NURSING IN CARE FOR PATIENTS WITH PSYCHIATRIC EMERGENCIES
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202411301750
Débora Vitória Mendes de Souza Lima1
Thauany Sara Gomes Martins1
Iane Brito Leal2
RESUMO
Este artigo tem o objetivo de descrever a assistência de enfermagem aos pacientes com emergências psiquiátricas. Trata-se de uma revisão de escopo realizada durante os meses agosto de 2024 e setembro de 2024, mediante a pergunta norteadora: “Qual é o papel da enfermagem na assistência a pacientes em emergências psiquiátricas dentro das unidades de saúde mental?”. Foi pesquisado nas bases de dados em saúde: PubMed e LILACS, considerando estudos em inglês, português e espanhol. Foram encontrados 1.593 artigos gratuitos e completos na base de dados PubMed, incluídos 5 artigos e excluídos 1.543 artigos. Na base de dados LILACS foram encontrados 22 artigos gratuitos e completos, incluídos 6 artigos e excluídos 16 artigos. Os resultados evidenciaram que a sobrecarga de trabalho e a necessidade de lidar com pacientes em crise psíquica exigem que a contenção física seja empregada apenas como último recurso, devido aos seus efeitos adversos tanto físicos quanto psicológicos. Os profissionais demonstram dificuldades não somente em compreender, mas também em lidar com as emergências psiquiátricas. É preciso investir em educação continuada e capacitação em saúde mental para que os enfermeiros possam oferecer um cuidado integral e humanizado aos pacientes em crise, contribuindo para a melhoria da assistência e a promoção do bem-estar tanto dos pacientes quanto dos profissionais.
Palavras-chaves: Psiquiatria. Transtornos Mentais. Cuidados de Enfermagem. Serviços de Emergência Psiquiátrica.
ABSTRACT
This article aims to describe nursing care for patients with psychiatric emergencies. This is a scoping review carried out during the months of August 2024 and September 2024, using the guiding question: “What is the role of nursing in assisting patients in psychiatric emergencies within mental health units?”. It was searched in health databases: PubMed and LILACS, considering studies in English, Portuguese and Spanish. 1,593 free and complete articles were found in the PubMed database, including 5 articles and 1,543 articles excluded. In the LILACS database, 22 free and complete articles were found, 6 articles were included and 16 articles were excluded. The results showed that work overload and the need to deal with patients in mental crisis require that physical restraint be used only as a last resort, due to its adverse effects, both physical and psychological. Professionals demonstrate difficulties not only in understanding, but also in dealing with psychiatric emergencies. It is necessary to invest in continuing education and training in mental health so that nurses can offer comprehensive and humanized care to patients in crisis, contributing to improving care and promoting the well-being of both patients and professionals.
Keywords: Psychiatry; Mental Disorders; Nursing Care; Psychiatric Emergency Services.
1. INTRODUÇÃO
A enfermagem, em sua essência, é profundamente dedicada à promoção e preservação da saúde, guiada por empatia e compaixão no cuidado de indivíduos, grupos e famílias. O compromisso com o bem-estar do paciente é inabalável, impulsionando o profissional a oferecer o melhor cuidado possível, mesmo diante das adversidades que surgem no exercício da profissão. Nesse contexto, a enfermagem psiquiátrica se destaca por sua trajetória de grandes transformações, superando um passado marcado por práticas opressivas e avançando em direção a um futuro pautado pela humanização e pelo respeito à dignidade humana (Costa et al., 2019).
Em seus primórdios, a enfermagem psiquiátrica era indissociável do manicômio, onde o tratamento dispensado aos pacientes era marcado por práticas coercitivas e desumanizantes. Essa realidade violava os direitos básicos dos indivíduos, negando-lhes sua dignidade e autonomia. No entanto, a década de 1980 marcou um ponto de virada histórico: a Reforma Psiquiátrica, impulsionada pelo Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental, trouxe uma ruptura radical com o modelo tradicional. A partir de então, passou-se a priorizar o cuidado individualizado, a escuta ativa, a construção de vínculos terapêuticos e o apoio à reinserção social (Costa et al., 2019).
A Reforma Psiquiátrica representou um marco decisivo na história da saúde mental no Brasil. Fundamentada em princípios humanísticos e éticos, essa iniciativa promoveu a desinstitucionalização, substituindo o modelo manicomial por uma rede de serviços extra-hospitalares mais integrada à comunidade. Essa nova rede abrange Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), serviços de atenção primária à saúde com foco em saúde mental, residências terapêuticas, ambulatórios especializados, entre outros (Costa et al., 2019).
As emergências psiquiátricas constituem situações críticas que demandam atenção imediata. Elas se manifestam por distúrbios no pensamento, nas emoções e no comportamento do indivíduo, colocando em risco sua saúde psíquica, física e social, além da segurança de terceiros. Nesse contexto, a avaliação e o tratamento realizados por um profissional capacitado são fundamentais para prevenir danos maiores e garantir a segurança tanto do paciente quanto das pessoas ao seu redor. Uma intervenção rápida e eficaz pode ser decisiva entre um desfecho favorável e a evolução para um quadro clínico mais grave. A emergência representa um conjunto de interesses afetivos e práticos contrastantes, em que o paciente e sua crise são apenas uma parte da situação a ser enfrentada. Portanto, a equipe de saúde deve considerar todas essas variáveis no momento da avaliação (Ikuta et al., 2013).
A equipe de enfermagem assume um papel crucial no atendimento às emergências psiquiátricas. Cabe a esses profissionais a árdua tarefa de lidar com crises, tentativas de suicídio, auto e heteroagressão, e oferecer apoio ao paciente após a superação da crise. No entanto, o exercício da função de enfermeiro nesse contexto apresenta desafios singulares. O principal está na necessidade de enxergar o paciente em sua totalidade, como um ser humano complexo que necessita de atenção integral, indo além da mera contenção ou sedação. É fundamental superar o legado manicomial e o paradigma ultrapassado de rotular o paciente psiquiátrico como ‘’louco’’(Ikuta et al., 2013).
O trabalho da equipe de enfermagem em emergências psiquiátricas é permeado por dificuldades que exigem resiliência e compromisso. A baixa remuneração, as precárias condições de trabalho e a desvalorização das áreas psíquica e emocional do paciente são apenas alguns dos obstáculos que precisam ser superados. Diante desse cenário, torna-se ainda mais premente a necessidade de aprimorar a formação e a preparação dos profissionais de enfermagem para o atendimento a pacientes com transtornos mentais (Ikuta et al., 2013).
A assistência ao paciente em emergências psiquiátricas é fundamental para a saúde mental, e a enfermagem desempenha um papel crucial nesse contexto. Assim, o estudo proposto busca analisar a assistência da enfermagem aos pacientes psiquiátricos no âmbito emergencial e compreender a necessidade de uma abordagem humanizada para esses pacientes. A investigação pretende aprofundar a compreensão dos desafios enfrentados pelos profissionais, dos preconceitos presentes no atendimento e das necessidades de aprimoramento da formação em saúde mental. Essa análise também pode subsidiar a formação de novos profissionais o que garante um cuidado de qualidade e promove a reinserção social dos indivíduos em crise.
2. METODOLOGIA
Esta revisão de literatura foi elaborada de acordo com metodologia de uma análise de escopo. Essa análise está sendo utilizada na área da ciência em saúde com a finalidade de sintetizar e disseminar os resultados de estudo. O objetivo de uma análise de escopo é mapear e explorar a literatura existente sobre os temas, identificando lacunas de conhecimentos e prioridades para pesquisas futuras (Ferraz et al., 2024).
A identificação e seleção dos estudos ocorreram entre os meses agosto de 2024 e setembro de 2024, mediante a pergunta norteadora: “Qual é o papel da enfermagem na assistência a pacientes em emergências psiquiátricas dentro das unidades de saúde mental?”
Foi realizada uma busca nas bases de dados em saúde: PubMed e Lilacs. A estratégia de busca foi realizada com os seguintes descritores em inglês e português, ”Psychiatry” OR ”Mental Disorders” AND ”Nursing Care” OR ”Patient Care Planning” OR ‘’Patient Care’’ AND “Emergency Services Psychiatric”.
Foram considerados elegíveis estudos publicados em inglês, português e espanhol, nos últimos dez anos e disponíveis gratuitamente em formato eletrônico. Trabalhos duplicados nas bases de dados e que não tratem sobre enfermagem e emergências psiquiátricas em seus objetivos foram excluídos.
O processo de revisão consistiu em dois níveis de triagem, a revisão de título e resumo e a revisão do texto na íntegra. Para o primeiro nível, os títulos e resumos foram lidos e analisados para identificar artigos potencialmente elegíveis. Na segunda etapa, os artigos foram lidos na íntegra para determinar se atendiam aos critérios de elegibilidade.
Para extração dos dados dos artigos selecionados foi elaborada uma ficha padrão com campos para coleta dos dados como, título, autores, ano de publicação, tipo de estudo e local de realização.
3. RESULTADOS
Foram encontrados cerca de 1.593 artigos gratuitos e completos na base de dados PubMed, baixados e lançados na plataforma Rayyan para inclusão e exclusão dos artigos encontrados. Foram incluídos cerca de 5 artigos após realizar a leitura completa de modo a assegurar que os mesmos contemplavam os objetivos do trabalho e atendiam aos critérios de inclusão estabelecidos. Foram excluídos cerca de 1.543 artigos que não se aproximavam dos objetivos do trabalho. Por fim, foram encontrados cerca de 22 artigos gratuitos e completos na base de dados LILACS, baixados na plataforma Rayyan e após a leitura completa dos artigos foram incluídos 5 artigos e excluídos 17 artigos.
Quadro 1 – Estudos incluídos na revisão de escopo e suas principais características.
AUTOR E ANO | TÍTULO DO ARTIGO | TIPO DE ESTUDO | LOCALIDADE | OBJETIVO |
SOARES, et al. (2014) | Concepção de profissionais de saúde que atuam em emergências de Saúde Mental. | Estudo transversal | Hospitalar | Percepção dos profissionais de saúde de urgência sobre a doença mental e a capacitação dos que atuam nesse serviço de saúde mental. |
DIAS et al. (2017) | Atitudes de enfermeiros de serviços de urgência e emergência psiquiátricas frente ao comportamento violento | Estudo descritivo, exploratório e transversal | Hospitalar | Equipe de enfermagem ficam sujeitas à agressão derivada do comportamento violento de pacientes psiquiátricos. |
BURIOLA, et al. (2017) | Compreendendo a dinâmica assistencial do serviço de emergência psiquiátrica utilizando avaliação de 4ª geração. | Estudo de caso | Hospitalar | Estudo que aborda as preocupações e questões de profissionais sobre a assistência oferecida em um serviço de emergência psiquiátrica. |
LOPES, et al. (2018) | Avaliação da adesão ao tratamento medicamentoso de pacientes com distúrbios psiquiátricos no serviço de emergência. | Estudo transversal e analítico | Hospitalar | Analisar a adesão ao tratamento medicamentoso domiciliar e os fatores relacionados em pacientes com emergências psiquiátricas atendidos no serviço de emergência. |
PEREIRA, et al. (2019) | O cuidado à pessoa com comorbidade psiquiátrica em emergência geral: visão dos enfermeiros. | Estudo qualitativo, descritivo, e exploratório | Hospitalar | Examinar os desafios enfrentados pelos enfermeiros no atendimento a pacientes com comorbidades psiquiátricas em uma emergência geral. |
GATTI, et al. (2019) | Classificação do nível de dependência dos pacientes psiquiátricos no serviço de emergência. | Estudo transversal, descritivo e quantitativo | Hospitalar | Analisar os níveis de dependência de pacientes com transtornos psiquiátricos em serviços de emergência. |
Gerace A, Muir-Cochrane E. (2019) | Percepções de enfermeiros que trabalham com consumidores psiquiátricos sobre a eliminação do isolamento e da contenção em ambientes de internação psiquiátrica e departamentos de emergência: uma pesquisa australiana | Estudo qualitativo | Sites, plataformas de redes sociais, boletins informativos e filiais locais | Enfermeiros do setor relatam que a contenção física e o isolamento de pacientes são utilizados como último recurso necessário para manter a segurança da equipe de enfermagem e do paciente. |
LOPES, et al. (2020) | Acolhimento da pessoa em sofrimento mental em serviço hospitalar de emergência: pesquisa qualitativa. | Pesquisa qualitativa | Hospitalar | Recepção de enfermagem a pessoas em sofrimento mental na Unidade de Emergência de um Hospital Universitário. |
MUÑOZ, et al. (2021) | Manejo inicial de pacientes com envolvimento psiquiátrico em Departamento de Emergência hospitalar | Revisão sistemática | Rede eletrônica | Gestão da assistência do enfermeiro a pacientes em emergências psiquiátricas para desenvolver recomendações práticas, incluindo estratégias para lidar com crises psíquicas. |
SABEH, et al. (2023) | Representações sociais de enfermeiros de Unidade de Pronto Atendimento sobre pessoas com transtorno mental. | Estudo exploratório e qualitativo | Não se aplica | Entender a relação entre o profissional e o paciente com transtornos mentais, destacando o cuidado prestado pelos enfermeiros na Unidade de Pronto Atendimento. |
4. DISCUSSÃO
Na década de 1970, o Brasil enfrentava um sistema psiquiátrico marcado por condições precárias de cuidado, violação de direitos humanos e práticas arcaicas de tratamento. Nesse contexto, tornou-se indispensável a implementação de mudanças estruturais, que culminaram no desenvolvimento da Política Nacional de Saúde Mental (Almeida, 2019).
Esse movimento buscou reformar o modelo de tratamento vigente, promovendo a desinstitucionalização e priorizando a humanização do cuidado. Foram criados os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), serviços comunitários que substituíram progressivamente os hospitais psiquiátricos, proporcionando acompanhamento contínuo e reintegração social para pessoas com transtornos mentais (Almeida, 2019).
A reforma foi impulsionada pela mobilização de diversos setores da sociedade, incluindo profissionais de saúde, usuários dos serviços, familiares e movimentos sociais. Por meio de conferências e debates, a construção coletiva dessa política garantiu maior atenção aos direitos humanos e contribuiu para sua integração ao Sistema Único de Saúde (SUS) (Almeida, 2019).
A dinâmica de atendimento nas emergências psiquiátricas necessita incorporar um cuidado que garanta que o indivíduo com transtorno mental e sua família não fique desassistido, especialmente em situações de risco de suicídio. Desta forma, o Serviço de Emergência Psiquiátrica é essencial para atender às demandas de cuidado em saúde mental, promovendo a acessibilidade ao tratamento da doença e oferecendo orientações sobre como lidar com essas questões no meio social e familiar (Buriola, et al., 2017).
O diagnóstico realizado durante o atendimento de emergência é crucial para a terapia, prognóstico e abordagem do tratamento, podendo reduzir a morbidade e melhorar a recuperação. Porém, ele costuma ser baseado em uma única avaliação, sem considerar as informações dos acompanhantes, e o tempo para cada paciente é limitado devido à alta demanda e rotatividade de pacientes. Isso dificulta um atendimento que garanta diagnóstico, tratamento e encaminhamento adequado (Lopes et al., 2018).
Os enfermeiros necessitam de conhecimento teórico e prático para atuar de forma competente. O fluxo intenso de pacientes requer eficiência, pois a enfermagem é fundamental tanto no atendimento emergencial quanto na organização da unidade, transformando-a em um ambiente centrado no indivíduo, em vez de apenas para a doença (Pereira et al., 2019).
O protocolo de atendimento para pessoas com comorbidades psiquiátricas classifica o paciente como laranja no sistema de Manchester de Classificação de Risco, permitindo investigar queixas clínicas e encaminhar emergências psiquiátricas à rede de saúde adequada. Embora essa prática possa melhorar a qualidade do atendimento, há controvérsia entre profissionais sobre a proposta de um fluxo que remova o paciente do serviço (Pereira et al., 2019).
A Política Nacional de Atenção Básica permite a internação de indivíduos com transtornos psiquiátricos em hospitais gerais. Quando não há necessidade de internação, eles são designados para serviços que garantem a continuidade do tratamento, ajudando a reduzir internações. O apoio dos enfermeiros facilita a reintegração social ao fortalecer os vínculos entre o paciente, a família, a comunidade e serviços extra-hospitalares (Gatti et al., 2019).
A Política Nacional de Humanização destaca a importância do cuidado humanizado, considerando aspectos físicos e psicossociais do paciente. Reconhecer as vivências e objetivos de pessoas com transtorno mental ajuda os enfermeiros a entender melhor o paciente, facilitando a conquista de sua confiança e permitindo um manejo mais eficaz (Lopes et al., 2020).
De acordo com Gatti et al. (2019), a Política Nacional de Atenção Básica reforça a ideia de que a atenção aos transtornos psiquiátricos deve ir além da internação, propondo a continuidade do tratamento em serviços extra-hospitalares. Essa estratégia é fundamental para reduzir o número de internações e promover a reintegração social do paciente. Nesse sentido, o enfermeiro desempenha um papel essencial, pois atua como mediador no fortalecimento dos vínculos entre o paciente, sua família, a comunidade e os serviços de saúde. Essa mediação é crucial para a adesão ao tratamento e para o sucesso das intervenções de reabilitação psicossocial.
Complementando essa perspectiva, Lopes et al. (2020) destaca a importância da Política Nacional de Humanização na construção de um cuidado humanizado, enfatizando a necessidade de considerar não apenas os aspectos clínicos, mas também as vivências e os objetivos de vida do paciente. A humanização do cuidado envolve reconhecer o indivíduo como um sujeito com histórias, desejos e necessidades próprias, o que facilita a criação de um vínculo de confiança entre o enfermeiro e o paciente. Esse vínculo é determinante para a eficácia do manejo terapêutico, pois possibilita que o paciente se sinta acolhido e compreendido.
Ambos os autores convergem ao destacar o papel central do enfermeiro no cuidado às pessoas com transtornos psiquiátricos. Gatti et al. (2019) enfocam a importância da integração comunitária e dos serviços extra-hospitalares, enquanto Lopes et al. (2020) ressaltam a relevância do cuidado humanizado como ferramenta para alcançar melhores resultados terapêuticos. A união dessas abordagens demonstra que o tratamento psiquiátrico deve ser compreendido como um processo dinâmico e contínuo, que envolve tanto ações técnicas quanto relacionais.
Pacientes com transtornos psiquiátricos apresentam uma taxa de morbidade e mortalidade superior à da população geral. Além disso, indivíduos com doença mental têm quase o dobro de probabilidade de desenvolver multimorbidades em comparação com a população em geral (Schuller et al. 2023).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2012, mais de 450 milhões de pessoas no mundo convivem com transtornos mentais, gerando uma superlotação sobre os serviços de psiquiatria. Essa situação contribui para uma demanda elevada e não atendida, uma realidade já evidente. (Barros et al., 2019)
A relação entre transtornos psiquiátricos e a saúde geral dos indivíduos é complexa e preocupante. Os dados apresentados por Schuller et al. (2023) e Barros et al. (2019) destacam tanto a vulnerabilidade clínica das pessoas com transtornos mentais quanto os desafios enfrentados pelos serviços de saúde para atender adequadamente essa população.
A análise conjunta desses autores revela um ciclo preocupante, a alta prevalência de transtornos mentais e suas complicações somáticas aumentam a demanda por serviços, que, por sua vez, não conseguem absorver adequadamente esses pacientes devido à escassez de recursos e infraestrutura. Isso gera lacunas no cuidado, que contribuem para o agravamento das condições de saúde e a perpetuação das desigualdades.
As situações mais recorrentes em urgência e emergência estão ligadas aos prontos atendimentos sendo o principal motivo de atendimento a agitação psicomotora e agressividade, na maioria, pelos transtornos psicóticos e de humor pelo abuso de substância (Barros et al., 2019).
No Brasil, a Portaria n° 2048/GM estabelece diretrizes para a Política Nacional de Atenção às Urgências, incluindo a gestão das crises psiquiátricas, frequentemente denominadas urgências psiquiátricas. Quando essas crises ocorrem no domicílio ou em vias públicas, a responsabilidade técnica pelo atendimento cabe ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), em colaboração com a rede de atenção à saúde mental, a polícia e o corpo de bombeiros (Barros et al., 2019).
O Sistema Único de Saúde é a porta de entrada para esses transtornos, têm como objetivo a promoção em saúde em diversos núcleos como o de Apoio à Saúde da Família, residências terapêuticas, ambulatórios e leitos de atenção psicossocial nos hospitais. que tem como finalidade o acolhimento de pessoas com transtorno mentais, com objetivo de inseri-las no convívio comunitário e familiar, buscando a autonomia desses pacientes (Barros et al., 2019).
Por meio da inserção e solidificação da Rede de Psicossocial, vem crescendo a desinstitucionalização psiquiátrica que tem como objetivo, ampliar a substituição das internações manicomiais e asilar, favorecendo desse modo a reforma Psiquiátrica no Brasil (Buriola et al., 2016).
Há diversos métodos de contenção em pacientes com emergências psiquiátricas; verbal, química e física, a utilização de fármacos vem para impedir comportamentos destrutivos, sendo a via oral mais utilizada quando o paciente é colaborativo, em casos de agitação e não cooperação utiliza-se a administração em via intramuscular (Braga et al., 2016).
A prática de ações violentas por pacientes com transtornos psiquiátricos pode resultar em lesões e ameaçar a vida de outras pessoas (Muñoz et al., 2021). Ainda há pacientes em surto psíquico tratados com intervenções repressivas. Os profissionais de saúde frequentemente utilizam contenção e medicação para controlar a crise, o que reflete uma abordagem influenciada pelo modelo asilar. A justificativa para o uso de contenção física, mecânica e química é a proteção da equipe e dos profissionais diante da agressividade do paciente (Sabeh et al., 2023).
De acordo com Barros (2019), quando o paciente está com comportamento agressivo e agitação psicomotora, a abordagem de acolhimento verbal não é preferível para essa situação. A contenção física é utilizada quando se coloca em risco a vida do paciente e dos profissionais em saúde, por ter comportamento agressivo e agitado, fazendo com que seus movimentos sejam limitados (Barros et al., 2019). Os autores concordam que as contenções devem ser utilizadas como último recurso e sempre com justificativa clínica bem fundamentada. Eles também convergem na necessidade de capacitação profissional para manejar crises psiquiátricas, minimizando o uso de contenções físicas ou químicas e priorizando intervenções preventivas e dialogadas. No entanto, enquanto Braga et al. (2016) e Barros et al. (2019) oferecem uma visão mais prática sobre o uso emergencial dessas medidas, Muñoz et al. (2021) e Sabeh et al. (2023) fazem críticas mais amplas às implicações éticas e culturais associadas ao uso recorrente de práticas coercitivas.
Um estudo realizado em um Colégio Australiano de Enfermeiros de Saúde Mental, os enfermeiros do setor relatam que a contenção física e o isolamento de pacientes são utilizados como último recurso necessário para manter a segurança da equipe de enfermagem e do paciente, os mesmos discordam dos métodos de contenção mecânica por não ser um tratamento humanizado; chegou a conclusão que esse método era prejudicial para o relacionamento entre os pacientes (A. Gerace, E. Muir-Cochrane, 2019).
A recomendação de atendimento a pacientes em crise psíquica é envolta em controvérsias, especialmente no que diz respeito ao uso de contenção, então o que deveria garantir a segurança, dignidade e bem-estar do paciente, acaba ocasionando efeitos físicos e psicológicos adversos, como desidratação, asfixia, aspiração, hipertensão, arritmias, agressões de outros pacientes e, em casos extremos, até a morte (Braga et al., 2016).
O Protocolo do SAMU de 2016 orienta que o manejo de crises em saúde mental começa pela avaliação do ambiente e comunicação para entender a emoção e o estado mental do paciente. O tom de voz deve ser mantido normal, buscando consenso. Caso o paciente tenha vínculo com CAPS ou UBS, essa informação pode ser usada para tranquilizá-lo informando que entrará em contato com o profissional e, em seguida, comunicará à Central de Regulação. Devem-se coletar dados sobre diagnósticos anteriores, uso de substâncias, doenças clínicas, tratamentos prévios e a capacidade de autocuidado.
Caracterizado por situações em que as mudanças no comportamento ou estado emocional de uma pessoa exigem intervenções imediatas, superando a capacidade dos serviços de saúde, assistência social ou judiciais disponíveis. Não depende apenas da gravidade da condição do indivíduo, mas também da capacidade dos serviços emergenciais de oferecer uma resposta rápida e apropriada (Braga et al., 2019).
O comportamento violento pode estar associado ao transtorno mental, e a agressão por parte desses indivíduos é considerada um problema grave que vem sendo vivenciado nos serviços de saúde, principalmente nas unidades psiquiátricas de curta permanência. Por passarem mais tempo na interação com o paciente, o enfermeiro e a equipe de enfermagem ficam sujeitos à agressão derivada do comportamento violento. A abordagem que a equipe irá adotar depende das suas crenças e atitudes diante das causas desse tipo de comportamento (Dias et al., 2017).
Em situações de emergências e urgências psiquiátricas, profissionais relatam que encontram diversos obstáculos na comunicação, no déficit de conhecimento e experiência na área, além da sobrecarga e grande demanda de trabalho para esses profissionais, além de hospitais e unidades de acolhimento com estrutura física inadequada, poucos profissionais para a grande demanda, estigma de preconceito com esses quadros, formando diversas limitações para uma assistência de enfermagem adequada e de qualidade. (Barros et al., 2019)
Segundo os profissionais da área, os usuários optam por buscar atendimento na Emergência Psiquiátrica devido à qualidade da assistência, preferindo essa unidade em vez de outros serviços da rede de atenção psicossocial. Há uma alta demanda de pessoas com dependência química que recorrem à Emergência Psiquiátrica, uma vez que não têm acesso a outras alternativas de serviços públicos especializados para essa população devido a recursos financeiros insuficientes e distância geográfica. Isso transforma o Serviço de Emergência Psiquiátrica em “porta de entrada” para esses indivíduos, resultando em uma superlotação de pacientes (Buriola et al., 2017)
A escassez de serviços na Rede de Atenção Psicossocial compromete a qualidade do atendimento na emergência. Assim, os profissionais se sentem frustrados por não conseguirem fornecer soluções eficazes nas ações de saúde, assim como os familiares dos pacientes, que não possuem outras oportunidades de tratamento (Buriola, et al., 2017).
Em uma unidade de emergência psiquiátrica, o enfermeiro desempenha um papel fundamental, oferecendo cuidados que incluem a administração de medicamentos, o manejo de crises, o estímulo ao autocuidado, a supervisão da dieta, a identificação de alterações psíquicas e a escuta atenta, sempre visando a alta hospitalar do paciente. Além disso, a enfermagem deve garantir que o paciente receba atendimento ambulatorial, como nos Centros de Atenção Psicossocial e nas Unidades Básicas de Saúde, a fim de prevenir reinternações (Pereira et al., 2019).
Os desafios do atendimento psiquiátrico emergencial e as lacunas na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) são temas amplamente abordados por Buriola et al. (2017) e Pereira et al. (2019). Esses autores discutem o impacto da falta de recursos e da sobrecarga nas unidades de emergência psiquiátrica, destacando a atuação dos profissionais de saúde, especialmente dos enfermeiros, na gestão das demandas e na continuidade do cuidado.
A análise conjunta dos autores revela uma convergência no diagnóstico dos problemas estruturais e na relevância da atuação profissional. Ambos reconhecem que a ausência de alternativas na RAPS sobrecarrega as emergências psiquiátricas, criando um ciclo de atendimento inadequado. Enquanto Buriola et al. (2017) enfatiza os fatores externos que levam à superlotação e o impacto na experiência dos profissionais e das famílias, Pereira et al. (2019) destaca a importância das intervenções da enfermagem no manejo das crises e na transição para serviços extra hospitalares.
Essa análise aponta para a necessidade de medidas estruturais para fortalecer a RAPS, com a expansão de serviços especializados, como CAPS e unidades de atendimento a dependentes químicos, além de investimentos na capacitação de profissionais. A integração entre a atenção emergencial e os serviços ambulatoriais é essencial para garantir um cuidado contínuo e evitar que as emergências psiquiátricas sejam utilizadas como a única opção de atendimento.
Nesse cenário, o papel do enfermeiro é fundamental para promover um cuidado centrado no paciente, acolhedor e articulado com as redes de suporte disponíveis.
A análise dos estudos indica um consenso entre os autores sobre a questão da sobrecarga de trabalho e a mobilização dos pacientes em crise psíquica. Observa-se que há uma recomendação comum: a contenção física deve ser considerada apenas em último recurso, devido aos seus impactos negativos, não só fisicamente, mas também psicologicamente, para o paciente. O estudo de (Gerace e Muir-Cochrane, 2019) reforça essa ideia, concluindo que a contenção física prejudica a relação de confiança entre paciente e enfermeiro, essencial para o cuidado e recuperação.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com as fragilidades descritas, observou-se que os profissionais apresentam insatisfação devido às dificuldades do sistema psiquiátrico, que incluem espaços físicos inadequados, alto volume de atendimento, desfalque na quantidade de profissionais e sobrecarga profissional. É evidente que os profissionais de enfermagem enfrentam desafios ao lidar com pacientes em emergências psiquiátricas, como estresse, falta de conhecimento em saúde mental e dificuldade em expressar emoções como frustração, medo e angústia.
É fundamental implementar ações de educação contínua e capacitação dos profissionais nessa área, pois um enfermeiro que é bem tanto fisicamente quanto psicologicamente consegue proporcionar um atendimento de qualidade aos pacientes em crise psíquica. Para isso, é essencial mobilizar os gestores de saúde, para que incentivem os profissionais a valorizarem o aprimoramento em suas carreiras e a fortalecerem uma rede de atenção em saúde mental integrada e humanizada.
Constata-se que a unidade de emergência enfrenta fragilidades no atendimento à saúde mental devido à sobrecarga de profissionais. Na busca por uma evolução assistencial dinâmica, o Serviço de Emergência Psiquiátrica se esforça para se fortalecer, oferecendo um cuidado humanizado conforme as condições do ambiente. (Buriola et al., 2017).
REFERÊNCIAS
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FERNANDES, Maraina Gomes Pires. Atitudes de enfermeiros de serviços de urgência e emergência psiquiátricas frente ao comportamento violento. 2017. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-06102017- 104032/publico/MarainaDias.pdf. Acesso em: 04 ago. 2024.
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