ENTENDIMENTO DE FUNÇÕES CEREBRAIS PARA O ENSINO DE ARTES A CRIANÇAS NEURODIVERGENTES

UNDERSTANDING BRAIN FUNCTIONS FOR TEACHING ARTS TO NEURODIVERGENT CHILDREN

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202408141818


Maria Eduarda Soares Costa1


RESUMO 

Desde os primórdios da humanidade, a arte tem sido um meio de expressão emocional e comunicação crucial para o desenvolvimento. Por isso, a interseção entre arte, neurodiversidade e a educação, são evidenciadas como objetivo para a adaptação do ensino dessas artes para atender crianças neurodivergentes. O ensino artístico, deve priorizar a expressão livre e o desenvolvimento das habilidades motoras e cognitivas, promovendo um ambiente inclusivo e estimulante. O conceito de neuroplasticidade é central para a discussão, sugerindo que o cérebro é capaz de se modificar e adaptar-se em resposta a experiências, especialmente através da prática artística. A neuroplasticidade envolve mudanças nas configurações das sinapses e neurônios, que são essenciais para a aprendizagem e formação de memórias. Em suma, esse artigo propõe um modelo de ensino de artes que não apenas ensine técnicas artísticas, mas também como utilizar a arte como um poderoso meio para promover a inclusão, a expressão emocional e a aprendizagem significativa para crianças neurodivergentes, ressaltando a necessidade de um entendimento profundo das funções cerebrais no contexto educacional.

Palavras-chave: Artes; Educação; Cérebro; Crianças Neurodivergentes; Inclusão.

ABSTRACT

Since the dawn of humanity, art has been a crucial means of emotional expression and communication for development. For this reason, the intersection between art, neurodiversity and education is highlighted as an objective for adapting the teaching of these arts to suit neurodivergent children. Art teaching should prioritize free expression and the development of motor and cognitive skills, promoting an inclusive and stimulating environment. The concept of neuroplasticity is central to the discussion, suggesting that the brain is capable of changing and adapting in response to experiences, especially through artistic practice. Neuroplasticity involves changes in the configurations of synapses and neurons, which are essential for learning and the formation of memories. In summary, this article proposes an arts education model that not only teaches artistic techniques, but also how to use art as a powerful medium to promote inclusion, emotional expression and meaningful learning for neurodivergent children, highlighting the need for a deep understanding of brain functions in the educational context. 

Keywords: Arts; Education; Brain; Neurodivergent Children; Inclusion.

1. INTRODUÇÃO 

Nas paredes de diversas cavernas ao redor do mundo, encontram-se desenhos que refletem o estilo de vida dos seres humanos da época pré-histórica, evidenciando a estreita ligação entre a arte e a humanidade, indicando assim que a origem da arte está intrinsecamente ligada à própria existência do homem. No Brasil, os nativos também deixaram registros que incluíam figuras de animais, armas, objetos do cotidiano, rituais, vegetais e cenas de caça, proporcionando um vislumbre de seus pensamentos, hábitos, costumes e cultura. Com a chegada dos portugueses ao Brasil, os jesuítas tinham como objetivo catequizar e pacificar os povos indígenas, enquanto D. João VI, em 1816, trouxe a missão Artística Francesa para fundar a academia de belas artes, um marco histórico no ensino da arte no país.

Atualmente, a arte ainda desempenha o papel de representar o ser humano e comunicar suas emoções, mesmo aquelas que são difíceis de serem expressas verbalmente. Isso é especialmente relevante durante o período de aprendizado na infância, onde as crianças estão descobrindo como se expressar e interagir com o meio em que ocupam. Hodiernamente, as escolas estão recebendo um número cada vez maior de crianças neurodivergentes, entretanto, mesmo com a ampla disponibilidade de informações sobre esses transtornos, muitas escolas ainda não estão preparadas para receber alunos diagnosticados, o que resulta em falta de adaptação de recursos de ensino-aprendizagem e compreensão dos comportamentos desses estudantes. Como consequência, os alunos enfrentam dificuldades em seguir regras, se adaptar ao ambiente escolar e socializar, visto que a escola é muitas vezes o primeiro ambiente em que estão longe de seus familiares. Diante desse cenário, é um grande desafio para os educadores saberem quais metodologias utilizar para desenvolver e superar as dificuldades dos estudantes, tanto no âmbito conteudista quanto no quesito de interação.

A arte desempenha um papel fundamental na formação integral dos estudantes, estimulando a criatividade, a sensibilidade e o pensamento crítico. Através dela, os alunos têm a oportunidade de expressar suas emoções e ideias, além de desenvolver habilidades motoras e cognitivas. Além disso, o contato com diferentes formas de expressão artística contribui para o desenvolvimento da autoestima e da empatia, promovendo um ambiente de aprendizagem mais inclusivo e colaborativo. Por isso, é essencial que a arte seja valorizada e incentivada nas escolas, garantindo que todos os estudantes tenham acesso a uma educação mais rica e plural.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Existem crianças com necessidades especiais, entretanto, o universo de crianças normais que são transformadas em doentes, por uma visão de mundo medicalizada, da sociedade em geral e da instituição escolar, em particular, é tão grande que tem impedido de identificar e atender adequadamente as crianças que realmente precisam de uma atenção especializada, seja em termos educacionais, ou de saúde. O processo de patologização é duplamente perverso: rótula de doentes crianças normais e, por outro lado, ocupa com tal intensidade os espaços, de discursos, propostas, atendimentos e até preocupações, que desaloja desses espaços àquelas crianças que deveriam ser os seus legítimos ocupantes, expropriadas de seu lugar, permanecendo à margem das ações concretas das políticas públicas (COLLARES E MOYSÉS, 1996, pag. 4).

Posto isso, é imprescindível que exista o entendimento e formação continuada de professores para que possam compreender e lidar adequadamente com os diferentes transtornos e dificuldades de aprendizagem que seus alunos possam apresentar. Vale salientar que, o Transtorno de aprendizagem é relacionado a questões patológicas que comprometem processos neurológicos e perturbações das estruturas mentais, essas falhas na organização neuroquímica cerebral podem ser pertinentes a leitura, escrita ou matemática. Em contrapartida, as dificuldades de aprendizagem podem ser descritas como uma defasagem de maneira mais abrangente, relacionada à aquisição de uma ou mais competências que em alguns casos podem ser diminuídas através de tratamentos ou terapias. 

O ensino de arte para alunos com necessidades educacionais especiais não tem a intenção de formar artistas, mas visa criar e proporcionar condições para o acesso às diversas linguagens artísticas, ao conhecimento estético e artístico sobre e a partir de técnicas de produção artística, de forma a permitir o desenvolvimento dos alunos e potencializar suas habilidades (Cavalheiro & Fernandes, 2016).

Diante disso, o aprimoramento artístico requer a presença de uma equipe educacional, que conduza atividades envolvendo músicas, desenhos e danças de maneira livre e espontânea. Dessa forma, os alunos têm a oportunidade de expressar seus sentimentos, interagir com a equipe e se familiarizar com as orientações, facilitando a realização das atividades. As aulas de arte devem ser momentos de liberdade, nos quais os alunos podem se expressar sem a pressão de alcançar um resultado específico e através desse ensino para crianças neurodivergentes, é possível trabalhar a Neuroplasticidade cerebral.

2.1 NEUROPLASTICIDADE CEREBRAL

A Neuroplasticidade é algo de extrema relevância para a Neuroeducação, dado que é a capacidade de modificação e adaptação do Sistema Nervoso Central, por meio de atividades neuronais, alterando assim as propriedades fisiológicas em respostas às alterações do ambiente que podem ser influenciados por fatores internos e externos, por meio do aprendizado constante. Podem ser divididas em:

Em resumo a Neuroplasticidade é quando os neurônios fazem conexão com outros que não foram estabelecidos por eles, gerando dessa forma novos aprendizados, memórias, recebimento e transmissão de informações através das sinapses. 

2.2 SINAPSES

As Sinapses são regiões de aproximação entre um neurônio e outro, é o espaço através dos quais o estímulo é transmitido, fazendo com que duas células se conectem e gerem uma comunicação e conexão. É através da sinapse que os neurônios se comunicam para coordenar movimentos, percepções sensoriais, aprendizados e memória, elas são estruturas extremamente complexas que se modificam de acordo com o uso, tornando-se mais ou menos sensíveis aos estímulos de acordo com a experiência vivida. 

Nos primeiros anos de vida acontece a Sinaptogênese e são formadas 40 mil sinapses por segundo, ligadas principalmente ao comportamento motor e visual. Pesquisas mostram que em mulheres essa sinapse é mais intensa (por isso, em alguns casos tem-se a ideia de que as mulheres amadurecem mais “rápidos” que os homens). No estágio operatório-concreto (de 7 a 12 anos), acontece o processo de refinamento e poda sináptica, é quando o cérebro corta as sinapses mais “fracas” ou de “menor relevância” e fortalece as mais “fortes” ou “informações mais relevantes”.

Durante o sono acontece a consolidação da memória, nela o cérebro transforma as memórias de curto prazo para as de longo prazo. E nesse processo acontece o ciclo de ondas lentas, que são “ensaios” de repetição que o encéfalo faz com acontecimentos, pois ele entende que aqueles episódios foram importantes para você, logo ocorre um aprimoramento de até 20% nessas habilidades. Os seres humanos possuem mais de 100 bilhões de Neurônios, mas apenas 1 bilhão têm a função de armazenamento de recordações antigas, através das células piramidais. Outrora, tinha-se a ideia de que depois de uma certa idade os Neurônios não se desenvolviam mais, entretanto, isso é um mito, visto que se obtiverem os estímulos corretos eles irão sempre realizar novas sinapses e consequentemente adquirir novos aprendizados ou habilidades motoras. 

2.3 NEURÔNIOS 

São células neuronais fundamentais presentes no Sistema Nervoso Central, exibem como principal função a transmissão dos impulsos nervosos ao cérebro, comunicando-se através de sinais elétricos e químicos que operam em conjunto.

Os bilhões de células no cérebro estão conectados de forma a permitir um grande repertório de respostas comportamentais, desde a execução de padrões básicos de movimento até na elaborada tarefa de improvisar um longo discurso. Para que os circuitos cerebrais controlassem essa diversidade de respostas, foram necessárias a proliferação e a diferenciação de progenitores no embrião em uma diversidade de neurônios (de Melo Reis, R. A., Bevilaqua, M. C., & Schitine, C. S. Plasticidade sináptica como substrato da cognição neural. neuro, 156).

Assim sendo, os Neurônios são responsáveis pela produção de atividades, como o pensamento, sentimentos, emoções, movimentos e outras funções das mais simples às mais complexas, divididas em:

Durante o processo de ensino-aprendizagem, os neurônios se conectam uns aos outros através das sinapses, formando redes neurais que permitem a assimilação e retenção de novos fundamentos, portanto os neurônios são peças-chave para o conhecimento, pois são responsáveis por processar, armazenar e criar conexões que permitem a assimilação de novas compreensões e o desenvolvimento intelectual. Em resumo, quanto mais neurônios e sinapses forem ativados durante o processo de aquisição, mais forte será a memória e a aprendizagem. 

2.4 MEMÓRIA E APRENDIZAGEM

A construção da memória ocorre por meio de processos cognitivos e biológicos, trata-se da capacidade de conservação e armazenamento de informações, além da reconstrução parcial de uma experiência vivida. A recordação dessa realidade não é em si a própria realidade, visto que as memórias podem ser consideradas como múltiplas versões de uma mesma história que podem ser modificadas a cada vez que são evocadas e recuperadas por meio das lembranças através do psiquismo, posto isso as memórias não estão localizadas em uma única parte do cérebro, cada tipo de memória recruta áreas diferentes.

Um dos principais responsáveis por esse processo é o Hipocampo, que desempenha um papel crítico na formação, organização e armazenamento de novas memórias, além de conectar certas sensações e emoções a esse processo. Ademais, desempenha um papel na consolidação de memórias durante o sono, transformando memórias de curto prazo em memórias de longo prazo, a solidificação da memória ocorre por meio dos estágios de:

A aprendizagem como a formação da memória, se produz em trocas de padrões de conectividade entre os neurônios e cada estímulo percebido pelo Sistema Nervoso Central é convertido em impulso elétrico que recorre aos neurônios e gera informação. A memória e a aprendizagem ocorrem por meio da associação, o cérebro só armazena aquilo que faz sentido e tudo que é aprendido precisa necessariamente ser relacionado com algo que já foi visto antes de alguma forma e isso favorece a memorização. A aprendizagem se define como um processo pelo qual é adquirido conhecimentos sobre o mundo quando se associa um material novo com uma estrutura cognitiva já pré estabelecida.

A modulação da memória e aprendizado é dependente do contingente genético de cada um, sendo fatores intrínsecos ou extrínsecos. Por isso, diversos aspectos emocionais tanto positivos quanto negativos podem modular essas recordações, lembranças negativas ou traumáticas tendem a serem recordadas com mais facilidade e maior veracidade dos fatos, enquanto as positivas apresentam melhora na memória associativa facilitando o processo de reconhecimento e recordação, e consequentemente essas memórias emocionais estão diretamente ligadas ao sistema límbico. 

2.5 SISTEMA LÍMBICO

As emoções fazem parte da evolução da espécie humana e, obviamente, constituem parte fundamental da aprendizagem humana. Sem dispor de funções de autorregulação emocional, a história da Humanidade seria um caos e a aprendizagem um drama indescritível, as emoções tomariam conta das funções cognitivas e os seres humanos só saberiam agir de forma impulsiva, excitável, eufórica, episódica e desplanificada. Eis então a razão de o porquê o cérebro humano integra inúmeros e complexos processos neuronais de produção e de regulação das respostas emocionais (de Carvalho, C. G., Junior, D. J. C., & de Souza, G. A. D. B. 2019).

Também conhecido como cérebro emocional, o sistema límbico é denominado como um conjunto de estruturas localizado no cérebro, abaixo do córtex, sendo responsável por todas as respostas emocionais como: comportamento humano, traços da personalidade, pensamentos e memória, assim como a reação aos estímulos externos. É uma região constituída de neurônios e células que formam uma massa cinzenta denominada de lobo límbico, que é segmentada em:

Essa interconexão entre sistema límbico e o ensino de artes sugere que atividades artísticas, que envolvam a expressão e a percepção emocional, podem ter um impacto significativo no funcionamento desse sistema. Quando as crianças se envolvem em atividades artísticas, seja na música, na dança, no teatro ou nas artes visuais, elas têm a oportunidade de explorar e expressar suas emoções. Essa prática não só alimenta a criatividade, mas também promove a autorreflexão e a empatia, a arte fornece uma forma segura para que os indivíduos lidem com sentimentos complexos, permitindo-lhes processar suas experiências de forma mais saudável. Ademais, as conexões sinápticas favorecidas pelas experiências estéticas reforçam a capacidade de aplicação do conhecimento em diferentes contextos.

3. CONCLUSÃO

Ao reimaginar a educação artística sob a ótica da neurodiversidade e da neuroplasticidade, estamos não apenas permitindo que crianças expressem suas singularidades, mas também contribuindo para a construção de uma sociedade mais inclusiva e empática. A arte, enquanto facilitadora de conexões emocionais e cognitivas, desempenha um papel indispensável na formação de cidadãos que valorizam a diversidade e a inclusão em todas as suas dimensões. A transformação desejada começa nas escolas, em espaços de criatividade e acolhimento, onde todos, independentemente de suas diferenças, possam florescer e se desenvolver plenamente. A adoção de metodologias que respeitem e incentivem a expressão livre nas aulas de arte podem ser fundamentais para que crianças neurodivergentes se sintam acolhidas e motivadas. Isso não apenas transforma a sala de aula em um ambiente onde todos têm a oportunidade de brilhar, mas também promove habilidades motoras e cognitivas que são cruciais para o desenvolvimento integral do indivíduo. 

Por fim, vale ressaltar a necessidade de formação contínua dos professores, que devem ser capacitados para entender e atender adequadamente à diversidade presente nas salas de aula. A formação deve incluir aspectos que vão além das técnicas artísticas, aprofundando-se em temas relacionados à neurociência e à importância da saúde emocional. Um olhar sensível e inclusivo pode fazer toda a diferença na trajetória educativa de crianças, a arte, então, deve se tornar uma ponte para a inclusão e a empatia, facilitando a interação entre estudantes de diferentes perfis e criando um espaço onde cada um pode expressar suas emoções e experiências.

4. REFERÊNCIAS 

CAVALHEIRO, Juliana Moreno; FERNANDES, Vera Lucia Penzo. O ENSINO DE ARTES VISUAIS PARA ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES E SUPERDOTAÇÃO. Revista Educação, Artes e Inclusão, Florianópolis, v. 12, n. 2, p. 49–72, 2016. DOI: 10.5965/1984317812022016049. Disponível em: https://www.revistas.udesc.br/index.php/arteinclusao/article/view/7885. Acesso em: 1 ago. 2024.

COÊLHO, Marilia Lira da Silveira; RÊGO, Gabriel Gaudencio do (org.). Neurociências. 1. ed. Revisada. Salvador, BA: Editora Sanar, 2024.

COLLARES, C. A. L.; MOYSÉS, M. A. A. Preconceitos no Cotidiano Escolar – Ensino e Medicalização. São Paulo: Editora Cortez, 1996.

DE CARVALHO, Clecilene Gomes; JUNIOR, Dejanir José Campos; DE SOUZA, Gleicione Aparecida Dias Bagne. Neurociência: uma abordagem sobre as emoções e o processo de aprendizagem. Revista da Universidade Vale do Rio Verde, v. 17, n. 1, 2019.

De Melo Reis, R. A., Bevilaqua, M. C., & Schitine, C. S. Plasticidade sináptica como substrato da cognição neural. neuro, 156.


1COSTA, Maria Eduarda Soares. Graduada em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade do Distrito Federal- UDF; Graduanda em Pedagogia pela Universidade do Distrito Federal- UDF; Pós-graduanda em Neuropsicopedagogia Clínica e Institucional pelo Centro Universitário Internacional- Uninter; Pós-graduanda em Alfabetização e Letramento pelo Centro Universitário Internacional- Uninter.