ENCEFALITE POR ACANTHAMOEBA SPP.: ABORDAGENS CLÍNICAS E REVISÃO DA LITERATURA 

ACANTHAMOEBA SPP. ENCEPHALITIS: CLINICAL APPROACHES AND LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11552467


Alice Neres Mendes; Cintia Cavalcante Barbosa; Michel Machado Marinho; Nicole Tiemi Inoue; Paloma Bezerra Baião; Pedro Almeida Moyano; Tamiris de Figueiredo; Vitoria Felipe de Carvalho


RESUMO 

A encefalite amebiana granulomatosa (GAE) é uma infecção severa do sistema nervoso central causada pelo protozoário Acanthamoeba spp., encontrado em diversos ambientes, como água, solo e instalações hospitalares. Embora rara, a GAE apresenta uma taxa de mortalidade alarmante, próxima de 90%, afetando principalmente indivíduos imunocomprometidos, mas também podendo acometer imunocompetentes. A dificuldade de diagnóstico precoce deve-se à semelhança dos sintomas com outras doenças neurológicas, ao desconhecimento entre profissionais de saúde e aos tratamentos inespecíficos. A Acanthamoeba spp. possui uma notável capacidade de sobrevivência e adaptação a variações de osmolaridade, temperatura, salinidade e pH, o que facilita sua presença em diversos ambientes e organismos, agravando a subnotificação dos casos. Compreender a biologia dessas amebas é crucial para desenvolver estratégias de prevenção, controle, diagnóstico precoce e tratamentos específicos e eficazes. A formação de parcerias internacionais e multidisciplinares pode acelerar o desenvolvimento de novas tecnologias de diagnóstico e tratamentos inovadores. A conscientização global sobre a doença e o compartilhamento de dados e recursos são essenciais para enfrentar esse patógeno raro e mortal. Programas educativos para profissionais de saúde sobre o reconhecimento precoce dos sintomas e o manejo adequado da GAE podem melhorar significativamente os desfechos clínicos. Além disso, a adoção de medidas preventivas, como o tratamento adequado da água e a conscientização sobre os riscos de infecções amebianas, é fundamental para reduzir a incidência da doença. Essas iniciativas, combinadas com a pesquisa contínua e o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas, são essenciais para enfrentar de maneira eficaz essa grave ameaça à saúde pública 

Palavras-chave: Acanthamoeba spp. Encefalite. Rara. Grave.

ABSTRACT 

Granulomatous amoebic encephalitis (GAE) is a severe infection of the central nervous system caused by the protozoan Acanthamoeba spp., found in various environments, such as water, soil and hospital facilities. Although rare, GAE has an alarming mortality rate, close to 90%, mainly affecting immunocompromised individuals, but can also affect immunocompetent individuals. The difficulty in early diagnosis is due to the similarity of symptoms with other neurological diseases, lack of knowledge among health professionals and non-specific treatments. Acanthamoeba spp. It has a remarkable ability to survive and adapt to variations in osmolarity, temperature, salinity and pH, which facilitates its presence in different environments and organisms, worsening the underreporting of cases. Understanding the biology of these amoebas is crucial to developing strategies for prevention, control, early diagnosis and specific and effective treatments. The formation of international and multidisciplinary partnerships can accelerate the development of new diagnostic technologies and innovative treatments. Global awareness of the disease and sharing of data and resources are essential to confront this rare and deadly pathogen. Educational programs for healthcare professionals on early symptom recognition and appropriate management of GAE can significantly improve clinical outcomes. Furthermore, the adoption of preventive measures, such as adequate water treatment and awareness of the risks of amoebic infections, is essential to reduce the incidence of the disease. These initiatives, combined with continued research and development of new therapeutic approaches, are essential to effectively address this serious public health threat. 

Keywords: Acanthamoeba spp. Encephalitis. Rare. Severe.

1. INTRODUÇÃO 

Acanthamoeba spp. são protistas eucarióticos unicelulares encontrados em diversos ambientes como água doce, solo e ar. Esses organismos de vida livre possuem um ciclo de vida que alterna entre estágios de trofozoíto e cisto. Algumas espécies de Acanthamoeba causam infecções humanas, como encefalite amebiana granulomatosa (GAE), sendo essa condição mais comum em pessoas imunodeprimidas. 

A GAE ocorre quando Acanthamoeba spp. infecta o sistema nervoso central (SNC), geralmente através do trato respiratório ou lesões na pele, e se dissemina pelo sangue. No SNC, a ameba atravessa a barreira hematoencefálica, resultando em encefalite granulomatosa crônica com sintomas como confusão e alucinações. O diagnóstico envolve análise de tecido cerebral ou líquido cefalorraquidiano (LCR), microscopia, biópsias, e exames de imagem como tomografia e ressonância magnética. 

As infecções por Acanthamoeba spp. são negligenciadas devido à sua raridade e à baixa sensibilidade dos métodos diagnósticos, levando a frequente subnotificação. No Brasil, a identificação desses patógenos é dificultada pela falta de menção a agentes como Naegleria fowleri, Acanthamoeba spp., e Balamuthia mandrillaris nos guias de vigilância em saúde. 

Atualmente, não há consenso sobre o tratamento mais eficaz para a encefalite por Acanthamoeba spp., com uma taxa de mortalidade próxima de 90%. Medicamentos como rifampicina, fluconazol, miltefosina, entre outros, têm sido utilizados. Este estudo visa melhorar a compreensão da encefalite causada por Acanthamoeba spp. e contribuir para o desenvolvimento de diagnósticos e tratamentos mais eficazes, ressaltando a importância de novas estratégias de prevenção e manejo dessa doença. 

2. MÉTODOS E MATERIAIS

O presente estudo constitui-se de uma pesquisa bibliográfica descritiva e exploratória, que se propõe a realizar uma Revisão Literária acerca do tema Encefalite por Acanthamoeba spp. A pesquisa foi conduzida mediante a coleta de informações em fontes de bibliotecas, revistas digitais nacionais e internacionais e artigos científicos, abrangendo o período compreendido entre os anos de 1990 e 2024, incluindo na busca às bases de dados, como os sites PubMed, Scielo, The Lancet, Bentham Science Publisher, Surgical Neurology International, Oxford Academic, ACS Publications, ScienceDirect. 

Termos de busca utilizados: Encefalite. Acanthamoeba. Tratamentos. 

3. OBJETIVOS 

Objetivo Geral 

Apresenta uma infecção rara e frequentemente fatal do sistema nervoso central, explorando sua etimologia, métodos diagnósticos, prevenção e tratamentos. 

Objetivo Específico 

Analisar a epidemiologia da Acanthamoeba e seu agente etiológico, apresentar os métodos diagnósticos disponíveis, revisar as atuais medidas utilizadas no diagnóstico e tratamento, além de apresentar e discutir novas técnicas laboratoriais para diagnósticos precoces e tratamentos mais eficazes. 

4. DISCUSSÃO 

4.1 AGENTE ETIOLÓGICO 

O protozoário oportunista Acanthamoeba, amplamente distribuído na natureza, demonstra uma notável capacidade de sobrevivência e adaptação a diversos ambientes (Page, 1988). Sua presença é observada em locais variados, desde ambientes aquáticos como água salobra e doce até instalações hospitalares e habitats terrestres como solo e ar (Shuster & Visvesvara, 2004). Além disso, estudos identificaram a presença da Acanthamoeba em uma ampla gama de organismos, incluindo vegetais, peixes, répteis, anfíbios, cães, macacos e pássaros (Visvesvara et al., 2007). Infecções causadas por amebas como Acanthamoeba são consideradas doenças negligenciadas devido à sua rara ocorrência, à ampla distribuição das amebas de vida livre combinada com a baixa sensibilidade e especificidade dos métodos diagnósticos atuais, sugere que muitos casos possam passar despercebidos, agravando o problema da subnotificação (Schuster & Visvesvara, 2004). A ameba pode sobreviver em uma ampla gama de condições, incluindo variações de osmolaridade, salinidade e pH, inclusive em temperaturas superiores a 37 °C. A capacidade de adaptação e sobrevivência em ambientes variados torna a Acanthamoeba um agente patogênico potencialmente perigoso para os seres humanos, especialmente em situações de exposição inadequada e imprópria (Page, 1988; Shuster & Visvesvara, 2004). Especificamente, as encefalites amebianas são eventos raros, muitas vezes diagnosticados post-mortem devido à falta de suspeita clínica (Schuster & Visvesvara, 2004; Carlesso et al., 2007). O ciclo de vida da Acanthamoeba envolve estágios vegetativos, representados pelos trofozoítos, e estágios dormentes, representados pelos cistos (Khan, 2006). Os trofozoítos, com um único núcleo e pequenas projeções conhecidas como acantopodias, são a forma infectante e invasiva da Acanthamoeba, alimentando-se de bactérias, algas, fungos e partículas orgânicas e reproduzindo-se por fissão binária. Por outro lado, os cistos são uma forma de resistência, compostos por duas paredes, endo e ectocisto, que protegem a ameba da dessecação, privação de alimentos e de uma variedade de agentes químicos e físicos (Akzozek et al., 2002; Mazur et al., 1995). 

4.2 EPIDEMIOLOGIA DA ENCEFALITE AMEBIANA GRANULOMATOSA

A EAG é uma condição rara, com menos de 150 casos descritos em todo o mundo e uma taxa de sobrevivência inferior a 10% (Barete et al., 2007). No entanto, a subnotificação pode ser um problema significativo, dada a dificuldade de reconhecimento da EAG. Essa doença oportunista e fatal afeta principalmente indivíduos imunocomprometidos, como portadores de HIV/AIDS, diabéticos não compensados e pacientes transplantados, embora casos em indivíduos imunocompetentes também tenham sido descritos (Visvesvara et al., 2007). As vias de entrada da Acanthamoeba na EAG incluem o trato respiratório inferior e lesões na pele, seguidas de disseminação hematogênica. Uma vez no sistema nervoso central (SNC), a Acanthamoeba atravessa a barreira hematoencefálica, especialmente através do revestimento endotelial dos capilares cerebrais (Martinez, 1991). As lesões causadas pela Acanthamoeba são frequentemente observadas em várias regiões do SNC, resultando em encefalite granulomatosa crônica. 

4.3 EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL 

No contexto brasileiro, a escassez de relatos de casos de infecções por amebas de vida livre (AVLs) pode ser atribuída, em parte, à dificuldade na identificação desses patógenos (Zanella, 2011). Embora o guia de vigilância em saúde ofereça procedimentos detalhados para o monitoramento de meningites virais e bacterianas, é importante destacar que outros agentes etiológicos, como Naegleria fowleri, Acanthamoeba spp., e Balamuthia mandrillaris, não são mencionados neste documento (Brasil, Ministério da Saúde, 2019). Essa lacuna indica a necessidade urgente de realizar estudos e publicações mais abrangentes sobre as amebas de vida livre a fim de melhorar a detecção precoce e o manejo dessas infecções. No território brasileiro, em 1992, Chimelli e colegas documentaram o caso de uma mulher de 47 anos, alcoólatra, que faleceu devido à encefalite amebiana granulomatosa (EAG) causada por Acanthamoeba (Chimelli et al., 1992). 

4.4 MÉTODOS DIAGNÓSTICOS 

A microscopia de amostras é comumente usada para identificar infecções por Acanthamoeba spp. No diagnóstico, geralmente se coletam amostras de líquido cefalorraquidiano (LCR), que são centrifugadas em baixa velocidade para preservar os trofozoítos móveis. Em infecções por encefalite amebiana granulomatosa (GAE), os trofozoítos raramente são vistos em montagens úmidas do LCR. Quando presentes, esses trofozoítos têm entre 15-40 μm e possuem projeções espinhosas chamadas acantopódios. Devido ao formato, podem ser confundidos com monócitos, leucócitos polimorfonucleares ou macrófagos na amostra de LCR (Alkhunaizi et al., 2013). Cistos de Acanthamoeba não são observados em amostras de LCR, mas uma amostra negativa não descarta a infecção por GAE (Garcia, 2007).

O diagnóstico também pode ser realizado através de biópsias de pele, lesões na face ou extremidades, biópsias sinusais ou pulmonares, e biópsias de tecido cerebral, obtidas durante cirurgia ou post-mortem (Parija et al., 2015). Em biópsias de tecido cerebral e pele fixadas em formalina e embebidas em parafina, a histopatologia pode revelar cistos e trofozoítos de Acanthamoeba na região perivascular, embora os acantopódios dos trofozoítos não sejam geralmente visíveis (Kodet et al., 1998). 

Diferentes colorações são usadas para identificar cistos e trofozoítos, como hematoxilina e eosina, Gomori Metenamina Prata (GMS), tricrômio, Wright e calcofluor branco. A microscopia eletrônica facilita a diferenciação dos gêneros, mostrando cistos com camada dupla, ectocisto externo enrugado e endocisto interno liso, que podem ser redondos ou ovais (Parija et al., 2015). 

Outra técnica eficaz envolve o uso de anticorpos específicos contra antígenos amebianos, adicionados à amostra com conjugado enzimático e substrato. Cistos são corados fracamente comparados aos trofozoítos, com coloração granular indicando antígenos amebianos em macrófagos, células endoteliais e paredes dos vasos (Guarner et al., 2007). Ensaios de imunofluorescência indireta (IFI) também são utilizados, onde o soro do paciente é incubado com lâminas fixas revestidas de amebas, seguido de uma incubação com anticorpo anti-humano marcado com isotiocianato de fluoresceína (FITC), sendo visualizado sob microscópio de fluorescência (Duggal et al., 2017). 

Análises de imagens cerebrais com tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) são realizadas para o diagnóstico de GAE (Modica et al., 2018; El Shaly et al., 2017; Dowell et al., 2015; Khan, 2009). A TC pode revelar lesões únicas ou múltiplas no córtex cerebral, gânglios da base, cerebelo e substância branca subcortical com leve efeito de massa (Deetz et al., 2003; Ma et al., 1990). A RM mostra lesões multifocais com realce em forma de anel, especialmente no diencéfalo, tálamo, tronco cerebral e estruturas da fossa posterior (Schumacher et al., 1995; Shirwadkar et al., 2006; Fowler e Carter, 1965). Em casos graves, a hemorragia intralesional pode ser uma pista diagnóstica devido à angiite necrosante (Zagardo et al., 1997). 

A Acanthamoeba pode ser cultivada em meios axênicos, xênicos e culturas de tecidos (Parija et al., 2015). Amostras de biópsia cerebral ou de pele podem ser cultivadas em meios líquidos como PYG (peptona, glicose, extrato de levedura) ou meio de Nelson, e em ágar não nutriente (NNA) (Duggal et al., 2017). As amostras são inoculadas em NNA com bactérias e incubadas a 37 °C por 1-2 dias, observando-se as estruturas morfológicas da Acanthamoeba ao microscópio invertido com ampliação de 10x (Parija et al., 2015). Também é possível cultivar em células renais de macaco E6 e células pulmonares embrionárias humanas (Duggal et al., 2017). 

4.5 IDENTIFICAÇÃO PRECOCE E DISTINÇÃO PRECISA 

Técnicas moleculares, como a reação em cadeia da polimerase (PCR) e a PCR em tempo real, são utilizadas para confirmar o diagnóstico de infecções por Acanthamoeba spp., pois outras amebas de vida livre também são conhecidas por produzirem cistos no tecido cerebral (Qvarnstrom et al., 2006; Walochnik et al., 2015). Esses ensaios moleculares são métodos diagnósticos eficazes, permitindo a identificação rápida e sensível de Acanthamoeba spp

Em um estudo, uma amostra de líquido cefalorraquidiano (LCR) de um paciente HIV positivo foi enviada ao Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) para teste de PCR de amebas de vida livre e foi considerada positiva para Acanthamoeba spp. (El Shaly et al., 2017). Além disso, Modica et al. (2018) empregaram a PCR Multiplex em tempo real para identificar infecções de Acanthamoeba spp., Balamuthia mandrillaris e Naegleria fowleri em amostras de tecido cerebral de pacientes suspeitos. No entanto, somente Acanthamoeba spp. foi identificada entre eles. 

Os genótipos de Acanthamoeba spp. foram detectados principalmente utilizando a análise de PCR do rDNA nuclear 18S (Ledee et al., 2003). Esses genótipos podem ser avaliados adicionalmente realizando múltiplos alinhamentos usando CLUSTAL X e o editor de sequências GeneDoc (Gast et al., 1996; Walochnik et al., 2015; Nicholas, 1997; Thompson et al., 1997). Aproximadamente 21 genótipos de Acanthamoeba foram documentados. Esses ensaios moleculares podem auxiliar na identificação rápida de Acanthamoeba spp. em casos suspeitos, contribuindo para a administração de tratamento adequado e oportuno aos pacientes. 

4.6 REGIME DE TRATAMENTOS PARA INFECÇÕES POR ACANTHAMOEBA

O protocolo padrão para o tratamento de infecções por Acanthamoeba geralmente envolve a aplicação de agentes antiparasitários com o objetivo de erradicar os organismos. Os fármacos frequentemente empregados nos ambientes clínicos abrangem: Miltefosina, Pentamidina, Sulfadiazina, Flucitosina, Fluconazol, além de medicamentos correlatos como Voriconazol e Itraconazol. 

Informações adquiridas pelo Bronner et al., 1991 e por análises feitas pelo Spottiswoode et al., 2024, fluconazol e azitromicina são dois medicamentos com perfis de efeitos colaterais relativamente favoráveis, mas pouca evidência de eficácia. Parece ter fraca atividade in vitro contra a Acanthamoeba, baixa penetração no sistema nervoso central (SNC) e nenhuma ligação clara com a sobrevivência. Pentamidina e sulfadiazina são dois agentes com evidências mínimas relatadas de eficácia e toxicidade significativas, possuem concentrações de amebicida efetivas in vitro que são as mais baixas do regime atual, mas informam que os estudos são limitados e caracterizaram as concentrações de pentamidina no LCR, sugerindo possivelmente sua capacidade de atingir concentrações comparáveis ou até menores do que suas concentrações de amebicida in vitro. Nas diretrizes propostas pela Infectious Diseases Society of America (IDSA) sugerem o uso de sulfametoxazol-trimetoprima (SMX-TMP), rifampicina, pirimetamina e cetoconazol, também Sulfadiazina e Fluconazol. Porém, o tratamento utilizado nesses fármacos é apresentado com recomendação de grau C-III, onde C indica que a qualidade das evidências é baixa, ou seja, baseada principalmente em estudos observacionais ou em consenso de especialistas. O “III” sugere que o equilíbrio entre benefícios e riscos é incerto. 

A revisão intitulada “Encefalite por Acanthamoeba castellanii em paciente com AIDS: relato de caso e revisão da literatura” publicada em agosto de 2021 na revista Surgical Neurology International (SNI), destacou 13 casos selecionados, de pacientes que sobreviveram à infecção. Dentre estes, os agentes mais empregados foram rifampicina, anfotericina B, fluconazol e SMX-TMP em esquemas que variaram de 2 a 5 antimicrobianos totais, entretanto o tratamento de um dos pacientes sobreviventes empregou miltefosina em monoterapia (Ong et al., 2017).

4.7 LIMITAÇÕES NAS TERAPÊUTICAS ATUAIS 

A ausência de ensaios clínicos randomizados e controlados para a medicação da EAG se deve à raridade extrema dos casos, dessa forma, os avanços terapêuticos são baseados principalmente em estudos de caso de sobreviventes, conforme relatado por (Spottiswoode et al.,2024). A resistência do parasita a muitos agentes antiparasitários e a dificuldade de penetração desses agentes na barreira hematoencefálica são desafios significativos. Os medicamentos mais comumente utilizados, como a anfotericina B, apresentam níveis significativos de toxicidade e podem ter eficácia limitada na eliminação do parasita no sistema nervoso central. A anfotericina B, por exemplo, pode causar nefrotoxicidade. Além disso, a presença de cistos resistentes ao tratamento no tecido cerebral pode levar à recorrência da infecção após a aparente cura inicial. Outros obstáculos incluem a dificuldade de diagnóstico precoce devido à apresentação clínica inespecífica da EAG, que pode ser confundida com outras encefalites ou doenças neurológicas. O viés de publicação também é uma preocupação significativa, uma vez que relatos de casos com sobreviventes têm maior probabilidade de serem publicados em comparação com aqueles que descrevem óbitos (Spottiswoode et al., 2024). Isso pode criar uma visão excessivamente otimista da eficácia dos tratamentos atuais. Além disso, a falta de padronização nos protocolos de tratamento e a variação nas respostas individuais ao tratamento dificultam a avaliação precisa da eficácia terapêutica. Portanto é importante salientar que não há terapias medicamentosas eficazes para a infecção por Acanthamoeba no SNC e encefalite amebiana granulomatosa (EAG). A maioria dos casos publicados e tratamentos conhecidos utilizam múltiplas combinações de drogas que apresentam sucessos variáveis. 

4.8 EFICÁCIAS DAS OPÇÕES TERAPÊUTICAS ATUAIS 

Além dos medicamentos citados, terapias como a miltefosina, têm mostrado algum potencial em estudos de caso, mas seu uso é limitado por sua disponibilidade e custo. A miltefosina, originalmente desenvolvida como um antineoplásico, demonstrou alguma eficácia contra amebas de vida livre, mas sua eficácia ainda precisa ser confirmada por estudos mais abrangentes. O tratamento muitas vezes envolve uma combinação de agentes antiparasitários, antifúngicos e antibacterianos, tornando difícil identificar a contribuição individual de cada medicamento para a recuperação do paciente. 

4.9 NOVAS ABORDAGENS TERAPÊUTICAS EM DESENVOLVIMENTO 

As prioridades para novas abordagens incluem a caracterização de agentes antiamebianos potenciais e atuais, bem como a coleta rigorosa de dados clínicos. Estudos em andamento sobre a nitroxolina oferecem uma promessa clínica significativa, este é o único agente identificado em uma triagem imparcial que já foi utilizado clinicamente até o momento (Spottiswoode et al., 2024). Embora poucos casos tenham sido tratados com este agente, a combinação de atividade in vitro convincente e dados clínicos limitados, porém positivos, torna a nitroxolina uma opção promissora para uso futuro no tratamento da Acanthamoeba. A nitroxolina, um antibiótico utilizado principalmente no tratamento de infecções do trato urinário, tem mostrado eficácia contra diversos patógenos devido à sua capacidade de quelar íons metálicos essenciais para a sobrevivência microbiana. Agentes azólicos, como isavuconazol e voriconazol, têm demonstrado eficácia robusta contra Acanthamoeba in vitro, esses agentes funcionam inibindo a síntese do ergosterol, um componente essencial da membrana celular das amebas, levando à sua morte. Antimicrobianos baseados em nanomateriais também têm atraído significativo interesse científico. Como apresentado por Abdel Naser et al. (2023), as nanopartículas possuem propriedades de funcionalização superficial e múltiplos modos de inibição microbiana, dificultando o desenvolvimento de resistência. A superfície das nanopartículas facilita a modificação com agentes terapêuticos e moléculas orientadoras, como peptídeos e anticorpos. Além disso, a interação direta com o DNA, a provocação de espécies reativas de oxigênio e os danos mecânicos à membrana são propriedades atrativas para o combate a diferentes amebas, incluindo a Acanthamoeba. As nanopartículas podem ser projetadas para liberar medicamentos de forma controlada, aumentando a eficácia do tratamento e minimizando os efeitos colaterais. Terapias experimentais atuais para EAG incluem também ressecção cirúrgica de lesões, ou abcessos cerebrais, oxigênio hiperbárico e terapia medicamentosa combinada, algumas substâncias derivadas de plantas também foram descritas em alguns tratamentos (Damhorst et al., 2022). 

4.10 MEDIDAS DE PREVENÇÃO 

Segundo informações apresentadas pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), as medidas específicas para prevenir a encefalite amebiana granulomatosa (EAG) e a infecção disseminada ainda não estão bem estabelecidas devido à raridade dessas condições. A melhor abordagem para pessoas com sistema imunológico comprometido, que são mais suscetíveis à infecção por Acanthamoeba, é seguir rigorosamente as recomendações de seu médico assistente. É fundamental que esses pacientes mantenham cuidados especiais com a higiene e evitem exposições desnecessárias a ambientes onde a Acanthamoeba possa estar presente, como água doce não tratada e solo contaminado. 

5. DESAFIOS 

Ainda existem lacunas significativas nas pesquisas para identificar novas drogas e orientar regimes de tratamento para a meningoencefalite amebiana. A melhoria na capacidade diagnóstica pode levar a diagnósticos mais precoces, permitindo o início antecipado do tratamento, o que pode melhorar os resultados e aumentar as chances de recuperação. A complexidade do quadro clínico, a apresentação inespecífica dos sintomas e a resistência dos patógenos aos tratamentos disponíveis destacam a urgência de avanços na pesquisa sobre terapias direcionadas e métodos diagnósticos rápidos. 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A encefalite causada por Acanthamoeba spp., particularmente a encefalite amebiana granulomatosa (GAE), representa um desafio significativo devido à sua raridade e alta taxa de mortalidade, que excede 90%, a sobrevida é incomum em pacientes com doença disseminada ou do sistema nervoso central e a morte costuma ocorrer entre 7 e 120 dias após o início. A falta de

informações adequadas sobre a doença contribuem para diagnósticos tardios, o que é crítico, pois a progressão da GAE é rápida e muitas vezes pode ser fatal. Esta condição afeta majoritariamente indivíduos imunocomprometidos, mas não exclusivamente, e seus sintomas neurológicos inespecíficos, como alterações no estado mental, convulsões e paralisia, que podem ser facilmente confundidos com outras doenças do sistema nervoso central. A escassez de conhecimento clínico e de técnicas diagnósticas eficazes impede o reconhecimento precoce e a intervenção terapêutica necessária, agravando os resultados clínicos. 

O presente estudo visa abordar a importância da colaboração internacional e multidisciplinar no combate à encefalite causada por Acanthamoeba spp. A formação de parcerias entre instituições de saúde, universidades e organizações de pesquisa podem acelerar o desenvolvimento de novas tecnologias de diagnóstico e tratamentos inovadores. A conscientização global sobre a doença e o compartilhamento de dados e recursos são essenciais para enfrentar um patógeno tão raro e mortal. Além disso, a implementação de programas educativos para profissionais de saúde sobre o reconhecimento precoce dos sintomas e o manejo adequado da GAE pode melhorar significativamente os desfechos clínicos. A adoção de medidas preventivas se faz necessária, como o tratamento adequado da água e a conscientização sobre os riscos de infecções amebianas. Essa abordagem reforça a necessidade de uma resposta coordenada e abrangente para melhorar o prognóstico dos pacientes afetados pela GAE e diminuir as taxas de mortalidade associadas a essa infecção devastadora. 

7. REFERÊNCIAS 

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