EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2013 E LEI COMPLEMENTAR Nº 150/2015: A EFETIVIDADE DOS DIREITOS CONFERIDOS AOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS

CONSTITUTIONAL AMENDMENT Nº 72/2013 AND COMPLEMENTARY LAW Nº 150/2015: THE EFFECTIVENESS OF THE RIGHTS CONFERRED TO DOMESTIC EMPLOYEES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10070701


Karen Rak¹
Uérlei Magalhães de Morais²


RESUMO

Este trabalho aborda a efetividade dos direitos concedidos aos empregados domésticos. O objetivo é analisar se houve impacto ou não das normas em comento nas relações jurídicas estabelecidas entre empregados domésticos e as famílias para quem os serviços são prestados, bem como definir quais direitos foram introduzidos pelas pretensas normas e expor a evolução histórico-jurídica dos direitos garantidos à classe. Para tanto, discutir-se-á sobre a evolução histórico-jurídica dos direitos garantidos à classe, uma vez que nas relações de emprego ao longo da história, o empregado doméstico, teve seus direitos desvalorizados, até que durante o período democrático, sobreveio a Emenda Constitucional nº 72/2013 e a Lei Complementar nº 150/2015, que travam novos rumos a esse cenário. Como recurso metodológico elegeu-se a pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial, de abordagem qualitativa para compreender os avanços conquistados, ao longo da história, pelos empregados domésticos no Brasil. Os resultados apontaram que, embora as leis sancionadas asseguram importantes direitos à classe, os índices de informalidade aumentaram e a efetividade dos direitos, na grande maioria dos casos, é assegurada apenas quando judicializado o caso concreto, o que remonta a necessidade de intensificar a fiscalização nas relações de trabalho em comento.

Palavras-chave: Emprego Doméstico. Lei Complementar nº 150/2015. PEC das Domésticas.

ABSTRACT

This work addresses the effectiveness of the rights granted to domestic employees. The objective is to analyze whether or not there was an impact of the standards in question on the legal relationships established between domestic employees and the families for whom the services are provided, as well as defining which rights were introduced by the alleged standards and exposing the historical-legal evolution of the rights guaranteed. the class. To this end, the historical-legal evolution of the rights guaranteed to the class will be discussed, since in employment relations throughout history, the domestic employee had their rights devalued, until during the democratic period, the Constitutional Amendment No. 72/2013 and Complementary Law No. 150/2015, which halt new directions in this scenario. As a methodological resource, bibliographical, doctrinal and jurisprudential research was chosen, with a qualitative approach to understand the advances achieved, throughout history, by domestic employees in Brazil. The results showed that, although the laws sanctioned ensure important rights to the class, the rates of informality increased and the effectiveness of the rights, in the vast majority of cases, is only assured when the specific case is brought to justice, which highlights the need to intensify supervision in the work relations in question.

Keywords: Domestic Employment; Complementary Law No. 150/2015; PEC das Domésticas

1. INTRODUÇÃO

Durante muitos anos, os empregados domésticos, principalmente mulheres negras, realizavam o seu labor sem qualquer regulamentação ou previsão legal que os amparasse. No caso, dependiam precipuamente de decisões judiciais para garantir direitos trabalhistas básicos, que já eram assegurados aos trabalhadores comuns.

Conforme Silva, Loreto e Bifano (2017), no Brasil Colônia, esse serviço foi majoritariamente prestado por escravas negras, em que bastava a oferta de alimentação, moradia e vestuário como forma de pagamento. Na época do Império, mesmo com a Lei Áurea, a mão de obra não teve grande alteração, mantendo-se a grande proximidade dos empregados domésticos à família para qual prestavam seus serviços, o que não revelou grande distinção entre as práticas adotadas durante a escravidão.

Para os autores, é durante a República e especialmente no período democrático, que os empregados domésticos saem da invisibilidade e ganham contornos nos textos normativos, passando a, escalonamento, terem direitos previstos e garantias asseguradas. E foi com o advento da Emenda Constitucional nº 72/2013 e da Lei Complementar nº 150/2015, que a situação ganhou, de fato, novos cenários, obtendo-se uma regulamentação ampla dessa relação de trabalho .

A própria definição legal de empregado doméstico e seus requisitos para classificar a relação de emprego como tal, ganhou uma melhor conotação com o advento da Lei Complementar nº 150/2015, em que passou a exigir mais de dois dias por semana na prestação dos serviços.

No entanto, dez anos após a promulgação da alteração do texto constitucional, discute-se qual a efetividade prática da legislação introduzida no que tange à efetividade dos direitos dos empregados domésticos. A partir dessa ponderação, define-se o objetivodeste artigo, que é analisar se houve impacto ou não das normas em comento nas relações jurídicas estabelecidas entre empregados domésticos e as famílias para quem os serviços são prestados, bem como pontuar quais direitos foram introduzidos pelas pretensas normas e expor a evolução histórico-jurídica dos direitos garantidos à classe. Justifica-se a pesquisa pelo decurso de considerável tempo desde a promulgação da emenda constitucional, de modo que imprescindível averiguar e buscar conhecer aspectos práticos atinentes à efetividade dos direitos assegurados nos casos concretos, independente de decisões judiciais.

Aborda-se, inicialmente, um estudo sobre a linha cronológica histórico-jurídica dos direitos dos empregados domésticos iniciando-se a partir do período de escravidão no Brasil até a sanção das normas correlatas. Na sequência, proceder-se-á a algumas digressões acerca das citadas normas, passando-se, então, para a busca de casos concretos ou dados estatísticos que reforcem a contribuição, seja positiva ou negativa, das inovações introduzidas.

Para tanto, optou-se por uma abordagem qualitativa, utilizando-se a pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial, além da busca por notícias acerca dos índices de regularidade ou não do trabalho doméstico.

2. EMPREGADO DOMÉSTICO

2.1. Conceito

O conceito de empregado doméstico engloba, além da concepção jurídica, a sua vertente social, que deu azo a sua aplicação sociológica, o que se justifica na visão de Camargo (2014):

Proveniente do latim domesticus, a palavra “doméstico” se compreende por casa, da família, de domus, lar. Lar é a parte da cozinha onde se ascende o fogo, mas em sentido amplo compreende qualquer habitação. O doméstico será, portanto, a pessoa que trabalha para a família, na habitação desta. (CAMARGO, 2014, p.10)

Nota-se uma definição sem maiores aspectos legalistas, mas envoltos nas questões sociais, no qual se define empregado doméstico todo aquele que presta serviço para um lar familiar, sem adentrar em nuances e requisitos próprios para configurar a relação de emprego. Do ponto de vista jurídico, a Lei Complementar nº 150/2015 disciplina ser considerado empregado doméstico todo “aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família (…) por mais de 2 (dois) dias por semana” (BRASIL, 2015, on-line).

E do cotejo a ambas concepções, salienta-se um ponto convergente, a saber, a inexistência de fins lucrativos na prestação do serviço, o que implica que as atividades desenvolvidas pelo empregado doméstico guardam relação aos serviços da casa e sua rotina, não podendo se interligar ao desenvolvimento de qualquer atividade comercial.

2.2. Evolução histórico-jurídica dos empregados domésticos

Para Paulino e Santos (2018), o trabalho doméstico no Brasil remonta o período da escravidão no Brasil, no qual mulheres e homens negros, sejam eles crianças, adolescentes ou adultos, eram submetidos a longas jornadas de trabalho em troca de local para dormir e alimentação precária. Eram uma mão de obra utilizada precipuamente no plantio de culturas e na realização de afazeres para manutenção da casa do patrão.

De acordo com os pesquisadores, foi dentro do período do Império Brasileiro e, posteriormente, pós-abolição da escravatura, que emergiu as primeiras normas atinentes aos empregados domésticos:

Condições básicas de trabalho são direitos inalienáveis do trabalhador. Data de 1830 a primeira norma que abordava o trabalho doméstico, contemplando o contrato escrito sobre prestação de serviços feitos por brasileiros ou estrangeiros, interna e externamente ao Império. Posteriormente, em 1888, a Lei Áurea transformou as relações de trabalho, dando aos antigos escravos, inclusive os que trabalhavam em casas de família, denominados empregados domésticos, direitos e deveres como cidadãos comuns, bem como direito a remuneração pelo trabalho desenvolvido. (PAULINO; SANTOS, 2018, p. 36)

Nessa perspectiva, Rosa (2021) compreende que a abolição da escravidão no país não garantiu aos ex-escravos condições de mínimas de inserção na nova realidade social da época, a qual vingaria o trabalho assalariado, de modo que estes foram simplesmentes libertos dos seus senhorios, mas sem terras, sem alimentação ou qualquer outra perspectiva de futuro. Tal aspecto é pontuado por Fernandes (2008):

A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. (FERNANDES, 2008, p. 29)

Contudo, é digno de nota que a situação da mulher negra ex-escrava era um tanto quanto diferente, mormente que a sociedade patriarcal as colocava, ainda sim, à margem da sociedade (ROSA, 2021). Nesse sentido, tem-se uma herança escravista para a sociedade contemporânea:

A mulher negra, elemento que expressa mais radicalmente a cristalização dessa estrutura de dominação, vem ocupando os mesmos espaços e papéis que lhe foram atribuídos desde a escravidão. Dessa maneira, a “herança escravocrata” sofre uma continuidade no que diz respeito à mulher negra.” (NASCIMENTO, 2019, p.261)

Ainda na visão de Rosa (2021), tais circunstâncias geraram um profundo impacto social, afetando a forma de inserção dessas mulheres no mercado de trabalho, vinculando-as, precipuamente, ao trabalho doméstico:

O acesso ao mercado de trabalho é profundamente segmentado, onde o acesso as ocupações costumam ser divididas de acordo com a classe social e a raça dessas mulheres. No pós-abolição as ex-escravas se inserem nos setores de serviços pessoais e domésticos, enquanto mulheres de classe média trabalhavam com profissões que faziam alusão ao ato de cuidar. (ROSA, 2021, p. 17)

Nesta intelecção, nas sociedades contemporâneas, em razão dos resquícios escravistas deixados pela história, a instituição do popular quarto do empregado, dentro da casa dos patrões, guarda íntima relação com as pretéritas senzalas:

Assim, o quarto da empregada mantém a relação com o trabalho escravo, pois mantém a presteza servil do século XIX, impede o controle da trabalhadora sobre sua jornada de trabalho e tempo de descanso e afasta essas mulheres do convívio com suas próprias famílias. Tal prática persiste em muitas casas. Em geral, são insalubres, sem espaço ou ventilação adequada e, como reflexo da subvalorização do trabalho doméstico, o quarto, quando não dividido com outra trabalhadora, é também usado como depósito. (SANTOS, 2010, p. 34)

Assim, o citado quarto amolda-se como a “maneira encontrada pelos patrões de controlar a jornada de trabalho da doméstica, tornando-a isolada e em constante desconforto” (ROSA, 2021, p. 23). Nessa visão, Paulino e Santos (2018), pontuam que, diante da herança escravista, havia um desinteresse em regulamentar aspectos legais nas relações de trabalho doméstico, contudo, remeta-se as primeiras disposições:

(…) em 1916, o Código Civil disciplinou contratos trabalhistas ligados à locação de serviços dos empregados, inclusive domésticos. Em 30 de julho de 1923, foi aprovado o Decreto nº 16.107 que regulamentava esses serviços, criando dispositivos que visavam a atender as necessidades e interesses dos denominados trabalhadores domésticos. (SANTOS; PAULINO, 2018, p. 36)

Em 1943, conforme Paulino e Santos (2018) sobreveio a conquista aos trabalhadores brasileiros, materializado na Consolidação da Leis Trabalhistas, todavia, nada dispôs acerca dos direitos dos empregados domésticos. Somente com o advento da Lei nº 5.879/1972, é assegurado a tais profissionais os direitos básicos de décimo terceiro, férias e seu terço, bem como previdência social e assinatura da carteira de trabalho.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, garantiu-se, além de outros direitos, a esses trabalhadores, a irredutibilidade salarial, aviso prévio, aposentadoria, repouso semanal remunerado, dentre outros direitos, por força da Emenda Constitucional nº 72/2013. Frisa-se que, foi a partir de tal alteração do texto constitucional, e da regulamentação pela Lei Complementar nº 150/2015, que houve a efetiva proteção aos direitos dos empregados domésticos.

3. DIREITOS DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS

3.1. Considerações à Emenda Constitucional nº 72/2013

Após as discussões entabuladas no âmbito do Congresso Nacional, editou-se a Emenda Constitucional nº 72/2013, disciplinando:

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em Lei e observada à simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social. (BRASIL, 2013, on-line)

Nota-se que as garantias asseguradas aos profissionais domésticos, fez remissão a diversos incisos previstos no art. 7º da Constituição Federal, considerados direitos fundamentais sociais, os quais se destaca:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
IV – salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
(…)
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
(…)
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
(…)
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; (BRASIL, 1988, on-line)

Do cotejo a transcrição de alguns dos incisos que tiveram seus efeitos aplicados aos empregados domésticos, é notório que o texto constitucional passou a garantir, expressamente, benefícios que antes só estavam assegurados aos empregados urbanos e rurais, e que a normatização brasileira permanecia inerte quanto aos profissionais domésticos, por questões patriarcais e heranças escravistas (PAULINO; SANTOS, 2018).

Para Santos (2013), nem todos os direitos que foram assegurados pela mudança do texto constitucional exigem a regulamentação por norma infralegal, sendo que alguns podem ter a aplicação imediata desde a promulgação da emenda.

Na visão de Almeida (2014), a Constituição Federal, com a alteração promovida, evidenciou alguns direitos pendentes de regulamentação, quais sejam:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de Lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III – fundo de garantia do tempo de serviço;
(…)
IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
(…)
XII – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da Lei;
(…)
XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;
(…)
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; (BRASIL, 1988, on-line)

Almeida (2014) comenta que é cediço os impactos que a emenda constitucional correlata ensejou no âmbito dos direitos dos empregados domésticos, contudo, foi com o advento da regulamentação, que se garantiu a efetividade prática.

3.2. Considerações à Lei Complementar nº 150/2015

A Lei Complementar nº 150/2015 sobreveio, no ordenamento jurídico brasileiro, com vista a regulamentar o texto constitucional, contudo, para Figueira (2018), seu objetivo foi ultrapassado, haja vista, que a norma passou a regulamentar outros pontos e especificar aspectos práticos na relação jurídica dos empregados domésticos. Dessa forma, passa-se a alguns pontos da supracitada lei. O ponto primordial reside na definição do emprego doméstico, inserida no primeiro artigo da norma:

Art. 1o Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei.

Parágrafo único. É vedada a contratação de menor de 18 (dezoito) anos para desempenho de trabalho doméstico, de acordo com a Convenção no 182, de 1999, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com o Decreto no 6.481, de 12 de junho de 2008. (BRASIL, 2015, on-line)

Tem-se, portanto, a exigência do serviço contínuo, com subordinação, de caráter oneroso e com pessoalidade, devendo ser prestada a pessoa ou a família em âmbito residencial em prazo superior a dois dias por semana. Outro ponto de destaque reside na limitação das horas extras em duas horas diárias, sendo que o texto normativo viabiliza a possibilidade de ser ultrapassada tal marca desde que o trabalhador esteja submetido a escala de 12×36 horas. Nesse sentido, Cassar (2017) sustenta:

A nova lei deixa clara a possibilidade de labor extra de mais de 2 horas extras por dia, quando autoriza o regime de 12 horas de trabalho. No caso de ajuste de trabalho pelo sistema de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, o empregado doméstico não terá direito ao feriado nem à prorrogação da hora noturna (art. 10, §1º da LC 150/15), na forma do art. 73, §5º da CLT, regra igualmente criada para os trabalhadores urbanos pelo art. 59-A da CLT (acrescido pela Lei nº 13.467/17). (CASSAR, 2017, p. 313)

Na norma, autorizou-se o regime parcial de trabalho, consistente na jornada de trabalho diária de 25 horas. No aspecto, tem-se o seguinte:

A nova lei adotou o regime de tempo parcial de até 25 horas semanais para o doméstico (art. 3º da LC nº 150/2015). Diversamente do estabelecido na CLT, foi autorizado o labor de até 1 hora extra, com o limite máximo diário de 6 horas, sem que isso descaracterize o regime especial. Ao que parece, o legislador só permitiu jornada ordinária de até 5 horas por dia, por até 5 dias, para que seja considerado contrato por tempo parcial, o que também difere da regra contida na CLT. (CASSAR, 2017, p. 373)

Registre-se, ainda, que divergente do que prevê a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, passa a ser obrigatória a “adoção de controle de ponto idôneo, mesmo para aquelas unidades familiares em que há menos de dez empregados” (CASSAR, 2017, p. 373). Com efeito, para Santos (2015), autorizou-se a possibilidade de adotar o regime de compensação de horas, mediante acordo escrito entre o empregado e o empregador, como forma de substituir o pagamento de horas extras, de modo que não onera demasiadamente o empregador e, ao mesmo tempo, concede descanso ao trabalhador.

Desta feita, na compensação, as primeiras quarenta horas extras devem ser compensadas no mesmo mês em que foram efetivamente trabalhadas, sob pena de impor o pagamento até o dia sete do mês seguinte. E somente se no mês correlato, for trabalhado mais de quarenta horas extras, é que se autorizará a anotação em banco de horas para compensação futura (SANTOS, 2015). Outro ponto de destaque no texto legal reside na proteção ao salário do empregado, proibindo-se o desconto de valores atinentes a gastos como alimentação, vestuário etc., autorizando-se somente em hipóteses específicas:

Art. 18. É vedado ao empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia, bem como por despesas com transporte, hospedagem e alimentação em caso de acompanhamento em viagem.

§1º É facultado ao empregador efetuar descontos no salário do empregado em caso de adiantamento salarial e, mediante acordo escrito entre as partes, para a inclusão do empregado em planos de assistência médico-hospitalar e odontológica, de seguro e de previdência privada, não podendo a dedução ultrapassar 20% (vinte por cento) do salário.

§2º Poderão ser descontadas as despesas com moradia de que trata o caput deste artigo quando essa se referir a local diverso da residência em que ocorrer a prestação de serviço, desde que essa possibilidade tenha sido expressamente acordada entre as partes.

§3º As despesas referidas no caput deste artigo não têm natureza salarial nem se incorporam à remuneração para quaisquer efeitos.

§4º O fornecimento de moradia ao empregado doméstico na própria residência ou em morada anexa, de qualquer natureza, não gera ao empregado qualquer direito de posse ou de propriedade sobre a referida moradia. (BRASIL, 2015, on-line)

Na visão de Vargas e Figueira (2018), garantiu-se a proteção à licença maternidade e paternidade:

Foi concedida, ainda, a estabilidade da gestante até o quinto mês após o parto e o direito à licença maternidade de 120 dias, sem que sofra descontos em seu salário. Nesta mesma linha, restou concedida a licença paternidade, assegurada no artigo 7º, inciso XIX da Constituição Federal de 1988. (VARGAS; FIGUEIRA, 2017, p. 107)

Observe-se, neste sentido, que a lei não só regulamentou aspectos práticos dos direitos assegurados pela mudança do texto constitucional, como também disciplinou circunstâncias técnicas sobre a realização de horas extras, proteção do salário, dentre outras questões.E por fim, dentre tantas relevantes modificações, tem-se o direito ao seguro desemprego, com características distintas dos empregados urbanos e rurais, conforme redação legal:

Art. 26. O empregado doméstico que for dispensado sem justa causa fará jus ao benefício do seguro-desemprego, na forma da Lei n. 7.998, de 11 de janeiro de 1990, no valor de 1 (um) salário mínimo, por período máximo de 3 (três) meses, de forma contínua ou alternada. (BRASIL, 2015, on-line)

Diferente dos demais trabalhadores, nos quais é assegurado o pagamento de cinco parcelas e valor do benefício variável, para os empregados domésticos, há o teto do salário mínimo e o limite do período de 3 meses para tanto (FIGUEIRA, 2017). E considerando as previsões impostas no art. 28 da Lei Complementar em questão, os 15 (quinze) meses de serviço, nos últimos 24 (vinte e quatro) meses, deverão ser obrigatoriamente prestados como empregado doméstico, ignorando-se eventuais registros de outras relações de emprego (FIGUEIRA, 2017).

4. EFETIVIDADE DAS NORMAS NAS RELAÇÕES DE EMPREGO DOMÉSTICO

Digno de nota as relevantes conquistas, aos empregados domésticos, decorrentes das inovações constitucionais e legislativas alhures debatidas:

Em que pese todas as leis e a busca de melhores condições de trabalho, o trabalhador doméstico permaneceu até recentemente desfavorecido e discriminado, com vedação de muitos direitos à categoria persistindo, ainda, resíduos da época da escravidão. Somente em 2013 é que se conquistou uma grande vitória, com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional n.º 72, conhecida como “PEC das domésticas”, que alterou o art. 7º da Constituição Federal, visando igualar os direitos dos trabalhadores domésticos, urbanos e rurais. (SILVA, 2015, on-line)

No aspecto, visualizou-se a exigência de que a prestação dos serviços domésticos ocorra em prol de famílias ou pessoas física, o que exclui pessoas jurídicas, conforme se pontua:

Não há possibilidade de o empregado doméstico trabalhar em pessoa jurídica (empresa, associação, cooperativa, massa falida, condomínios, comunidades religiosas etc.). Exemplo: oficina mecânica contrata mulher para fazer os serviços de limpeza de segunda a sexta-feira. Na CTPS, ela foi anotada como empregada doméstica, entretanto não se trata de trabalho doméstico, mas de vínculo empregatício regido pela CLT, porque a contratação foi realizada por pessoa jurídica (oficina mecânica). (CORREIA, 2014, p. 76)

Para Silva (2016, p. 3), considerando-se que pessoas jurídicas não são permitidas de contratarem empregados domésticos, “são comuns as tentativas de desvirtuamento dessa relação para fraudar relação de emprego regida pela CLT, qual seja, a relação existente entre empregado urbano e pessoa jurídica”. Tal ponto pode gerar uma discussão, haja vista que, não se constituindo uma pessoa jurídica, um membro da família deverá ser responsabilizado para fins de assinatura da carteira de trabalho, o que poderia conduzir a responsabilidade exclusiva deste para satisfação dos débitos trabalhistas. A respeito disso, disserta a jurista Vólia Bomfin Cassar (2013):

Não se pode confundir sucessão de empresários com empregadores coobrigados que se separam.

Ex. 1: Empregada doméstica que trabalha para pai e filha maior na mesma residência.

Falecendo o pai, a filha passa a ser responsável exclusiva do contrato, pois sempre houve apenas um empregador: a família. Quando a pessoa que assina a carteira da doméstica falece, há a extinção da sua personalidade, passando o outro membro da família (se houver) a assumir o contrato com exclusividade. No exemplo, a filha passará a assumir exclusivamente o contrato, sem necessidade de nova assinatura. (CASSAR, 2013)

Por consequência, no julgamento de agravo de instrumento em recurso de revista, o Tribunal Superior do Trabalho não considerou que a imputação de responsabilidade solidária aos membros da família viola os textos legais, reforçando o inteiro teor do acórdão combatido:

Examinados os fundamentos do acórdão, constato que o recurso, em seus temas e desdobramentos, não demonstra divergência jurisprudencial válida e específica, nem contrariedade com Súmula de jurisprudência uniforme do TST ou Súmula Vinculante do STF, tampouco violação literal e direta de qualquer dispositivo de lei federal e/ou da Constituição da República, como exigem as alíneas “a” e “c” do art. 896 da CLT.

No tocante à responsabilidade solidária dos herdeiros , inviável o seguimento do recurso, inexistindo ofensa aos artigos 1792 e 1997 do Código Civil e ainda ao inciso XLV do art. 5º da CF, diante dos seguintes fundamentos adotados pela Turma julgadora:

‘(…) a figura do empregador doméstico não se limita ao contratante dos serviços, mas abrange, noutro vértice, todo o destinatário do serviço prestado , que pode ser uma única pessoa ou toda a entidade familiar. In casu, a prestação de serviços do reclamante atendeu não apenas o de cujos, mas, igualmente, aos seus filhos . É indubitável que cabia à entidade familiar assegurar os cuidados devidos à idosa, que possuía problemas de saúde. Perfilho do entendimento do Juízo de origem, por entender que a condição de empregador deve recair sobre todos aqueles que se beneficiaram da prestação de serviço e não apenas à pessoa física que formalizou o pacto.’ (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento no Recurso de Revista nº 10371-45.2021.5.03.0077. Agravante: Espólio de Zilda Moreira Ribeiro. Agravado: Ueslei Soares de Sousa. Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado. Brasília, DF, 16 de março de 2023. Diário Oficial de Justiça.)

Compreende-se um posicionamento pacificado de que, sendo a família a beneficiária dos serviços prestados pelo empregado doméstico, a responsabilidade é aplicada solidariamente a todos os membros, e não apenas àquele que registrou a Carteira de Trabalho e Previdência Social-CTPS. Tal posicionamento visa garantir, de certa forma, a efetividade dos direitos trabalhistas, não desamparando o empregado doméstico diante do eventual falecimento ou falência do membro que procedeu à anotação da carteira de trabalho.Pontua-se, no aspecto, as lições de Henrique Correa (2021):

Vale destacar que a promulgação da LC nº 150/2015 é um nítido avanço nas conquistas e garantias dos direitos sociais dos trabalhadores domésticos. É um importante instrumento desses empregados, uma vez que, com o respaldo legal e constitucional, poderão exigir melhores condições de trabalho. Além disso, consiste em máxima efetividade do texto constitucional, uma vez que assegura que todos os direitos trabalhistas concedidos possam ser efetivamente exigidos aplicados. (CORREA, 2021, p. 229)

No entendimento firmado, a Lei Complementar nº 150/2015 revela-se como verdadeira efetivação do direitos garantidos no texto constitucional, ao passo que regulamenta aspectos práticos e específicos das relações de trabalho doméstico, com vista a melhor instruir esses trabalhadores quanto aos seus direitos e a forma de gozo (CORREA, 2021). Incontestável que a legislação em comento garantiu maiores direitos aos trabalhadores domésticos, ainda que muitos desses direitos sejam particularmente diferentes ou inferiores aos dos demais trabalhadores, a exemplo do seguro-desemprego. Contudo, a visão que se pauta é da importância da lei na valorização da categoria:

A legislação de 2015, embora seja incompleta e mantenha ainda alguma diferenciação entre domésticas e demais categorias, atribui uma posição jurídica e política à essas trabalhadoras. É um reconhecimento, pelo menos simbólico, de que trabalho doméstico é um trabalho e merece direitos. No decorrer de nossas pesquisas, notamos que esse discurso de igualdade formal penetra o imaginário coletivo das trabalhadoras domésticas para além das dirigentes sindicalistas que lutaram por essa reforma legislativa. (ACCIARI; PINTO, 2020)

Além disso, dentro da classe, há entendimento que a legislação permitiu o fim da discricionariedade judiciária, de modo que antigamente, estavam à mercê do julgador reconhecer o vínculo estabelecido, sem maiores critérios jurídicos, ao passo que hoje, há aspectos definidos para caracterizar esse vínculo (AGÊNCIA BRASIL, 2023). Tais previsões legais asseguram um posicionamento judicial mais contundente e objetivo, o que potencializa a própria judicialização dessas relações de empregos com vista a garantir maior efetividade aos direitos assegurados:

Apesar das limitações da lei, ela garante alguns direitos fundamentais, como carteira assinada e acesso à previdência social. Como a maioria dos empregadores tenta não respeitar essas disposições, se aproveitando das dificuldades da fiscalização em domicílios privados, as trabalhadoras domésticas encontraram suas próprias brechas legais e estão cada vez mais usando litígios individuais contra os empregadores. Ao ativar esses mecanismos judiciais, elas conseguem fazer cumprir a lei e fazer com que seus direitos sejam respeitados no nível individual. (ACCIARI; PINTO, 2020)

Relevante que a prestação de serviço para um grupo familiar, trata-se de um trabalho por vezes informal, sem maiores controles e fiscalizações estatais, a judicialização se constitui como ferramenta para garantir os direitos mínimos desses trabalhadores, mormente nos casos de demissão (ACCIARI; PINTO, 2020). Contudo, isso evidencia uma problemática:

De fato, os sindicatos de trabalhadoras domésticas estão tendo que compensar a falta de fiscalização por parte do Estado e preencher as lacunas da legislação com suas ações judiciais. Isso contribui para despolitizar os debates sobre direitos, tornando-se uma questão de regulamentação legal e não mais de cidadania (ACCIARI; PINTO, 2020).

Não pode se olvidar que, destarte os avanços conquistados, a judicialização também reforça uma mínima noção desses trabalhadores acerca de seus direitos ou de que, ao menos, possuem alguns direitos que devem ser preservados, o que os fazem procurar auxílio e demandar judicialmente para assegurar a sua proteção jurisdicional (ACCIARI; PINTO, 2020).

Há que se ressaltar que, na contramão do que vem garantindo os julgamentos decorrentes dessa judicialização, os dados revelam o aumento da informalidade nessa relação de trabalho, de acordo com a Folha de São Paulo (2023), de modo que a cada 4 empregados domésticos, 3 não possuem carteira assinada Além disso, registre-se que, em 2013, época de promulgação da emenda constitucional, o índice de informalidade na categoria era de 64,8%, ao passo que em 2023, o índice atingiu 74,8%

Tendo em vista os dados levantados, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa discutiu, no âmbito do Senado Federal, a necessidade de fortalecimento do quadro de auditores do trabalho para fiscalização da informalidade nas relações de emprego doméstico (BRASIL, 2023). Para tanto, o Ministério do Trabalho e Emprego implementou uma campanha de nível nacional, no ano de 2023, promovendo uma inspeção geral no âmbito dos empregos domésticos (BRASIL, 2023).

Sobremaneira, visualiza-se, em que pese a regulamentação legal, a efetividade dos direitos nela assegurado ainda encontra amparo, precípuo, na judicialização para fins de cessar a informalidade predominante.

5. CONCLUSÃO

Verificou-se aspectos atinentes a evolução histórico-jurídica dos direitos das empregadoss domésticos, compreendendo que a escravidão no Brasil deixou, precipuamente as mulheres negras, à mercê da sociedade e dependentes do trabalho predominantemente domésticos, o que, por anos, justificou a ausência de preocupação das autoridades públicas para proteção da relação de trabalho ali estabelecida.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, e com a incontestável garantia de isonomia do trabalho, passou-se a discutir as razões pela ausência de proteção e garantia de direitos fundamentais aos empregados domésticos, razão pela qual, após os extensos debates no Congresso Nacional, promulgou-se a Emenda Constitucional nº 72/2013 e sancionou-se a Lei Complementar nº 150/2015.

Observou-se que tais normatizações não só ampliaram os direitos assegurados aos empregados domésticos, como passaram a regular aspectos práticos desde a proteção do salário até a forma de trabalho e horas extras respectivas. De modo geral, conclui-se pela significante importância, principalmente da Lei Complementar nº 150/2015, na regulação do trabalho doméstico, iniciando na própria definição do empregado doméstico, com a especificação dos critérios e aspectos jurídicos inerentes para a sua classificação.

Tal fato sustentou o fim de certa discricionariedade do juízo trabalhista ao definir a existência de vínculo empregatício nas relações domésticas, ao passo que, preenchidos os requisitos legais, não há o que se discutir sobre o vínculo em comento. De outra parte, a lei também regulamenta diversas nuances dos direitos assegurados aos trabalhadores domésticos, em que pese muitos desses guardam uma desigualdade em relação aos demais trabalhadores, tendo em vista a demasiada limitação no exercício desses direitos pelos empregados domésticos.

Destarte, é imprescindível salientar o aumento na judicialização dos casos concretos, nos quais os empregados domésticos, mesmo dentro de relações de emprego informais, passaram a encontrar no Judiciário uma forma de valer seus direitos assegurados em texto constitucional e normativo. Em que pese discussões sobre esse aumento, a conclusão que se obtém é que, mesmo diante de situações em que o diálogo empregado-patrão se amolda impossível ou flagrantemente desfavorável ao empregado doméstico, este possui a consciência de ter alguns direitos básicos, e encontra no Judiciário, a possibilidade de assegurá-los.

E por fim, embora tenha a legislação assegurado um extenso rol de direitos e garantias aos empregados domésticos, há no cenário atual, uma baixa fiscalização, o que enseja o aumento da informalidade na seara, mormente quando agravado pela pandemia do COVID-19. Infere-se, portanto, a necessidade das discussões travadas no Congresso Nacional para ampliar o número de auditores do trabalho e intensificar a fiscalização como forma de combate ao aumento da informalidade na esfera, mormente que a judicialização não seja o meio mais adequado para assegurar a efetividade das normas, mas ainda sim, seja a forma encontrada nos dias atuais por esses trabalhadores para dar plena eficácia ao texto normativo.

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1 Acadêmica do 10º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Lucas. E-mail: karenrakestudos@gmail.com

2 Mestre em Educação, Especialista em Direito e Processo do Trabalho, Docente do Curso de Direito do Centro Universitário São Lucas. E-mail: uerlei.morais@saolucas.edu.br