REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10056505
Priscila Castro Cordeiro Fernandes
Ana Barbara Ribeiro Snichelotto
Karina Martins da Silva Mascarenhas
Michelle Beatriz Barreira Leão
Moara Ludmila Rosa Lima
Alessandra Ferreira Mendes Jiticovski
Ana Cristina Soares Ferreira
Jayna Epaminondas Rodrigues
Gerusa Tomaz Faria
Mario Angelo Cenedesi Junior
RESUMO
Hepatites virais, particularmente a hepatite C, representam um sério desafio à saúde pública, caracterizadas por altas taxas de mortalidade. O vírus da hepatite C foi identificado nos anos 1980, sendo uma das cinco principais hepatites virais, juntamente com A, B, D e E. Seu histórico epidemiológico no Brasil revela flutuações com uma queda em 2019. A atuação do enfermeiro na atenção primária desempenha um papel fundamental no controle da hepatite C. Isso inclui a realização de Testes Rápidos para Hepatite C como parte das ações de prevenção e educação em saúde. Os enfermeiros desempenham um papel importante na triagem de pacientes de alto risco, oferecendo aconselhamento pré e pós-teste, bem como encaminhando os casos positivos para tratamento especializado. A pandemia de COVID-19 impactou as metas de testagem para hepatite C estabelecidas pelo Ministério da Saúde, afetando o diagnóstico e o tratamento. No entanto, a colaboração e o empenho dos profissionais de saúde, em especial dos enfermeiros na atenção primária, continuam sendo essenciais para alcançar as metas de redução da mortalidade associada à hepatite C no Brasil até 2030. Em suma, a hepatite C permanece um desafio complexo, mas a atuação proativa dos enfermeiros na atenção primária desempenha um papel crucial na promoção da saúde, no diagnóstico precoce e no encaminhamento adequado dos pacientes. À medida que o país busca eliminar a hepatite C, a colaboração entre profissionais de saúde e a conscientização da população são fundamentais para combater esse problema de saúde pública.
Palavras-chave: Hepatite C, enfermeiros, Atenção Primária à Saúde.
INTRODUÇÃO
As hepatites virais consistem em doenças infecciosas, e representam um importante problema de saúde pública devido à sua elevada taxa de mortalidade, com uma prevalência do sexo masculino com faixa etária de 40 a 59 anos (BRASIL, 2019c). Dentre as hepatites virais, destaca-se a hepatite C (HCV), que pela gravidade é a causa mais comum de indicação de transplante de fígado. Esta doença se desenvolve lentamente em comparação aos outros tipos de hepatites virais, porém, com altas taxas de cronicidade, o que pode a tornar fatal (PERLIN et al., 2019). São identificados cinco patógenos das hepatites virais, sendo hepatite A (HAV), hepatite B (HBV), hepatite C (HCV), hepatite D (HDV) e hepatite E (HEV). O vírus da hepatite B, hepatite C e o vírus da hepatite delta podem causar cirrose aguda, crônica e carcinoma hepatocelular e os vírus da hepatite A e hepatite E causam doença hepática autolimitada. Na maioria dos casos, a hepatite C se manifesta como infecção crônica no fígado, nesses casos a infecção progride devido à exposição ao vírus sem tratamento específico (RIBAS et al., 2018a).
Epidemiologia e histórico da doença
A hepatite C foi considerada uma doença sem causa por muito tempo, sendo reconhecida na década de 1980, quando Choo e colaboradores classificaram o HCV na família Flaviviridae e no gênero Hepatitis virus (RIBAS et al., 2018b). Nos dias atuais, as hepatites virais pertencem às seguintes famílias, HAV da Picornaviridae, HBV da Hepadnaviridae, HCV da Flaviviridae, HDV da Deltaviridae e HEV da Hepeviridae e as formas de disseminação variam de acordo com o subtipo (TIMÓTEO et al., 2020).
Em 2016, obteve-se o maior número de notificações de infectados com o HCV, com prevalência de 12,08%, já em 2019 houve uma queda considerável, com prevalência de 7,93% na população brasileira em geral. Em meio a isso tivemos a prevalência variável de em 2010 de 8,71%, 2011 de 9,92%, 2012 de 9,56%, 2013 de 10,08%, 2014 de 9,56%, 2015 de 11,05%, 2017 de 9,59% e 2018 de 10,88% (DE CASTRO e DE SOUSA, 2023, p.1021).
O Brasil notificou 279.872 casos de hepatite C, entre 2000 a 2021. Desses 279.872 casos confirmados de hepatite C desde 2000, 160.931 (57,5%) eram do sexo masculino, e 22,7% da proporção de casos notificados de Hepatite C está na faixa etária acima de 60 anos (BRASIL, 2022).
Segundo Coutinho, 2021, considerando a Pandemia do COVID19 em 2021, o Ministério da Saúde estabeleceu metas de testagem para 2020 de 15.384.000 pessoas na população geral, com 40.000 novos diagnósticos por ano e 50.000 pessoas tratadas por ano, para assim reduzir em 65% da mortalidade associada a Hepatite C no Brasil, até 2030 (BRASIL, 2018– Plano de Eliminação), porém, estudos apontam que a pandemia do COVID19 influenciou na testagem e diagnósticos de hepatites, o que também afeta no tratamento e indicadores para medir a incidência de morte no período (BRIANNA, 2023).
Transmissão e diagnóstico
A principal via de transmissão do vírus da hepatite C é por via parenteral, portanto, especialmente antes de 1994 os usuários de drogas injetáveis, hemofílicos, pacientes em hemodiálise, profissionais de saúde que sofreram algum acidente biológico e indivíduos que receberam transfusões de sangue foram os principais infectados. O compartilhamento de itens de higiene pessoal, lâminas de barbear, escovas de dente e utensílios de pedicure/manicure; procedimentos estéticos e culturais, como tatuagens, piercings e acupuntura; e procedimentos odontológicos também se caracterizam como de risco de transmissão (TIROLI et al., 2021). Importante destacar que a transmissão sexual ocorre principalmente entre pessoas com múltiplos parceiros sexuais, relações sexuais desprotegidas e infecções sexualmente transmissíveis (IST) coexistentes. O HCV também pode ser transmitido verticalmente, o que está relacionado com alta carga viral materna, trabalho de parto prolongado e coinfecção HCV/HIV (OLIVEIRA et al.,2018).
Tratamento e prevenção
O principal objetivo do tratamento da hepatite C é alcançar o que é chamado de resposta virológica sustentada (RVS). Prevenir a progressão da cirrose e do carcinoma hepatocelular (CHC) e melhorar ainda mais a qualidade e a esperança de vida dos indivíduos infectados (PEREIRA, 2019a). As primeiras terapias prescritas baseiam-se nas formas de interferon, convencional e peguilhado. A adição de ribavirina (um medicamento antiviral) aumenta a chance de cura, dependendo do genótipo.O tratamento peg-IFN + RBV, podem ocorrer reações adversas como depressão, reações autoimunes, sintomas semelhantes aos da gripe e disfunção sanguínea (BRASIL, 2019a).
Os tratamentos podem variar com o tipo da infecção e condições clínicas: Hepatite aguda: em caso de não acontecer a redução da carga viral em 2log10 a terapia deve ser introduzida imediatamente. Caso ocorra essa redução em 2log10, a avaliação deve ser feita na 12ª semana antes de iniciar o tratamento. Hepatite crônica: O PCDT estabelece que o tratamento dos casos de hepatite C crônica deve ser baseado no tipo de genótipo determinado por testes de genotipagem e, no caso de cirrose, deve se identificar compensada ou descompensada. (PEREIRA, 2019b).
Todos os pacientes devem realizar hemograma, testes de creatinina e testes de função hepática no início do tratamento, e devem repetir esses testes durante o tratamento sempre que clinicamente indicado (BRASIL, 2019b).
A atuação do enfermeiro na atenção primária e a realização do Teste Rápido para Hepatite C
A Atenção Primária à Saúde (APS) visa a promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) são porta de entrada do Sistema Unico de Saúde (SUS) e tem ampliado suas ações ao longo do tempo. O enfermeiro enquanto coordenador da equipe multiprofissional consegue delegar funções e apoiar as ações de saúde no territorio pre-definido. Um dos representantes das ações realizadas na APS no que tange o controle e a prevenção de casos de Infecções Sexualmente Transmissiveis (ISTs) no Brasil é a realização do teste rápido para ISTs. Trata-se de um teste de fácil manejo, realizado por profissional com curso especifico, e capacitado para orientações (DE ALMEIDA, 2023).
Os testes rápidos para ISTs abrangem atualmente quatro infecções principais: Hepatite C, Hepatite B, Sifilis e HIV. Sendo de notificação compulsoria a Sifilis congenita, as Hepatites virais e o HIV. A realização do Teste Rápido para Hepatite C é uma das atividades importantes dentro desse contexto. Ações como esta estimulam a população quanto aos cuidados de prevenção e tratamento, com a educação em saúde, além de também alertar a equipe (SANCHES, 2021).
Os enfermeiros podem realizar triagens de risco para hepatite C durante as consultas de rotina ou em ações específicas; é indicado pelo Ministério da Saúde a realização dos testes na abertura de pré-natal e sempre que for indicado por profissional capacitado. Esse teste é relativamente simples e fornece resultados rápidos, o que é importante para o diagnóstico precoce e a intervenção, além disso, o profissional fornece aconselhamento pré-teste, explicando o procedimento, seus resultados e os possíveis desdobramentos e no pós-teste, ajudam os pacientes a compreender os resultados e a tomar medidas apropriadas com base neles, realizando encaminhamento para tratamento específico quando necessário (ARAÚJO, 2020)
Em caso de não possuir o teste rápido disponível, o profissional enfermeiro pode, por protocolo preconizado pelo Ministério da Saúde, solicitar a sorologia por coleta de sangue em laboratório, tendo também a responsabilidade de leitura, avaliação e interpretação dos resultados. Importante salientar que o enfermeiro é o profissional que realiza acolhimento, consultas de enfermagem, grupos operativos, visitas domiciliares, dentre outros na atenção primária, o que permite a proximidade com a população de risco, com o vínculo maior, porém, é importante declarar que todos os profissionais que compõe a equipe de APS tem igual responsabilidade quanto às orientações aos pacientes, independente do grau des escolaridade, podendo indicar, por exemplo, o agendamento ou avaliação por profissional específico (NASSOR, 2021).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do contexto de hepatites virais, com foco especial na hepatite C, torna-se evidente que essa doença infecciosa representa um desafio significativo para a saúde pública. Com uma alta taxa de mortalidade é uma condição de extrema gravidade, frequentemente levando à necessidade de transplantes de fígado. A epidemiologia da hepatite C no Brasil demonstra uma dinâmica complexa ao longo dos anos, com variações na prevalência.
A pandemia de COVID-19 impôs desafios adicionais à testagem e diagnóstico das hepatites, potencialmente afetando a obtenção de metas estabelecidas para reduzir a mortalidade associada à hepatite C no Brasil. No entanto, a atuação proativa dos enfermeiros na atenção primária tem desempenhado um papel crucial nesse contexto, através da realização do Teste Rápido para Hepatite C, do aconselhamento pré e pós-teste e da identificação de grupos de risco, esses profissionais desempenham um papel essencial na promoção da saúde e na prevenção da disseminação da doença.
A luta contra a hepatite C no Brasil é multifacetada e desafiadora, mas a atuação dos enfermeiros na atenção primária desempenha um papel crucial na promoção da saúde, no diagnóstico precoce e no encaminhamento adequado dos pacientes.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Túlio César Vieira de; SOUZA, Marize Barros de. Adesão das equipes aos testes rápidos no pré-natal e administração da penicilina benzatina na atenção primária. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 54, p. e03645, 2020.
BRASIL. Boletim Epidemiológico Hepatites Virais. Ministério da Saúde Brasília. 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2022/boletim-epidemiologico-de-hepatites-virais-2022-numero-especial>. Acesso em: 24 set. 2023.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Plano para eliminação da Hepatite C no Brasil. 2018. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2019/plano-para-eliminacao-da-hepatite-c-no-brasil.
BRASIL. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite C e Coinfecções. Ministério da Saúde Brasília. 2019a. Disponível em: <http://antigo.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-hepatite-c-e-coinfeccoes>. Acesso em: 24 set. 2023.
BRASIL. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite C e Coinfecções. Ministério da Saúde Brasília. 2019b. Disponível em: <http://antigo.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-hepatite-c-e-coinfeccoes>. Acesso em: 24 set. 2023.
BRASIL. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite C e Coinfecções. Ministério da Saúde Brasília. 2019c. Disponível em: <http://antigo.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-hepatite-c-e-coinfeccoes>. Acesso em: 24 set. 2023.
BRIANA, Janete et al. COVID E HEPATITES VIRAIS NA TRANSAMAZÔNIA: UM MAPEAMENTO DA RELAÇÃO DOS EFEITOS DA COVID EM PACIENTES PORTADORES DE HEPATITE BEC, ATENDIDOS EM UM HOSPITAL REGIONAL DO XINGU, AMAZÔNIA BRASILEIRA. RECIMA21-Revista Científica Multidisciplinar-ISSN 2675-6218, v. 4, n. 9, p. e493868-e493868, 2023.
COUTINHO, Carolina; BASTOS, Francisco Inacio; FONSECA, Elize Massard da; SHADLEN, Ken. Hepatite C no Brasil: Panorama atual e desafios em face à pandemia de COVID-19. São Paulo, 10 de fevereiro de 2021.
DE ALMEIDA SILVA, Lívia Rafaella et al. ATUAÇÃO DA ENFERMAGEM NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE FRENTE A PREVENÇÃO E DETECÇÃO DE HEPATITES VIRAIS: PERCEPÇÕES E VIVÊNCIAS DE ACADÊMICAS DO CURSO. REVISTA ELETRÔNICA EXTENSÃO EM DEBATE, v. 12, n. 14, 2023.
DE CASTRO, Lívia Maria Araújo Marques; DE SOUSA, Girley Cordeiro. ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO DA PREVALÊNCIA E LETALIDADE DOS CASOS DE HEPATITE C OCORRIDAS NO BRASIL: 2010-2019. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 9, n. 2, p. 1018-1026, 2023.
NASSOR, Tatiana Lara de Lima. Descentralização do teste rápido de HIV, Sífilis e Hepatites B e C para a atenção primária, no município de Patos de Minas, Minas Gerais: um relato de experiência. 2021.
OLIVEIRA, Thaysa Johanne Borges et al. Perfil epidemiológico dos casos de hepatite C em um hospital de referência em doenças infectocontagiosas no estado de Goiás, Brasil. Revista Pan-Amazônica de Saúde, v. 9, n. 1, p. 51-57, 2018.
PEREIRA, Leonardo Ramos et al. Passado, presente e futuro do tratamento da Hepatite C: Uma revisão da literatura. 2019a.
PEREIRA, Leonardo Ramos et al. Passado, presente e futuro do tratamento da Hepatite C: Uma revisão da literatura. 2019b.
PERLIN, Cássio Marques et al. Hepatite C: revisão dos medicamentos utilizados no tratamento. Revista de Medicina, v. 98, n. 5, p. 341-348, 2019.
RIBAS, João Luiz Coelho et al. Hepatite c: uma abordagem educacional na promoção de saúde. Revista Saúde e Desenvolvimento, v. 12, n. 10, p. 6-17, 2018a.
RIBAS, João Luiz Coelho et al. Hepatite c: uma abordagem educacional na promoção de saúde. Revista Saúde e Desenvolvimento, v. 12, n. 10, p. 6-17, 2018b.
SANCHES, Fabricio Abreu. Atuação do enfermeiro frente a realização dos testes rápidos para IST: uma revisão narrativa. 2021..
TIMÓTEO, Maria Vitória Fernandes et al. Perfil epidemiológico das hepatites virais no Brasil. Research, Society and Development, v. 9, n. 6, p. e29963231-e29963231, 2020.
TIROLI, Carla Fernanda et al. Associação entre as características sociodemográficas e os tipos de exposição em portadores da Hepatite C. Research, Society and Development, v. 10, n. 1, p. e34110111869-e34110111869, 2021.TIROLI, Carla Fernanda et al. Associação entre as características sociodemográficas e os tipos de exposição em portadores da Hepatite C. Research, Society and Development, v. 10, n. 1, p. e34110111869-e34110111869, 2021.