ENDOCARDITE INFECCIOSA EM PACIENTE COM CARDIODESFIBRILADOR IMPLANTÁVEL: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10634235


Emídio Almeida Tavares Júnior; Adriel Alves de Paiva; Milene Fernandes Farias; Elane Frota Aragao; Maria Luiza Gazanna; Anne Elizabeth Andrade Sadala Marques; Marcia Regina Silva da Silva; Katia do Nascimento Couceiro; Joao Marcos Bemfica Barbosa Ferreira.
Universidade do Estado do Amazonas – Manaus/Am


INTRODUÇÃO

Endocardite infecciosa resulta usualmente da invasão de microorganismos (bactéria ou fungo) em tecido endocárdico ou material protético do coração.  Não é uma doença comum em pacientes com coração saudável, atingindo predominantemente pessoas com cardiopatias prévias (congênitas, adquiridas, prótese valvar, marcapasso). Quando ocorre situação predisponente para bacteremia, por exemplo, durante procedimentos odontológicos em portadores de valvopatia, ocorrendo colonização pela aderência do microorganismo na valva deformada. Os sintomas iniciais podem se confundir com outras doenças no diagnóstico diferencial, podendo o paciente apresentar febre alta e persistente, calafrios, sudorese noturna, astenia, mialgia, artralgia e dor torácica. Além disso, pode haver surgimento de sopro cardíaco ou alteração no som de sopro cardíaco prévio em pacientes com valvulopatias¹.

Os microrganismos patogênicos realizam a multiplicação celular ocasionando vegetações, que são estruturas constituídas por restos celulares, plaquetas, bactérias e fibrina (proteína relacionada à coagulação sanguínea), as quais podem ocasionar destruição da válvula acometida, comprometendo o funcionamento do coração, que gera problemas no bombeamento sanguíneo, resultando em insuficiência cardíaca.

A partir do diagnóstico de endocardite infecciosa confirmado, o paciente necessita de tratamento com antibioticoterapia via endovenosa por longos períodos (30-42 dias) em altas doses. Em decorrência da alta mortalidade em torno de 25% , devemos ficar atentos às complicações clínicas possíveis, como agravamento da lesão valvar pré-existente, insuficiência cardíaca, embolias sépticas sistêmicas, insuficiência renal e em 35% dos casos há necessidade de cirurgia cardíaca². 

A colocação de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis pode se associar ao risco de pneumotórax, hemotórax, deslocamento dos cabos-eletrodos, insuficiência valvar tricúspide, oclusão venosa e infecção, que pode ocasionar endocardite, sendo a complicação de maior destaque devido alta morbidade e mortalidade associadas ao quadro clínico³. Os cabos-eletrodos possuem indicação obrigatória de remoção em casos de tratamento de infecções; indicação necessária de remoção quando para obtenção de acesso para novos cabos-eletrodos e, por fim, indicação opcional de remoção, quando paciente possui indicação de substituição de cabo-eletrodo, porém com acesso venoso adequado.

RELATO DE CASO

1. Identificação: E. A. B., sexo masculino, 66 anos, casado. 

2. Queixa principal: “dor no peito”

3. História da Doença Atual: Paciente portador de cardiodesfibrilador implantável (CDI) apresentando dor torácica, em aperto, irradiação para dimídio esquerdo, febre (39°C), calafrios e vômitos, sendo encaminhado para internação com suspeita clínica de endocardite infecciosa, realizou ecocardiograma transesofágico com evidência de vegetação em cabo-eletrodo do CDI, sendo realizado tratamento endovenoso com antibiótico por 42 dias. Paciente realizou ecocardiograma transesofágico em internação anterior devido suspeita de endocardite (10 meses antes), sem indícios de vegetações no primeiro exame.

4. História Patológica Pregressa: Hipertensão Arterial Sistêmica + Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção Reduzida devido cardiomiopatía dilatada (2011) + CDI 

5. História Familiar: Nega história familiar de Diabetes Mellitus, Hipertensão, hepatopatia, cardiopatia e neoplasia. 

Exame físico

  • Somatoscopia: Regular estado geral, Glasgow 15, sem déficits neurológicos focais, eupneico, afebril, corado, anictérico, acianótico
  • Cabeça e pescoço: Sem turgência jugular. Sem adenomegalias
  • Oroscopia: Ausência de hiperemia, hipertrofia, foco infecioso e demais alterações
  • Tórax: atípico, sem abaulamentos ou retrações. Presença de cardiodesfibrilador implantável à direita

Ausculta pulmonar: Murmúrio Vesicular Fisiológico. Ausculta cardíaca: Ritmo Cardíaco Regular em 2 Tempos, bulhas normofonéticas. 

  • Abdome: Plano, flácido, indolor, sem visceromegalias
  • Extremidades: Sem edemas. Sem sinais de empastamentos.

EXAMES COMPLEMENTARES:

– ECOCARDIOGRAMA TRANSTORÁCICO (11/08/2022): Ao 34mm; AE 42mm; VD 26mm; DDFVE VE 54; DSFVE 37; S 9; P 9; Vol aAE 50ml; Relação átrio esquerdo/ aorta 1,24; Fração de ejeção 59%; Massa ventricular esquerda 180g; Relação massa/ superfície corpórea 91g/m2.VE com dimensões e espessuras parietais normais. Função sistólica global e segmentar do VE preservada. Refluxo valvar mitral de grau discreto. VD com dimensões e contratilidade preservadas. Cabo-eletrodo de marcapasso na câmara direita.

– ECOCARDIOGRAMA TRANSTORÁCICO (12/05/2022): Disfunção sistólica global do VRE discreta com strain longitudinal global reduzido. Disfunção diastólica do VE de grau I em presença de marcapasso. Ectasia da aorta ascendente e aorta abdominal proximal.

– ECOCARDIOGRAMA TRANSESOFÁGICO (26/01/2023): Ectasia da aorta ascendente

– ECOCARDIOGRAMA TRANSESOFÁGICO (09/11/2023): Ao 32mm; AE 36mm; VD 26mm; DDFVE 57; DSFVE 39; S 8; P 8; Fração de ejeção 59%; Massa ventricular esquerda 213g; Relação massa/ superfície corpórea 109,32g/m2; Relação SEPTO/PPVE 1,00.

CONCLUSÃO: Eco transesofágico realizado com anestesia endovenosa, sem intercorrências. Função sistólica global do VE preservada. Eletrodo de marca-passo em câmaras direitas, exibe imagem algodonosas, arredonda, móvel aderida em eletrodo do AD, medindo nos maiores diâmetros 1,2 x 0,9 com aspecto de vegetação. Valvas cardíacas sem alterações morfofuncionais.

– ECOCARDIOGRAMA TRANSESOFÁGICO (30/11/2023): FEVE 59% (T); Ao 30; AE 36; VD 26; VE 57/39; S 8; P 8. Eletrodo de marcapasso em câmaras direitas exibe imagem algodonosa, arredondada, bastante móvel aderida em eletrodo no AD; Observa-se uma segunda imagem arredondada adjacente a valva tricúspide, aparentemente aderida a um dos folhetos da tricúspide (vegetação cicatricial?)

Exames de imagem

Ecocardiograma Transesofágico 26/01/2023

Ecocardiograma Transesofágico 30/11/2023

EVOLUÇÃO

Paciente internado devido quadro de endocardite infecciosa, recebeu tratamento com antibioticoterapia por 42 dias, apresentando melhora clínica importante. Sem novos episódios febris na internação. Mantém-se estável hemodinamicamente, sem drogas vasoativas, Programação de retirada de circuito de cardiodesfibrilador e colocação de novo sistema no ato cirúrgico. Funções fisiológicas preservadas. Sono reparador.

DISCUSSÃO

Paciente com quadro clínico sugestivo de endocardite infecciosa, descartadas outras causas de febre, apresentando ao ecocardiograma transesofágico, presença de imagem algodonosa, arredonda, móvel aderida em eletrodo do átrio direito, medindo nos maiores diâmetros 1,2 x 0,9 com aspecto de vegetação, sendo que o mesmo havia realizado ecocardiograma transesofágico 10 meses antes, não sendo evidenciadas alterações sugestivas de endocardite, o que nos leva a pensar em duas possibilidades: uma infecção recente que se estendeu até o cabo-eletrodo gerando todo o quadro clínico atual, sem correlação com à internação anterior; ou uma evolução crônica de uma patologia que já estava presente anteriormente, que por contiguidade se direcionou até o cabo-eletrodo do CDI. Importante ressaltar que o exame bem indicado possui grande sensibilidade e especificidade para auxiliar no diagnóstico clínico.

REFERÊNCIAS

  1. Endocardite infecciosa traz sérios riscos ao coração. Disponível em: <Endocardite infecciosa traz sérios riscos ao coração (cardiol.br)>
  2. Endocardite Infecciosa. Disponível em: <ENDOCARDITE INFECCIOSA: (usp.br)> 
  3. Diretriz Brasileira de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis. Arq. Bras. Cardiol. 120 (1) • 2023. Disponível em: <https://doi.org/10.36660/abc.20220892 >