INTRODUÇÃO
Estabelecida como uma das terapêuticas mais antigas da fisioterapia no Brasil, a eletroestimulação constitui um eficiente recurso utilizado nas mais diversas patologias encontradas. É importante reportar os tempos remotos onde estímulos \”farádicos\” e \”galvãnicos\” imperavam absolutos como únicos capazes de resolverem os problemas onde se fazia necessário um estímulo elétrico.
Hoje em dia estamos diante de tremendos avanços tecnológicos que nos obrigam a \”consumir\”, por força de sermos taxados de desatualizados, toda a parafernalha moderna (recém lançada) acerca de estímulos elétricos. Muitos não passam de verdadeiras engenhocas com \”LEDS\” e \”lâmpadas\” sem função terapêutica, entretanto vários equipamentos vêem embasados em pesquisas de bioengenhearia e biotecnologia que nos dão segurança para tratarmos nossos pacientes sem nos preocuparmos com possíveis atitudes lesivas ou \”placebas\”. Por força do avanço tecnológico, após a \”era galvanofarádica\” surgiram inovações como as correntes diadinâmicas, correntes exponenciais, TENS, FES, etc. Os estímulos providos por estas correntes seguiam um certo padrão tecnológico que muitas vezes davam a eles características semelhantes, como por exemplo, baixas frequências de estimulação.
No rastro deste avanço tecnológico surgem variações estruturais que diferenciam, por demais, os aparelhos modernos dos antigos, como por exemplo, a introdução do sistema computadorizado. E entre as mais diversas inovações também está a frequência do estímulo provido pelos aparelhos, pois até então a maioria dos profissionais só conhecia e utilizava os aparelhos de baixa frequência.
Atualmente os aparelhos de eletroestimulação de média frequência estão sendo largamente utilizados por apresentarem maior eficácia sob alguns aspectos:
encontram baixa impedância da pele ao penetrarem, possuem padrões estruturais tecnológicos que dão a eles variedades de trabalhos, assim como maior eficácia na qualidade do estímulo, etc.
BASES FISIOLÓGICAS
Propriedades Histológicas, Histoquímicas E Fisiológicas Da Musculatura As fibras musculares foram classificadas de acordo com sua constituição, e que os grupos musculares em sua maioria eram mistos, ou seja, compostos de mais de um tipo de fibra muscular.
Foi observado por Janda (1979)[3] no comportamento clínico da nossa musculatura 2 tipos de fibras: fásicas e tônicas ou brancas e vermelhas, sendo as brancas de velocidade e as vermelhas de sustentação.
Johnson e colaboradores (1973)[3] demonstraram que, com exceção de poucos músculos, o corpo humano só contém músculos com composição de fibras musculares mistas, e foi comprovado também por Kuo e Clamann (1981)[3] que as primeiras fibras a serem recrutadas para executar o movimento são as fibras vermelhas, e as fibras brancas só se ativam se for necessário força suplementar em movimentos rápidos.
Propriedades Das Unidades Motoras Tônicas E Fásicas[3, 4, 5]
A) Tônicas
* Fibras vermelhas
* Inervadas por fibras \”A alfa 2\” (alfa tônica)
* Freqüência tetânica de 20 a 30 Hz
* Fadiga tardia
* Capilaridade ótima
* Chamadas de fibras estáticas ou musculares
* Filogenéticamente velha (apareceram primeiramente no homem)
* Menor quantidade de ATPase ( metabolismo aeróbico / capacidade glicolítica
menos desenvolvida / enzimas mitocondriais)
* Musculatura estática
B) Fásicas
* Fibras brancas
* Inervadas por fibras \”A alfa 1\” (alfa fásica)
* Freqüência tetânica de 50 a 150 Hz
* Fadiga rápida (tetânica)
* Capilaridade pobre
* Chamadas de fibras rápidas ou contração rápida
* Filogenéticamente jovem (apareceram tardiamente no homem)
* Maior quantidade de ATPase (metabolismo anaeróbico / sistema glicolítico
para transferência de energia)
* Musculatura dinâmica
– Comportamento Clínico Da Musculatura:
a) Musculatura pálida (A)
É a principal responsável pela flacidez e perda de tônus[2]. Cansa-se com facilidade e não tolera contrações prolongadas. Só é trabalhada com exercícios extenuantes e realizados numa freqüência muito rápida. Assim,
costuma ser a primeira a se atrofiar.
Em geral, as fibras de contração rápida são ativadas nas atividades explosivas e rápidas, assim como em outras contrações musculares vigorosas, que dependem quase que inteiramente do metabolismo anaeróbico para a produção de energia.
As capacidades metabólicas e contráteis dessas fibras são igualmente importantes nos desportos com paradas e arranques e mudanças de ritmo tipo basquete ou hóquei de campo, que às vezes necessitam de energia rápida que somente as vias metabólicas anaeróbicas podem fornecer.[5] Possui rápida velocidade de contração, entre 60 ms e 110 ms, mas com fadigabilidade precoce
b) Musculatura vermelha (C)
Praticamente \”não necessita ser trabalhada\”. Basta ficar de pé para exercitá-la (musculatura estática). Resistente e dinâmica, suporta intensa atividade e têm grande capacidade de contração, o que permite, aliás, a movimentação de todo o corpo.
As fibras de contração lenta contêm mitocôndrias relativamente volumosas e numerosas, e é essa concentração de mitocôndrias, combinada com os altos níveis de mioglobina, que empresta às fibras de concentração lenta sua pigmentação vermelha característica. Existe uma alta concentração de enzimas mitocondriais necessárias para sustentar o metabolismo aeróbico (oxidativo). Assim sendo, essas fibras são resistentes à fadiga e bem apropriadas para o exercício aeróbico prolongado. [5]
Possui lenta velocidade de contração, entre 50 ms e 80 ms, mas com fadigabilidade tardia (fibras que suportam atividades por períodos prolongados).
OBS.:
1) Um neurônio grande possui um axônio mais grosso e assim uma velocidade de condução mais alta. Isto se adequa melhor às fibras musculares fásicas, já que elas precisam fornecer força explosiva de curta duração ou de alguma forma uma força adicional de duração mais longa. A movimentação do componente fásico é de alguma forma mais rude porque a unidade motora é maior, são as primeiras a entrarem em atividade quando se exige uma reação inesperada e rápida do músculo. Este fato pode ser visto comparativamente dentro do mesmo músculo[3]
2) As unidades Motoras tônicas são ativadas primeiramente, ao se produzir um movimento, e seu potencial de ação está em torno de -70 mV;
3) As unidades Motoras fásicas são ativadas quando o movimento requer um esforço suplementar, e seu potencial de ação está em torno de -90 mV.
4) Quando uma pessoa se exercita com níveis aeróbicos quase máximos, como na corrida de meia distância ou na natação, ou nos desportos tipo basquete, hóquei de campo ou futebol, que exigem uma mistura de energia
aeróbica e anaeróbica, são ativados ambos os tipos de fibras musculares. [5] Plasticidade do Tecido Conjuntivo Muscular Estímulos elétricos sobre os neurônios motores mudaram as características de algumas fibras fásicas que passaram a agir como fibras tônicas, ou vice-versa, ou seja, interferindo sobre os motoneurônios podemos interferir sobre as fibras musculares. Em geral a transformação de fibras musculares fásicas em tônicas transcorre com maior facilidade do que o caminho inverso. [3, 5]
A partir daí existiu uma facilidade da \”transformação\” de fibras fásicas em tônicas através de mudanças em seus potenciais. Esta plasticidade está ligada à frequência de estimulação e é uma propriedade que é inerente das células musculares.
Obs.: \”Esta mudança nas características bioquímicas-fisiológicas das fibras musculares pode ocorrer também através da atividade muscular intensa (treinamento) e talvez da inatividade, pois a estrutura da fibra muscular se adapta para função como o músculo é funcionalmente usado\” [4, 5]
Características da estimulação
A estimulação de um músculo ou fibras neuro-musculares com frequências maiores que a sua velocidade de despolarização/repolarização máxima, faz com que essas fibras de despolarizem na sua frequência própria, tornando a despolarização assíncrona, ou seja, a cada pulso de corrente não corresponde a uma despolarização da fibra. E isto se dá basicamente por três aspectos[61]:
1) O número de impulsos que pode ser transmitido por uma fibra nervosa, a cada segundo, é determinado pelo \”período refratário\” da fibra (definido como o intervalo de tempo desde o início da despolarização até o fim da
repolarização), o que depende, em grande parte, do calibre da fibra. As fibras de maior calibre podem transmitir 2500 impulsos por segundo[7].
2) Por conta do exposto acima, pode haver a possibilidade da frequência média ter um valor acima da frequência de despolarização máxima das fibras nervosas motoras, pois durante a estimulação alguns pulsos podem coincidir com o período refratário absoluto causando maior dificuldade na repolarização. O retorno ao potencial de repouso da membrana torna-se cada vez mais demorado, terminando por não mais se estabelecer enquanto durar a estimulação[6]..
3) Em virtude da frequência elevada, ocorre intensa fadiga da placa motora terminal com a estimulação elétrica, não permitindo que essa placa motora converta os impulsos elétricos em despolarização da membrana da fibra muscular. O nervo então demonstra um fenômeno de acomodação que faz com que o período refratário se torne cada vez mais longo[6]..
OBS.: Para prevenir o que foi relatado acima pode haver necessidade de se interromper a frequência média, em intervalos que devem coincidir com o término de cada despolarização, evitando que fibra nervosa seja bombardeada durante o período refratário. Nestas configurações, a fibra se desporaliza na frequência de modulação da corrente (interrupção), conservando sua sensibilidade à estimulação elétrica. [3, 6]
Encontra-se em alguns tipos de correntes de média frequência estas características de interrupção citadas acima, pois possuem um tipo de modulação em forma de rajadas havendo uma interrupção durante a qual a
corrente é nula, e isso favorece a prevenção de fadiga na placa motora. [6]
(Figura abaixo)
Portanto a interrupção da corrente de média frequência em diversas frequências baixas (modulação), permite o trabalho das diferentes fibras musculares, de acordo com as velocidades ótimas de despolarização de cada
tipo de neurônio motor (fibra fásica ou tônica). Pois segundo Hoogland (1998)[3], se trabalharmos com correntes alternadas não moduladas (sem interrupção) com uma frequência acima de 3000 Mhz a unidade motora se
descarregará em sua própria frequência não permitindo que a estrutura muscular altere sua morfologia, não havendo nenhum efeito específico no músculo. Mas quando se usa correntes alternadas moduladas (corrente russa) um padrão de despolarização pode ser imposto ao axônio promovendo alterações morfológicas e histoquímicas na musculatura, em proporção à frequência imposta artificialmente para as fibras fásicas ou tônicas.
O surgimento desse tipo de corrente se deu em 1977 quando o pesquisador russo Yakov Kots, desenvolveu uma técnica de eletroestimulação com correntes de média frequência que poderia aumentar a força muscular em 30 a 40% em atletas de elite. Esses ganhos de força eram maiores que aqueles obtidos apenas através de exercícios.
Mas a corrente de média frequência utilizada pelos russos ficou mundialmente conhecida, em 1980, quando surgiram as primeiras citações de uso de eletroestimulação nos astronautas da estação orbital soviética MIR com uma forma de corrente de média freqüência que estimulava a musculatura que se apresentava com grande fadiga, flacidez e perda de trofismo muscular por causa da ausência da força de gravidade quando estavam em operação no espaço. Este tipo de corrente foi construída exatamente baseada nos tipos musculares existentes (tônicas e fásicas), assim como na fisiologia da despolarização e repolarização da membrana.
Tem como caracaterística básica ser corrente alternada, com freqüência entre 2500 Hz e 5000 Hz (média freqüência), não possuir efeitos polares, e como não há efeito eletrolítico pode ser usada durante um tempo maior de estimulação sem provocar queimaduras.
Permite o uso de amperagem elevada (acima de 100 mA), pois é uma corrente de média freqüência, ou seja, mais agradável. Modificação na Composição Muscular[3, 4, 5, 6 ]
Tem-se constatado que a composição das fibras musculares se modifica ao ser exposta a um período prolongado de excitação produzida por correntes elétricas. Esta modificação depende principalmente da freqüência com que se despolariza o nervo motor por meio de corrente elétrica.
Na maioria dos casos, se reduz a velocidade de contração das células musculares. Com esta modificação a fibra muscular adquire a função ou a característica de fibra tônica, ou seja, torna-se mais vermelha e a capilarização aumenta. Mas nem sempre esta mudança é desejado, principalmente quando se necessita de função dinâmica do músculo.
A modificação é reversível desde que, passemos a trabalhar estes músculos com funções mais dinâmicas, pois a estrutura da fibra muscular se adapta à função conforme o músculo é utilizado funcionalmente. Com isso
chega-se à conclusão que a frequência de despolarização da fibra muscular é o fator determinante para as propriedades características da fibra muscular, Em linhas gerais podemos dizer que:
– para trabalharmos um músculo com função postural ou para que este músculo tenha um trabalho mais estético (musculatura estática – fibras tônicas), é necessário usar uma freqüência mais baixa, na ordem de 20 Hz a 30 Hz, isto garante o avermelhamento das fibras em questão;
– se desejarmos que este músculo tenha ou realize uma função mais dinâmica (fibras pálidas) é necessário que seja usado uma freqüência mais alta, na ordem de 50 Hz a 100 Hz, isto garante que as fibras musculares tornem-se brancas.
– A conservação da mudança na estrutura da fibra muscular é principalmente determinada pelo uso funcional do músculo. Se esta função não se adequar à estrutura da fibra muscular, então esta fibra irá se adaptar rapidamente. Isto se aplica particularmente para as fibras musculares brancas \”fásicas\” – A transformação das fibras musculares também pode ocorrer com estimulação subliminar. Isto mostra também uma dependência similar à frequência.
A ação da corrente de média frequência na musculatura permite:
– fortalecimento do músculo sem que produza modificação na composição da fibra muscular (utiliza-se frequência portadora entre 2000 e 3000 Hz);
– fortalecimento do músculo com o objetivo de modificar a composição da fibra muscular (utiliza-se uma frequência de carga em torno de 4000 Hz, e frequências moduladas de aproximadamente 20 Hz para transformar em tônicas, e 100 Hz para transformar em fásicas);
– excitação subliminar prolongada para modificar a composição da fibra muscular, sem fortalecimento do músculo.
As correntes de média frequência hoje constituem importante arma para tratamento de situações ligadas à fisioterapia estética, principalmente a flacidez muscular, estimulando e tonificando os músculos flácidos dotando
frequências de estimulação adequadas para a musculatura comprometida (frquência de modulação de 50 Hz a 100 Hz para as fibras fásicas responsáveis pela flacidez e perda do tônus[2]). Além da flacidez pode atuar na drenagem linfática, na tonificação de musculatura da face prevenindo marcas de expressão, influenciando na circulação sanguínea atuando na celulite, etc.
Outra utilização presente da eletroestimulação é a existente nas equipes esportivas objetivando aumentar a capacidade de \”sprint\”, aumentar a capacidade de salto, aumentar a capacidade de resistência, etc.
Em virtude dos relatos iniciais deste tipo de estimulação surgir na Rússia, através de Kots, atualmente esta terapêutica vem sendo denominada por varios profissionais e autores como Corrente Russa[1, 2, 4, 6]
FÁBIO DOS SANTOS BORGES
Professor de fisioterapia geral da Universidade Iguaçu – UNIG
Fisioterapeuta do Hospital Central do Exército
Pós graduado em docência superior e anatomia humana
Mestrando em Ciências Pedagógicas
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1- Kitchen, S. e Bazin, S. – ELETROTERAPIA DE CLAYTON – 10ª Edição – Ed.
Manole – 1ª Edição brasileira – São Paulo – 1998
2- Delamare, A. – Revista LES NOUVELLES Esthétiques – Ano VIII – nº 42 – Maio
/ Junho de 1998 – Rio de Janeiro – Brasil
3- Hoogland, R. – STRENGTHENING AND STRETCHING OF MUSCLES USING ELECTRICAL
CURRENT – B.V. ENRAF NONIUS DELFT – Holanda – 1988
4- R.V. den Adel; R.H. J. Luykx – ELECTROTERAPIA DE FRECUENCIA BAJA Y MEDIA –
ENRAF NONIUS DELFT – 1990
5- William D. McArdle, Frank I. Katch, e Victor L. Katch – FISIOLOGIA DO
ESFORÇO – Energia, Nutrição e Desempenho Humano – Ed. Guanabara Koogan – 3ª
Ed. – Rio de Janeiro – 1992
60, n° 5 1981, pp. 219-238
6- Longo, G.J.- ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA PARA FORTALECIMENTO E ALONGAMENTO
MUSCULAR – KLD Biosistemas Equipamentos. Eletr – Amparo-SP – 1999
7- Guyton, A. C. – FISIOLOGIA HUMANA – 6ª edição – Ed Guanabara – Rio de
Janeieo – 1988