EFEITOS NEUROBIOLÓGICOS DO USO ABUSIVO DE LISDEXANFETAMINA E METILFENIDATO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501030918


Cauã de Souza Moura


Abstract

This study investigates the neurobiological effects of prolonged and abusive use of lisdexamfetamine (Venvanse) and methylphenidate (Ritalin), focusing on the cognitive, behavioral, and biochemical consequences associated with the consumption of these substances. Initially developed for the treatment of Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD), these stimulants have increasingly been used indiscriminately, particularly by students and professionals seeking cognitive enhancement.

This article employs a qualitative and exploratory approach, grounded in a critical review of scientific literature and experimental animal models. The findings highlight memory deficits, increased anxiety, and biochemical alterations, including oxidative stress and chronic neuroinflammation, as potential consequences of prolonged exposure to these drugs.

Based on the evidence presented, this study raises concerns about the indiscriminate use of stimulants, suggesting parallels to human vulnerabilities, such as reduced neuroplasticity, susceptibility to psychiatric disorders, and the potential for neurodegeneration. Finally, the article emphasizes the urgent need for longitudinal studies to evaluate the cumulative effects of these substances in humans, while proposing regulatory measures and public awareness strategies to mitigate abuse and promote the responsible use of these medications.

Resumo

O presente estudo investiga os efeitos neurobiológicos do uso abusivo e prolongado de lisdexanfetamina (Venvanse) e metilfenidato (Ritalina), analisando as consequências cognitivas, comportamentais e bioquímicas associadas ao consumo dessas substâncias. Inicialmente desenvolvidos para o tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), esses estimulantes têm sido amplamente utilizados de forma indiscriminada, especialmente por estudantes e profissionais em busca de aprimoramento cognitivo.

Este artigo adota uma abordagem qualitativa e exploratória, fundamentada em revisão da literatura científica e em evidências provenientes de modelos experimentais animais.

Os resultados destacam déficits de memória, aumento da ansiedade e alterações bioquímicas, como estresse oxidativo e neuroinflamação crônica, associadas ao uso prolongado dessas substâncias.

Com base nos achados, o estudo alerta para os riscos potenciais do consumo indiscriminado de        estimulantes,  sugerindo        paralelos         preocupantes              para     seres humanos,          incluindo         neuroplasticidade       reduzida,            vulnerabilidade           a                      distúrbios psiquiátricos e aumento da possibilidade de neurodegeneração.

Por fim, o artigo enfatiza a necessidade de pesquisas longitudinais para avaliar os efeitos cumulativos dessas substâncias em humanos, além de propor medidas regulatórias e estratégias de conscientização pública para minimizar o uso abusivo e promover o uso responsável dos medicamentos.

Introdução

Atualmente a sociedade contemporânea tem assistido a um crescimento exponencial no uso de estimulantes, como a lisdexanfetamina (popularmente conhecida como Venvanse) e o metilfenidato (comercializado principalmente com o nome de Ritalina). Inicialmente desenvolvidos e aprovados para o tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), esses fármacos apresentam efeitos notáveis na melhoria da atenção, no foco e no controle impulsivo, contribuindo significativamente para a qualidade de vida de indivíduos diagnosticados com essa condição.

Entretanto, o uso dessas substâncias tem ultrapassado os limites controlados das prescrições médicas, estendendo-se a pessoas sem diagnóstico formal de TDAH que buscam, de maneira crescente, melhorias no desempenho cognitivo. Esse fenômeno, muitas vezes referido como neuroaprimoramento farmacológico, reflete a pressão social por       produtividade  e          desempenho   excepcionais   em       um            cenário            de competitividade extrema, como em salas de aula, ambientes de trabalho ou testes acadêmicos decisivos.

Força impulsionadora ao consumo irregular

O acesso facilitado a essas substâncias, aliado à percepção equivocada de que são soluções “seguras” e “efetivas” para aumentar a performance cognitiva, contribui para um consumo desenfreado, muitas vezes sem supervisão médica adequada. E essa realidade é agravada pela banalização do uso nas redes sociais, onde relatos de estudantes e profissionais que dependem desses medicamentos para “dar conta das demandas diárias” se tornaram comuns.

Porém, essa cultura de alta performance tem ignorado um aspecto essencial: os efeitos adversos e os riscos neurobiológicos associados ao uso prolongado dessas substâncias, especialmente em cérebros ainda em desenvolvimento, como os de adolescentes e jovens adultos.

O problema atual

Modelos experimentais com animais têm desempenhado um papel essencial na investigação dos efeitos neurobiológicos e comportamentais associados ao uso prolongado de estimulantes. Esses modelos oferecem uma plataforma controlada para avaliar alterações bioquímicas e estruturais no cérebro, permitindo uma extrapolação para os possíveis efeitos em seres humanos.

Estudos realizados em ratos, por exemplo, indicam que a exposição crônica a substâncias como a lisdexanfetamina e o metilfenidato pode desencadear uma série de modificações neurofisiológicas e comportamentais preocupantes, e isso pode ser intensificado se administrados durante períodos críticos do desenvolvimento neurológico.

As pesquisas conduzidas até o momento têm revelado que o uso contínuo desses estimulantes resulta em déficits de memória e alterações emocionais significativas, incluindo         o          aumento          de        comportamentos         ansiosos         e            compulsivos.   Essas manifestações comportamentais foram associadas a disfunções em regiões-chave do cérebro, como o hipocampo (estrutura intimamente envolvida nos processos de memória e aprendizado), e o corpo estriado, que desempenha um papel fundamental na regulação emocional e no controle motor.

Contudo, este artigo tem como objetivo discutir, com base em evidências experimentais e dados emergentes, os possíveis efeitos neurobiológicos e comportamentais associados ao uso abusivo e prolongado de lisdexanfetamina e metilfenidato. Pretende-se explorar os impactos observados nos estudos com modelos animais, ressaltando as semelhanças e limitações na extrapolação para seres humanos e destacando as lacunas existentes na literatura científica atual.

Metodologia

Este artigo foi desenvolvido com base em uma abordagem qualitativa e exploratória, centrada na revisão da literatura científica disponível sobre os efeitos neurotóxicos do uso prolongado e abusivo de estimulantes, como a lisdexanfetamina (Venvanse) e o metilfenidato (Ritalina).

A metodologia adotada priorizou a análise sistemática e integrada de estudos experimentais e clínicos, com o objetivo de identificar, interpretar e sintetizar os achados mais relevantes sobre os impactos dessas substâncias no cérebro.

Além disso, buscou-se preencher lacunas na literatura científica por meio de uma discussão aprofundada que combina evidências pré-existentes com novas reflexões teóricas.

Coleta e Seleção de Publicações Científicas

A busca de dados foi realizada em bases acadêmicas e revistas científicas reconhecidas, como SciELO, PubMed, Google Acadêmico e periódicos específicos, incluindo aqueles fornecidos pelo autor deste estudo.

Os critérios de seleção incluíram:

  • Artigos experimentais sobre o impacto neurotóxico dos estimulantes em ratos.
  • Estudos clínicos e revisões comparativas sobre lisdexanfetamina e metilfenidato.
  • Pesquisas sobre o uso indiscriminado e não prescrito desses medicamentos para aprimoramento cognitivo.
  • Publicações recentes (2012–2024) para garantir a atualidade dos dados.

Critérios de exclusão:

  • Estudos que não abordavam os efeitos prolongados dos estimulantes.
  • Trabalhos sem dados quantitativos ou com metodologia inconsistente.

A Construção De Um Novo Raciocínio Clínico

A partir da revisão, este estudo propõe um novo raciocínio informativo baseado na integração de achados laboratoriais e clínicos:

  • Efeitos Neurobiológicos: Comparação entre os mecanismos de ação e impactos bioquímicos dos estimulantes.
  • Comportamento e Cognição: Análise dos prejuízos à memória e aumento de ansiedade.
  • Neuroinflamação e Estresse Oxidativo: Implicações para neuroplasticidade e aumento de risco de doenças neurodegenerativas.
  • Relevância Social e Ética: Discussão sobre o uso abusivo em contextos acadêmicos e profissionais.

Revisão de Literatura

A seguir, a análise das literaturas.

O Histórico do Uso de Estimulantes no Tratamento de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade)

O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma condição neuropsiquiátrica descrita pela primeira vez no século XIX. Inicialmente, era visto como um problema de hiperatividade motora em crianças, mas, com o avanço dos estudos, foi reconhecido como um transtorno multifatorial que afeta a atenção, a impulsividade e a autorregulação emocional.

O tratamento farmacológico do TDAH começou a se consolidar na década de 1930, com o uso das anfetaminas, substâncias que promoviam melhora na atenção e controle comportamental. Posteriormente, na década de 1950, o metilfenidato foi introduzido como uma opção terapêutica mais segura, tornando-se uma das drogas mais prescritas para o transtorno.

Já em 2007, a lisdexanfetamina foi aprovada pelo FDA como uma alternativa de ação prolongada, sendo indicada para casos de maior gravidade ou que exigiam efeito sustentado ao longo do dia.

O aumento dos diagnósticos de TDAH nas últimas décadas impulsionou a prescrição desses medicamentos, assim como os dados que indicam que o consumo de metilfenidado (Ritalina) cresceu 775% nos últimos 10 anos. O que reflete não apenas no maior reconhecimento clínico do transtorno, mas também um uso recreativo e não prescrito por estudantes e profissionais em busca de aprimoramento cognitivo

Embora essas substâncias tenham se mostrado eficazes no curto prazo, especialmente no controle de impulsos e aumento do foco, surgem preocupações sobre o impacto de seu uso crônico, especialmente em cérebros em desenvolvimento e em indivíduos saudáveis que utilizam esses fármacos sem necessidade médica.

Mecanismos de Ação Farmacológica do Metilfenidato e da Lisdexanfetamina

O metilfenidato é um psicoestimulante classificado como inibidor da recaptação de dopamina        e          noradrenalina. Ele       age      bloqueando     os            transportadores          dessas monoaminas na fenda sináptica, prolongando sua ação e aumentando os níveis extracelulares. Esse mecanismo melhora a transmissão dopaminérgica no córtex pré- frontal, área associada à atenção e controle executivo.

Porém seu efeito é transitório, exigindo administrações frequentes para manter os benefícios clínicos. Estudos sugerem que seu uso prolongado pode modificar a sensibilidade dopaminérgica, alterando o equilíbrio neuroquímico e potencializando efeitos adversos, como irritabilidade, ansiedade e tolerância progressiva.

A lisdexanfetamina é um pró-fármaco, ou seja, é biologicamente inativa até ser metabolizada em D-anfetamina. Essa característica proporciona um efeito mais gradual e duradouro, reduzindo o risco de abuso imediato. Sua principal ação é promover a liberação de dopamina e noradrenalina, além de inibir sua recaptação.

A D-anfetamina tem alta afinidade pelos transportadores vesiculares monoamínicos, aumentando a disponibilidade de neurotransmissores em regiões como o hipocampo, corpo estriado e córtex pré-frontal.

Contudo, pesquisas sugerem que o uso contínuo de lisdexanfetamina pode induzir neuroinflamação e estresse oxidativo, particularmente em cérebros jovens. Isso ocorre devido à geração de espécies reativas de oxigênio (EROS) durante o metabolismo   das      catecolaminas,           comprometendo         a          integridade            neuronal          e contribuindo para processos neurodegenerativos.

Estudos Prévios em Humanos e Lacunas Sobre O Uso Prolongado

Os estudos clínicos confirmam a eficácia imediata do metilfenidato e da lisdexanfetamina no controle de sintomas de TDAH. No entanto, a maioria dessas pesquisas é limitada ao curto prazo, com foco no alívio sintomático, deixando questões sobre segurança e neurotoxicidade de longo prazo em aberto.

Achados preliminares apontam para:

  • Alterações       neuroquímicas            persistentes,   incluindo         aumento          da            atividade dopaminérgica que pode levar à dessensibilização de receptores dopaminérgicos.
  • Déficits            cognitivos        tardios,            especialmente            em       memória            de        curto    prazo   e aprendizagem verbal.
  • Aumento de ansiedade e sintomas depressivos após o término do uso.
  • Possível predisposição a transtornos psiquiátricos, como dependência química e transtornos de humor.

Com essas descobertas vemos o ressaltar da lacuna na literatura sobre os riscos cumulativos do uso prolongado e a necessidade de mais estudos longitudinais.

Evidências Experimentais em Modelos Animais

Alterações Comportamentais

Estudos experimentais conduzidos em ratos expostos cronicamente à lisdexanfetamina e ao metilfenidato revelam alterações significativas nos comportamentos cognitivos e emocionais.

Um dos principais achados inclui déficits de memória operacional e declarativa, avaliados por testes como o Y-Maze e o NOR (Novel Object Recognition). Enquanto o Y-Maze não apresentou déficits evidentes na memória operacional, o teste NOR revelou declínio na memória declarativa de curto prazo, sugerindo prejuízo na capacidade de reconhecimento de objetos novos e memorização de informações recentes.

Além disso, comportamentos tipo-ansiosos foram observados em testes do campo aberto, nos quais os ratos tratados com lisdexanfetamina passaram menos tempo explorando áreas abertas e permaneceram mais próximos às bordas do espaço. Esse padrão comportamental é frequentemente associado a um estado de hiperexcitação emocional e ansiedade, indicando desregulação na ativação da amígdala e do córtex pré-frontal.

Alterações Bioquímicas e Neuroquímicas

Estresse Oxidativo e Neuroinflamação:

O estudo revelou que o uso prolongado de lisdexanfetamina provoca um desequilíbrio oxidativo nas regiões do hipocampo e do corpo estriado — áreas cruciais para memória, aprendizado e controle emocional.

  • Redução de Antioxidantes (GSH):

Observou-se queda nos níveis de glutationa reduzida (GSH), um antioxidante essencial para neutralizar espécies reativas de oxigênio (EROS).

A diminuição do GSH compromete a capacidade antioxidante cerebral, deixando os neurônios mais vulneráveis a danos oxidativos.

  • Aumento de TBARS:

Houve um aumento significativo dos níveis de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS), biomarcadores de peroxidação lipídica.

Esse    processo         gera     deterioração    nas      membranas     celulares,            prejudicando   a funcionalidade sináptica e promovendo neurodegeneração.

Citocinas Inflamatórias e Receptores AT1

O tratamento prolongado com lisdexanfetamina também foi associado a um aumento na produção de interleucina-6 (IL-6), uma citocina pró-inflamatória, indicando a presença de um processo neuroinflamatório crônico.

  • Esse processo inflamatório pode estar relacionado à ativação dos receptores AT1 de angiotensina II, que contribuem para a amplificação da resposta inflamatória e para a disfunção neuroquímica nas áreas analisadas.
  • O aumento desses receptores no hipocampo sugere um mecanismo compensatório frente ao estresse oxidativo, mas também pode refletir uma predisposição a transtornos psiquiátricos e danos cognitivos progressivos.

Implicações Para A Neuroplasticidade

O uso crônico de estimulantes pode comprometer a neuroplasticidade, um processo fundamental para o aprendizado e a formação de novas memórias.

Em modelos animais, o uso prolongado dessas substâncias foi associado à diminuição da expressão de fatores neurotróficos, como o BDNF (Brain-Derived Neurotrophic Factor), responsável por promover o crescimento e a sobrevivência dos neurônios.

A redução nos níveis de BDNF pode limitar a capacidade do cérebro de reparar-se após insultos químicos e inflamatórios, comprometendo a resiliência neuronal e aumentando a vulnerabilidade a doenças neurodegenerativas.

Os Resultados Em Humanos Podem Ter Variações

Sabemos que embora os modelos animais forneçam informações valiosas, as extrapolações para humanos exigem cautela. Em humanos, as alterações observadas nos modelos experimentais podem:

  • Manifestar-se como déficits cognitivos subclínicos ao longo do tempo, incluindo dificuldades de aprendizado e memória.
  • Aumentar a predisposição a transtornos de ansiedade e depressão devido à disfunção no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), responsável pela resposta ao estresse.
  • Potencializar o risco de dependência química em usuários que utilizam estimulantes como potencializadores cognitivos fora de indicação médica.

Essas descobertas reforçam a necessidade de pesquisas e estudos longitudinais em humanos para avaliar a persistência dessas alterações e os riscos cumulativos do uso contínuo dessas substâncias.

Implicações Clínicas E Em Pesquisas Futuras

Esses achados experimentais sugerem que o uso prolongado e abusivo de estimulantes deve ser tratado com maior cautela clínica e regulamentação rigorosa.

  • Estudos futuros devem investigar os efeitos duradouros e transgeracionais dessas substâncias, especialmente em cérebros em desenvolvimento.
  • Deve-se avaliar a possibilidade de biomarcadores inflamatórios e oxidativos serem utilizados como indicadores de vulnerabilidade para os usuários crônicos.
  • Propostas para estratégias preventivas e terapêuticas precisam ser discutidas para minimizar os riscos associados ao uso contínuo desses medicamentos.

Discussão e Análise

Modelos Animais e Limitações na Extrapolação para Humanos

Os modelos experimentais utilizados fornecem insights valiosos sobre os mecanismos biológicos subjacentes aos efeitos das substâncias psicoestimulantes. Em ratos, observou-se aumento de estresse oxidativo e neuroinflamação crônica, especialmente no hipocampo e no corpo estriado, áreas críticas para aprendizado e controle emocional.

Apesar dessas evidências, a extrapolação direta para humanos apresenta limitações importantes, como:

  • Diferenças no Desenvolvimento Cerebral:

O sistema nervoso humano é mais complexo e apresenta períodos críticos de desenvolvimento mais prolongados, tornando os resultados em animais parciais e necessitando de validação em estudos clínicos.

  • Fatores Sociais e Ambientais:

Os modelos animais não conseguem replicar as pressões sociais e emocionais enfrentadas por humanos, que podem modular a resposta ao tratamento e ao uso abusivo desses fármacos.

  • Doses e Tempo de Exposição:

Nos experimentos, a administração de substâncias pode ocorrer em concentrações ou durações que não refletem fielmente os padrões de uso humano, especialmente em ambientes acadêmicos e profissionais.

São limitações como estas que reforçam a necessidade de estudos longitudinais e ensaios clínicos mais detalhados em humanos.

Implicações para Saúde Pública e Ética

O aumento do consumo indiscriminado de estimulantes em busca de neuroaprimoramento cognitivo destaca uma questão ética e social complexa. Embora essas substâncias tenham papel legítimo no tratamento do TDAH, seu uso por indivíduos saudáveis levanta preocupações sobre:

  • Segurança e Autoprescrição:

A automedicação sem acompanhamento médico adequado pode expor os usuários a efeitos adversos graves, como neurotoxicidade, dependência e danos psiquiátricos.

  • Desigualdade de Acesso:

O uso dessas substâncias para melhorar o desempenho acadêmico ou profissional pode acentuar disparidades sociais, favorecendo aqueles que têm maior acesso aos medicamentos e criando pressões injustas para o uso competitivo.

  • Normalização Cultural:

A banalização do uso de estimulantes, especialmente entre jovens e estudantes universitários, pode agravar comportamentos de risco e prejudicar a percepção sobre seus reais impactos à saúde.

Essas observações destacam a urgência de políticas públicas que fortaleçam campanhas de conscientização e regulação mais rigorosa para o controle de prescrição e distribuição dessas substâncias.

A Relação com Neuroinflamação e Neurodegeneração

Os achados bioquímicos sugerem que o uso prolongado de estimulantes pode induzir neuroinflamação persistente e aumentar a produção de espécies reativas de oxigênio (EROS), levando à peroxidação lipídica e ao dano oxidativo neuronal.

Estes mecanismos estão intimamente ligados à neurodegeneração e podem ser considerados precursores de condições como doença de Alzheimer e declínio cognitivo precoce.

Embora os efeitos observados nos modelos animais não sejam diretamente confirmados em humanos, eles representam sinais de alerta que demandam investigações mais amplas.

Estudos futuros devem explorar:

  • Biomarcadores neuroinflamatórios em pacientes que utilizam esses medicamentos a longo prazo.
  • A relação entre o uso de estimulantes e o risco de doenças neurodegenerativas em idosos e indivíduos expostos desde a infância.
  • O         impacto           cumulativo      do        estresse          oxidativo         na            neuroplasticidade       e          no desenvolvimento cognitivo em adolescentes.

Necessidade de Pesquisas Longitudinais

Um dos principais desafios destacados neste artigo é a escassez de pesquisas longitudinais que acompanhem usuários desses medicamentos por anos ou décadas. E por mais que as evidências em modelos animais sugiram riscos significativos, a validação em humanos ainda é limitada.

Sugere-se o desenvolvimento de:

  • Ensaios Clínicos de Longo Prazo:

Para monitorar o impacto em diferentes faixas etárias e perfis genéticos.

  • Estudos Neuroimagem Funcional:

Para mapear alterações em redes neurais específicas, como o córtex pré-frontal e o hipocampo, após uso prolongado.

  • Investigações Comportamentais e Cognitivas:

Para avaliar os efeitos tardios no aprendizado, memória e controle emocional.

Propostas para Prevenção e Regulação

Diante de todas as evidências apresentadas, recomenda-se:

  • Campanhas Educativas:

Alertar sobre os riscos do uso recreativo de estimulantes e promover informações sobre o manejo responsável em tratamentos clínicos.

  • Monitoramento Médico Rigoroso:

Criar protocolos mais detalhados para avaliar a necessidade de prescrição contínua e o surgimento de efeitos adversos.

  • Controle na Distribuição:

Reforçar mecanismos para rastrear prescrições e combater a venda ilegal.

  • Pesquisas Multidisciplinares:

Incentivar estudos colaborativos entre neurocientistas, médicos e psicólogos para ampliar o entendimento sobre os riscos a longo prazo.

Conclusão

Este artigo investigou os efeitos neurobiológicos do uso prolongado e abusivo de lisdexanfetamina        (Venvanse)     e         metilfenidato              (Ritalina),            destacando     alterações cognitivas, comportamentais        e          bioquímicas            associadas                 ao        consumo         dessas substâncias.

A revisão detalhada da literatura revelou que, embora esses medicamentos sejam eficazes no tratamento do TDAH, seu uso prolongado — especialmente fora de indicações médicas — pode desencadear efeitos adversos preocupantes, incluindo:

  • Déficits de memória declarativa e aumento da ansiedade, conforme observado em modelos animais.
  • Desequilíbrio oxidativo e neuroinflamação crônica, com redução de antioxidantes essenciais (GSH) e aumento de marcadores de estresse oxidativo (TBARS).
  • Alterações neuroquímicas duradouras, que afetam neurotransmissores como dopamina e noradrenalina, prejudicando o equilíbrio funcional do sistema nervoso central.
  • Redução na neuroplasticidade e diminuição dos níveis de BDNF, comprometendo a capacidade do cérebro de reparar danos e aumentando a vulnerabilidade a distúrbios neurodegenerativos.

Esses achados levantam sérios questionamentos sobre a segurança do uso prolongado desses estimulantes, principalmente em jovens e adultos saudáveis que recorrem a essas substâncias para aprimoramento cognitivo.

Em síntese, a extrapolação de modelos animais para humanos, embora limitada, sugere que os impactos adversos observados em ratos podem ter paralelos em indivíduos expostos cronicamente.

Isso reforça a necessidade de monitoramento clínico rigoroso e de mais pesquisas longitudinais para determinar as implicações do uso contínuo e avaliar as possíveis consequências no desenvolvimento neurológico humano.

Considerações Finais

Lacunas Científicas e Necessidade de Pesquisa

Apesar dos avanços no entendimento dos mecanismos de ação e dos efeitos imediatos desses estimulantes, a literatura carece de estudos longitudinais que investiguem os impactos neurobiológicos cumulativos em humanos.

Há necessidade urgente de:

  • Ensaios clínicos de longa duração para monitorar alterações cognitivas e emocionais ao longo do tempo.
  • Análises de neuroimagem funcional para mapear as mudanças estruturais no cérebro após uso prolongado.
  • Estudos de biomarcadores inflamatórios e oxidativos para identificar sinais precoces de neurotoxicidade.

Essas investigações podem fornecer respostas mais precisas sobre a segurança a longo prazo dessas substâncias e embasar decisões clínicas e políticas públicas.

Implicações Sociais e Éticas

O         uso      indiscriminado e          recreativo        de        estimulantes   como            forma   de neuroaprimoramento cognitivo destaca desafios éticos importantes, como:

  • Desigualdade de acesso, favorecendo grupos sociais com maior poder aquisitivo.
  • Pressão social e acadêmica, que incentiva o consumo de substâncias como ferramenta de competitividade, normalizando práticas potencialmente prejudiciais à saúde mental.
  • Desinformação e banalização, impulsionadas por conteúdos midiáticos e redes sociais que minimizam os riscos e promovem um uso irresponsável.

Recomendações Práticas

Diante do que foi achado e apresentado, este artigo recomenda:

  • Educação e Conscientização Pública:

Campanhas para alertar sobre os riscos do uso indiscriminado e os efeitos adversos de longo prazo.

  • Regulamentação Mais Rigorosa:

Controle na prescrição e distribuição de estimulantes para evitar abusos e automedicação.

  • Monitoramento Médico e Psicológico:

Avaliações regulares para pacientes em tratamento prolongado, com foco na prevenção de efeitos colaterais e dependência.

  • Programas Preventivos e Terapêuticos:

Desenvolvimento de estratégias para auxiliar estudantes e profissionais a lidar com demandas cognitivas sem recorrer a estimulantes.

Perspectivas Futuras

Além de pesquisas científicas, é essencial promover diálogos interdisciplinares entre profissionais de saúde, educadores, psicólogos e neurocientistas para desenvolver abordagens mais equilibradas para o tratamento do TDAH e o uso de estimulantes.

Encerramento

Este artigo destacou a importância de compreender os efeitos neurobiológicos e comportamentais do uso prolongado e abusivo de lisdexanfetamina e metilfenidato. Embora esses medicamentos tenham seu valor terapêutico amplamente reconhecido, sua utilização fora de contextos clínicos e sem monitoramento adequado representa um risco real para a saúde mental e cognitiva.

As evidências apresentadas reforçam a necessidade de uma abordagem ética, científica e preventiva para lidar com o uso dessas substâncias. Mais do que fornecer respostas, este estudo busca abrir novos caminhos para pesquisa e contribuir para um debate mais consciente sobre os desafios contemporâneos relacionados ao consumo de estimulantes.

Referências

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