EFEITOS DO USO DA EPINEFRINA NA REANIMAÇÃO NEONATAL: UMA REVISÃO DE LITERATURA

EFFECTS OF EPINEPHRINE USE IN NEONATAL RESUSCITATION: A LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.13129578


Camila Ananias Bezerra de Lima1
Ana Paula Ferreira de Azevedo Jácome2
Helder Felipe Azevedo da Silva3
Ícaro César Bezerra Silva4
Jussara Diniz Barros Camarotti5
Luciana de Castro Lira Mendes6
Luzia Glaucyany de Oliveira Silva7
⁸Lydiany de Lima Barbosa8
Sandra gomes de Santana Medeiros9
Valeria Cavalcante Menezes10


Resumo

Introdução: Na estatística do Ministério da Saúde, estima-se que 300.000 neonatos necessitam de suporte em sala de parto para instituir  e  manter  a  respiração, entre os quais uma parte significativa  requer assistência  ainda  mais  específica,  com medidas como a  ventilação por pressão positiva, intubação orotraqueal ou administração de drogas vasoativas. Independente da idade gestacional, a administração de adrenalina é preconizada para aqueles neonatos que necessitam de reanimação em sala de parto, após falha no retorno à circulação espontânea com a ventilação por pressão positiva, intubação orotraqueal e massagem cardíaca. Objetivo: Avaliar a evidência disponível acerca dos efeitos do uso da epinefrina na reanimação neonatal. Metodologia: De início, o presente estudo constitui uma revisão integrativa de literatura, tendo sido produzido segundo as diretrizes estabelecidas na declaração PRISMA 2020 (PAGE et al, 2020). Nesse contexto, o primeiro passo foi a definição da pergunta de pesquisa segundo o protocolo PICO, que exige a definição da população-alvo (p) a ser estudada, a intervenção (i) a ser avaliada, o cenário comparativo (c) e os desfechos (o). Em seguida, procedeu-se à escolha da fonte de dados que seria utilizada para selecionar os artigos pertinentes a esta revisão. Nesse sentido, definiu-se a plataforma MEDLINE como fonte de dados e informação, de modo que a pesquisa foi realizada neste banco de dados no dia 25 de junho de 2024. Conclusão: Em suma, a literatura revisada indica que a administração de epinefrina por via endotraqueal demonstrou-se superior à via endovenosa avaliando-se o retorno de circulação espontânea (ROSC), ambas sendo eficazes no sucesso da reanimação neonatal. Quanto à eficácia, observou-se que a eficácia da epinefrina varia de acordo com a via de administração, comorbidades, peso ao nascer e idade gestacional, de modo que os desfechos clínicos podem ser significativamente influenciados.

Palavras-chave: epinefrina, reanimação neonatal, retorno à circulação espontânea

Abstract 

Introduction: According to statistics from the Ministry of Health, it is estimated that 300,000 neonates require support in the delivery room to establish and maintain breathing, among whom a significant portion need even more specific assistance, such as positive pressure ventilation, endotracheal intubation, or administration of vasoactive drugs. Regardless of gestational age, the administration of adrenaline is recommended for those neonates who require resuscitation in the delivery room, following failure to achieve spontaneous circulation return with positive pressure ventilation, endotracheal intubation, and cardiac massage. Objective: To evaluate the available evidence regarding the effects of epinephrine use in neonatal resuscitation. Methodology: Initially, this study constitutes an integrative literature review, conducted according to the guidelines established in the PRISMA 2020 statement (PAGE et al, 2020). In this context, the first step was defining the research question using the PICO protocol, which necessitates defining the target population (p), the intervention (i) being evaluated, the comparative setting (c), and the outcomes (o). Next, the choice of data source for selecting relevant articles for this review was made. Accordingly, the MEDLINE platform was selected as the data source, and the search was conducted in this database on June 25, 2024. Conclusion: In summary, the literature reviewed indicates that endotracheal administration of epinephrine has been shown to be superior to intravenous administration when evaluating return of spontaneous circulation (ROSC), with both routes proving effective in successful neonatal resuscitation. Regarding efficacy, it was observed that the effectiveness of epinephrine varies depending on the route of administration, comorbidities, birth weight, and gestational age, thereby potentially significantly influencing clinical outcomes.

Keywords: epinephrine, neonatal resuscitation, return of spontaneous circulation

1. Introdução

Na estatística do Ministério da Saúde, estima-se que 300.000 neonatos necessitam de suporte em sala de parto para instituir  e  manter  a  respiração, entre os quais uma parte significativa  requer assistência  ainda  mais  específica,  com medidas como a  ventilação por pressão positiva, intubação orotraqueal ou administração de drogas vasoativas,  de acordo com a necessidade estabelecida por critérios como a presença de respiração espontânea, a frequência cardíaca e o tônus muscular. Assim, é imprescindível contar com profissionais de saúde treinados para recepcionar o RN, ajudar na transição ao ambiente extrauterino e, sempre que necessário, realizar a reanimação neonatal  (Rocha et al., 2022). 

A primeira ação da equipe que irá cuidar do RN é realizar o “briefing”.  O briefing consiste em uma rápida reunião entre os membros da equipe para planejar o atendimento neonatal, antes do nascimento. Inclui anamnese materna, preparo do ambiente e do material para uso imediato na sala de parto e divisão das funções de cada membro da equipe, deixando claro a quem caberá o papel de liderança dos procedimentos de reanimação. Todo o material necessário para a reanimação deve ser preparado, testado e estar disponível em local de fácil acesso, antes do nascimento. Esse preparo inclui o cuidado com o ambiente e a verificação da temperatura de 23-25°C da sala de parto (SBP, 2022) 

Ao nascimento, se o recém-nascido não está respirando, não está chorando e não inicia movimentos respiratórios regulares, ou se o tônus muscular está flácido, ele demonstra baixa vitalidade e deve ser levado à mesa de reanimação para receber os cuidados iniciais de estabilização. Estes cuidados incluem ações simultâneas realizadas por dois profissionais de saúde em até 30 segundos: manter a temperatura corporal adequada, garantir a permeabilidade das vias aéreas, posicionar o sensor de oxímetro de pulso e os eletrodos do monitor cardíaco. Além disso, é necessário posicionar a cabeça em leve extensão, aspirar as vias aéreas superiores se necessário, remover campos úmidos nos recém-nascidos com idade gestacional igual ou superior a 34 semanas, e então reavaliar a frequência cardíaca e a respiração (Conzi et al., 2022) 

Já nos RN menores de 34 semanas, o cuidado quanto ao aquecimento é ainda mais importante, motivo pelo qual há a recomendação rotineira de uso de saco plástico transparente de polietileno e touca dupla de algodão na tentativa de reduzir as perdas de calor. Além disso, alguns artifícios disponíveis na reanimação de crianças mais próximas do termo, como a máscara laríngea, podem não estar amplamente disponíveis para recém-nascidos menores de 34 semanas (Stivanin et al., 2024). 

Ao contrário dos adultos, a ventilação adequada é crucial na reanimação neonatal, exigindo que os profissionais sejam proficientes em técnicas de ventilação com máscara. Este cuidado não só garante a administração correta de oxigênio, essencial para o desenvolvimento inicial do recém-nascido, mas também necessita de habilidades refinadas para ajustar a ventilação às necessidades individuais (Mimoso et al., 2024). 

Independente da idade gestacional, a administração de adrenalina é preconizada para aqueles neonatos que necessitam de reanimação em sala de parto, após falha no retorno à circulação espontânea com a ventilação por pressão positiva, intubação orotraqueal e massagem cardíaca, seguindo um fluxograma estabelecido pela Diretriz de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria. A administração de epinefrina é feita preferencialmente após cateterização da veia umbilical, mas pode também ser realizada em outros sítios alternativamente (Da Conceição et al., 2018). 

Nesse contexto, esta revisão de literatura se propõe a avaliar a evidência disponível acerca dos efeitos do uso da epinefrina na reanimação neonatal.

 2. Metodologia

2.1 Protocolo e registro

Quanto ao protocolo, trata-se de uma revisão integrativa de literatura, tendo sido produzido segundo as diretrizes estabelecidas na declaração PRISMA 2020 (PAGE et al, 2020). Nesse contexto, o primeiro passo foi a definição da pergunta de pesquisa segundo o protocolo PICO, que exige a definição da população-alvo (p) a ser estudada, a intervenção (i) a ser avaliada, o cenário comparativo (c) e os desfechos (o). Nesse contexto, a determinação foi feita da seguinte forma: recém-nascidos que cumprem critérios para necessidade de reanimação neonatal (p); administração de adrenalina (i); sem administração de adrenalina (c); retorno à circulação espontânea (o).

2.2 Fonte de dados

Em seguida, procedeu-se à escolha da fonte de dados que seria utilizada para selecionar os artigos pertinentes a esta revisão. Nesse sentido, definiu-se a plataforma MEDLINE como fonte de dados e informação, de modo que a pesquisa foi realizada neste banco de dados no dia 25 de junho de 2024.

2.3 Pesquisa na base de dados

Quanto à pesquisa na base de dados, utilizou-se as palavras-chave epinefrina, reanimação neonatal e retorno à circulação espontânea,  com a restrição de que os artigos tivessem sido publicados nos últimos 10 anos. Além disso, foram excluídos artigos incompletos e estudos que não tinham relação com a pergunta de pesquisa após avaliação por texto completo.

Desse modo, foram encontrados 64 artigos, a partir do seguinte mecanismo de pesquisa:

Pubmed/MEDLINE: (epinefrina) AND (reanimação neonatal) AND (retorno à circulação espontânea) AND (year_cluster:[2014 TO 2024])

2.4 Critérios de seleção

Quanto ao processo de seleção, os artigos foram inicialmente avaliados por título e resumo, de modo que aqueles sem correlação com a pergunta de pesquisa foram excluídos. Posteriormente, os artigos que permaneciam selecionáveis foram avaliados por texto completo, de modo que cada estudo foi analisado por pelo menos dois autores. Nesse momento, foram excluídos artigos sobre os quais não era possível identificar o texto completo e estudos com graves conflitos de interesse, de modo que subsistiram à análise e foram selecionados cinco estudos.

2.5 Limitações do estudo

Quanto às limitações deste estudo, é evidente que revisões sistemáticas de literatura estão sujeitas ao viés de interpretação e ao viés de seleção. Para dirimir isso, o processo de seleção foi feito segundo critérios objetivos estabelecidos previamente e a decisão de inclusão era consensual de pelo menos dois autores. Além disso, a produção de uma análise sumária de cada artigo era feita também por pelo menos dois autores, reduzindo o viés de interpretação. 

Outra importante limitação a ser observada diz respeito à natureza da literatura disponível a respeito do uso da epinefrina na reanimação neonatal: boa parte dos estudos são de intervenção em animais (frequentemente cordeiros ou porcos), o que pode não ter uma correspondência exata com a realidade humana.  

Importante perceber, também, que a natureza desta revisão, incluindo estudos de intervenção e estudos observacionais, não pretende inferir causalidade, na medida em que esta é melhor estabelecida seguramente por ensaios clínicos randomizados, mas este trabalho cumpre o importante papel de sumarizar a evidência científica disponível em busca de convergências e possíveis verdades transitórias.

3. Resultados e Discussão 

Quadro 1: Resultados

Título do ArtigoAno de PublicaçãoObjetivoResultados
Use of Initial Endotracheal Versus Intravenous Epinephrine During Neonatal Cardiopulmonary Resuscitation in the Delivery Room: Review of a National Database.2024Avaliar se a administração inicial de epinefrina por tubo endotraqueal (ET) em recém-nascidos que recebem compressões torácicas e epinefrina na sala de parto (DR) está associada a taxas mais baixas de retorno de circulação espontânea (ROSC) em comparação com recém-nascidos que recebem epinefrina inicial intravenosa (IV).No total, 408 bebês preencheram os critérios de inclusão; desses, 281 (68,9%) receberam epinefrina inicial por tubo endotraqueal (ET) e 127 (31,1%) receberam epinefrina inicial intravenosa (IV). O grupo inicial de epinefrina por ET incluiu bebês que também receberam epinefrina intravenosa subsequente quando a epinefrina por ET não conseguiu obter ROSC (retorno de circulação espontânea). Comparando epinefrina inicial por ET com epinefrina inicial por IV, ROSC foi alcançado em 70,1% vs 58,3% (diferença de risco ajustada de 10,02; IC 95% 0,05-19,99). ROSC foi alcançado em 58,3% com epinefrina IV sozinha e em 47,0% com epinefrina ET sozinha, com 40,0% recebendo epinefrina IV subsequente.
Epinephrine vs placebo in neonatal resuscitation: ROSC and brain MRS/MRI in term piglets.2023Avaliar o efeito da epinefrina versus placebo no retorno da circulação espontânea (ROSC) e na espectroscopia e imagem por ressonância magnética cerebral (MRS/MRI) em leitões recém-nascidos com parada cardíaca hipóxica (CA).Retorno à circulação espontânea foi mais frequente nos animais tratados com epinefrina do que com placebo; 10/13 vs 4/12, RR = 2,31 (IC 95% 1,09-5,77). Não encontramos diferença no tempo até ROSC (120 [113-211] vs 153 [116-503] segundos, p = 0,7) ou na sobrevivência de 6 horas (7/13 vs 3/12, p = 0,2). Entre os sobreviventes, não houve diferença entre os grupos na MRS/MRI cerebral. Não encontramos diferença no desfecho composto de morte ou anormalidade grave na MRS/MRI cerebral; RR = 0,7 (IC 95% 0,37-1,19).
Characteristics and outcomes of very low birth weight infants receiving epinephrine during delivery room resuscitation.2017Identificar o uso de epinefrina na sala de parto e identificar as características desses bebês.Dos 5868 recém-nascidos elegíveis, 416 (7%) receberam epinefrina na sala de parto. Os bebês que receberam epinefrina tinham menor idade gestacional estimada (25 vs. 28 semanas) e menor peso ao nascer (746 vs. 980 gramas). O sexo, raça e modo de parto foram comparáveis entre os dois grupos. A sobrevivência foi maior no grupo não tratado com epinefrina (89,4 vs. 61,1%). Infecção bacteriana (24,3 vs. 18,4%) e hemorragia intraventricular de grau 3 e 4 combinados (18,4 vs. 8,4%) foram mais altas no grupo tratado com epinefrina. O uso de epinefrina na sala de parto foi associado a uma diminuição na sobrevivência, mesmo após controle para peso ao nascer, idade gestacional e baixos escores de Apgar [Odds ratio – 0,48 com IC 95% (0,37-0,62), p < 0,001].
Incidence, characteristics, and survival following cardiopulmonary resuscitation in the quaternary neonatal intensive care unit.2017Determinar a incidência, intervenções e resultados da ressuscitação cardiopulmonar (CPR) em uma UTIN de referência quaternária.Houve 1,2 eventos de RCP por 1000 dias de paciente. RCP foi realizada em 113 de 5046 (2,2%) bebês admitidos na UTIN durante o período do estudo. A mediana da duração das compressões torácicas foi de 2 minutos (intervalo interquartílico de 1 a 6 minutos). Adrenalina foi administrada em 34 (30%) dos eventos de RCP. Dos 113 bebês com pelo menos um evento de RCP, 69 (61%) sobreviveram até a alta hospitalar. Os fatores associados independentemente com menor sobrevivência até a alta hospitalar foram o tratamento com inotrópicos antes da RCP (Odds Ratio ajustado [aOR] 0,14, Intervalo de Confiança [IC] 95% 0,04 a 0,54) e a administração de adrenalina durante a RCP (aOR 0,14, IC 95% 0,04 a 0,50).
Evidence on Adrenaline Use in Resuscitation and Its Relevance to Newborn Infants: A Non-Systematic Review.2017Sumarizar uma seleção do conhecimento atual sobre adrenalina durante a ressuscitação e avalie sua relevância para os recém-nascidos.Os dados em adultos indicam que a adrenalina melhora o retorno da circulação espontânea (ROSC), mas não a sobrevivência até a alta hospitalar. Estudos com animais recém-nascidos relataram que a adrenalina pode ser necessária para alcançar o ROSC. A administração intravenosa (10-30 µg/kg) é recomendada; no entanto, se não houver acesso intravenoso, uma dose mais alta por via endotraqueal (50-100 µg/kg) pode ser necessária. A segurança e eficácia da adrenalina intraóssea permanecem indeterminadas. A administração precoce e frequente não parece ser benéfica. Na verdade, foram observados efeitos hemodinâmicos negativos, especialmente com doses ≥30 µg/kg por via intravenosa. Pouco se sabe sobre a adrenalina na asfixia perinatal e em recém-nascidos pré-termo, mas observações indicam que a administração de adrenalina nessas condições pode prejudicar os resultados hemodinâmicos e neurológicos. No entanto, uma relação causal entre a administração de adrenalina e os resultados não pode ser estabelecida a partir dos poucos estudos retrospectivos disponíveis. Vasoconstritores alternativos têm sido investigados, mas as evidências são escassas.

Fonte: autores

3. 1 Eficácia da Epinefrina na Promoção de ROSC

Inicialmente, a primeira e mais importante questão que surge acerca do uso da adrenalina na reanimação neonatal diz respeito à eficácia na promoção do retorno da circulação espontânea (ROSC). Nesse sentido, um estudo avaliou 408 bebês que preencheram os critérios de inclusão, entre os quais uma parte relevante recebeu epinefrina como parte do protocolo de reanimação em sala de parto. Nesse contexto, 68,9% dos bebês receberam epinefrina inicialmente por tubo endotraqueal (ET), enquanto 31,1% receberam a administração inicial por via intravenosa (IV). A análise comparativa entre os grupos que receberam epinefrina ET e IV revelou que a taxa de ROSC foi superior no grupo que recebeu epinefrina ET, com 70,1%, em comparação com 58,3% no grupo que recebeu adrenalina IV. Essa diferença significativa foi ajustada estatisticamente, com uma diferença de risco de 10,02 (IC 95% 0,05-19,99), o que suscita a vantagem da via endotraqueal para atingir o retorno à circulação espontânea (HALLING, 2024).

Em suma, esses achados indicam que a epinefrina é eficaz na promoção de ROSC em recém-nascidos precisando de reanimação, sendo preferível a utilização da via endotraqueal pelos melhores resultados encontrados, possivelmente decorrentes da entrega mais direta da medicação aos pulmões e ao sistema circulatório. Isso facilita uma resposta mais pronta, auxiliando no aumento da frequência cardíaca e melhor adaptação da função respiratória à vida extrauterina.

3. 2 Impacto na Sobrevivência até a Alta Hospitalar

A análise da literatura disponível também permite avaliar o impacto da administração de epinefrina na sala de parto na sobrevivência até a alta hospitalar em recém-nascidos. Avaliando 5868 recém-nascidos elegíveis, entre os quais 416 (7%) receberam adrenalina na sala de parto, observou-se uma distribuição desigual em termos de idade gestacional e peso ao nascer, com médias significativamente menores no grupo que precisou de epinefrina, em comparação com o grupo que não recebeu droga vasoativa. A sobrevivência foi um ponto crucial de análise, revelando uma disparidade marcante entre os grupos: 89,4% dos recém-nascidos que não receberam epinefrina sobreviveram até a alta hospitalar, contra apenas 61,1% dos que receberam epinefrina. Essa diferença foi estatisticamente significativa e persistiu mesmo após ajustes para variáveis confundidoras como peso ao nascer, idade gestacional e escores baixos de Apgar. Quanto aos possíveis fatores que podem contribuir para esse achado, destaca-se primeiro que tanto a natureza crítica das condições que exigem a administração de epinefrina, como asfixia perinatal, quanto o fato da administração de adrenalina ser considerada apenas naqueles pacientes refratários à ventilação por pressão positiva e intubação orotraqueal podem agir como variáveis confundidoras na medida em que esses neonatos estão, naturalmente, em maior risco de complicações mais graves e mortalidade (SAVANI, 2017).

Alternativamente, há explicações associadas à farmacodinâmica da droga também, levantadas especialmente quando da observação de que a incidência de infecção bacteriana e hemorragia intraventricular grave entre os bebês que receberam epinefrina era maior do que no grupo que não recebeu a droga vasoativa. Essas complicações certamente influenciam na sobrevida dos recém-nascidos, na medida em que são de gravidade importante. Apesar disso, um possível fator confundidor aqui seria a prematuridade, mais comum em neonatos refratários às primeiras medidas de reanimação e que aumenta o risco tanto de sepse neonatal quanto de hemorragia intracraniana, de modo que não é plenamente possível atribuir uma relação causal com a administração de epinefrina.

Nesse contexto, observa-se o seguinte achado aparentemente paradoxal: enquanto a epinefrina desempenha um papel crucial na reanimação neonatal, os dados sugerem que sua administração inicial está associada a uma diminuição significativa na sobrevivência até a alta hospitalar. Isso decorre, presumivelmente, da incapacidade de estabelecer nexos causais inerentes à natureza observacional dos estudos avaliados.

3.3 Complicações Associadas ao Uso de Epinefrina

Quanto às complicações, os neonatos que receberam epinefrina, houve uma observação preocupante de maior incidência de complicações graves, incluindo infecção bacteriana e hemorragia intraventricular de grau 3 e 4. Especificamente, a taxa de infecção bacteriana foi de 24,3% no grupo que recebeu epinefrina, comparado a 18,4% no grupo não tratado com epinefrina. Além disso, a ocorrência combinada de hemorragia intraventricular grave foi significativamente maior no grupo tratado com epinefrina, registrando 18,4% em comparação com 8,4% no grupo não tratado. Esses resultados não permitem inferir que a administração de epinefrina na sala de parto causa um maior risco de complicações graves, na medida em que estudos observacionais podem não excluir todas as variáveis confundidoras existentes, o que influencia fatalmente o resultado. Apesar disso, sabe-se que a epinefrina, enquanto essencial para restaurar a circulação espontânea, também tem um efeito hemodinâmico que poderia desencadear respostas fisiológicas adversas, como aumento da pressão arterial e aumento da demanda de oxigênio, o que explicaria o desenvolvimento de complicações como as hemorragias intraventriculares. 

3. 4 Eficácia e Segurança das Diferentes Vias de Administração

A comparação entre as administrações endotraqueal (ET) e intravenosa (IV) de epinefrina durante a reanimação neonatal revela diferenças significativas em termos de eficácia e segurança, conforme evidenciado pelos dados disponíveis. Dos 408 recém-nascidos incluídos no estudo, 281 (68,9%) receberam epinefrina inicialmente ET, enquanto 127 (31,1%) receberam IV. Em relação à eficácia, a taxa de retorno da circulação espontânea (ROSC) foi substancialmente maior no grupo que recebeu epinefrina ET, alcançando 70,1%, em comparação com 58,3% no grupo que recebeu por IV. Essa diferença de 11,8 pontos percentuais tem um intervalo de confiança de 95% para a diferença de risco ajustada de 0,05 a 19,99. Esses dados sugerem que a administração endotraqueal de epinefrina pode ser mais eficaz na promoção do ROSC durante a reanimação neonatal, presumivelmente devido à entrega mais rápida da droga aos pulmões, órgão central na adaptação da criança à vida extrauterina. No entanto, em termos de segurança, a administração endotraqueal de epinefrina também apresenta desafios, já que pode ser mais difícil de realizar com sucesso em condições emergenciais, exigindo um alto nível de experiência da equipe médica tanto pela dificuldade da laringoscopia em neonatos quanto pelos riscos de complicações adicionais, como trauma da via aérea e distúrbios respiratórios temporários. Além disso, pode não garantir a absorção completa da medicação. Alternativamente, a administração intravenosa oferece uma entrega rápida e direta da medicação ao sistema circulatório, evitando os potenciais desafios técnicos da via endotraqueal, apesar da eficácia inferior.

3. 5 Considerações Específicas para Neonatos Prematuros e com Asfixia Perinatal

Em relação à asfixia perinatal, condição na qual o fornecimento de oxigênio para o feto ou recém-nascido é interrompido durante o trabalho de parto ou imediatamente após o nascimento, a administração de epinefrina pode desempenhar um papel crítico na restauração da circulação espontânea e na melhoria dos resultados clínicos. Contrariando isso, a literatura disponível revela que a administração de epinefrina na sala de parto foi associada a uma diminuição na sobrevivência até a alta hospitalar, mesmo após o controle para fatores como peso ao nascer, idade gestacional e baixos escores de Apgar. Isso sugere que neonatos prematuros e aqueles com asfixia perinatal podem responder de maneira diferente à intervenção com epinefrina, o que suscita dúvidas fundamentais que precisam de posterior elucidação via ensaios clínicos randomizados, capazes de produzir melhores evidências e estabelecer causalidade. Além disso, considerações sobre os efeitos a longo prazo da administração de epinefrina em neonatos prematuros e com asfixia perinatal também são cruciais.

4. Conclusão

Em suma, a literatura revisada indica que a administração de epinefrina por via endotraqueal demonstrou-se superior à via endovenosa avaliando-se o retorno de circulação espontânea (ROSC), ambas sendo eficazes no sucesso da reanimação neonatal. Quanto à eficácia, observou-se que a eficácia da epinefrina varia de acordo com a via de administração, comorbidades, peso ao nascer e idade gestacional, de modo que os desfechos clínicos podem ser significativamente influenciados.

Quanto aos riscos da administração de epinefrina, as evidências apontam para uma associação com complicações como infecção bacteriana e hemorragia intraventricular grave, o que pode ser influenciado pela associação entre essas condições e a prematuridade, comum nos recém-nascidos necessitando de reanimação. A mortalidade até a alta hospitalar parece ser afetada negativamente pela administração de epinefrina, mesmo após ajustes para variáveis confundidoras, o que pode estar relacionado tanto aos desequilíbrios hemodinâmicos associados às drogas vasoativas, quanto a outras variáveis confundidoras não consideradas, de modo que são necessários mais estudos, preferencialmente ensaios clínicos randomizados, para elucidar questões ainda não completamente compreendidas com base na literatura disponível.

5. Referências

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CONZI, Maria Florencia UNIFESP. Execução de manobras de reanimação neonatal após treinamento com simulação realística de alta fidelidade. 2022.

DA CONCEIÇÃO, Virginia Lira; MARGOTTO, Paulo R.; RESENDE, Jefferson Guimarães. REANIMAÇÃO NEONATAL-2018.

FOGLIA, Elizabeth E. et al. Incidence, characteristics, and survival following cardiopulmonary resuscitation in the quaternary neonatal intensive care unit. Resuscitation, v. 110, p. 32-36, 2017.

HALLING, Cecilie et al. Use of Initial Endotracheal Versus Intravenous Epinephrine During Neonatal Cardiopulmonary Resuscitation in the Delivery Room: Review of a National Database. The Journal of Pediatrics, v. 271, p. 114058, 2024.

MIMOSO, Gabriela. Reanimação Neonatal: Particularidades e Desafios. Acta Médica Portuguesa, v. 37, n. 5, p. 317-319, 2024.

PINTO, Merlin et al. Evidence on adrenaline use in resuscitation and its relevance to newborn infants: a non-systematic review. Neonatology, v. 111, n. 1, p. 37-44, 2016.

ROCHA, Welmer Danilo Rodrigues et al. Fatores que influenciam no treinamento da reanimação neonatal: revisão integrativa. Research, Society and Development, v. 11, n. 8, p. e54511831076-e54511831076, 2022.

SAVANI, Malvi; UPADHYAY, Kirtikumar; TALATI, Ajay J. Characteristics and outcomes of very low birth weight infants receiving epinephrine during delivery room resuscitation. Resuscitation, v. 115, p. 1-4, 2017.

Sociedade Brasileira de Pediatria. Reanimação do recém-nascido ≥ 34 semanas em sala de parto: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria. SBP, 2022.

STIVANIN, Jaqueline Basso; KEGLER, Jaquiele Jaciara. Terapia intensiva Pediátrica: perspectivas, intervenções e relatos de experiência. AYA Editora, 2024.


1Graduanda em medicina pela Faculdade de Medicina de Olinda (FMO) – milaananias1.8@gmail.com
2
Graduanda em medicina pela Faculdade de Medicina de Olinda (FMO) – dra.apazevedo@gmail.com
3Graduando em medicina pela Faculdade de Medicina de Olinda (FMO) – hfelipeas@gmail.com
4Bacharel em medicina pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – ícaro.cesarr@gmail.com
5Graduanda em medicina pela Faculdade de Medicina de Olinda (FMO) – jussara_diniz@yahoo.com.br
6Graduanda em medicina pela Faculdade de Medicina de Olinda (FMO) – lucianaliramendes@gmail.com
7Graduanda em medicina pela Faculdade de Medicina de Olinda (FMO) – glaucysjm@gmail.com
8Graduanda em medicina pela Faculdade de Medicina de Olinda (FMO) – lydianybarbosa5@gmail.com
9Graduanda em medicina pela Faculdade de Medicina de Olinda (FMO) – sg657202@gmail.com
10Graduanda em medicina pela Faculdade de Medicina de Olinda (FMO) – valeriacme@yahoo.com.br