EFICÁCIA DA COLOSTROTERAPIA NA PREVENÇÃO DE ENTEROCOLITE NECROSANTE: UMA REVISÃO DE LITERATURA

EFFICACY OF COLOSTROTHERAPY IN THE PREVENTION OF NECROTIZING ENTEROCOLITIS: A LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202412171705


Lara Oliveira Holak dos Santos1
Bruno Menezes Teixeira Campos2
Ana Beatriz de Mello Domingos2
Bruna Cristina Moreira Santos1
Christianne Terra de Oliveira Azevedo3


Resumo

O colostro apresenta altas concentrações de fatores imunoprotetores fundamentais para recém-nascidos (RN) prematuros e de baixo peso ao nascer (BPN) na redução de morbimortalidades, como a enterocolite necrosante (ECN). No entanto, para alguns desses prematuros, alimentação oral e enteral nas primeiras semanas não é possível, sendo a colostroterapia uma tentativa de viabilizar o aleitamento precoce. Analisar a eficácia da colostroterapia na prevenção de ECN em RN prematuros com BPN. A pesquisa foi realizada nas plataformas PubMed e Biblioteca Virtual em Saúde com os descritores “Colostrum” e “necrotizing enterocolitis”, utilizando o operador booleano “AND”. Incluiu-se publicações de 2013 a 2023, ensaios clínicos controlados, estudos observacionais e artigos com textos completos. Artigos fora do tema delimitado, duplicados, revisão sistemática, meta-análise e estudos em andamento foram excluídos. Após a aplicação dos critérios mantiveram-se 17 artigos. Dos artigos selecionados, 05 estudos observaram que a colostroterapia, com leite materno, apresenta eficácia na prevenção de enterocolite necrosante. No entanto, 12 estudos, os quais consideraram colostro materno e bovino, não observaram eficácia na prevenção. Os estudos analisados mostraram que o número de bebês incluídos, a variação na técnica, na dose utilizada, no intervalo e na duração do tratamento interferem no resultado. Embora a fisiopatologia da doença não esteja completamente esclarecida, há evidências de que o colostro materno apresenta benefícios a curto prazo na redução da morbimortalidade infantil. Desta forma, é de suma importância que se estabeleça um protocolo conciso para que se compreenda a eficácia na prevenção da ECN.

Palavras-chave: Colostro; Prevenção de Doenças; Recém-Nascido​.

Abstract

Colostrum contains high concentrations of immune-protective factors essential for premature newborns (NB) and low birth weight (LBW) in reducing morbidity and mortality, such as necrotizing enterocolitis (NEC). However, for some of these premature infants, oral and enteral feeding in the first weeks is not possible, and colostrum therapy becomes an attempt to enable early breastfeeding. To analyze the effectiveness of colostrum therapy in preventing NEC in premature NB with LBW. The research was conducted on the PubMed and Virtual Health Library platforms using the descriptors “Colostrum” and “necrotizing enterocolitis,” with the boolean operator “AND.” Publications from 2013 to 2023, controlled clinical trials, observational studies, and full-text articles were included. Articles unrelated to the topic, duplicates, systematic reviews, meta-analyses, and ongoing studies were excluded. After applying the criteria, 17 articles were retained. Of the selected articles, 5 studies observed that colostrum therapy, with breast milk, is effective in preventing necrotizing enterocolitis. However, 12 studies, which considered both maternal and bovine colostrum, did not observe effectiveness in prevention. The analyzed studies showed that the number of babies included, variation in technique, dose used, interval, and duration of treatment influenced the outcomes. Although the pathophysiology of the disease is not fully understood, there is evidence that maternal colostrum offers short-term benefits in reducing infant morbidity and mortality. Therefore, it is crucial to establish a clear protocol to understand its effectiveness in preventing NEC.

Keywords: Colostrum; Disease Prevention; Newborn.

Introdução

A nutrição adequada é essencial para o crescimento e desenvolvimento do recém-nascido, especialmente para os pré-termos, onde as necessidades especiais de nutrientes tornam essa prática um grande desafio. (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2020).

Recém-nascido prematuro é aquele com idade gestacional menor que 37 semanas ao nascer, sendo muito prematuros os que nascem com menos de 32 semanas de idade gestacional, e extremamente prematuros os que nascem com menos de 28 semanas. Os recém-nascidos com baixo peso ao nascer possuem menos de 2.500g, muito baixo peso ao nascer < 1.500g e extremo baixo peso ao nascer < 1.000g. Recém-nascido compreende o indivíduo do nascimento até 28 dias de vida (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019)

A Sociedade Brasileira de Pediatria e o Ministério da Saúde preconizam o aleitamento materno exclusivo até o 6º mês de vida, com inúmeros benefícios comprovados para a saúde da criança. É importante destacar que em situações de prematuridade e muito baixo peso, as propriedades imunológicas e nutricionais do leite materno são fundamentais na redução de morbidades associadas a essa população. (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2020).

Nesse contexto, o colostro, que é o leite materno produzido nos primeiros sete dias após o parto, apresenta altas concentrações de fatores nutricionais e imunológicos protetores essenciais para a maturação e desenvolvimento do trato gastrointestinal do prematuro, assim como para promover a colonização por uma microbiota saudável (Ramos et al., 2021).

O leite humano é rico em imunoglobulinas, lactoferrina, citocinas, leucócitos e oligossacarídeos, que auxiliam na defesa imunológica, estimulando o desenvolvimento e amadurecimento da imunidade (Brasil, 2015). Estudos demonstraram que os biofatores estão concentrados em maior quantidade no leite de mulheres que dão à luz a bebês prematuros. Portanto, quanto menor a idade gestacional ao nascimento, maior a concentração dos componentes imunoprotetores do colostro. A composição deste possibilita sua atuação de diversas formas, dentre elas: barreira local ao impedir a adesão de micróbios à mucosa, promoção da modulação e interação das citocinas com os tecidos linfoides orofaríngeos, facilitação da absorção de fatores imunológicos pela mucosa bucal e estimulação do crescimento e reparo intestinal (Alvarenga; Bhering, 2022).

A colostroterapia com leite materno pode fornecer efeitos imunoprotetores e anti-inflamatórios que podem reduzir a incidência de sepse de início tardio e enterocolite necrosante (ECN). A ECN é uma emergência gastrointestinal grave, de etiologia incerta, caracterizada por inflamação e necrose da mucosa intestinal, que ocorre principalmente em pré-termos e recém-nascidos de baixo peso ao nascer (Gerson, 2023). É uma das principais causas de morbimortalidade em RN pré-termo, com taxa de mortalidade de 20% em RN com diagnóstico e em torno de 30% a 40% para os RN que requerem tratamento cirúrgico (Vieira et al., 2013).

A ECN se associa a prematuridade como consequência da imaturidade da barreira intestinal, peristalse alterada, mudança da microflora intestinal, sobrecarga da dieta enteral, além da imunidade intestinal imatura (Ribeiro; Oliveira; Ewerton, 2023; Schanler, 2015).

Embora a recomendação da Academia Americana de Pediatria seja a oferta de leite materno como a primeira opção nutricional para bebês com extremo baixo peso ao nascer e/ou prematuros, frequentemente esses recém-nascidos são impedidos de receber alimentação oral e enteral nos primeiros dias de vida. Dessa forma, administração de mínimos volumes do leite materno precoce na mucosa orofaríngea, a colostroterapia, é uma técnica que não exige a deglutição por parte do recém-nascido, e pode oferecer proteção antimicrobiana, anti-inflamatória e suporte imunológico (Ramos et al., 2021; Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019).

A literatura é rica em evidências sobre os benefícios do leite materno para os recém-nascidos prematuros, no entanto, a discussão acerca do impacto da colostroterapia na prevenção da enterocolite necrosante nesses bebês, apresenta resultados conflitantes (Carome; Rahman; Parvez, 2020; Sharma et al., 2019). 

Consequentemente aos avanços da neonatologia, aumentou a sobrevida dos bebês pré-termo e a exposição a complicações associadas à prematuridade. Nesse sentido, torna-se importante o estudo de intervenções que garantam o melhor desenvolvimento e qualidade de vida para essa parcela mais vulnerável de recém-nascidos (Brasil, 2017). Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi, por meio de uma revisão de literatura, analisar a eficácia da colostroterapia na prevenção da ECN em recém-nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer.

Materiais e métodos

Trata-se de um estudo de revisão integrativa de literatura sobre a relação da colostroterapia e a prevenção de enterocolite necrosante. As bases de dados consultadas foram o Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e a National Library of Medicine (PubMed) acessadas em setembro de 2023 com os descritores “colostrum” e “necrotizing enterocolitis”, utilizando o operador booleano “AND”. 

Foram incluídas publicações de 2013 a 2023, ensaios clínicos controlados, estudos observacionais e artigos com textos completos. Artigos fora do tema delimitado, duplicados, revisão sistemática, meta-análise e estudos em andamento foram excluídos. 

Os estudos incluídos foram analisados na íntegra através de leitura crítica, interpretação e síntese dos achados. Para melhor caracterização, os artigos foram estruturados em quadro descritivo contendo nome dos autores, ano de publicação, eficácia e a justificativa.

Resultados

A busca resultou em um total de trezentos (300) trabalhos. Foram encontrados cento e quarenta e oito (148) artigos na base de dados PubMed e cento e cinquenta e dois (152) artigos na base de dados BVS. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão foram selecionados quatorze (14) artigos na base de dados PubMed e trinta e sete (37) artigos no BVS, sendo que treze (13) artigos foram retirados por estarem duplicados entre as plataformas e vinte e um (21) artigos foram retirados por serem meta-análise, revisão sistemática e estudo em andamento, conforme apresentado no fluxograma 1.

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Dos artigos selecionados, cinco (05) estudos observaram que a colostroterapia apresenta eficácia na prevenção de enterocolite necrosante, sendo o colostro estudado, o materno. Doze (12) estudos não observaram eficácia na prevenção, dentre eles o colostro materno e bovino. 

Tabela 1- Caracterização dos artigos conforme ano de publicação, eficácia e justificativa.

TítuloAutorAno de publicaçãoÉ eficaz para prevenção de ECN?Justificativa
Colostro bovino como fortificante do leite humano em bebês prematuros – Um ensaio clínico randomizado (FortiColos).Ahnfeldt, A.M. et al.2023NãoForam incluídos um total de 232 bebês, com idade gestacional (IG) 28,5 ± 1,4 (semanas + dias). A incidência de ECN (BC: 3/115 vs. CF: 5/117, p = 0,72, valores não ajustados), sepse de início tardio (BC: 23/113 vs. CF: 14/116, p = 0,08) e outras morbidades não diferem. 
Aplicação Oral de Colostro e Leite da Mãe em Bebês Prematuros – Um Ensaio Randomizado e ControladoSudeep, K. C. et al.2022NãoA administração do colostro materno não apresentou diferença significativa na ECN.
Administração orofaríngea de colostro para prevenir enterocolite necrosante e sepse de início tardio em bebês prematuros com idade gestacional ≤ 32 semanas: um estudo controlado randomizado de centro único pilotoOuYang, X. et al.2021SimForam inscritos 127 bebês no grupo de administração de colostro orofaríngeo (ACO) e 125 bebês no grupo controle. A incidência de ECN (estágio 2 ou 3 de Bell) e sepse de início tardio foi menor no grupo ACO [2,36% vs. 10,40%].
Preparação intestinal com colostro bovino e células reguladoras T em recém-nascidos prematuros: um ensaio clínico randomizadoIsmail, R.I. H. et al.2021NãoNenhum dos neonatos do grupo de colostro bovino desenvolveu ECN definitiva vs. 5 casos (10,4%) no grupo controle. No entanto, a administração do colostro bovino não apresentou diferença estatisticamente significativa (p> 0.05) na incidência de ECN.
A administração orofaríngea de colostro reduz a morbidade e a mortalidade em bebês muito prematuros? Um estudo randomizado controlado por grupos paralelosAggarwal R, Plakkal N, Bhat V.2021NãoEm total de 260 bebês (idade gestacional média de 29,5 semanas e peso médio ao nascer de 1.201,7 g) foram incluídos na análise primária. O desfecho primário composto ocorreu em 43 (33,6%) lactentes no grupo do colostro e 38 lactentes (29,7%) no grupo placebo, e a diferença não foi estatisticamente significativa (P = 0,50). Desfechos secundários, como ECN foram comparáveis ​​entre os dois grupos.
Os Efeitos da Administração Orofaríngea Precoce de Colostro Microdosado no Status de Alimentação em Bebês Ventilados de Muito Baixo Peso ao NascerChen, X. et al. 2021SimAs concentrações de imunoglobulina A secretória e lactoferrina nas secreções das vias aéreas e na urina do grupo intervenção foram significativamente maiores que as do grupo controle (p < 0,05). O grupo intervenção apresentou a taxa de intolerância alimentar e incidência de ECN significativamente menor do que no grupo controle (p < 0,05).
Dieta exclusiva de leite humano reduz a incidência de hemorragia intraventricular grave em bebês com baixo peso ao nascerCarome K, Rahman A, Parvez B. 2020SimOs bebês do grupo que recebeu leite humano exclusivo tiveram um valor significativamente menor de taxa de ECN em comparação com os bebês do grupo leite humano não exclusivo (5 vs. 17%; p = 0,001).
Papel da Administração Orofaríngea de Colostro em Bebês com Muito Baixo Peso ao Nascer para Reduzir a Enterocolite Necrosante: Um Ensaio Controlado RandomizadoSharma, D. et al.2019NãoAs características basais foram comparáveis ​​entre os dois grupos. Não houve redução significativa na incidência de ECN no grupo administração orofaríngea de colostro (0 [0%] vs. 3 [7,1%]; p = 0,11). 
Administração Orofaríngea do Leite Materno Antes da Alimentação Gavage em Bebês Prematuros: Um Ensaio Piloto de Controle RandomizadoAbd‐Elgawad, M. et al. 2019NãoOs resultados de 200 neonatos (100 em cada grupo) foram analisados. A prática da aplicação do colostro não afetou a incidência de enterocolite necrosante.
Ensaios Clínicos de Lactoferrina no Recém-nascido: Efeitos na Infecção e no Microbioma IntestinalEmbleton, N. D., Berrington, J. E.2020NãoFoi demonstrado que apesar da lactoferrina ser uma imunoproteína com efeitos importantes para a saúde, a sua suplementação através do colostro bovino em bebês prematuros não reduz significativamente o risco de ECN quando realizados estudos com um total > ou = 1.000 bebês. Justificando a diferença no resultado de estudos que comprovaram a eficácia.
Imunonutrição para Bebês prematurosWalsh, V., McGuire, W. 2019NãoA intervenção de lactoferrina enteral bovina não apresentou diferenças significativas na ECN. (RR 1,13 (IC 99% 0,68-1,89)
Relação das Taxas de Enterocolite Necrosante com a Adoção de Práticas de Prevenção em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal dos EUAGephart, S. M., Quinn, M. C. 2019SimA subpontuação do leite humano relacionou-se com taxas mais baixas de ECN (rho = -0,26, p = 0,049), assim como o colostro para cuidados bucais (rho = -0,27, p = 0,032). 
Administração de Colostro Orofaríngeo em Bebês com Muito Baixo Peso ao Nascer: Um Ensaio Controlado RandomizadoZhang, Y. et al.2017NãoAlteração da linha de base na lactoferrina na saliva em 7 dias (5,18 ± 7,07 vs –1,74 ± 4,67 µg/mL; p < 0,001) e 21 dias (5,31 ± 9,74 vs –1,17 ± 10,38 µg/mL; p= 0,02) mostra diferença estatística.  Não foram encontradas diferenças de lactoferrina na urina, de imunoglobulina A secretora na urina e na saliva. Também não houve diferenças na incidência de enterocolite necrosante.
A Administração Orofaríngea de Colostro Aumenta os Níveis de IgA Secretor Salivar em Bebês de Baixo Peso ao NascerGreecher, C., Doheny, K., Glass, K.2017NãoA SsIgA foi maior no grupo de administração orofaríngea de colostro versus o grupo controle (p < 0,05). Mas não houve diferença significativa na ECN. É necessário um estudo multicêntrico para determinar se o ACO diminui ECN em bebês recém-nascido muito baixo peso.
Colostro Bovino na Prevenção de Enterocolite Necrosante e Sepse em Recém-nascidos com Muito Baixo Peso ao Nascer: Um Ensaio Piloto Randomizado, Duplo-cego e Controlado por PlaceboBalachandran, B. et al.2016NãoA administração do colostro bovino em recém-nascidos muito baixo peso apresentou um aumento de sinais radiológicos de ECN e tendência ao aumento de IL-6 nas fezes. Não foi possível detectar benefícios clínicos.
Administração precoce de colostro orofaríngeo para bebês com peso extremamente baixo ao nascerSeigel, J. K. et al.2013NãoA mortalidade e o percentual de lactentes com ECN cirúrgica e perfurações espontâneas foram estatisticamente semelhantes entre os grupos que receberam e não o colostro materno.
Fatores que afetam a gravidade da enterocolite necrosanteMiner, C. A. et al.2013SimA análise de regressão indicou maiores chances de que a ECN fosse grave se houvesse uma transfusão prévia de hemácias (p < 0,0001) ou se as primeiras mamadas não fossem colostro (p = 0,017). Os dois fatores que melhor predizem a morte por ECN foram; (1) pH baixo (p = 0,0005) e (2) falta de colostro precoce (p = 0,003).

Discussão

Embora sejam conhecidos os benefícios do colostro materno e a administração orofaríngea esteja sendo adotada de forma terapêutica em bebês prematuros, as práticas variam amplamente diferindo em dose, técnica e duração. A colostroterapia possibilita que bebês prematuros, que estão impedidos de receber alimentação oral e enteral, recebam os fatores imunoprotetores e anti-inflamatórios do colostro materno, (Ramos et al., 2021; Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019)  por meio da interação de citocinas do leite com células imunes orofaríngeas, sua atuação como barreira local ao impedir a adesão de micróbios à mucosa, os efeitos locais e sistêmicos de oligossacarídeos que modulam a microbiota intestinal e facilitação da absorção de fatores imunológicos pela mucosa bucal e estímulo do crescimento e reparo intestinal (Alvarenga; Bhering, 2022).

Na análise dos resultados obtidos, cinco artigos sugerem que a colostroterapia é uma técnica viável e segura e que pode ser benéfica para prevenção de ECN em bebês prematuros. No entanto, esses estudos não descrevem a maneira como foi realizada a colostroterapia. Dessa forma, limitações significativas, incluindo pequenas amostras de bebês, inconsistência na técnica, variação na dose, no intervalo e tempo de duração, limitam a generalização dos resultados. Além disso, Embleton e Berrington (2020) destacaram a importância de compreender a fisiopatologia e tratamento da ECN para determinar a intervenção ideal a ser adotada, através de um protocolo conciso que possibilitará resultados mais fidedignos por apresentarem menores discrepâncias de execução.

Os estudos analisados recrutaram um número amostral menor que 500 recém-nascidos para a realização dos estudos observacionais e ensaios clínicos controlados, com exceção do estudo realizado por Embleton e Berrington (2020) em que houve a participação de 2.203 bebês prematuros. Para o autor, para que se determine o impacto dos fatores imunoprotetores na prevenção da ECN é de suma importância recrutar ao menos 1.000 recém-nascidos, ensaios clínicos controlados com número amostral menor devem ser analisados com cautela. O ensaio clínico destaca os benefícios da lactoferrina, componente do leite materno, mas demostra que não reduz significativamente o risco de ECN. Tal qual Pammi e Abrams (2011) concluíram que não há evidência para recomendar o uso de lactoferrina para o tratamento de ECN em neonatos.

No trabalho realizado por Sharma et al. (2019), os bebês recrutados no grupo controle receberam 0,2mL de colostro materno, 0,1 mL de cada lado da mucosa oral, após 24 horas de vida pós-natal e foram administrados a cada 2 horas durante as 72 horas seguintes, independentemente do estado de alimentação enteral do neonato (Sharma et al., 2020). Aggarwal, Plakkal e Bhat (2021) utilizou a mesma dose, 0,2 mL de leite humano, por via orofaríngea, com início dentro de 24 horas após o nascimento e administração a cada 3 horas até que a alimentação oral fosse iniciada.  Nos estudos descritos, apesar da mesma dosagem, houve variação na técnica de aplicação, no intervalo e na duração. No estudo realizado por Seigel et al. (2013) a colostroterapia foi iniciada mais tardiamente, com menor dosagem, maior intervalo e duração. Os bebês receberam 0,1 mL de colostro fresco em cada bochecha a cada 4 horas durante 5 dias, começando nas primeiras 48 horas pós-natais.

Dentre os doze estudos nos quais a administração do colostro não apresentou eficácia na prevenção de ECN, destaca-se o estudo realizado por Balachandran et al. (2016), no qual o grupo controle recebeu colostro bovino e apresentou valores mais elevados de IL-6 nas fezes e maior incidência de íleo e sinais radiológicos de ECN. Do mesmo modo que Geparht et al. (2017) constatou em seu estudo que bebês alimentados com fortificante à base de leite humano tiveram 64% menos chances de desenvolver ECN em comparação com aqueles alimentados com fortificantes de origem bovina. Portanto, ainda são necessários mais estudos para a elucidação acerca dos benefícios do colostro bovino e sua eficácia na prevenção de ECN. 

Diante dos resultados divergentes na literatura quanto aos benefícios imunoprotetores da colostroterapia, para que se compreenda a sua eficácia em uma doença multifatorial como a enterocolite necrosante, é importante que sejam realizados estudos com um maior número amostral de bebês e com diferença mínima na dose, técnica de aplicação, intervalo e duração. 

Considerações finais

A administração de pequenos volumes de colostro, diretamente na cavidade bucal, apesar de ser uma técnica viável e segura, tem demonstrado resultados conflitantes na literatura, quanto a sua eficácia na prevenção de ECN. Para que se estabeleça a melhor técnica que possa ser adotada como um protocolo, é necessário compreender melhor a patologia da doença e o efeito do tratamento de modo a determinar a intervenção ideal a ser testada. Embora os benefícios do aleitamento materno sejam reconhecidos, ainda são necessários estudos clínicos controlados com um número amostral mínimo e um protocolo conciso para avaliar o real efeito e importância da colostroterapia na prevenção de enterocolite necrosante em recém-nascidos prematuros.

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1UNIVASSOURAS, Vassouras-RJ, discente do curso de Medicina
2UNIVASSOURAS, Vassouras-RJ, bolsista de Iniciação Tecnológica FUSVE e discente do curso de Medicina
3UNIVASSOURAS, Vassouras-RJ, docente do curso de Medicina.