ENDOCARDITE E MIOCARDITE SECUNDÁRIA A COXSACKIEVIRUS: UM RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202410091958


Heloise Fernandes da Silva Bastos1
Orientador: Francisco Rufino Rosa Neto2
Ana Couto Lima3
Renata Machado Bonfim4


RESUMO:

A miocardite é marcada pela infiltração de leucócitos nos miócitos (músculos do coração), já a endocardite é uma infecção do revestimento interno e/ou das válvulas cardíacas geralmente de causa bacteriana que pode ou não induzir a formação de trombos. Dentre as causas, a infecciosa é prevalente sendo o Coxsackievirus B um dos mais comuns na faixa etária pediátrica.  O objetivo deste trabalho é relatar um caso de miocardite e endocardite secundária a Coxsackievirus a fim de capacitar o profissional de saúde para o diagnóstico e tratamento de crianças com essa patologia. Foi realizado estudo observacional descritivo através da análise de prontuário de um paciente atendido no pronto socorro de um hospital secundário do Distrito Federal. Para a descrição do caso e discussão, realizou-se analise da literatura nas bases de dados do UptoDate e American Heart Association, selecionando-se os artigos mais relevantes. O caso relatado trata-se de um paciente masculino, 6 anos, previamente hígido que iniciou quadro de febre e astenia buscando pronto atendimento. Em exames complementares foi visualizado condensação de lobo médio e cardiomegalia. Com a suspeita de pneumonia e miocardite, a criança foi internada e iniciado antibióticos. Em investigações posteriores, identificou-se trombo/vegetação em ecocardiograma, aumento de D-dimero e sorologia com anticorpos IgM positivo para vírus Coxsackie. Realizou tratamento com Cefepime e Enoxaparina, apresentou melhora clínica e 4 meses após o diagnóstico o ecocardiograma e sorologia para o vírus em questão foram normais. 

Palavras-chave:  Miocardite, Endocardite, Coxsackievirus, População pediátrica

ABSTRACT:

Myocarditis is marked by the infiltration of leukocytes in myocytes (heart muscles), while endocarditis is an infection of the inner lining and/or heart valves, usually of bacterial cause, which may or may not induce the formation of thrombi. Among the causes, infectious is prevalent, with Coxsackievirus B being one of the most common in the pediatric age group.  The objective of this work is to report a case of myocarditis and endocarditis secondary to Coxsackievirus in order to train health professionals in the diagnosis and treatment of children with this pathology. A descriptive observational study was carried out by analyzing the medical records of a patient treated in the emergency room of a secondary hospital in the Federal District. To describe the case and discussion, a literature analysis was carried out in the UptoDate and American Heart Association databases, selecting the most relevant articles. The case reported is a male patient, 6 years old, previously healthy, who developed fever and asthenia seeking emergency care. In complementary exams, condensation of the middle lobe and cardiomegaly were visualized. With pneumonia and myocarditis suspected, the child was hospitalized and antibiotics were started. In subsequent investigations, thrombus/vegetation was identified on echocardiogram, increased D-dimer and serology with positive IgM antibodies to Coxsackie virus. He underwent treatment with Cefepime and Enoxaparin, showed clinical improvement and 4 months after diagnosis, the echocardiogram and serology for the virus in question were normal.

Keywords: Myocarditis, Endocarditis, Coxsackievirus, Pediatric Population 

INTRODUÇÃO: 

A miocardite é uma doença inflamatória decorrente da infiltração leucócitos no miocárdio que culmina em necrose não isquêmica dessas células. Apesar de poder ser acometido em todas as faixas etárias, observa-se uma maior prevalência entre adolescentes, além de ser a principal causa de morte súbita cardíaca na juventude. Esses, por sua vez, podem se recuperar completamente e quando cronificada podem evoluir para miocardiopatia dilatada e consequente insuficiência cardíaca. 

Essa patologia pode ser causada por autoantígenos, toxinas, alérgenos e, principalmente, agentes infecciosos. O enterovírus, adenovírus, Parvovírus B19 são causas comuns de miocardite com destaque para os vírus Coxsackie A e B, etiologia do caso, que são parte da família dos enterovírus. No entanto, estudos que comprovem a etiologia viral em casos de miocardite em nosso meio são escassos ou subdiagnosticados. 

A cronificação parece estar relacionada ao desequilíbrio entre os linfócitos T e linfócitos B que culmina em uma expressão exagerada de antígenos de histocompatibilidade no tecido do miocárdio. Com isso, há uma produção de anticorpos direcionados contra os miócitos, secundários a uma reação cruzada entre o agente infeccioso e as proteínas presentes no miocárdio. 

Já a endocardite é uma infecção do revestimento interno e/ou das válvulas do coração que pode levar a formação de trombos intracardíacos, podendo danificar o tecido e/ou as válvulas cardíacas e, portanto, com uma elevada morbimortalidade. Mostra-se incomum na infância e por isso que quando diagnosticado, torna-se imprescindível o tratamento imediato para evitar tais complicações. 

A patogenia está relacionada a um dano endotelial em que fibrinas e plaquetas são depositadas formando um trombo inicialmente não infectado. A bacteremia surge quando há adesão de patógenos ao endocárdio lesionado e essa deposição plaquetária se torna uma “bainha protetora” que isola esses micro-organismos das células de defesa, permitindo sua rápida proliferação. Sua etiologia é infecciosa, sendo as bactérias os principais agentes, com destaque para Staphylococus aureus e Streptococcus viridans em crianças. 

O presente estudo tem o objetivo de demonstrar diagnóstico e condutas aplicadas em paciente pediátrico que apresentou quadro de miocardite por Coxsackie associada a trombo intracardíaco assumido como endocardite que evoluiu com melhora do quadro geral, sem sequelas. 

METODOLOGIA: 

Trata-se de um estudo observacional e de braço único, do tipo relato de caso. Cujos participantes da pesquisa são paciente e seu acompanhante, atendidos na enfermaria de pediatria de um hospital secundário do Distrito Federal. Será relatado o caso de apenas um paciente. Não se enquadra neste tipo de pesquisa critérios de inclusão e exclusão. O projeto foi inicialmente submetido à aprovação do comitê de ética médica, aprovado, sendo então analisado o prontuário eletrônico para verificar clínica, diagnóstico e tratamento utilizados no paciente. E então esses dados foram usados na elaboração do relato de caso em questão.  

RELATO DO CASO: 

Trata-se de um paciente masculino, 6 anos, previamente hígido que procurou o pronto-socorro de um hospital secundário do Distrito Federal tendo em vista a presença de febre aferida há 7 dias, astenia intensa e inapetência. Ao exame físico se encontrava em regular estado geral, hipocorado, desidratado e taquipneico A ausculta respiratória era reduzida à esquerda, frequência respiratória aumentada para a faixa etária e saturação limítrofe. De antecedentes o paciente era nascido a termo, sem intercorrências. Vacinação completa, sem antecedentes patológicos e familiares prévios. Em primeiro momento, foi realizado expansão volêmica e solicitado exames complementares. A radiografia de tórax demonstrou a presença de condensação retro cardíaca em lobo médio, além de uma cardiomegalia às custas de átrio e ventrículo direitos (imagem 1 e 2). Os exames de sangue iniciais demonstravam leucocitose discreta às custas de neutrófilos e linfócitos. Os testes rápidos e painel de vírus respiratórios eram negativos e o eletrocardiograma e enzimas cardíacas estavam dentro do padrão de normalidade. Com isso, frente à suspeita de pneumonia e miocardite, a criança foi internada e iniciado antibioticoterapia. Na história clínica, foram realizados eco cardiogramas que evidenciaram: imagem alongada filamentar, móvel, aderida ao septo interatrial em face de direita, medindo cerca de 18mm de comprimido e 2mm de espessura e podendo corresponder a trombo/vegetação em átrio direito. Sem outras alterações. Foi dosado D-dímero que se encontrava aumentado. As hemoculturas tinham resultados negativos. As sorologias investigadas para anticorpos IgM e IgG de Episten Barr, Toxoplasmose, Parvovirus B19 foram negativas e para o Vírus de Coxsackie obteve resultado positivo para IgM. Ao longo da internação, apresentou neutropenia que, após avaliação pela hematologia, concluiu-se ser secundário ao processo viral. Realizou-se tratamento com Cefepime 50mg/kg/dia por 40 dias (na ocasião a Ceftriaxona estava em falta no serviço). Além disso, foi introduzida a Enoxaparina na dose de 30mg/dia por 30 dias, respectivamente. Após alta hospitalar o paciente manteve o uso de ácido acetilsalicílico (AAS), apresentou melhora clínica e manteve seguimento regular na cardiologia. O resultado do último ecocardiograma 4 meses após o diagnóstico foi normal e também no período a sorologia do Coxsackievirus para anticorpos IgM teve resultado negativo, enquanto que IgG foi positivo, confirmando a sua infecção. 

Imagem 1     

     Imagem 2  

DISCUSSÃO:

A incidência de miocardite na faixa etária pediátrica é rara apesar da possibilidade de subdiagnosticos haja vista que os sintomas iniciais podem se confundir com outros diagnósticos mais comuns, como insuficiência respiratória e gastroenterites. Dentre as suas causas a infecção viral é a mais prevalente nas crianças sendo o enterovírus um dos mais cardiotrópicos. O Coxsackievirus B, provável etiologia do caso, é capaz de gerar lesões direta ou indiretamente através do sistema imune ou ser eliminado sem causar danos. 

Tendo em vista a presença de trombo/vegetação, a introdução de antibioticoterapia no paciente relatado foi necessária apesar dos resultados das hemoculturas serem negativas. Optou-se por manter a antibioticoterapia prolongada já que não pode descartar a coinfecção por bactérias, que por sua vez é a principal etiologia da endocardite, além da alta morbimortalidade relacionada a essa afecção. Assim sendo, o diagnóstico é clínico e ecocardiográfico em que esse último descarta causas não inflamatórias, como as cardiopatias congênitas por exemplo. 

O tratamento dependerá da evolução clínica do paciente. Para casos onde a endocardite está presente, indica-se pelo menos 4 semanas de tratamento endovenoso. Além disso, realiza-se o suporte, considerando o estado hemodinâmico e arritmias. É válida a anticoagulação na presença de trombo, já a imunoglobulina, o corticoide e o antiviral não são realizados rotineiramente. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

O caso relata um paciente pediátrico que apresentou miocardite causada por Coxsackievirus associado a um trombo/vegetação, não descartando infecção bacteriana associada. Com o tratamento, evoluiu com melhora e desaparecimento das lesões visualizadas. Apesar da infecção viral ser a causa mais prevalente de miocardite em crianças, o desdobramento secundário ao vírus encontrado na patologia do caso, torna-o raro e de alta morbidade. O diagnóstico e abordagem terapêutica precoces, garantiu melhor qualidade de vida ao paciente e à família e, além disso, preveniu possíveis sequelas e complicações duradouras que o limitariam por toda vida. Com isso, mais pacientes como esse poderão se beneficiar com o conhecimento e possibilidade de terapias para manejo e cura, além de despertar a necessidade de maiores estudos.   

REFERÊNCIAS:

Montera MW, et al. Diretriz de Miocardites da Sociedade Brasileira de Cardiologia ¿ 2022. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(1):143-211

Murakoshi Y. et al, Treatment strategy for acute myocarditis in pediatric patients requiring emergency intervention, BMC Pediatrics, 10 April 2023; 

MD, Brien. S. et a. Infective endocarditis in children, UpToDate, Aug 22, 2023;

MD, Catherine. K . A, Clinical manifestations and diagnosis of myocarditis in children, , UpToDate, Jun 28, 2023;

MD, Law Y. M. et al, Diagnosis Ane Management of Myocarsitis in Children, American Heart Association, Inc, Augusto 10, 2022.


1Médico(a) Residente(a) em Pediatria pelo Hospital Regional de Taguatinga – DF.
E-mail: bastosheloise1@gmail.com 

2Médico(a) Residente(a) em Pediatria pelo Hospital Regional de Taguatinga – DF. E-mail: renatamachadobonfim@gmail.com

3Médico (a) Especialista em Pediatria e preceptor do Programa de Residência Médica do Hospital Regional de Taguatinga – DF. Email: franciscorufinoneto@gmail.com

4Médico(a) Residente(a) em Pediatria pelo Hospital Regional de Taguatinga – DF. E-mail: coutolimaana@gmail.com