/música do carimbó, comidas típicas dessa localidade como a carne de búfalo, o turu e o queijo do Marajó.
POEMA VII:
No meu Marajó temos muita cultura
Cultura na qual devemos zelar
Danças e comidas típicas
Só nela podemos encontrar
Aqui tem tanta beleza
Que aprendemos a amar.
(Juliana Silva. Marajó e vida, 2018)
A composição poética de Juliana Silva não apresenta título, mas faz parte do livro Marajó e vida, de 2018. No intuito de discorrer sobre a subjetividade do poema, a análise parte do olhar individualizado, quando usa o pronome possessivo “meu” no verso primeiro: “No meu Marajó…”, porém coletivo, como demonstra os verbos na primeira pessoa do plural (temos, devemos, podemos, aprendemos).
A aluna-poeta harmoniza o pequeno poema de seis versos com rimas intercaladas, com verbos no finitivo terminados na primeira conjugação, marcando às pessoas do discurso, no caso “nós”, pessoa que se refere a um grupo social em que o eu lírico se que engloba.
No primeiro verso a voz poética que em seu território, que chama de Marajó, é um lugar de muita cultura. A palavra “cultura” que representa um conjunto que engloba o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.
O eu lírico ressalta no segundo verso que é necessário que as manifestações culturais sejam valorizadas e conhecidas, principalmente, pelos que a integram e, em seguida pelos que a apreciam, e, por conseguinte a outros. É de suma importância que a valorização por parte daqueles que integram tais formas de viver seja praticada pelos mais jovens, uma vez que se evita o esquecimento e que por consequência desapareçam, pois eles são a fonte mantenedora entre o passado e o futuro pelo presente vivido, garantindo dessa forma o armazenamento e transmissão dos hábitos, costumes e saberes construídos pelo seu grupo social e transformando essas fontes em tradição.
POEMA VIII
O Rio Paracauary
No Rio Paracauary
Tem coisas gostosas de se comer
Do camarão ao siri
Da pescada ao tambaqui
Tem muitas ondas belas
Que as praias vêm banhar
Com suas espumas branquinhas
Para a areia enfeitar
Como nosso rio não há
Que nossa cidade vem embelezar
Trás também os turistas que chega aqui para ficar.
O búfalo é o símbolo
Da cidade marajoara
Com sua beleza exuberante
Que nem a uma outra se compara.
Tem coisas gostosas de se comer
( Mateus de Moraes Martins. Os Bons Pensamentos De Uma Vida, 2019)
A produção literária em verso de Mateus Martins, elaborada no ano de 2019, na escola Edda de Sousa Gonçalves, contém três quadras e um terceto, sem um esquema de rimas definidas, mas com musicalidade provocada por rimas aleatórias. O título sugere o conteúdo abordado: O rio Paracauri é, pois, uma apresentação instigante da temática, que vai inserindo o leitor neste universo poético repleto de imagens e sensações.
É importante notar que o aluno-poeta escreve a palavra rio com letra maiúscula, sugerindo que não é qualquer rio, e sim o rio como símbolo, um plano superior. Para o eu lírico, o rio é fonte de alimentos, de lazer, de encanto, além de “que nossa cidade vem embelezar” um adereço insubstituível a cidade de Soure, que nesse caso está oculta, mas intrínseca ao poema.
Ao viver em uma ilha, banhada pelo rio Paracauari, o poeta apresenta o rio como estrada, caminho: “trás também os turistas que chega aqui para ficar”, além de revelar o encantamento da viagem e da permanência na cidade banhada por ele, nesse caso Soure.
Na última estrofe, há uma ruptura do assunto abordado nas estrofes anteriores, apresentando o búfalo como símbolo desse lugar, como se afirmar nesses versos: “o búfalo é o símbolo da cidade marajoara”.
POEMA IX:
2020
Ano diferente
Um vírus chegou e assustou a gente
Aconteceu uma pandemia
De um vírus que ninguém conhecia
Medidas foram tomadas
Para que vidas não fossem desperdiçadas
Festividades não podíamos ter
Para que os casos deixassem de aumentar
Uma vacina está sendo testada
A esperança foi renovada
precauções não podem deixar de ter
Pois o vírus ainda está aí e consegue ver.
(Kaio Henrique Oliveira. Vídeo-poema, 2020)
A produção do poema de Kaio Oliveira, aluno-poeta do terceiro ano da escola Edda de Sousa Gonçalves, no ano de 2020, foi orientada de modo remoto, a distância, devido aos decretos de contenção do coronavírus. A temática se afasta da proposta, todavia, a poesia não perdeu a voz do lugar de fala dada pelo eu lírico.
A produção tem 13 versos, com rimas emparelhadas na posição final de cada verso. O aluno-poeta usa número no título, marca modernista, e o conteúdo marca uma narrativa lírica do momento específico pelo qual passa a sociedade global: “aconteceu uma pandemia”, sem deixar de localizar a sociedade local nesse contexto: “Festividades não podíamos ter”.
O oitavo verso revela também que o local que eu lírico alça sua voz é um local onde há “festividades”, comemorações coletivas, socialmente regozijada por grupos, onde ele é parte, o que se confirma pelo verbo na primeira pessoa do plural “podíamos”. Revelando a importâncias que essas festas populares, festejos, eventos, comemorações têm.
POEMA X:
SOU MARAJOARA
Sou marajoara
Sou da praia
Do mangue
Do carimbó e do siriá
Filha de pescador e pirizeira
Quanto orgulho tenho
Das minhas raízes
Sou índia, sou cabocla
Posso ser tudo que eu quiser
Só não posso esquecer
Que vim de lá
De onde o sol é quente
Os dias são calmos
Lindos e brilhantes
Eu sou de lá
E sempre irei me orgulhar
Meu Marajó, meu mar
Meu lar…
Eu sou uma legitima marajoara.
(Odineia Costa Sarmento , 2021)
Ao iniciar a leitura do poema, nota-se que é todo elaborado em primeira pessoa, trata-se do eu lírico, que se refere à subjetividade, ao íntimo, à descrição de quem é, de onde vem, do “orgulho” que tem de ser e estar nesse lugar. Com uma linguagem altamente feminina, intuitiva e sensorial, o eu poético demonstra que não está no lugar primitivo: “sou da praia”, supõem-se que autora vem das comunidades praianas para estudar na sede do município.
O ser “marajoara” que a voz poética alça é um ser singular, onde para ser “legítima” é preciso ser/vir de um lugar distinto: “Sou da praia/ Do mangue”, com origem peculiar, como vemos no encavalgamento dos versos 6,7 e 8: “ Quanto orgulho tenho/ Das minhas raízes/ Sou índia, sou cabocla”, um recurso estético na poesia que consiste em pôr no verso seguinte palavras que dão sentido e sequência do verso anterior, revelando a miscigenação do povo marajoara.
A composição poética não tem estrofes, nem um esquema de rimas regulares, todavia há uma harmonia rítmica entre alguns versos, dando uma certa musicalidade no poema. Os versos são isentos de métrica, versos livres.
O poema é riquíssimo de significações e através da detecção dos fatos estilísticos vemos como a aluna-poeta os utiliza com tanta propriedade, criando o seu estilo, que o torna único.
POETURAS EM PROCESSO
Os poemas, produtos da Poetura, desenham uma realidade (re)criada com olhar poético, romantizado, ficcional, próprio das poéticas orientadas, dirigidas. Advindas das inquietações da produção, os alunos-artistas seguem os escritos por aquilo que se perpétua entre o local de cultura, o que pode ser uma espécie de alienação cultural.
Todavia há de se convir que mesmo em anos distintos, os alunos seguem o mesmo encantamento poético no que se refere a sua terra e as peculiaridades locais como um “prisma”, como um conjunto de símbolos sociais locais que aproxima o coletivo nas dimensões socioculturais.
Um aspecto comum no que tange ao conteúdo dos poemas é o orgulho de ser e de fazer parte do território local, seja denominado por Marajó ou Soure, designando não um arquipélago, mas um local de fala, um território de cultura, de acolhimento e de ufania.
Os poemas revelam que estar nesse ambiente é uma honra de vida e tamanha beleza, diversidade, tradições e culturas. Para entendermos a palavra Marajó, que é mencionada na maioria dos poemas, é interessante saber a origem da palavra. Segundo fontes históricas a palavra é originária do tupi. Mbara-yó significava “Barreira do Mar”.
Para os portugueses, a ilha estaria posicionada estrategicamente para barrar as tormentas do oceano sobre o rio Amazonas; já para os indígenas, significaria “o vento que sopra a tarde sobre a ilha”. O arquipélago do Marajó possui cerca de três mil ilhas e ilhotas, é o maior arquipélago fluvial-marítimo do mundo, além de dispor de belezas naturais como praias, igarapés e o viver rústico das populações tradicionais.
Em alguns poemas é observável a crença local. As religiões sempre funcionaram em todas as sociedades, buscando, de alguma forma, a explicação acerca da fé humana.
As religiões do povo sourense são religiões diversificadas, segundo Hall (2006) fruto da mistura afro, indígena e europeia. Essa mistura proporcionou uma identidade cultural ou diversas identidades culturais (p. 47). Neste sentido, o autor aponta que é preferível falar-se em “identidades culturais” e não “identidade cultural”, para evidenciar o pluralismo e o dinamismo das identidades culturais.
Evidencia-se que o Círio de Nazaré, marca da religiosidade regional, fruto da catequização portuguesa, é uma das principais cerimônias religiosas do município, onde o catolicismo é muito forte. Sugere ainda que o fato desta cidade realizar um Círio de Nazaré bastante popular na região estaria relacionado com sua importância no cenário local. Pode-se perceber que esses traços são bem peculiares na cultura sourense, embora, a cultura religiosa para esses alunos emprega-se com criatividade e originalidade, esses aspectos falam da realidade do povo marajoara, especificamente da cultura local, da fé dos seres humanos engajados nos poemas apresentados. Ao se concluir que, a nos referirmos ao termo cultura.
[…] Assim como a própria ideia de cultura vem na Idade Moderna a colocar-se no lugar de um sentido desvanecente de divindade e transcendência. Verdades culturais – trata-se da arte elevada ou das tradições de um povo – são algumas vezes sagradas a serem protegidas e reverenciadas. A cultura, então, herda o manto imponente da autoridade religiosa, mas também tem a afinidades desconfortáveis com a ocupação e invasão; e é entre esses dois polos, positivos e negativos, que o conceito, nos dias de hoje, está localizado. (EAGLETON, 2005, p. 10).
As praias citadas nos poemas são lugares turísticos e de lazer da população local, locais de orgulho e vivência. Uma delas é a praia de Pesqueiro. Possui áreas salgadas, por influência do Oceano Atlântico, e inúmeros coqueiros, marca registrada de Soure.
Há também a praia da Barra Velha, que é citada nos poemas. Ela tem acesso rodoviário e está distante cerca de 3km do núcleo urbano. Há também a praia do Araruna, as praias de Caju-uma e Céu, comunidades com cerca de 30km da sede do município. A vegetação dessas praias são caracterizadas por manguezais, também evidenciado no versos do poema de Odineia Costa Sarmento “Sou marajoara/Sou da praia/Do mangue”.
Os poemas sugerem que na ilha marajoara, vivencia-se a simplicidade dos moradores com a pescaria artesanal, caminhadas pelas praias em buscas de alimentos, do olhar ao estar no “Rio” Paracauari, além das vivência nas fazendas, que tem búfalos e cavalos rústicos.
Muitos alimentos típicos da região são destacados nos versos dos poemas. São alimentos do dia a dia do povo sourense, por exemplo as frutas, e as comidas típicas. Por ser uma região de grandes rios, o peixe também é muito apreciado.
Todavia a de se dizer que as iguarias que são citadas, como o queijo do Marajó e o Turu são peculiares desta região, mas muitas vezes não são consumidas pelos nativos, pois são produtos que tem um custo alto para condição econômica da maioria da população, sendo consumido pelos turistas nos restaurantes locais e pelos demais com poder aquisitivo maior. Pode-se dizer que esse pertencimento é passivo.
As danças típicas e originária da cultura marajoara que são eles o carimbo, lundum e siriá são expressões culturais representadas nos versos dos poemas. A história do Carimbó como manifestação cultural é marcada por eventos e fatos importantes. Historiadores, pesquisadores, agentes culturais e pessoas ligadas a esta prática cultural pormenorizar a definição histórica e cultural desta manifestação. Contudo, esta manifestação é reconhecida pelo IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão que vem agindo no sentido de efetivar esse procedimento de resgate pela sociedade de seu Patrimônio Cultural, analisando a importância da cultura popular para o desenvolvimento local, considerando as manifestações e expressões populares detentoras do contexto regional como fator de identidade cultural.
Dentro deste contexto as lendas mencionadas nos poemas, são aquelas que permeiam o imaginário dos alunos-poetas, elas têm um papel muito importante por que elas sistematizam e ordenam realidades, no ato de sua transmissão oral, envolvem tanto o narrador como os ouvintes que vivem num tempo e num espaço à reintegração dos acontecimentos da história evidenciadas na escrita literária.
Nas poesias os alunos elaboraram versos onde encontramos traços bem peculiares da cultura local como o artesanato, embora seja uma diversidade artística da arte popular que é bastante rica na sua cultura local, a técnica resulta em obras de arte com um visual único, belo e sofisticado. Logo o artesanato mencionado nos poemas vai desde a cerâmica marajoara, produção de peças de cerâmica é uma herança milenar dos povos indígenas da região, até àqueles que se constroem a partir de suas matérias-primas, peças com significados utilitários.
Durante as análises, foi perceptível que os alunos e alunas buscaram em seus versos destacar que Soure é um lugar possui uma significação de vivências que o torna singular. Essas vivências são definidoras de uma identidade que vem constituir pertencimento pelas práticas exercidas no cotidiano da comunidade, de maneira a Solidificar uma referência para o lugar ou região.
Os poemas marcam uma linha de pensamento desses alunos, sendo a maior referência para suas memórias históricas de seu lugar de origem. Andrade (2008, p. 570) diz que estes lugares de memória “são verdadeiros patrimônios culturais, projetados simbolicamente e podem estar atrelados a um passado vivo que ainda marca presença e reforça os traços identitários do lugar”, além de registrar uma experiência de vivência e preservação de suas identidades e é também um instrumento de reflexão sobre a vida local.
Durante as análises dos poemas, revelou-se que as vozes poéticas retratam o dia-a-dia do povo sourense, a partir disso verificamos a presença da interculturalidade nos traços poéticos, que se dá pela “interação entre as diferentes culturas” que compõem esse território. Logo essas visões multiculturalistas passam a ser vistas como um conjunto de significados transmitidos historicamente, ou seja, incorporados através de símbolos que se materializam em palavras poéticas.
Portanto, ficou claro que, durante todo processo de produção e análise dos poemas, a escola atua como mediadora entre o indivíduo e a cultura, dessa forma, a leitura, a interpretação e a produção desses alunos são pontes entre ambas, funcionando como porta de entrada para eles em um universo de conhecimentos. Além de deixarem registrados suas memórias e traços culturais, através das produções escritas, verbais, fatuais ou fictícias, pois, a memória torna-se um fator de identidade e valorização da cultura e cabe ser muito importante para serem lembradas e preservadas.
REFERÊNCIAS
ALVES, Castro. O navio negreiro. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1786 >. Acesso em: 22 de abril de 2022.
ANTUNES, I. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola,2009.
ASSUNÇÃO, Paulo de. O patrimônio. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
AVERBUCK, Lígia Morrone. A poesia e a escola. In: ZILBERMAN, Regina (Org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 5 ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
BACHELARD, Gastón. A poética do espaço. Trad. Antonio de Pádua Danesi. Rio de Janeiro: Eldorado, 2005.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998. Interrogando a identidade. p.70-104.
BAGNO, Marcos. Que país? Que povo? Que língua? In: SEMANA DE LETRAS E ARTES, 3., 1999, Feira de Santana. Palestra… Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, 1999. Disponível em: <http://páginas.terra.com.br/educacao/marcosbagno/art_que_pais_que_povo_que_lingua.htm>. Acesso em: 12 outubro de2021.
BARBOSA, Ana Mae. Arte, Educação e Cultura. Portal Domínio Público. Disponível em:http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?select_action=&co_obra=84578&co_midia=2. Acesso em: 01 de novembro de 2022.
BARBOSA, Maria de Nazaré. Memórias da minha cidade: Soure. Belém: IAP, 2011.
BEZERRA, Lygia Cassiano; SOUZA, Tamily Corrêa. Marajoara Identity in Poetry: a Literary Project Case Study in School “ Minhas Palavras”. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Letras- Língua Inglesa) – Universidade Federal do Pará. Campus do Marajó/Soure, 2016.
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Índice de desenvolvimento da educação básica: IDEB 2011. Brasília, df: Mec; Inep, 2011. Disponível em: < http://ideb.inep.gov.br>. Acesso em: 04 de julho de 2020.
BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna. Europa, 1500-1800. Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2006. p.13-49.
CASTELLS, M. O poder da identidade. 3a ed. São Paulo: Paz e terra, 1999.
CLAVER, Ronald. Escrever e brincar: oficina de produção de textos. Belo Horizonte: Dimensão, 1999.
COUTINHO, Afrânio. O ensino de literatura. Rio de Janeiro: A Noite, 1950.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2009.
CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Poesia na escola. São Paulo: Discubra, 1976.
CURY, Maria Zilda Ferreira. Intertextualidade: uma prática contraditória. Ensaios de Semiótica. Belo Horizonte: Imprensa Universitária da UFMG, 1982.
EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: Editora Unesp, 2005. (cap.1: pp. 9-50).
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
FAZENDA, I. C. A. (Org.). A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. Campinas: Papirus, 1995.
FAZENDA, I. C. A. (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. 7a edição. São Paulo: Cortez Editora, 2001.
FREHSE, Fraya. Crítica de Clifford Geertz. O saber local. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 41, n. 2 ,1998.
FREIRE, P. Carta de Paulo Freire aos professores. Estudos Avançados, v. 15, n. 42, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v15n42a13.pdf. Acesso em: 12/06/2020
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ática, 2003.
GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons, ritmos. 14.ed. rev. e amp. São Paulo: Ática, 2006.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11a edição. Rio de Janeiro: Dp&A, 2006. 62
JOSÉ, Elias. A poesia pede passagem: um guia para levar a poesia às escolas. São Paulo: Paulus, 2003.
KOCK, Ingedore Vilaça. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1992.
LAJOLO, Marisa. Poesia: uma frágil vítima de manuais escolares. Leitura: teoria e prática, Campinas: Associação de Leitura do Brasil, n. 4, p.19-25, dez. 1984.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura. Um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.
MAIA, Joaquim Domingues. Brincar com palavras. Manual do professor, v.3. São Paulo: Scipione, 2001.
MAUÉS, Ivone Gaia. Soure: Uma viagem na aldeia dos Mundis.. Belém: Marques Editora, 2012. (Coleção conheça o seu município- Soure-Pará, v.2)
MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: Editora E.P.U., 1986.
MEIRA, Cécil. Introdução ao estudo da literatura. 5a ed. Belém, Pa: Imprensa Oficial do Estado do Pará, 1988.
OSTROWER, Fayga. Acasos e criação artística. 8a ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Campus,1995.
PAES LOUREIRO, J. J. Cultura Amazônica – uma poética do imaginário. Belém: Cultural Brasil, 2015.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Menino temporão. In: PAULINO, Graça (Org.). O jogo do livro infantil: textos selecionados para formação de professores. Belo Horizonte: Dimensão, 1997.
SALLES, Cecília Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística. 3a ed. São Paulo: FAPESP, Annablume, 2007.
SALLES, Cecília Almeida. Redes de Criação: construção da obra de arte. Vinhedo: Editora Horizonte, 2006.
SORRENTI, Neusa. A poesia vai à escola: Reflexões, comentários e dicas de atividades. 2a ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
VIGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
ZIBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Global, 1989.
ZIBERMAN, Regina (Org.). Leitura em Crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção, Leitura. (1990). Trad. Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. 2a.ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
XIMENES, R. Marajó não é a Terra do já teve. Lílian Leitão. (Entrevista) Amazônia em outras palavras. 2005.
1Bíblia sagrada- 1 Coríntios 13:7
2Carlos Drumond de Andrade, em 1981, escreveu a crônica sobre o Marajó sem nunca ter vindo a região.
3Carlos Drumond de Andrade na crônica descreve Salvaterra e Soure, ilhas do arquipélago de Marajó.
4https://www.facebook.com/projetominhaspalavras