REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202501312037
Itamir Giasson1;
Elizabeth Hidemi Otani2;
Rosemari Alves Pires3
RESUMO
A linfadenectomia cervical e/ou esvaziamento cervical (EC) atualmente é o padrão ouro para prevenir metástases a distância, definir diagnóstico, estadiamento ou tratar o câncer de cabeça e pescoço, onde o ombro tende a sofrer alterações significativas após o procedimento cirúrgico, uma das alterações mais importantes é a síndrome do ombro caído, causado pela neuropraxia do nervo acessório, o que gera desnervação do nervo e por consequência resulta na hipotrofia do músculo trapézio por desuso, músculo esse que desempenha um papel fundamental na função do ombro, tais alterações biomecânicas tem incidência de 42,5% nos pacientes submetidos ao procedimento, reverberando diretamente na funcionalidade para execução de movimentos básicos e rotineiros, interferindo na qualidade de vida e nas atividades de vidas diárias e no que diz respeito à funcionalidade e autoimagem. Metodologia: este estudo consistiu no recrutamento de oito pacientes com câncer de cabeça e pescoço submetidos a linfadenectomia cervical para uma avaliação prévia acerca da funcionalidade, avaliada através do questionário DASH e da força do músculo trapézio através da escala de Kendall para o movimento de abdução do ombro, após a avaliação os pacientes foram divididos em dois grupos de forma randomizada, onde o grupo Case recebeu a eletroestimulação com a corrente Aussie associado a exercícios isométrico, já o grupo controle realizou os mesmo exercício, porém sem a corrente elétrica associada. Porém três dos participantes solicitaram interrompimento antes do término das sessões propostas. Resultados: A variação em percentual quando comparado o escore final do grupo Case nas duas avaliações foi de 22,2%, ou seja, passou de um escore de 263 no primeiro questionário para 163 no segundo, já no grupo controle a variação foi de 15%, com escore de 144 na primeira avaliação e 99 na segunda, reforçando que o grupo case contou com um participante a mais do que o grupo controle. Conclusão: ambos os grupos apresentaram evoluções no escore do questionário DASH, porém o grupo que recebeu a eletroestimulação superimposta se mostrou numericamente superior, embora sem evidências estatísticas, porém se faz necessário novos estudos com amostras maiores e em grupos de participantes com cirurgias de maior complexidade.
Palavras-Chave: linfadenectomia cervical; eletroestimulação superimposta; ombro caído.
INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA
A definição de tumores de cabeça e pescoço se refere a um grande número de neoplasias com diferentes características histológicas de diferentes locais anatômicos, como a faringe (orofaringe, hipofaringe e nasofaringe), cavidade oral (lábios, língua, assoalho bucal e palato duro) e laringe, além da região cervical do esôfago, seios paranasais, glândulas salivares, tireoide, paratireoide e pele. A grande maioria dessas neoplasias são do tipo carcinoma epidermóide. A principal causa desse tipo de câncer é o alto consumo de tabaco e álcool, podendo também estar ligado a infecção do HPV (Papilomavírus Humano) (BITENCOURT et al., 2020).
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Brasil, 2024) a previsão para o ano de 2024 no Brasil, é que surjam 39.550 novos casos de câncer de cabeça e pescoço, incluindo neste montante cânceres de cavidade oral, tireoide e laringe. Se for somado ao câncer de pele melanoma, que também atinge a região da cabeça e pescoço, o número sobe para 48.530.
A cirurgia de EC é um procedimento realizado para definir diagnóstico, estadiamento ou tratamento do câncer de cabeça e pescoço, compreendendo na remoção de linfonodos de regiões específicas do pescoço com ou sem a remoção de estruturas adjacentes (DEDIVITIS et al., 2011). O EC é subdividido em: esvaziamento cervical radical, que corresponde a remoção dos linfonodos do nível I a V incluindo a veia jugular interna, nervo acessório e músculo esternocleidomastoideo; esvaziamento cervical radical modificado consiste na remoção dos linfonodos do nível I a V com preservação de uma ou mais estruturas não linfonodais; esvaziamento cervical seletivo se refere à cirurgia preservando um ou mais níveis linfonodais, sendo que os níveis removidos são baseados nos padrões de metástases relacionadas ao sítio primário. E o esvaziamento cervical radical estendido que consiste na remoção de grupos linfonodais adicionais ou de estruturas não linfáticas ou ambas, não incluídas no esvaziamento cervical radical (BITENCOURT et al., 2020).
O principal fator prognóstico associado ao câncer de cabeça e pescoço é a presença de metástases linfonodais na região cervical, sendo o EC o tratamento padrão ouro para tais metástases (LIMA; AMAR; LEHN, 2011). Durante o EC, o nervo acessório é encontrado nos níveis II e V, sendo mais superficial no nível V. A lesão desse nervo leva a paralisia ou paresia do músculo trapézio. Como consequência desta lesão tem-se a síndrome do ombro caido (BITENCOURT et al., 2020).
A lesão do nervo acessório mais comum durante o EC é a neuropraxia, que é resultado de uma compressão breve que bloqueia a transmissão do impulso nervoso no local lesado, causando uma anóxia local nos neurônios como resultado da compressão dos vasos sanguíneos, na neuropraxia a estrutura do nervo é praticamente preservada, porém ocorre edema, diminuição da densidade da fibra nervosa e desmielinização focal no local da lesão, o que aumenta o período de latência entre o comando neural e a resposta motora (COLLI, 1993).
A síndrome do ombro caido, resultante do esvaziamento cervical, foi descrita pela primeira vez por Erwing e Martin em 1952. Suas manifestações clínicas incluem dor constante, inclinação e queda do ombro, dificuldades na retração do ombro, limitações nos movimentos de flexão anterior e abdução ativa do ombro, escápula alada e achados eletromiográficos anormais. (LIMA; AMAR; LEHN, 2011). A incidência do ombro caído após o EC foi demonstrada em até 42,5% dos pacientes submetidos ao procedimento (DANISH; IFTIKHAR; IKRAM, 2020).
As sequelas deste tipo de neoplasia afetam diretamente a qualidade de vida, interferindo nas atividades da vida diária, no que se refere à funcionalidade e à autoimagem. São observadas diversas modificações funcionais no organismo do indivíduo, favorecendo adaptações corporais como posturas compensatórias álgicas, modificações essas que podem ocasionar danos provisórios ou permanentes, levando a mudanças biomecânicas (SHIMOYA-BITTENCOURT et al., 2016). Em alguns pacientes, a disfunção do músculo trapézio persiste mesmo após o retorno da condução ao longo do nervo acessório, uma vez que a lesão nervosa e o desuso prolongado da musculatura afetada pode levar a alterações inadequadas no do músculo, da medula espinhal e do cérebro (BALDWIN et al., 2012).
A identificação precoce do comprometimento do nervo acessório pode contribuir com o prognóstico, apresentando deficiências persistentes e déficits funcionais, permitindo testes e intervenções diagnósticas adequadas e minimizando as sequelas apresentadas (BITENCOURT et al., 2020).
A fisioterapia deve ser realizada a fim de impedir a perda da funcionalidade, assim como minimizar as demais alterações biomecânicas esperadas pelo procedimento cirúrgico através de ferramentas disponíveis para tal, como a eletroestimulação (EENM) (SHIMOYA-BITTENCOURT et al., 2016).
A EENM consiste em estímulos elétricos aplicados a um ou mais músculos esqueléticos superficiais para preservar a massa muscular e a função contrátil em indivíduos saudáveis ou lesionados. A eficácia da eletroestimulação sobreposta, ou seja eletroestimulação associada ao movimento voluntário, pode envolver um aumento na excitabilidade espinhal devido a alterações plásticas nas vias reflexas, o que poderia permitir um recrutamento de unidades motoras mais abrangente e capacidades de geração de força comparado à EENM isoladamente e/ou apenas ao movimento voluntário (BORZUOLA et al., 2020).
A corrente aussie trata-se de uma corrente alternada de média frequência modulada em kHz. Sua principal característica é o ajuste do burst em curta duração, tornando-se assim, mais confortável sem comprometer a eficiência eletrofisiológica (MARIANO et al., 2020).
Conforme o estudo realizado por Baldwin et al., 2012, onde foram combinados exercícios em membros superiores associado a estimulação elétrica neuromuscular com intuito de aumentar a ativação cortical induzida pela EENM apresentaram resultados satisfatórios quando comparado a protocolos aplicados somente a exercícios motores e de forma unilateral. Os movimentos voluntários bilaterais produzem uma ativação cortical mais forte do que os movimentos unilaterais. A nível muscular, as contrações recrutadas pela EENM reduzem a atrofia muscular. A aplicação da EENM para aumentar a extensão em que as vias através da medula espinhal contribuem para as contrações recrutadas, pode reduzir ainda mais a atrofia muscular, ativando preferencialmente unidades motoras resistentes à fadiga, que são mais vulneráveis ao desenvolvimento de atrofia por desuso. A EENM também induz mudanças centralmente, a medida que a descarga sensorial induzida eletricamente viaja para regiões da medula espinhal e do cérebro que controlam o músculo estimulado. O aumento da excitabilidade dos circuitos córtico-espinhal está associado à melhoria da função após programas de reabilitação por EENM.
Herrero et al, 2010 descrevem que a eletroestimulação associada a contração muscular melhora o desempenho anaeróbio e também a força muscular pelo padrão de recrutamento das unidades motoras em comparação com treinamento voluntário de forma isolada em indivíduos não treinados. Outro ponto importante é a vantagem da aplicação da sobreposição em relação a aplicação de forma isométrica é o desconforto e a dor durante o treinamento são menores.
A fisioterapia conta com diversas maneiras de avaliação dos membros superiores. No cenário da pesquisa, os questionários de autoavaliação são de uso difundido. Nas cirurgias de ombro, braço e mão, são de uso disseminado o questionário Disability of the Arm, shoulder and Hand (DASH, na sigla em inglês) (MORAES et al, 2022).
O questionário DASH. Validação para o Português do Brasil : ORFALE, A.G. et al. Translation into Brazilian Portuguese, cultural adaptation and evaluation of the reliability of the Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand Questionnaire. Braz J Med Biol Res vol. 38 No. 2, 293-302, 2005. Utilizado como ferramenta para avaliar a incapacidade funcional do ombro, braço ou mão, conta com 30 questões pontuadas de um a cinco e o escore final é obtido através da somatória total, subtraindo 30 pontos da somatória total tempos a classificação como leve, quando a pontuação é entre 20 a 39, moderado entre 40 a 60 pontos e maior do que 60 pontos incapacidade funcional grave.
A escala de força muscular de Kendall é utilizada para graduar a capacidade dos músculos ou grupos musculares para funcionar em movimento e sua habilidade para prover estabilidade e suporte. De acordo com Kendall et al (1995), a força muscular pode ser graduada através da seguinte escala: 0: nula, ausência de contração; 1: esboço, leve contração porém incapaz de produzir movimento: 2: fraco, há movimento somente na ausência da gravidade; 3: regular, consegue realizar movimento vencendo a gravidade; 4: bom, consegue realizar movimento e também alguma resistência externa e 5: normal, realiza movimento superando grande resistência.
METODOLOGIA
O presente estudo é um ensaio clínico randomizado, realizado entre setembro e outubro de 2024, aprovado pelo Comitê de Ética em 07/08/2024 (CAAE: 81517124.0.0000.0098) e conta com a assinatura dos participantes no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Os critérios de inclusão foram: maiores de 18 anos, ter diagnóstico de neoplasia maligna (todos os estádios), sítio primário em região da cabeça e pescoço, ter realizado linfadenectomia cervical unilateral ou bilateral.
Os critérios de exclusão englobam os pacientes submetidos ao tratamento de radioterapia após o procedimento de linfadenectomia na região cervical, lesões prévias significativas no ombro homolateral ao procedimento de esvaziamento cervical e sacrifício do nervo acessório.
Os participantes foram randomizados através do Saghaei M. Random Allocation Software. V.1.10.0 University of Medical Sciences. Iran. 2004 e divididos em dois grupos, o grupo “Case”, onde os participantes realizaram exercícios Isométricos, que consistiu nos exercícios de abdução de ombros, retração escapular e elevação de ombros, associados a corrente elétrica Aussie, enquanto o grupo “controle” realizou os mesmo exercícios, porém sem a corrente a elétrica associada.
O equipamento utilizado para o estudo foi o eletroestimulador Neurodyn da Ibramed (Especificações do produto: amplitude de pulso: 0-120 mA; duração de Burst 2 a 4 ms; frequência Carrier 1 a 4 KHz; frequência de Burst 1-120 Hz) e eletrodos 5×5 cm.
A corrente elétrica foi aplicada nos pontos motores do músculo trapézio homolateral ao EC, demarcados previamente através de varredura, com os seguintes parâmetros de aplicação: burst 2ms; frequência de 50hz; Carrier: 1KHz; rise 3s; tempo on 10s; decay 3s; tempo off 20s; tempo total de 20 min. A amplitude de pulso varia conforme o limiar de tolerância de cada participante.
Os grupos foram avaliados antes do início do protocolo através da escala de força manual de Kendall para o movimento de abdução de ombro e do questionário DASH e posteriormente após o término das sessões propostas. A duração total foi de 2 semanas, sendo 3 vezes na semana.
A intervenção fisioterapêutica teve como objetivo comparar os resultados apresentados entre os dois grupos.
RESULTADOS
A pesquisa foi composta por oito participantes, todos com diagnóstico de câncer de tireóide e sem comorbidades, sendo que três deles solicitaram interrompimento antes do término previsto e foram excluídos do estudo, todos os três desistentes realizaram a primeira avaliação e ao menos uma sessão das seis propostas. Dos cinco participantes que chegaram ao final do estudo, três são do sexo feminino e dois do sexo masculino, com idades entre 79 e 24 anos e média de idade de 44 anos, o pós operatório com o maior intervalo de tempo entre a cirurgia e o inicio do protocolo foi de 114 dias e o de menor intervalo foi de 17 dias, com média de 68 dias entre todos os participantes. Três dos participantes fizeram parte do grupo “Case” que no caso receberam a eletroestimulação associada a uma série de exercícios isométricos, que consistiu nos exercícios de abdução de ombros, retração escapular e elevação de ombros, os outros dois participantes restantes fizeram parte do “grupo controle”, onde realizaram os mesmos exercícios, porém sem a corrente elétrica associada. A randomização dos participantes foi realizada através do Software Saghaei M. Random Allocation Software. v.1.0.0. University of Medical Sciences. Iran. 2004.
Quanto aos tipos de EC, 40% (n=2) foram submetidos ao EC nível II – V à direita, 20% (n1) ao EC modificado à direita, níveis II e III, 20% (n=1) ao EC radical modificado à esquerda e 20% ao EC bilateral.
Gráfico 1. Tipos de EC.
Na primeira avaliação foi aplicado o questionário DASH, 60% (n=3) dos participantes foram classificados com incapacidade funcional grave e 40% (n=2) com incapacidade funcional leve. Ao final da segunda coleta, após o término do protocolo, 80% dos participantes foram reclassificados segundo DASH com incapacidade funcional leve e 20% com incapacidade funcional moderada.
Gráfico 2. Classificação de incapacidade funcional no primeiro e segundo questionário DASH.
No que se diz respeito à força, avaliada neste estudo através da escala de Kendall para o movimento de abdução do ombro, os participantes do grupo Case apresentaram pontuação média de 3,66 na primeira avaliação e 4,33 na segunda, já no grupo controle a pontuação média na primeira avaliação e na segunda avaliação foi de 3,5 e 4, respectivamente.
Tabela 1. Pontuação na escala de força de Kendall para o movimento de abdução de ombro na primeira e segunda avaliação.
Os itens mais pontuados no primeiro questionário foram os itens: 6. colocar algo em uma prateleira acima da sua cabeça; 12. trocar uma lâmpada acima da cabeça; 18. atividades recreativas que exigem força ou impacto nos braços, ombros ou mãos (por exemplo: jogar vôlei, martelar); 19. atividades recreativas nas quais você move os braços livremente (como: pescar, jogar peteca); 24. dor no braço; 26. desconforto na pele (alfinetadas) no braço, ombro ou mão; 28. dificuldade em mover o braço, ombro ou mão e o item 30. eu me sinto menos capaz, menos confiante e menos útil por causa do meu problema com braço, ombro ou mão.
O item 24. dor no braço, ombro ou mão foi pontuada por todos os participantes do grupo Case e em metade dos participantes do grupo controle. O escore médio no grupo Case na primeira avaliação foi de 3,66 e na segunda avaliação 2,66, já no grupo controle o escore médio na primeira avaliação foi de 2,5 e na segunda avaliação foi de 2. Um dos participantes do grupo controle o qual não referiu queixa de dor na primeira aplicação do questionário, ou seja, pontuou como sendo 1 no questionário DASH o item. 24 queixou-se de dor antes do início da primeira sessão, quando questionado, relatou ter feito uso de analgésico no dia da avaliação.
A variação em percentual quando comparado o escore final do grupo Case nas duas avaliações foi de 22,2%, ou seja, passou de um escore de 263 no primeiro questionário para 163 no segundo, já no grupo controle a variação foi de 15%, com escore de 144 na primeira avaliação e 99 na segunda, reforçando que o grupo case contou com um participante a mais do que o grupo controle.
Tabela 2. Apresenta a pontuação atribuída pelos participantes aos itens mais relevantes do questionário DASH na primeira e segunda avaliação.
DISCUSSÃO
O protocolo aqui apresentado de eletroestimulação superimposta mostrou-se seguro e capaz de melhorar os escores utilizados para avaliação da funcionalidade quando comparado somente aos exercícios de fortalecimento muscular. Todos os pacientes do estudo obtiveram amplitude de movimento e força significativa, reduzindo a percepção de dor, melhora na qualidade de vida e na qualidade do sono.
Os cinco pacientes do estudo cumpriram as seis sessões propostas, porém foram necessários ajustes quanto aos dias definidos previamente, devido a acontecimentos inesperados por parte dos pacientes, as datas foram ajustadas e realizadas conforme a disponibilidade dos participantes, ajustes realizados conforme a análise baseada na “intenção de tratar”. (GUSPTA, 2011).
No presente estudo, em nenhum dos participantes houve sacrifício do nervo acessório, porém todos os pacientes apresentaram discinesia do membro superior homolateral a linfadenectomia cervical. O EC pode gerar limitação funcional do ombro mesmo quando o nervo acessório é preservado, como no EC modificado e seletivo, existe a possibilidade de lesão durante o procedimento, ou seja, neuropraxia decorrente da tração e microtrauma (BITENCOURT et al., 2020). A neuropraxia do nervo acessório durante o procedimento cirúrgico, gera hipotrofia do músculo trapézio, músculo este que desempenha um papel fundamental na estabilidade da escápula. A mudança na posição da escápula e a instabilidade, gera sobrecarga mecânica no ombro o que resulta em dor (MOZZINI, 2009).
Além das alterações biomecânicas no ombro, a grande maioria relatou dor após a cirurgia. Uma pesquisa com 45 participantes observou que a queixa em relação ao ombro após o EC foram manifestadas após a alta hospitalar, logo nos primeiros dez dias após a cirurgia e perdurando por até um ano após o procedimento (SHAH et al, 2023). O que também é confirmado pelo estudo apresentado por Lima; Amar; Lehn (2011) onde foram avaliados através de eletroneuromiografia e avaliação clínica 51 pacientes submetidos a 60 dissecções cervicais pré e pós procedimento cirúrgico, no pós-operatório foi constatado que todos os pacientes apresentaram comprometimento do feixe superior do músculo trapézio, com dor e limitação do movimento de abdução do braço.
A dificuldade na execução e o receio em realizar tarefas básicas do dia-a-dia causam ainda mais danos, podendo resultar em fibrose e aderência intracapsular, porém o aumento da força muscular escapular alivia os sintomas de dor e melhora o posicionamento escapular, em contrapartida, um programa de treinamento precoce voltado para força em lesões de nervos periféricos previne a hipotrofia e reforça a adaptação neural (MOZZINI et al, 2022). Conforme estudo apresentado por Baldwin et al. (2012) onde descreve uma intervenção envolvendo uma combinação de uma estimulação elétrica neuromuscular associada a exercícios bilaterais durante 6 semanas em três pacientes oncológicos submetidos a cirurgia de cabeça e pescoço, ondetodos os pacientes apresentaram melhorias na amplitude de movimento e relataram reduções na dor e na incapacidade. Também o estudo realizado por Costa et al. (2014) mesmo que com uma população não oncologica que contou com 21 voluntários do sexo masculino, não atletas consistiu em aplicar a estimulação elétrica neuromuscular associada à contração do músculo quadríceps femoral ou dos músculos isquiotibiais, durante contrações concêntricas e excêntricas de um exercício de agachamento. As sessões ocorreram três vezes por semana, em dias alternados, durante quatro semanas. A eletroestimulação sobreposta à contração voluntária de músculos isquiotibiais mostrou-se efetiva para aumento da altura dos saltos verticais.
A instabilidade escapular é o termo usado para descrever a perda fisiológica da biomecânica da escápula, onde a escápula não se move ou se posiciona corretamente em relação à caixa torácica, o que pode ser secundário a uma condição dolorosa do ombro resultante do desequilíbrio muscular (SANTANA, FERREIRA, RIBEIRO, 2009). A instabilidade da escápula dificulta as atividades mais básicas que demandam maior amplitude de movimento, algumas das atividades que mais pontuaram foram: a do domínio físico correspondente a trocar uma lâmpada acima da cabeça e colocar um objeto numa prateleira acima da cabeça, para que essas tarefas sejam executadas o paciente precisa ter uma amplitude de movimento acima de 90º de abdução e flexão de ombro. O estudo apresentado por Chan JY, et al. (2015) onde foi avaliado a funcionalidade do membro superior após um ano de tratamento, em uma amostra de 46 pacientes com carcinoma nasofaríngeo, foi observado que a população apresentou uma disfunção moderada com o escore médio de 44,2 na escala DASH, os movimentos de lavar a cabeça ou secar o cabelo e colocar um objeto numa prateleira acima da cabeça também foram citados como os de maior dificuldade para execução, o mesmo foi observado no presente estudo.
A percepção de incapacidade ou sentir-se menos confiante frente a limitação causada pela discinesia do braço manifestada e pontuada pelos participantes afeta diretamente a qualidade de vida e a produtividade, interferindo diretamente nas atividades de vida diária, no que se refere à funcionalidade e à autoimagem. (SHIMOYA-BITTENCOURT et al., 2016).
Algo relatado frequentemente pelos participantes do estudo foi em relação à melhora da qualidade do sono em ambos os grupos, visto que a dor era o principal causador da má qualidade do sono, fazendo com que acordassem várias vezes ao longo da noite. Assim como no estudo apresentado por Ivkovic et al (2022) onde foi avaliado a qualidade do sono em 34 pacientes submetidos à dissecção cervical radical modificada e visto que 47% dos participantes relataram ter graves deficiências de sono. Além disso, 76,4% afirmou que acordam várias vezes durante a noite.
12. CONCLUSÃO
Diante dos resultados apresentados, conclui-se que, ambos os grupos apresentaram evoluções consideráveis, entretanto devido a amostra insuficiente, não apresentam valores estaticamente significativos, porém o grupo que recebeu a eletroestimulação superimposta se mostrou potencialmente mais efetivo. Através deste recurso como ferramenta para o tratamento das disfunções decorrentes do EC, trazendo potencial melhora na qualidade de vida dos pacientes, todavia se faz necessário novos estudos com amostras maiores e em grupos de participantes com cirurgias de maior complexidade.
12. REFERÊNCIAS
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ANEXO DO MODELO DE ENTREVISTA UTILIZADO/ QUESTIONÁRIO/ OU INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
1) Escala de Kendall.
2) Questionário DASH:
Não houve dificuldade | Houve pouca dificuldade | Houve dificuldade média | Houve muita dificuldade | Não conseguiu fazer | |
1. Abrir um vidro novo ou com uma tampa muito apertada | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
2. Escrever | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
3. Virar uma chave | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
4. Preparar uma refeição | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
5. Abrir uma porta pesada | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
6. Colocar algo em uma prateleira acima da sua cabeça | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
7. Fazer tarefas domésticas pesadas (por exemplo: lavar paredes ou lavar o chão) | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
8.Fazer trabalho de jardinagem | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
9. Arrumar a cama | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
10. Carregar uma sacola ou uma maleta | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
11. carregar um objeto pesado (mais de 5Kg) | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
12. Trocar uma lâmpada acima da cabeça | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
13. Lavar ou secar o cabelo | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
14. Lavar suas costas | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
15. Vestir uma blusa fechada | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
16. Usar uma faca para cortar alimentos | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
17. atividades recreativas que exigem pouco esforço (por exemplo jogar cartas, tricotar) | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
18. Atividades recreativas que exigem força ou impacto nos braços, ombros ou mãos (por exemplo: joga vôlei, martelar) | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
19. Atividades recreativas nas quais você move os braços livremente (como: pescar, jogar peteca) | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
20. Transportar-se de um lugar para outro | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
21. Atividades sexuais | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
Não afetou | Afetou pouco | Afetou medianamente | Afetou muito | Afetou extremamente | |
22. Na semana passada, em que ponto o seu problema com braço, ombro ou mão afetou suas atividades normais com a família, amigos, vizinhos ou colegas? | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
23. Durante a semana passada, o seu trabalho ou atividades diárias normais foram limitadas devido ao seu problema com braço, ombro ou mão? | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
Meça a gravidades dos seguintes sintomas na semana passada: | Nenhuma 1 | Pouca 2 | Mediana 3 | Muita 4 | Extrema 5 |
24. Dor no braço ombro ou mão | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
25. Dor no braço ombro ou mão quando você fazia atividades específicas | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
26. Desconforto na pele (alfinetadas) no braço, ombro ou mão | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
27. Fraqueza no braço, ombro ou mãos | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
28. Dificuldade em mover braço, ombro ou mão | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
Não houve dificuldade | Pouca dificuldade | Média dificuldade | Muita dificuldade | Tão difícil que você não pode dormir | |
29. Durante a semana passada, qual a dificuldade que você teve para dormir por causa da dos no seu braço, ombro ou mão? | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
Discordo totalmente | Discordo | Não concordo nem discordo | Concordo | Concordo totalmente | |
30. Eu me sinto menos capaz, menos confiante e menos útil por causa do meu problema com braço, ombro ou mão | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
Preenchimento pelo setor de fisioterapia: |
1 Investigador principal, fisioterapeuta residente no hospital Erasto Gaertner.
2Orientadora, fisioterapeuta no hospital Erasto Gaertner.
3Co-orientador, fisioterapeuta no hospital Erasto Gaertner.