MIGRAINE AND SUICIDE RISK: A LITERATURE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202504292331
Cristina Carneiro da Cunha1
Resumo
A enxaqueca, uma condição neurológica debilitante de alta prevalência mundial, ultrapassa o impacto físico e atinge profundamente a esfera emocional dos pacientes. Estudos recentes demonstram uma associação significativa entre enxaqueca e aumento do risco de ideação suicida e tentativas de suicídio, especialmente em casos de enxaqueca com aura. Comorbidades psiquiátricas, uso excessivo de medicamentos e a elevada frequência das crises agravam essa vulnerabilidade. Esta revisão de literatura tem como objetivo analisar criticamente as evidências atuais acerca da relação entre enxaqueca e comportamento suicida, identificar fatores de risco específicos, explorar possíveis mecanismos neurobiológicos implicados e discutir estratégias preventivas e terapêuticas. A compreensão dessa interrelação é fundamental para a prática clínica, ampliando a perspectiva do manejo da enxaqueca além do controle da dor, incorporando uma abordagem integral voltada à saúde mental dos pacientes.
Palavras-chave: Enxaqueca; Ideação suicida; Comorbidades psiquiátricas; Saúde mental.
Abstract
Migraine, a highly prevalent and debilitating neurological condition worldwide, goes beyond physical impairment and profoundly affects the emotional sphere of patients. Recent studies have shown a significant association between migraine and increased risk of suicidal ideation and suicide attempts, especially in cases of migraine with aura. Psychiatric comorbidities, excessive use of abortive medications, and high frequency of migraine attacks exacerbate this vulnerability. This literature review aims to critically analyze current evidence on the relationship between migraine and suicidal behavior, identify specific risk factors, explore possible underlying neurobiological mechanisms, and discuss preventive and therapeutic strategies. Understanding this relationship is essential for clinical practice, broadening the management of migraine beyond pain control by incorporating a comprehensive approach to patients’ mental health.
Keywords: Migraine; Suicidal ideation; Psychiatric comorbidities; Mental health.
1. INTRODUÇÃO
A enxaqueca é uma condição neurológica crônica caracterizada por crises recorrentes de dor de cabeça intensa, frequentemente acompanhadas de sintomas como náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia. Estima-se que afete cerca de 15% da população mundial, sendo mais prevalente em mulheres e em indivíduos em idade produtiva. Além do impacto físico, a enxaqueca compromete significativamente a qualidade de vida, interferindo nas atividades diárias, no desempenho profissional e nas relações sociais.
Estudos recentes têm apontado uma associação preocupante entre enxaqueca e aumento do risco de ideação suicida e tentativas de suicídio. Uma meta-análise publicada em 2023 revelou que pacientes com enxaqueca apresentam um risco 33% maior de ideação suicida e 70% maior de tentativa de suicídio em comparação com indivíduos sem enxaqueca (WEI et al., 2023). Esse risco é ainda mais elevado em pacientes com enxaqueca com aura, sugerindo que esse subtipo pode representar um fator de risco adicional para comportamentos suicidas.
Além disso, uma revisão sistemática e meta-análise de 2023 demonstrou que pacientes com enxaqueca têm um risco 2,49 vezes maior de ideação e/ou tentativa de suicídio em comparação com controles saudáveis (GIAKAS et al., 2023). O risco de tentativa de suicídio foi mais de três vezes maior em pacientes com enxaqueca (OR: 3,47; IC 95%: 2,68-4,49), destacando a gravidade da associação entre enxaqueca e comportamentos suicidas.
Diante desses achados, é fundamental compreender os mecanismos subjacentes que ligam a enxaqueca ao aumento do risco de suicídio, bem como identificar fatores de risco e estratégias de intervenção eficazes.
2 OBJETIVO
Revisar a literatura científica atual sobre a relação entre enxaqueca e risco de suicídio, identificando fatores associados e sugerindo abordagens para o manejo clínico.
3 METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de revisão narrativa da literatura científica, cujo objetivo foi reunir, analisar e sintetizar as evidências disponíveis acerca da associação entre enxaqueca e o risco de comportamento suicida. A busca foi realizada nas bases de dados PubMed, Scopus, SciELO e Google Scholar, utilizando os descritores combinados: “migraine”, “suicide”, “suicidal ideation”, “mental health”, e suas correspondências em português (“enxaqueca”, “suicídio”, “ideação suicida”, “saúde mental”).
Foram incluídos artigos publicados no período de 2016 a 2025, em português e inglês, que abordassem a relação entre enxaqueca e suicídio, bem como revisões sistemáticas, metanálises e estudos observacionais relevantes. Foram excluídos estudos experimentais em animais, relatos de caso isolados e publicações que não abordavam diretamente a temática proposta.
A seleção dos estudos foi realizada mediante leitura do título, resumo e texto completo, de forma independente, priorizando os artigos que apresentassem maior rigor metodológico e relevância clínica. Os dados extraídos foram analisados de maneira descritiva e integrados à discussão, conforme pertinência temática.
4 DISCUSSÃO
As comorbidades psiquiátricas desempenham um papel significativo no aumento do risco de suicídio entre pacientes com enxaqueca. Estudos indicam que condições como depressão, ansiedade e distúrbios do sono são frequentemente associadas à enxaqueca, exacerbando o sofrimento psicológico dos pacientes e que essas comorbidades estão fortemente correlacionadas com um aumento na ideação suicida e nas tentativas de suicídio em indivíduos que sofrem de enxaqueca.
Uma meta-análise de 2023 revelou que indivíduos com enxaqueca apresentam um risco 33% maior de ideação suicida e 70% maior de tentativa de suicídio (WEI et al., 2023). Este risco é exacerbado em pacientes com enxaqueca com aura. A presença de comorbidades como depressão e ansiedade (MINEN et al., 2016), o uso excessivo de medicamentos abortivos e a alta frequência de crises são fatores que potencializam a vulnerabilidade ao comportamento suicida.
Pesquisa realizada pelo Migraine Trust identificou que 34% dos pacientes com enxaqueca relataram pensamentos suicidas, sendo que 89% tiveram impacto significativo na saúde mental (MIGRAINE TRUST, 2024). Indivíduos com enxaqueca crônica (mais de 15 dias de dor por mês) demonstram maior prevalência de ideação suicida.
Um estudo de coorte dinamarquês publicado em 2025 encontrou que o risco de tentativa de suicídio foi mais que o dobro em pessoas com cefaleia, mesmo em casos considerados leves, como cefaleia tensional (ELSER et al., 2025). Adicionalmente, o risco de suicídio consumado foi 40% maior nessa população, sugerindo a necessidade de triagem sistemática para sintomas depressivos em todos os pacientes com cefaleia.
A meta-análise publicada na Frontiers in Public Health, reforçou a forte associação entre enxaqueca e comportamento suicida, indicando um risco significativamente aumentado de ideação suicida e tentativas de suicídio em pacientes com enxaqueca, especialmente aqueles que apresentam aura (WEI et al., 2023). Esses achados reiteram a importância de uma abordagem multidisciplinar para a prevenção de desfechos fatais em portadores da doença.
O uso excessivo de medicamentos para tratar a enxaqueca pode levar à cefaleia por uso excessivo de medicação (MOH), condição que agrava a frequência e a intensidade das crises. Estudos indicam que pacientes com enxaqueca crônica e MOH têm maior propensão à ideação suicida e a tentativas de suicídio. Um estudo observou que pacientes com MOH apresentaram um risco aumentado de ideação suicida (OR 1,75; IC 95%: 1,20–2,56) e de tentativas de suicídio (OR 1,88; IC 95%: 1,09–3,24) em comparação com aqueles sem MOH (WANG et al. 2021).
5 CONCLUSÃO
A enxaqueca é uma condição neurológica que transcende o âmbito físico, impactando intensamente o bem-estar emocional e social dos indivíduos acometidos. A crescente quantidade de estudos relacionando a enxaqueca ao risco aumentado de ideação suicida e tentativas de suicídio evidencia a gravidade do tema e reforça a necessidade de uma abordagem clínica que vá além do controle da dor, atentando-se também à saúde mental dos pacientes.
Sendo assim, a enxaqueca deve ser considerada uma condição de risco para sofrimento psicológico grave, incluindo o suicídio. A avaliação de sintomas depressivos e de ideação suicida deve ser integrada à abordagem clínica de pacientes com enxaqueca. Além das evidências já consolidadas sobre a associação entre enxaqueca e risco de suicídio, destaca-se que fatores como a presença de comorbidades psiquiátricas, a ocorrência de enxaqueca com aura, o uso excessivo de medicamentos e a alta frequência das crises representam elementos adicionais que amplificam a fragilidade dos pacientes. A identificação precoce desses fatores de risco é essencial para a implementação de estratégias de prevenção do suicídio, exigindo uma abordagem clínica abrangente que integre avaliação neurológica, psiquiátrica e comportamental no manejo da enxaqueca.
Assim, compreender a relação entre enxaqueca e comportamento suicida é fundamental para a prática clínica contemporânea, permitindo intervenções mais amplas e eficazes. Investir em medidas preventivas e de apoio psicológico pode reduzir significativamente o sofrimento desses pacientes e evitar desfechos trágicos, reafirmando a importância de considerar a enxaqueca como uma doença que afeta profundamente a saúde integral do indivíduo.
REFERÊNCIAS
ELSER, H. et al. Risk of attempted and completed suicide in persons diagnosed with headache. JAMA Neurology, Chicago, v. 82, n. 3, p. 234–241, 2025. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jamaneurology/fullarticle/2829961. Acesso em: 12 abr. 2025.
GIAKAS, A. et al. Risks of suicide in migraine, non-migraine headache, back, and neck pain: a systematic review and meta-analysis. Frontiers in Neurology, v. 14, 1160204, 2023. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fneur.2023.1160204/full. Acesso em: 16 abr. 2025.
MIGRAINE TRUST. New research reveals devastating impact of living with migraine, yet condition still not taken seriously. The Migraine Trust, London, 23 set. 2024. Disponível em: https://migrainetrust.org/research-devastating-impact-of-migraine/. Acesso em: 16 abr. 2025.
MINEN, M. T. et al. Migraine and its psychiatric comorbidities. Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry, v. 87, n. 7, p. 741-749, 2016. Disponível em: https://jnnp.bmj.com/content/87/7/741. Acesso em: 18 abr. 2025.
WANG, Y.-F. et al. Associação entre riscos de suicídio e cefaleia por uso excessivo de medicamentos na enxaqueca crônica: um estudo transversal. The Journal of Headache and Pain, v. 22, n. 1, art. 36, 2021. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8112025/. Acesso em: 20 abr. 2025.
WEI, H. et al. Associations of migraines with suicide ideation or attempts: a meta-analysis. Frontiers in Public Health, Lausanne, v. 11, art. 1140682, 2023. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpubh.2023.1140682/full. Acesso em: 12 abr. 2025.
1 Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto de Educação Médica (IDOMED) – Faculdade Estácio de Sá, Campus Juazeiro – Bahia, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0002-5234-4545. E-mail: cristinacarneiro89@hotmail.com.