ENCARCERAMENTO FEMININO: ANÁLISE DO SISTEMA CARCERÁRIO FEMININO NO BRASIL, SOB A LUZ DA SUA RESSOCIALIZAÇÃO

FEMALE INCARCERATION: ANALYSIS OF THE FEMALE PRISON SYSTEM IN BRAZIL, IN LIGHT OF ITS RESOCIALIZATION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506091511


João Vitor Penha de Albuquerque1
Everson Rodrigues de Castro2


Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar criticamente o sistema carcerário feminino no Brasil sob a ótica da ressocialização, considerando as especificidades de gênero e as vulnerabilidades sociais das mulheres privadas de liberdade. A pesquisa parte da seguinte questão norteadora: de que maneira o sistema prisional brasileiro contribui para a ressocialização dessas mulheres? Observa-se que, ao negligenciar tais especificidades, o sistema mostra-se ineficaz na promoção da reintegração social, contribuindo para a reincidência criminal e a perpetuação da exclusão social. Nesse contexto, busca-se compreender a realidade vivenciada por essas mulheres, com ênfase na efetivação dos seus direitos fundamentais, conforme previsto na Constituição Federal de 1988 e nas Regras de Bangkok. A investigação também aborda a aplicação prática das políticas públicas voltadas à dignidade e ressocialização no ambiente prisional, bem como os desafios enfrentados no cotidiano, como a precariedade da assistência à saúde, da educação e das oportunidades de trabalho. A pesquisa é de natureza qualitativa, com abordagem dedutiva, fundamentando-se em revisão bibliográfica de livros, legislações, documentos oficiais e artigos científicos publicados nos últimos cinco anos, selecionados em bases como SciELO e Google Acadêmico. Conclui-se que a transformação do sistema prisional feminino requer a ampliação de políticas públicas humanizadas, a garantia efetiva dos direitos constitucionais e o fortalecimento de programas que promovam a autonomia e dignidade das mulheres encarceradas, sendo essencial a atuação conjunta do Estado, da sociedade civil e da iniciativa privada para garantir sua verdadeira ressocialização. 

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Exclusão social. Políticas públicas. Ressocialização. Sistema carcerário feminino. 

Abstract: This study aims to critically analyze the female prison system in Brazil from the perspective of resocialization, considering the gender specificities and social vulnerabilities of women deprived of liberty. The research is based on the following guiding question: how does the Brazilian prison system contribute to the resocialization of these women? It is observed that, by neglecting such specificities, the system proves ineffective in promoting social reintegration, contributing to criminal recidivism and the perpetuation of social exclusion. In this context, we seek to understand the reality experienced by these women, with an emphasis on the realization of their fundamental rights, as provided for in the 1988 Federal Constitution and the Bangkok Rules. The investigation also addresses the practical application of public policies aimed at dignity and resocialization in the prison environment, as well as the challenges faced in daily life, such as the precariousness of health care, education and job opportunities. The research is qualitative in nature, with a deductive approach, based on a bibliographic review of books, legislation, official documents and scientific articles published in the last five years, selected from databases such as SciELO and Google Scholar. It is concluded that the transformation of the female prison system requires the expansion of humane public policies, the effective guarantee of constitutional rights and the strengthening of programs that promote the autonomy and dignity of incarcerated women, with joint action by the State, civil society and the private sector being essential to ensure their true resocialization. 

Keywords: Fundamental rights. Social exclusion. Public policies. Resocialization. Female prison system. 

INTRODUÇÃO 

Nas últimas décadas, o Brasil tem testemunhado um crescimento expressivo da população carcerária feminina, refletindo mudanças sociais, econômicas e legais que afetam diretamente as mulheres em conflito com a lei. Até 2024, o encarceramento feminino no Brasil continua a apresentar características preocupantes. Embora os dados mais recentes da Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN) não especifiquem o número exato de mulheres privadas de liberdade, informações anteriores indicam que, em dezembro de 2021, havia quase 43 mil mulheres encarceradas no país. Estudos apontam que o número de mulheres presas no Brasil quadruplicou em 20 anos, refletindo um crescimento exponencial dessa população (GONÇALVES, 2023). 

Diante disso, surge o seguinte questionamento: de que maneiro o sistema carcerário brasileiro contribui para a ressocialização das mulheres privadas de liberdade, considerando suas especificidades de gênero e vulnerabilidades sociais? O sistema carcerário brasileiro, ao não considerar adequadamente as especificidades de gênero e as vulnerabilidades sociais das mulheres privadas de liberdade, revela-se ineficaz no processo de ressocialização feminina, contribuindo para a reincidência criminal e a perpetuação da exclusão social (RIBEIRO, 2020). 

A partir dessa perspectiva, o objetivo geral deste artigo é propor uma análise crítica do sistema prisional feminino no Brasil, com ênfase nos direitos fundamentais das mulheres privadas de liberdade, conforme assegurado pela Constituição Federal de 1988 e pelas Regras de Bangkok. Busca-se ainda, investigar a aplicação prática das políticas públicas voltadas à dignidade e ressocialização dessas mulheres, além de explorar os obstáculos cotidianos enfrentados por elas, como a carência de assistência à saúde e as dificuldades no acesso à educação e ao trabalho. 

A presente pesquisa possui caráter qualitativo, com enfoque dedutivo, buscando compreender e interpretar os dados à luz da realidade social das mulheres encarceradas no Brasil. Foi adotado o método bibliográfico, com base na análise de livros, legislações, documentos institucionais e artigos científicos publicados nos últimos cinco anos, selecionados por sua relevância e pertinência ao tema proposto.  

As fontes foram obtidas por meio de bancos de dados públicos e confiáveis, como o INFOPEN (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Organização das Nações Unidas (ONU), que oferecem informações atualizadas e oficiais sobre o encarceramento feminino no Brasil e no mundo. Paralelamente, foram consultadas bases acadêmicas como SciELO e Google Acadêmico, priorizando artigos de livre acesso, revisados por pares e com alto grau de relevância científica.  

O critério de seleção dos materiais considerou a atualidade, a contribuição teórica para o debate sobre o encarceramento feminino e a ressocialização, bem como o alinhamento com as especificidades de gênero e direitos humanos. A análise dos dados teve como objetivo identificar padrões, lacunas e desafios enfrentados pelas mulheres privadas de liberdade, especialmente no que diz respeito às políticas de reintegração social. 

A pesquisa revela que o sistema prisional brasileiro enfrenta sérias limitações na implementação de políticas eficazes de ressocialização voltadas às mulheres, sobretudo pela escassez de recursos e profissionais capacitados. As detentas muitas vezes convivem com condições precárias, como superlotação, falta de itens básicos de higiene e ausência de suporte à saúde e à maternidade (RIBEIRO, 2020). Essa realidade evidencia a urgência de políticas públicas humanizadas e específicas, além de ações afirmativas que promovam a reinserção das ex-presidiárias na sociedade, especialmente no mercado de trabalho. A ressocialização feminina demanda um esforço conjunto do Estado, da sociedade e do setor privado, considerando as particularidades de gênero e os direitos constitucionais dessas mulheres, que seguem sendo negligenciadas pelo poder público. 

1. PANORAMA DO ENCARCERAMENTO FEMININO NO BRASIL 

1.1 POPULAÇÃO CARCERÁRIA FEMININA  

Nas últimas décadas, o encarceramento feminino no Brasil tem registrado um crescimento significativo, configurando-se como um fenômeno social de crescente relevância. A população feminina privada de liberdade em 2000 era de 5.601 mulheres, em 2014 aumentou para 37.380, o que representa um aumento de cerca de 567% em 15 anos (FERNANDES, 2015). 

Conforme os dados recentes do SISDEPEN, a população feminina privada de liberdade no Brasil, em 31 de dezembro de 2024, totalizava 29.137 mulheres. A distribuição por Unidade da Federação revela disparidades significativas, com o estado de São Paulo concentrando a maior parte dessa população (9.145 internas), o que corresponde a aproximadamente 31,4% do total nacional (BRASIL, 2024). 

Outros estados com números expressivos incluem Minas Gerais (2.628), Paraná (2.378), Rio Grande do Sul (1.714), Rio de Janeiro (1.668), Santa Catarina (1.448) e Espírito Santo (1.019). Esses sete estados somam juntos mais de 70% da população carcerária feminina do país, demonstrando a concentração regional do encarceramento feminino nas regiões Sudeste e Sul (BRASIL, 2024). 

Por outro lado, estados como Amapá (109), Tocantins (154), Roraima (160) e Alagoas (150) apresentam os menores números, o que pode estar relacionado tanto ao porte populacional quanto à capacidade e estrutura do sistema prisional local (BRASIL, 2024). Vejamos a tabela 1. 

Tabela 1 – População Feminina no Sistema Penitenciário por Unidade da Federação (31/12/2024).

UF População Feminina UF População Feminina UF População Feminina 
AC 205 MA 375 RJ 1.668 
AL 150 MG 2.628 RN 356 
AM 172 MS 962 RO 336 
AP 109 MT 825 RR 160 
BA 392 PA 631 RS 1.714 
CE 913 PB 618 SC 1.448 
DF 559 PE 924 SE 233 
ES 1.019 PI 258 SP 9.145 
GO 805 PR 2.378 TO 154 

Fonte: BRASIL (2024). 

Essa distribuição evidencia a necessidade de políticas públicas específicas para a população carcerária feminina, considerando aspectos regionais, estruturais e 

sociais que impactam diretamente a realidade dessas mulheres no sistema prisional. 

Ademais, cerca de 68% das mulheres presas estão envolvidas com o tráfico de entorpecentes, muitas vezes exercendo funções periféricas, como transporte ou ocultação de drogas. Em sua maioria, essas mulheres são jovens, negras, com baixa escolaridade e provenientes de camadas sociais economicamente vulneráveis, evidenciando a seletividade penal e os vieses de classe e raça presentes no sistema de justiça criminal (BORGES; BORGES, 2022). 

Além da criminalização da pobreza e da marginalização social, é fundamental considerar as especificidades do encarceramento feminino em relação ao masculino. As mulheres privadas de liberdade enfrentam condições estruturais precárias nas unidades prisionais, que, em sua grande maioria, foram projetadas para homens e não atendem às necessidades particulares do corpo e da saúde da mulher. Muitas dessas unidades carecem de atendimento ginecológico regular, acesso a absorventes e produtos de higiene, acompanhamento pré-natal e espaços adequados para mães e filhos. Apenas 34% dos estabelecimentos prisionais femininos possuem cela ou dormitório específico para gestantes, e apenas 32% contam com berçários ou centros de referência materno-infantil (POMPEU, 2020, p.23). 

Outro aspecto alarmante é o impacto do encarceramento na maternidade. Um número significativo de mulheres presas são mães e, muitas vezes, únicas responsáveis pelo cuidado de seus filhos. O rompimento do vínculo materno durante o período de reclusão gera profundas consequências psicológicas tanto para a mulher quanto para a criança, dificultando a ressocialização e ampliando os ciclos de exclusão social (ARAÚJO et al., 2020). 

Nesse contexto, torna-se urgente repensar a política criminal voltada para as mulheres, promovendo alternativas penais que considerem as especificidades de gênero. A adoção de medidas cautelares alternativas à prisão, a ampliação de políticas de justiça restaurativa e o fortalecimento de programas de reintegração social são caminhos possíveis para romper com a lógica punitivista vigente. Além disso, é fundamental garantir a efetiva implementação da legislação existente, como a Lei de Execução Penal, as Regras de Bangkok da ONU e a Constituição Federal, assegurando os direitos fundamentais das mulheres privadas de liberdade (DRZEWINSKI, 2022). 

Portanto, o aumento da população carcerária feminina no Brasil deve ser analisado à luz das desigualdades sociais e das falhas estruturais do sistema penal, e não isoladamente. É imprescindível que o Estado, em conjunto com a sociedade civil, promova ações concretas de prevenção, acolhimento e reintegração, visando garantir dignidade, equidade e justiça para essas mulheres. 

1.2 PERFIL DAS MULHERES ENCARCERADAS NO BRASIL 

A análise da população carcerária feminina no Brasil revela um panorama relevante quanto à distribuição etária das mulheres privadas de liberdade. Os dados fornecidos pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), referentes ao 17º ciclo do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (SISDEPEN), com período de referência entre julho e dezembro de 2024, indicam que havia, até 31 de dezembro de 2024, um total de 24.917 mulheres encarceradas em todo o território nacional (BRASIL, 2024). 

A faixa etária com maior concentração de mulheres presas é a de 30 a 34 anos, com 8.656 internas, representando aproximadamente 34,7% do total. Em seguida, destacam-se as faixas de 25 a 29 anos, com 5.364 mulheres (21,5%), e 18 a 24 anos, com 5.770 mulheres (23,2%). Essa distribuição revela que cerca de 79,4% da população carcerária feminina está concentrada entre os 18 e 34 anos de idade, refletindo o encarceramento predominante de mulheres em idade jovem e produtiva (BRASIL, 2024). 

A quantidade de presas diminui significativamente a partir dos 35 anos. A faixa etária de 35 a 45 anos soma 3.783 mulheres, enquanto o número cai para 455 na faixa de 46 a 55 anos. Já as mulheres entre 56 e 60 anos totalizam 49 internas, e as com mais de 60 anos somam apenas 840, o que representa 3,4% do total de mulheres presas (BRASIL, 2024). 

Dentre as unidades federativas, o estado de São Paulo apresenta o maior número absoluto de mulheres presas, com 7.998 internas, o que corresponde a aproximadamente 32% do total nacional. Esse dado reflete, além da densidade populacional do estado, a concentração de grandes centros urbanos e também a robustez do sistema prisional paulista. Outros estados com números expressivos são Minas Gerais (2.281 internas), Rio Grande do Sul (1.496 internas) e Rio de Janeiro (1.385 internas) (BRASIL, 2024). 

Por outro lado, estados como Amapá (90 internas), Roraima (141 internas) e Tocantins (104 internas) apresentam números significativamente menores, o que pode estar relacionado à menor população geral e à estrutura prisional mais reduzida (BRASIL, 2024). Vejamos a tabela 2. 

Tabela 2 – Dados de mulheres presas por faixa etária (julho a dezembro de 2024)

UF 18 a 24 anos 25 a 29 anos 30 a 34 anos 35 a 45 anos 46 a 55 anos 56 a 60 anos 60 anos ou mais Total 
AC 69 32 46 18 168 
AL 30 32 43 18 125 
AM 40 35 42 24 142 
AP 25 19 30 15 90 
BA 82 58 120 52 318 
CE 230 150 235 92 11 724 
DF 129 143 167 61 510 
ES 258 201 245 137 22 863 
GO 164 170 247 84 21 695 
MA 69 61 107 59 299 
MG 502 482 881 368 45 2.281 
MS 189 213 294 129 837 
MT 193 151 208 76 632 
PA 187 98 95 26 411 
PB 137 130 184 81 547 
PE 213 178 269 90 13 764 
PI 52 37 75 36 205 
PR 315 341 464 261 24 787 2.194 
RJ 295 282 492 274 39 1.385 
RN 84 68 97 38 293 
RO 71 64 82 47 12 282 
RR 40 31 50 20 141 
RS 337 334 541 248 34 1.496 
SC 277 251 459 204 27 1.220 
SE 46 45 60 41 192 
SP 1.709 1.721 3.093 1.290 161 24 7.998 
TO 27 37 30 10 104 
SPF 
Total 5.770 5.364 8.656 3.783 455 49 840 24.917 

Fonte: BRASIL (2024). 

Já a análise dos dados referentes ao efetivo feminino das instituições, distribuídos por unidade federativa e categorizados por cor/raça, revela importantes aspectos da composição demográfica das corporações. A partir dos dados apresentados, observa-se que o total de mulheres registradas soma 28.898 indivíduos, com a seguinte distribuição: Branca (9.153), Preta (4.280), Parda (13.516), Amarela (626), Indígena (96) e não informada (1.227) (BRASIL, 2024). 

A categoria “Parda” representa a maior parcela entre as mulheres, com aproximadamente 46,78% do total feminino. Em seguida, tem-se a categoria “Branca”, com 31,68%, e “Preta”, com 14,81%. Essas três categorias, juntas, somam mais de 93% do total de mulheres, refletindo um recorte étnico-racial alinhado ao perfil populacional brasileiro (BRASIL, 2024). 

A presença feminina autodeclarada como amarela é minoritária, com 626 mulheres, concentrando-se em estados como São Paulo, Paraná, e Espírito Santo. Já a categoria Indígena, ainda mais reduzida, com 96 mulheres em todo o país, encontra maior incidência relativa nos estados de Roraima (18), Mato Grosso do Sul (26) e Rio Grande do Sul (15). O número de registros como “Não informado” chama atenção, totalizando 1.227 mulheres, o que pode indicar fragilidades nos processos de coleta e preenchimento de dados ou resistência à autodeclaração (BRASIL, 2024). 

Em termos regionais, destaca-se o estado de São Paulo, com o maior contingente feminino em praticamente todas as categorias, especialmente entre brancas (3.620), pretas (1.210) e pardas (3.868), refletindo tanto o tamanho populacional do estado quanto a sua diversidade étnico-racial. Estados como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Distrito Federal também apresentam números expressivos, sobretudo nas categorias branca e parda (BRASIL, 2024). Vejamos a tabela 3. 

Tabela 3 – Dados de mulheres presas por cor/raça (julho a dezembro de 2024).

UF Branco Preto Pardo Amarelo Indígena Não informado 
AC 20 11 166 
AL 19 15 116 
AM 163 
AP 16 90 
BA 38 94 262 
CE 88 107 716 
DF 86 112 347 10 
ES 154 154 431 25 56 
GO 191 135 453 12 
MA 47 54 268 
MG 634 622 1.249 32 75 
MS 266 93 565 26 10 
MT 186 136 500 
PA 165 81 385 
PB 100 82 436 
PE 125 182 574 25 
PI 28 46 163 20 
PR 676 158 566 22 958 
RJ 492 405 707 59 
RN 76 101 179 
RO 63 70 159 24 
RR 15 10 117 18 
RS 1.132 212 328 19 15 
SC 867 103 445 19 14 
SE 27 31 174 
SP 3.620 1.210 3.868 447 
TO 32 33 89 
SPF 
Total 9.153 4.280 13.516 626 96 1.227 

Fonte: BRASIL (2024). 

O levantamento demonstra não apenas o perfil etário e cor/raça das mulheres privadas de liberdade no Brasil, mas também aponta para a necessidade de políticas públicas voltadas à prevenção do encarceramento feminino e à ressocialização dessas mulheres, sobretudo aquelas em idade reprodutiva e com filhos em idade escolar. Além disso, os dados reforçam a importância da análise interseccional sobre o sistema prisional brasileiro, considerando aspectos como gênero, idade, raça e classe social. 

É importante destacar que, embora os dados revelem avanços na participação feminina nas corporações, a distribuição racial ainda mostra desigualdades, com concentração de mulheres negras (pretas e pardas) em funções específicas, muitas vezes associadas a menor representatividade em cargos de chefia — uma análise que exige cruzamento com dados funcionais e hierárquicos. 

Portanto, a leitura desses dados, ainda que quantitativa, permite refletir sobre a necessidade de políticas afirmativas e de diversidade dentro das instituições, com foco não apenas na ampliação do acesso, mas também na equidade de oportunidades, reconhecimento e progressão funcional. 

2. CONDIÇÕES DO SISTEMA CARCERÁRIO FEMININO 

2.1 SUPERLOTAÇÃO E INFRAESTRUTURA DAS UNIDADES PRISIONAIS 

De acordo com o artigo 32 do Código Penal e o artigo 82, §1º, da Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), as mulheres privadas de liberdade devem ser alocadas em estabelecimentos prisionais distintos dos destinados aos homens, considerando suas especificidades de gênero. Contudo, a realidade carcerária brasileira está longe de atender a essa determinação legal. A escassez de presídios femininos resulta na existência de unidades prisionais mistas, com apenas alas ou celas destinadas às mulheres (VIANA, 2023). 

Conforme dados do SISDEPEN (BRASIL, 2022), apenas 3,81% dos presídios do país são exclusivamente femininos, enquanto 5,23% são mistos. Tal cenário revela uma evidente violação dos direitos das mulheres presas, uma vez que mesmo nos presídios mistos a estrutura é predominantemente voltada ao público masculino, com adaptações superficiais para o acolhimento feminino. 

No que tange à superlotação, as unidades prisionais encontram-se extremamente saturadas, não oferecendo condições dignas às detentas. Muitos dormem no chão das celas, em banheiros ou próximos a buracos de esgoto. Em situações mais críticas, as presas chegam a dormir amarradas às grades ou em redes suspensas, tamanha é a falta de espaço (MAGALHÃES, 2022). Essa situação contradiz o artigo 85 da Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), que determina que o estabelecimento penal deve ter lotação compatível com sua estrutura e finalidade. 

A superlotação, aliada à precariedade e insalubridade das celas, transforma os presídios em ambientes propícios à disseminação de doenças. A má alimentação, o sedentarismo, o uso de drogas, a falta de higiene e a atmosfera degradante das prisões contribuem para o adoecimento físico e mental das detentas, inclusive daqueles que ingressam saudáveis no sistema. O sistema carcerário brasileiro é majoritariamente composto por unidades estaduais, quase todas operando acima da capacidade. Essa superlotação impede a individualização da pena, dificultando a separação entre presos provisórios e condenados, contrariando o artigo 84 da Lei de Execução Penal, que prevê a custódia separada entre essas categorias, bem como entre primários e reincidentes (MIRANDA, 2022, p.19). 

Ademais, o artigo 88 da LEP (BRASIL,1984) estabelece que o condenado deve ser alojado em cela individual, com dormitório, aparelho sanitário e lavatório, exigindo ainda condições mínimas de salubridade e uma área de, no mínimo, 6 m². No entanto, essa norma se mostra distante da realidade vivida nos presídios brasileiros, onde prevalecem condições precárias e degradantes. 

Cruz e Oliveira (2023) ressaltam a necessidade de construção de novas unidades prisionais e da reestruturação das existentes, a fim de garantir condições mínimas de dignidade aos apenados, que hoje vivem em ambientes que mais se assemelham a “depósitos de pessoas”, sem ocupação produtiva ou perspectiva de reintegração social. 

A ideia de ressocialização, prevista no artigo 83 da LEP, torna-se inviável diante da precariedade estrutural dos presídios, que não oferecem assistência adequada, nem espaços para educação, trabalho, lazer ou prática esportiva. A superlotação e a falta de separação entre presos de diferentes perfis favorecem a ocorrência de abusos, formação de facções criminosas e episódios de violência (DIAS, 2023). 

Dessa forma, torna-se evidente a urgência de políticas públicas voltadas à melhoria da infraestrutura carcerária, com foco na construção de presídios adequados à diversidade e à complexidade dos perfis prisionais. A inobservância dos dispositivos legais mencionados compromete profundamente o objetivo ressocializador da pena, especialmente no que diz respeito às mulheres privadas de liberdade. 

2.2 ACESSO A SAÚDE  

A ausência de acesso adequado à saúde nas unidades prisionais femininas visitadas constitui um aspecto extremamente relevante a ser destacado. As condições de cuidado com a saúde física e mental das detentas revelaram-se alarmantes, refletindo uma assistência precária e insuficiente. Essa negligência pode configurarse como uma forma de tortura ou tratamento cruel, desumano e degradante. A falta de atenção à saúde da mulher, quando não é oferecida de forma deliberada ou mediante restrição de acesso, pode ser caracterizada como maus-tratos ou até mesmo tortura (VIANA, 2023). 

A questão da saúde no sistema prisional já havia sido apontada nos relatórios de 2018-2019 e 2020-2021, os quais destacaram a carência de atendimento médico e de cuidados mínimos com a saúde das detentas (BRASIL, 2020; BRASIL, 2022). Esses documentos demonstram que, de maneira geral, não há oferta suficiente de atendimentos, tampouco de tratamentos ou medicamentos adequados às necessidades das mulheres privadas de liberdade. No que se refere às especificidades do corpo feminino, a situação é ainda mais crítica, dada a ausência quase total de cuidados direcionados à saúde da mulher, evidenciando um atendimento extremamente precário nas unidades femininas (VIANA, 2023). 

Os relatos presentes confirmam os dados do SISDEPEN (BRASIL, 2022), que apontam para uma realidade marcada pela falta de alimentação adequada, higiene precária e baixa cobertura de assistência médica. Há número insuficiente de consultórios nos presídios, escassez de médicos clínicos e ainda menor disponibilidade de profissionais especializados em saúde da mulher, o que resulta em altos índices de doenças e mortalidade. Essa negligência atinge com maior gravidade a população feminina, uma vez que não são considerados os cuidados necessários à sua condição de gênero (VIANA, 2023). Essa realidade representa uma violação às Regras de Bangkok (CNJ, 2016), especialmente os itens de nº 6 a 18, que tratam da garantia de saúde e bem-estar para mulheres em situação de prisão. 

Adicionalmente, os relatórios de 2020-2021 registraram as condições sanitárias precárias das unidades prisionais, que geravam alta demanda por atendimento de saúde, motivada por enfermidades dermatológicas, gastrointestinais e infecciosas em geral. O contexto da pandemia de Covid-19 agravou ainda mais essa situação, dificultando a manutenção das unidades, em razão da crise financeira, política e da limitação das fiscalizações (BRASIL, 2022). Esses fatores representam violações ao artigo 11, inciso II, da Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), que assegura o direito à assistência à saúde às pessoas presas, assim como às Regras nº 10 e 18 das Regras de Bangkok, que determinam a oferta de serviços médicos específicos para as mulheres, incluindo medidas preventivas e exames periódicos. 

Conforme os dados do SISDEPEN (BRASIL, 2022), apenas 65% das unidades prisionais brasileiras dispõem de consultórios médicos, o que contribui para a precariedade da assistência à saúde e para os altos índices de mortalidade nas prisões femininas. Entre janeiro e junho de 2022, 56,36% das mortes ocorridas nessas unidades tiveram causas relacionadas à saúde. 

Diante desse cenário, evidencia-se a confirmação do referencial teórico anteriormente discutido, segundo o qual as mulheres privadas de liberdade sofrem uma penalização adicional em razão de seu estilo de vida considerado “irresponsável”. Essa punição se manifesta, inclusive, por meio da negligência às suas necessidades de saúde e higiene específicas, como menstruação, maternidade e sexualidade, o que aprofunda a violência institucional contra essas mulheres, utilizando tais condições como instrumentos de punição e controle em ambiente prisional (VIANA, 2023). 

2.3 VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS 

Diante das diversas violações dos direitos humanos das mulheres é possível afirmar que todas, por si só, já configuram formas de tratamento cruel, desumano ou degradante — características que definem a tortura. No entanto, algumas situações se destacam pela extrema crueldade e perversidade, revelando de forma ainda mais evidente o uso abusivo da força e a instrumentalização do Estado com o propósito de punir mulheres encarceradas. Essas práticas as expõem a situações profundamente humilhantes, caracterizando de maneira clara episódios de tortura (VIANA, 2023). 

Neste cenário, observa-se que a punição imposta às mulheres privadas de liberdade vai muito além da mera pena de reclusão ou das condições precárias e insalubres das unidades prisionais. Relatos de situações degradantes nos presídios femininos revelam a violação da intimidade e da dignidade dessas mulheres. Um exemplo claro é o descumprimento das Regras de Bangkok (regras nº 19 a 21), que determinam que as revistas corporais devem respeitar a dignidade da mulher, sendo realizadas por agentes do sexo feminino devidamente treinadas, com profissionalismo, sensibilidade e métodos apropriados — diretrizes estas frequentemente ignoradas no contexto carcerário brasileiro (CNJ, 2016). 

A mulher em situação de cárcere acaba sendo submetida a uma punição ainda mais severa simplesmente por ser mulher. Sua conduta transgressora é entendida não apenas como uma infração legal, mas como uma afronta aos papéis sociais historicamente atribuídos ao feminino — o de mãe, esposa e cuidadora. Isso configura o que se denomina “tripla sentença”: a desigualdade nas estruturas de poder ligadas ao tráfico de drogas, a aplicação mais severa das penas pelo Judiciário, e, por fim, às violações sistemáticas de direitos dentro do sistema prisional feminino (VIANA, 2023). 

Ademais, essas mulheres são frequentemente abrigadas em estabelecimentos improvisados, não planejados para atender suas necessidades específicas. As prisões femininas no Brasil, em sua maioria, são escuras, insalubres, superlotadas. Muitas detentas dormem no chão, revezando-se para esticar as pernas. Os banheiros, sem portas, com descargas defeituosas e encanamentos danificados, exalam odores constantes. Produtos básicos como xampu, sabonete, papel higiênico e absorventes se tornam moedas de troca de alto valor, usados como forma de remuneração para as internas mais pobres que trabalham como faxineiras ou cabeleireiras (SILVA, 2022, p.27). 

Grande parte dessas mulheres cumpre pena em unidades originalmente masculinas, sem qualquer adaptação. Outras estão alocadas em delegacias ou cadeias públicas superlotadas e desprovidas de condições sanitárias mínimas. Embora a diferença numérica entre homens e mulheres presos seja considerável, isso não justifica a insalubridade e o abandono a que elas são submetidas (SILVA, 2022). 

Com a saturação do sistema prisional masculino, muitas penitenciárias acabam recebendo mulheres sem qualquer preparo ou infraestrutura adequada. 

Embora representem uma minoria dentro da população carcerária, é fundamental garantir cuidados específicos para as mulheres privadas de liberdade. Isso inclui o fornecimento de itens básicos de higiene, como forma de assegurar sua dignidade, além de acesso a tratamentos médicos especializados, como consultas ginecológicas e exames pré-natais (SILVA, 2022). 

Dessa forma, o Estado impõe uma dupla condenação às mulheres encarceradas: além da restrição da liberdade, elas enfrentam cotidianamente a violação da dignidade humana nos ambientes prisionais. Longe de promover a ressocialização, o sistema penitenciário perpetua a violência, a desigualdade, a discriminação e a corrupção (SILVA, 2022). 

Nesse contexto, fica evidente a multiplicidade de sentenças impostas às mulheres, que são punidas não apenas por seus atos, mas também por desafiarem os padrões morais e de comportamento que o Estado ainda espera delas. O sistema não se contenta com a privação da liberdade: impõe a essas mulheres o peso da repressão estatal em sua forma mais brutal com tortura, descaso e crueldade institucionalizada (SILVA, 2022). 

3. RESSOCIALIZAÇÃO DA MULHER ENCARCERADA 

3.1 CONCEITO E IMPORTÂNCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO 

A reinserção social de indivíduos que passaram pelo sistema penitenciário é um processo complexo, que demanda, acima de tudo, o apoio do Estado, mas também a participação ativa da sociedade. Trata-se de um dos fundamentos do caráter humanizador da pena, cujo objetivo é evitar que o indivíduo volte a delinquir, reduzindo as chances de reincidência e, consequentemente, de retorno ao sistema prisional. Assim, a ressocialização busca promover a dignidade da pessoa privada de liberdade, oferecendo um tratamento humanizado, pautado no respeito à sua honra e autoestima, desde o ingresso no sistema até o cumprimento total da pena (RIBEIRO, 2020). 

No caso específico das mulheres, é importante destacar que, conforme a legislação brasileira, não há previsão de prisão perpétua. Portanto, após um período determinado, essas mulheres retornarão à convivência social. Isso reforça a necessidade de que sua ressocialização seja tratada como prioridade, tanto pelo poder público quanto pela sociedade civil (OLIVEIRA, 2021). 

A ressocialização tem como propósito resgatar a dignidade e a autoestima da pessoa presa, oferecendo apoio psicológico e oportunidades de desenvolvimento pessoal. Além disso, é fundamental que sejam implementados projetos de qualificação profissional, entre outras formas de incentivo, assegurando gradualmente o acesso aos direitos básicos (STANCK; ALVES, 2022). 

Dessa forma, mulheres encarceradas devem receber todo o suporte necessário para se reestruturarem de maneira efetiva, possibilitando um retorno à sociedade com melhores oportunidades e sem que a criminalidade continue sendo vista como alternativa de vida. Para isso, é essencial que, durante a permanência no sistema prisional, elas tenham acesso a recursos que promovam sua reintegração, com respaldo do poder público, garantindo uma saída harmoniosa e eficaz, em consonância com o princípio fundamental da pena (OLIVEIRA, 2021, p.18). 

Essa abordagem está alinhada ao que estabelece o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.” Ou seja, mesmo que uma pessoa tenha cometido um crime e deva ser julgada conforme a lei, esse processo deve respeitar seus direitos básicos, oferecendo condições reais para sua reestruturação durante o cumprimento da pena. 

Para que a ressocialização das mulheres privadas de liberdade seja realmente eficaz e contribua para a não reincidência, é necessário investir em três pilares fundamentais: educação, capacitação profissional e conscientização. Nesse sentido, Ribeiro (2020, p. 29) destaca que esses elementos são essenciais para “aumentar o nível de escolaridade das detentas, qualificá-las profissionalmente e proporcionar, ainda no ambiente prisional, experiências que favoreçam sua futura inserção no mercado de trabalho”. 

Esses direitos estão garantidos na Lei de Execução Penal (LEP). O direito ao trabalho, por exemplo, é previsto nos artigos 28 e 29, que estabelecem: 

“Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.” 

“Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.” (BRASIL, 1984). 

Com isso, a mulher encarcerada tem o direito de exercer atividades laborais durante a pena, podendo utilizar a remuneração tanto para ajudar sua família quanto para cobrir pequenas despesas pessoais. 

Apesar do arcabouço legal existente que garante a segurança jurídica no processo de ressocialização, o Brasil enfrenta desafios na efetivação dessas garantias. A ausência de políticas públicas eficazes e a insuficiência na oferta de educação e trabalho dentro das unidades prisionais dificultam a reintegração social das mulheres e perpetuam o ciclo da criminalidade (STANCK; ALVES, 2022). A concretização desses direitos, portanto, depende do compromisso do Estado em transformar as normas em ações práticas e acessíveis ao maior número possível de detentas. 

3.2 PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO, TRABALHO E CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL 

Os programas de educação, trabalho e capacitação profissional desenvolvidos no sistema prisional brasileiro têm como objetivo principal promover a ressocialização das pessoas privadas de liberdade. A educação, nesse contexto, exerce papel fundamental não apenas como instrumento de formação, mas também como mecanismo de reconstrução da dignidade, da identidade e da cidadania dos apenados (OLIVEIRA, 2021). 

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) estabelece, em seu artigo 5º, que o acesso à educação básica é direito público subjetivo. Embora não haja diretrizes específicas na LDB para a população carcerária, esse direito é reforçado pelo Plano Nacional de Educação, que prevê a implementação de programas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), nos níveis fundamental e médio, além da oferta de formação profissional em todas as unidades prisionais. Cabe aos Poderes Públicos garantir as condições necessárias para a execução desses programas (RIBEIRO, 2020). 

A Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984) também assegura a assistência educacional e profissional ao preso. Em seu artigo 11º, a LEP define que a assistência ao preso deve contemplar as dimensões material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Já os artigos 36 e 37 regulamentam o trabalho do apenado, especialmente o trabalho externo, estabelecendo requisitos como o cumprimento de ao menos um sexto da pena e comportamento adequado, além da autorização expressa do diretor do estabelecimento penal (RIBEIRO, 2020). 

Além da escolarização básica e da formação técnica, esses programas podem incluir cursos profissionalizantes, oficinas, parcerias com instituições de ensino, empresas e organizações da sociedade civil, com o objetivo de preparar os internos para o mercado de trabalho. A junção entre educação e trabalho é considerada essencial para ampliar as chances de reintegração social após o cumprimento da pena. Outro aspecto relevante é a remição de pena, um dos principais benefícios oferecidos aos presos que participam de atividades educacionais e laborais. Conforme o artigo 126, §1º da LEP, a pena pode ser reduzida em um dia a cada três dias de trabalho ou estudo realizados, incentivando a participação ativa dos detentos nesses programas (SILVA, 2024, p.26). 

Apesar dos avanços legais, ainda existem obstáculos que dificultam a reinserção dos egressos no mercado de trabalho, como o preconceito social e a exigência de certidões negativas de antecedentes criminais. Por isso, é fundamental que os programas de capacitação profissional sejam integrados com ações de apoio psicológico, social e jurídico, além do envolvimento da sociedade e do setor privado (SILVA, 2024). 

Em suma, os programas de educação, trabalho e capacitação profissional no sistema prisional são ferramentas indispensáveis para a construção de uma política penal mais justa, humana e efetiva. Quando bem estruturados, esses programas contribuem para a redução da reincidência criminal, a valorização da dignidade da pessoa e a promoção da segurança pública. 

3.3 REINTEGRAÇÃO SOCIAL PÓS-CÁRCERE  

O trabalho exerce um papel essencial na ressocialização e reintegração social de indivíduos egressos do sistema prisional. Ao deixarem o cárcere, esses cidadãos enfrentam inúmeros desafios, sendo a inserção no mercado de trabalho uma das maiores dificuldades. O estigma associado à condição de ex-detento frequentemente resulta em discriminação por parte dos empregadores, dificultando ainda mais o processo de reintegração (SILVA, 2024). 

No entanto, a importância do trabalho vai além da simples geração de renda. Ele é um instrumento de reconstrução da identidade e da autoestima dos egressos, oferecendo-lhes a possibilidade de se sentirem úteis, produtivos e pertencentes à sociedade. A ocupação profissional reduz a probabilidade de reincidência criminal, servindo como um caminho para a transformação pessoal e social (SILVA, 2024). 

Silva (2024) ressalta que, por meio do trabalho, o indivíduo encontra elementos essenciais para a formação de sua identidade, como a relação com a cultura, a identificação com grupos sociais, a autorrealização e o fortalecimento da autoestima. Contudo, o autor alerta que o acesso ao trabalho, por si só, não garante dignidade, especialmente quando se encontra condicionado a situações de exploração e dominação. 

O caráter pedagógico do trabalho no contexto prisional, salientando seu papel na ressocialização e reabilitação, é fundamental na preparação para a reinserção social. O trabalho do apenado deve ser remunerado de forma justa e garantir condições adequadas de saúde, segurança, higiene e direitos previdenciários e sociais, equiparados aos dos trabalhadores em liberdade (SILVA, 2024). 

Para que a reintegração social seja efetiva, é indispensável a existência de programas de ressocialização que incluam capacitação profissional, educação continuada e suporte psicossocial. Além disso, políticas públicas que estimulem a contratação de egressos são fundamentais para promover um mercado de trabalho mais inclusivo e livre de preconceitos. Investir na reinserção social por meio do trabalho não beneficia apenas os indivíduos diretamente envolvidos, mas também contribui para a construção de uma sociedade mais justa, segura e solidária. A redução da reincidência criminal e o fortalecimento do tecido social são reflexos positivos dessas iniciativas (SILVA, 2024, p.24). 

Entretanto, apesar de o Estado considerar o egresso apto à vida em sociedade, a realidade enfrentada por essas pessoas revela um contexto marcado por preconceito e exclusão. Embora a privação de liberdade possua natureza punitiva, ela deve igualmente cumprir uma função ressocializadora e educativa, sendo responsabilidade do Estado garantir as condições adequadas para que isso ocorra (SILVA, 2024). 

Dessa forma, é previsível que, ao cumprir sua pena sem receber o devido preparo para retornar ao convívio social, o indivíduo encontre maiores barreiras para sua ressocialização. Tal realidade reforça o estigma social, dificultando sua aceitação por parte da sociedade, que tende a associá-lo à sua última condição como delinquente (SILVA, 2024). 

É de suma importância a inserção em ambientes de educação e trabalho como fatores cruciais para a reestruturação da vida do egresso. Durante o cumprimento da pena, muitos apenados trabalham em organizações parceiras da administração penitenciária. No entanto, ao conquistarem a liberdade, esses indivíduos frequentemente perdem seus postos de trabalho, gerando impacto negativo sobre sua estabilidade financeira e familiar (SILVA, 2024). 

Apesar de a Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), em seu Art. 10, prever assistência ao egresso, observa-se que, na prática, essa assistência é falha e insuficiente. Em um sistema onde os direitos e deveres dos apenados são frequentemente negligenciados, a percepção da sociedade tende a reforçar o estigma de abandono estatal e marginalização. A ausência de políticas efetivas que assegurem vagas de trabalho e apoio pós-penal contribui para a perpetuação da exclusão social. 

Diante disso, é urgente abordar a questão de forma mais ampla e específica, reconhecendo o egresso como sujeito de direitos e deveres, digno de uma nova oportunidade. É necessário compreendê-lo para além do seu histórico, como um indivíduo capaz de se reabilitar e contribuir positivamente para a sociedade. 

CONCLUSÃO 

O encarceramento feminino no Brasil revela uma realidade marcada por desigualdades, violações de direitos e ausência de políticas públicas eficazes voltadas às necessidades específicas das mulheres privadas de liberdade. A análise da população carcerária feminina e de seu perfil socioeconômico evidencia que muitas dessas mulheres são oriundas de contextos de vulnerabilidade, sendo frequentemente criminalizadas por envolvimento com o tráfico de drogas, em geral como resultado de fatores estruturais como pobreza, baixa escolaridade e ausência de oportunidades. 

As condições enfrentadas dentro das unidades prisionais, como superlotação, infraestrutura precária e insuficiência de atendimento à saúde física, mental e reprodutiva, que agravam ainda mais a exclusão social dessas mulheres. Além disso, a negligência quanto aos direitos humanos no ambiente carcerário compromete não apenas a dignidade das detentas, mas também a eficácia dos processos de ressocialização. 

Nesse contexto, a ressocialização se mostra não apenas necessária, mas fundamental para a redução da reincidência criminal e para a reintegração social das mulheres egressas do sistema prisional. No entanto, os programas de educação, capacitação profissional e reinserção no mercado de trabalho ainda são escassos e pouco efetivos, especialmente quando não consideram as especificidades de gênero e o estigma que recai sobre as ex-presidiárias. 

Conclui-se, portanto, que a transformação do sistema prisional feminino brasileiro passa, necessariamente, pela ampliação de políticas públicas humanizadas, pela garantia dos direitos constitucionais das mulheres encarceradas e pelo fortalecimento de programas que promovam sua autonomia e dignidade, dentro e fora dos muros da prisão. Somente com ações integradas entre Estado, sociedade e iniciativa privada será possível construir caminhos reais de reintegração e justiça social para essas mulheres. 

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1Graduando em Direito, Faculdade Católica de Rondônia – FCR, Brasil, joao.albuquerque@sou.fcr.edu.br
2Mestre/Doutor em Ciências Jurídicas, Faculdade Católica de Rondônia – FCR, Brasil, everson.rodrigues@fcr.edu.br